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Fatores de Influência na Escolha de Treinamento Seletivo no Internato

Factors Influencing the Choice of Selective Training during Medical Internship

Resumo:

O propósito do estudo foi examinar a configuração de escolha do estágio seletivo no internato do curso de Medicina da Universidade de Brasília, considerando fatores antecedentes à experiência clínica ou dela decorrentes. A população-alvo constituiu-se dos 511 graduandos (55,6% masculinos) de turmas consecutivas num período de nove anos (1994-2002). Os dados foram obtidos ao término do primeiro e do sexto ano analisados por vários procedimentos estatísticos. Os resultados mostraram diferenças marcantes na distribuição dos internos entre as cinco áreas de opção: clínica cirúrgica, clínica médica, pediatria, ginecologista-obstetrícia e medicina comunitária. Foram observados associações significativas entre opção seletiva e sexo, estilo de aprendizagem, preferência inicia, desempenho acadêmico e experiência de monitoria. Análises de regressão logística mostraram padrões explanatórios peculiares a cada opção. O estudo, em conclusão, revelou diferenças significativas na opção do estágio seletivo, que foram associadas a distintos fatores preditivos. Essas diferenças podem refletir aspectos da busca de compatibilidade pessoal, incluindo elementos vivenciais e expectativas sobre o trabalho profissional.

Palavras-chave:
Educação médica; Avaliação; Escolas médicas; Aprendizagem; Internato

Abstract:

The purpose of this study was to examine the pattern of choice of selective training at the University of Brasilia Medical School by appraising factors antecedent to or derived from clinical experience. The target population consisted of 511 graduates (55.6% males) from nine years of consecutive classes (1994-2002). Data obtained at the end of the first and the sixth years were analyzed by several statistical procedures. The results showed striking differences among five areas of selective training choice: clinical surgery, internal medicine, pediatrics, obstetrics-gynecology, and community medicine. Significant associations were found between choice of selective training and gender, learning style, early career preference, academic achievement, and peer tutoring experience. Separate logistic regression analysis showed a peculiar explanatory pattern for each choice. In conclusion, the study revealed significant differences in the choice of selective training that were associated with distinct predictive factors. The differences may reflect aspects of the search for personal compatibility, including experiential features and expectations regarding later professional work.

Key-words:
Education, medical; Evaluation; Schools, medical; Learning; Internship

INTRODUÇÃO

O internato, definido como estágio curricular da graduação, é uma etapa crítica da formação, uma vez que incorpora preparação abrangente em práticas médicas e enseja ao graduando responsabilidade progressiva no atendimento clínico, sob supervisão profissional. Em acréscimo, o internato já antecipa a perspectiva de treinamento diferenciado e intensivo na residência médica, ao tempo em que define o término da formação geral na graduação.

As características do internato nas escolas médicas brasileiras foram moldadas ao longo de três décadas por experiências pioneiras desenvolvidas em muitas instituições, recomendações oriundas de reuniões da Associação Brasileira de Educação Médica e resoluções normativas do Ministério da Educação. A ênfase na aprendizagem em serviço tem sido o elemento comum das diferentes propostas, ainda que essas difiram na duração e no local do treinamento, bem como na composição e organização das áreas de estágio11. ABEM. O Internato nas Escolas Médicas Brasileiras. Rio de Janeiro: ABEM; 1982. (Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, 4).),(22. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Superior. Manual do Internato. Brasília (DF): MEC; 1984. (Cadernos de Ciências da Saúde, 7).),(33. Marcondes E, Mascaretti LAS. O internato na graduação médica. In: Marcondes E, Gonçalves EL, org. Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998 p. 149-166..

As percepções dos estudantes de Medicina sobre o alcance da sua preparação ao concluírem o curso refletem substancialmente o impacto da aprendizagem em serviço durante o internato. Algumas dessas percepções podem ser inferidas pelas respostas dos graduandos ao questionário-pesquisa do Exame Nacional do Curso, no quadriênio 1999-2002. No ano de 2001, por exemplo, a grande maioria (83,5%) dos 8.145 graduandos indicou que a principal contribuição do curso foi a aquisição de formação profissional, embora quase 25% tenham referido capacidade limitada para o exercício da profissão, requerendo aperfeiçoamento adicional sob supervisão direta. Mais de 93% mantinham expectativa de realização de programa de residência médica imediatamente após a conclusão do curso. Cerca de 4/5 dos graduandos registraram maior preferência, na realização desse programa, por uma destas quatro áreas (em ordem decrescente de proporção de escolha): clínica médica, cirurgia geral, pediatria ou ginecologia-obstetrícia44. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Exame Nacional de Cursos: relatório-síntese 2001 (anexo de Medicina). Brasília: O Instituto, 2002..

A expectativa dos graduandos sobre a residência médica tem conexão com uma das questões cruciais na organização das áreas de estágio do internato: a possibilidade de inclusão de uma fase de treinamento de livre escolha do interno ou de escolha seletiva dentre áreas predeterminadas, a critério da instituição. Essa possibilidade é congruente com a flexibilidade de composição de estudos inerente às Diretrizes Curriculares Nacionais e condiz com as tendências de especialização profissional dos graduandos. Em contraposição, parece antepor-se ao caráter terminal do curso de graduação, enfraquecendo a prioridade da formação geral e atenuando virtualmente a imagem do perfil profissional para atuação no nível de atendimento primário nos serviços de saúde.

O incentivo imediato para o presente trabalho - que faz parte de uma linha de estudo da escolha de carreira e seus condicionantes- se deve ao atual processo de revisão do segundo acompanhamento curricular do curso de Medicina da Universidade de Brasília, vigente desde 1988. Três características incorporadas nesse acompanhamento interessam em particular: (i) a extensão do internato para três semestres, com inclusão de estágio seletivo em área ampla de atuação médica, no último semestre do curso; (ii) o desdobramento da matéria iniciação à saúde coletiva em várias disciplinas e atividades realizadas ao longo dos seis anos do curso; e (iii) a ampliação e promoção da oferta de monitoria, incluindo registro de créditos para integralização curricular pela realização da atividade.

O prolongamento do internato e a opção seletiva da área final de estágio visavam consolidar o treinamento em serviço e atender à demanda de diferenciação profissional no trabalho médico. O desdobramento das disciplinas almejava influenciar, de modo persistente e duradouro, o aprendizado estudantil sob a ótica da saúde coletiva. Por fim, a valorização e expansão da monitoria tinham por propósito incentivar a participação e o interesse dos estudantes no processo educativo e ampliar seu desenvolvimento acadêmico.

A implantação do estágio seletivo acarretou necessariamente maior responsabilidade individual do aprendiz na decisão sobre parte substancial de seu treinamento. Cabe indagar que fatores relacionados aos atributos e à experiência acadêmica dos estudantes têm influenciado a decisão sobre a área de opção. A posição no semestre de conclusão do curso relaciona essa fase de treinamento à perspectiva imediata de diferenciação profissional na residência médica. Um estudo anterior revelou forte associação entre a opção de estágio seletivo e a escolha de programa de residência médica, ao término do cursos. Em acréscimo, apurou-se uma associação significante entre a preferência inicial especifica e a respectiva opção de estágio seletivo, para cada uma das quatro áreas clínicas básicas. A comparação de dados de ingresso e de egresso, coincidentemente, mostrou que a oferta do treinamento seletivo não afetou significativamente as proporções relativas de preferência inicial por carreira e de escolha de residência médica ao final do curso.

O propósito do presente estudo foi examinar a configuração de escolha do estágio seletivo no período de nove anos desde a implantação do terceiro semestre de internato no curso de Medicina da Universidade de Brasília, considerando fatores pessoais antecedentes à experiência clínica e fatores decorrentes dessa experiência.

Neste artigo, os seguintes três objetivos de análise são enfocados.

  1. Descrever as diferenças na distribuição de internos nas opções de estágio seletivo em função de sexo, estilo de aprendizagem e preferência inicial por carreira;

  2. Averiguar as relações do tipo de experiência em monitoria durante o curso com a opção de estágio seletivo;

  3. Determinar a influência relativa de fatores de predição da área de estágio seletivo, considerando especialmente a prioridade de preferência inicial por carreira e a realização prévia de monitoria na área de escolha.

MÉTODOS

Delineamento

Trata-se de estudo retrospectivo centrado na variável de desfecho (opção de estágio na conclusão do curso), com elementos de acompanhamento prospectivo baseado em condições e expectativas dos participantes ao término do primeiro ano.

Sujeitos

A população-alvo do estudo constituiu-se dos 511 graduandos do curso de Medicina da Universidade de Brasília no período de nove anos. Serviram de critérios de inclusão o registro do aluno no acompanhamento curricular 2/88 e seu acesso ao terceiro semestre do internato em 18 turmas consecutivas, de 1994 a 2002. Os participantes têm predominância do sexo masculino (55,6%), e sua média de idade no ano de graduação era 25,1 anos. São oriundos de diferentes partes do país, inclusive por transferência de outras instituições, de caráter obrigatório, geralmente para o primeiro semestre do curso.

Contexto

No período do estudo, a formação médica na Universidade de Brasília conformou-se ao acompanhamento curricular implantado a partir do segundo semestre de 1988. Nesse novo currículo, houve prolongamento do internato para três semestres, sendo os dois primeiros em rodízio nas quatro clínicas básicas, e o terceiro, em opção seletiva, dentre as áreas de clínica médica, clinica cirúrgica, pediatria, ginecologia-obstetrícia ou medicina comunitária. Permitiu-se ao Interno, tendo completado o rodízio obrigatório, a escolha individual da área de estágio final dentre as cinco opções, sem restrição de vagas ou qualquer outro critério de acesso. O tamanho das turmas, no internato, variou de 13 a 46, com mediana de 31.

Medidas e Procedimentos

Os dados sobre as variáveis utilizadas no estudo foram obtidos de duas fontes: (a) registro acadêmico, com informações do histórico escolar dos graduandos; (b) inventário de condições e expectativas dos aprendizes, preenchido consecutivamente por alunos de todas as turmas (com 13 exceções) ao término do primeiro ano do curso.

Registro acadêmico. O registro acadêmico forneceu dados sobre as turmas de graduandos do acompanhamento curricular 2/88 do curso de Medicina, bem como sobre os semestres de ingresso e de egresso, o índice de rendimento acadêmico e o histórico de monitoria de cada graduando. O histórico de monitoria cobriu o número de vezes ou semestres de exercício da atividade e a variedade de disciplinas em que a atividade foi realizada ao longo do curso.

Inventário de condições e expectativas. O inventário forneceu elementos sobre as seguintes três características dos estudantes ao término do primeiro anodo curso: (a)estilo de aprendizagem; (b) autoconfiança como aprendiz; (c) expectativa sobre a escolha da futura carreira em Medicina.

O estilo de aprendizagem foi aferido mediante o Inventário de Estilo de Aprendizagem, de Kolb77. Kolb D. Experiential Learning. Englewood Cliffs: Prentice­ Hall, 1984. p. 61-98.. Esse instrumento permite classificar o estilo do aprendiz em dois grupos, segundo a tônica do ciclo vivencial de aprendiz agem: os ativos (adaptativos e convergentes) e os meditativos (divergentes e assimiladores).

A autoconfiança como aprendiz foi aferida por escala analógica visual de 100 mm88. Sobral DT. Motivação para aprender e resultados da aprendizagem baseada em problemas. Psicologia: Teoria e Pesquisa 1993; 555-562.. Os aprendizes foram agrupados em dois subgrupos de pontuação (superior ou inferior) definidos pela mediana dos escores de resposta, para efeito de algumas análises.

A expectativa individual sobre a futura carreira em Medicina foi obtida mediante a identificação pelo estudante da ordem de preferência inicial (1a, 2a e 3a) por área de atuação médica - dentre uma relação de 35 opções agrupadas em oito categorias-, bem como dos motivos principais da preferência prioritária. Para efeito de análise, estabeleceu-se a seguinte pontuação de preferência: 3 (1a), 2 (2a), 1 (3a) e 0 (outra, ou nenhuma).

Análise

Os trabalhos de Cohen e Manion (1994), Glantz e Slinker (1990) e Norman e Streiner (1994) orientaram os planos e procedimentos de análise99. Cohen L, Manion L. Research Methods In Education. London: Routledge, 1994. p. 146-163.),(1010. Glantz SA, Slinker BK. Primer of Applied Regression and Analysis of Variance. New York: McGraw-Hill, 1990. p. 512-568.),(1111. Norman GR, Streiner DL. Biostatistics: the essentials. St. Louis: Mosby, 1994.. Quatro procedimentos estatísticos principais foram utilizados: (a) testes de qui-quadrado, para comparar características ou descritores entre grupos; (b) coeficientes de correlação para medir a associação entre pares de variáveis; (c) testes t, ou análises de variância (one-way), para aferir diferenças entre médias de grupos; (d) análise de regressão logística para verificar a relação entre a variável de desfecho (a escolha, ou não, de determinada área de estágio seletivo) e variáveis ou fatores explanatórios.

O programa SPSS, versão 10.0, foi utilizado na análise estática. O nível de significância foi fixado em p = 0,05.

RESULTADOS

Não foram observadas diferenças significantes na distribuição da opção do estágio seletivo entre os internos da população-alvo agrupados segundo três critérios distintos:

  1. Época da realização do estágio seletivo: de 1/94 a 1/98, ou de 2/98 a 2/02 (qui-quadrado = 0,3 df = 4p > 0,9);

  2. Semestre de ingresso no estágio seletivo: 1o ou 2o (qui-quadrado = 4,9 df = 4 p = 0,29);

  3. Tamanho da turma de internato: N < 31, ou N > =31 (qui-quadrado = 1,2 df = 4 p > 0,8).

A distribuição da opção de área de estágio no total de graduandos foi a seguinte, em ordem decrescente de proporção: clínica cirúrgica (36,8%), clínica médica (30,7%), pediatria (19,4%), ginecologia-obstetrícia (11,5%) e medicina comunitária (1,6%). Essa ordem de distribuição da opção corresponde exatamente à ordem de preferência principal por carreira, no início do curso, pelo mesmo conjunto de participantes.

Observou-se um efeito significante de sexo na distribuição de escolha do estágio, decorrente principalmente da predominância de internos de sexo feminino na opção de pediatria (qui-quadrado = 9,8 df = 4 p = 0,045) (Tabela 1).

TABELA 1
Distribuição de graduandos por área de estágio seletivo no internato e sexo, no período 1994-2002 (N = 551)

Foi apurado, também, um efeito significante de estilo de aprendizagem. A proporção de internos com estilo ativo (convergente ou adaptativo) foi a maior na opção de clínica cirúrgica e a menor na opção de pediatria (qui-quadrado = 10,2 df = 4 p =0,038) (Tabela 2).

TABELA 2
Distribuição de graduandos por área de estágio seletivo no internato e estilo de aprendizagem no período 1994-2002 (N = 499)

O nível médio de autoconfiança como aprendiz não diferiu significantemente entre os graduandos agrupados segundo a área de estágio seletivo escolhida. Entretanto, foram observadas diferenças significantes entre as médias dos cinco grupos com relação ao número total de monitorias realizadas durante o curso e, da mesma forma, com relação ao índice de rendimento acadêmico. Nesses dois casos, a ordem decrescente das médias dos grupos foi: clínica médica, pediatria, clínica cirúrgica, obstetrícia-ginecologia e medicina comunitária (Tabela 3).

TABELA 3
Diferença entre graduandos - agrupados por opção de estágio seletivo no internato - em termos de médias de grau de autoconfiança, número cumulativo de monitorias e índice de rendimento acadêmico (N = 511)

Para cada opção de estágio seletivo (exceto medicina comunitária), observou-se associação positiva e significante entre a escolha ou não da área de estágio seletivo e a ordem de preferência inicial por carreira nessa área. Dentre as quatro áreas, a correlação não paramétrica (rho) mais forte foi entre ordem de preferência inicial por pediatria e estágio em pediatria; a correlação mais fraca foi entre ordem de preferência inicial por clínica médica e estágio em clínica médica (Tabela 4).

TABELA 4
Coeficientes de correlação não-paramétrica (Spearman) entre ordem de preferência inicial por carreira e opção de estágio seletivo no internato na mesma área da preferência inicial

A Tabela 5 revela a relação entre o número de monitorias realizadas em disciplinas conexas a uma área de estágio e a escolha ou não de estágio seletivo nessa mesma área. Para cada urna de quatro áreas de estágio (clínica cirúrgica, clínica médica, pediatria e ginecologia-obstetrícia), apurou-se associação significante entre experiência de monitoria em disciplinas conexas e opção pela respectiva área. A associação mais forte foi entre experiência de monitoria em pediatria e opção de estágio seletivo em pediatria. Em todos os quatro casos, observou-se uma tendência linear significante entre o número acumulado de monitorias em disciplinas conexas e a proporção de graduandos que optaram pelo estágio na área respectiva. Não obstante, 31% dos graduandos exerceram atividade de monitoria em disciplinas de áreas clínicas distintas.

TABELA 5
Distribuição de graduandos - agrupados por opção de estágio seletivo - segundo o número de monitorias em disciplinas conexas à área de estágio (N = 511)

Análises de regressão logística foram realizadas para cada opção de área de treinamento seletivo, considerando como fatores preditivos cinco classes de variáveis: sexo, estilo de aprendizagem, prioridade de preferência inicial, monitoria prévia e rendimento acadêmico em disciplinas conexas. Foram identificados em cada análise três ou quatro fatores preditivos significantes, para as diferentes opções de estágio, exceto medicina comunitária. Prioridade de preferência inicial e monitoria em disciplina conexa foram fatores significantes em cada uma das quatro opções principais de treinamento.

O modelo de regressão classificou corretamente entre 68,5% dos casos, na análise da escolha de clinica cirúrgica, e 89,2% dos casos, na análise de escolha de ginecologia e obstetrícia. A Tabela 6 mostra um sumário dos resultados (razões de chance ou odds ratios e percentual de classificação correta) das análises de regressão logística realizadas para cada opção de estágio.

TABELA 6
Resumo das análises de regressão logística dos fatores significantes de predição da opção da área de estágio seletivo: odds ratios e classificação correta (N = 498)

DISCUSSÃO

Os dados obtidos revelaram diferenças marcantes na distribuição dos internos entre as cinco áreas de opção de estágio seletivo na conclusão do internato. A configuração da distribuição não se alterou significantemente da primeira para a segunda metade do período de estudo, o que sugere relativa estabilidade na interação dos fatores de influência, especialmente quanto ao padrão coletivo de preferência de carreira dos graduandos no início do curso.

Fatores individuais antecedentes - tais como estilo de aprendizagem e sexo - se relacionaram, embora fracamente, com a distribuição dos internos no estágio seletivo, especialmente na proporção relativa de optantes por pediatria e talvez em decorrência de questões de ordem sociocultural.

Confirmando achado prévio, a preferência inicial foi o principal fator antecedente relacionado à escolha da área de estágio seletivo, com grau de associação dependente do nível de preferência e variável conforme a área de opção. O grau de correlação reflete a estabilidade temporal relativa da preferência especifica, maior em relação a pediatria e cirurgia do que em relação a clínica médica e ginecologia-obstetrícia.

Outro achado de interesse foi a relação entre a experiência de monitoria em disciplina clínica e a opção de estágio na área correlata. A inferência de que se trate de uma relação causal entre exposição (experiência) e desfecho (opção)se faz mais provável pelo fato de que os dados sugerem um gradiente entre o número ou a duração total de monitoria e o efeito ou resposta de opção pela área de estágio. O exercício da monitoria em disciplina abarca uma variedade de aspectos pertinentes à formação, tais como o rendimento acadêmico, a aquisição de habilidades transferíveis, a perspectiva de especialização futura, a oportunidade de interação com docentes e aprendizes, entre outros. Nesse sentido, a variação na força da associação pode resultar do peso relativo desses aspectos nas diferentes áreas de aprendizagem clínica, segundo a vivência dos próprios estudantes. A importância dessa interação sobressaí na medida em que se evidenciou uma influência potencial da experiência de monitoria no processo de decisão sobre a carreira futura em Medicina1212. Sobral DT. Selective training and cross-year clinical tutoring as educational influences on generalist career choice. Educ for Health 2001; 295-303..

As análises de regressão logística revelaram diversas variáveis explanatórias significantes e independentes na predição da escolha ou não de determinada área para o estágio seletivo, indicando a existência de múltiplas influências na busca de compatibilidade pessoal em relação à opção do estágio de conclusão do internato. Fatores decorrentes da vivência educacional (monitoria e/ ou rendimento acadêmico) predominaram sobre fatores antecedentes (sexo, estilo de aprendizagem e preferência inicial), mas com distintos perfis para as diversas opções.

Inesperadamente, sexo não foi fator preditivo independente para a escolha de estágio em pediatria ou clínica cirúrgica, embora seja influência distintiva na seleção de residência médica66. Sobral DT. Escolha de carreira em medicina por graduandos da Universidade de Brasília. Brasília Médica 2000; 37: 8-13.. Em contra partida, distintos estilos de aprendizagem (ativo ou meditativo) foram associados à escolha de uma ou outra daquelas áreas. Por outro lado, o rendimento acadêmico surgiu como fator distintivo na análise de várias opções de estágio, embora inexistindo critério de seleção e limite de vagas para a escolha. Esses achados sugerem que a perspectiva de diferenciação no treinamento visando à futura especialização profissional não foi o motivo preponderante da escolha específica da área de estágio, ao menos para uma parcela dos participantes.

Vale realçar que o percentual de discrepância entre desfecho observado e desfecho predito indica a ocorrência de fatores adicionais de escolha, não incluídos no modelo de análise. Outras condições ou expectativas de ordem individual, acadêmica ou profissional são influências possíveis nessa postulada busca de compatibilidade pessoal.

Mostrou-se eficaz e de valia para os graduandos a proposta do estágio seletivo? Dados de inscrição em programas de residência médica indicam que cerca de 70% dos egressos prestaram concurso para as áreas de clínica médica, cirurgia geral, pediatria e obstetrícia-ginecologia. Nessa parcela majoritária, 85% dos egressos haviam realizado o estágio seletivo na área conexa à área de escolha de residência médica. Isso sugere uma adequação, ainda que parcial, ao propósito de facilitar a preparação para a diferenciação profissional.

Em contra posição, a inexpressividade da escolha do estágio final em medicina geral e comunitária se afigura problemática e provavelmente reflete uma multiplicidade de condicionantes. No conjunto total, 3,9% dos graduandos expressaram preferência principal por uma carreira nessa área, no início do curso. Não se observou, contudo, qualquer relação entre a opção especifica e a preferência inicial, ou entre essa opção e a experiência de monitoria em disciplinas conexas. A inexistência de atividade obrigatória de medicina comunitária durante o rodízio de primeiro ano do internato possivelmente contribuiu para obscurecer a identidade da área, no percepção dos internos. A isso se acresce a questão da articulação operacional do estágio, envolvendo a coordenação educacional sob a responsabilidade de docentes de saúde coletiva e a supervisão das atividades práticas desenvolvidas no nível de atendimento primário, a cargo de profissionais da rede pública. Dificuldades eventuais prejudicaram a oferta regular dessa opção de treinamento seletivo ao longo do período de nove anos.

O estudo, em conclusão, revelou diferenças significativas na distribuição dos internos entre áreas de estágio seletivo, as quais foram associadas a distintos fatores preditivos. Essas diferenças podem refletir em parte a diversidade de influências na busca de compatibilidade pessoal, representada por múltiplos fatores predisponentes e contextuais, elementos da formação médica e expectativas de diferenciação no treinamento, visando a futura residência médica.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece a todos os graduandos pela disposição de participação e genuína cooperação durante o curso. Registra, também, o indispensável apoio institucional ao longo do período de estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    Sobral DT. Selective training and cross-year clinical tutoring as educational influences on generalist career choice. Educ for Health 2001; 295-303.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2003
  • Revisado
    28 Ago 2003
  • Aceito
    04 Set 2003
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