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Autodeterminação da motivação em alunos de Medicina: relações com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso

Self-determined motivation in medical students: correlations with preference reasons and the intention to pursue the medical course

Resumos

O propósito do estudo foi analisar a variabilidade da autodeterminação da motivação em função dos motivos de escolha de medicina e fatores da aprendizagem, e seus efeitos na intenção dos alunos de prosseguir no curso. Aplicou-se a Escala de Motivação Acadêmica ao total de 450 alunos em seis anos, apurando-se também os fatores da escolha e as medidas da orientação e autoconfiança e do rendimento na aprendizagem. Os resultados mostraram correlações positivas e significantes entre autodeterminação da motivação e valoração do aprendizado realizado, orientação significativa na aprendizagem, autoconfiança como aprendiz e rendimento cognitivo, bem como altruísmo e busca de desafio nos motivos de escolha de medicina. Análise de regressão revelou que fatores pessoais e contextuais, incluindo motivos de escolha, explicavam 42% da variabilidade de autodeterminação da motivação. Outra análise demonstrou que autodeterminação da motivação, intenção de aprender e valoração do aprendizado explicavam a parte maior da variabilidade na intenção de prosseguir no curso. Os achados sugerem a ocorrência de inter-relações significativas entre fatores pessoais e contextuais na determinação de autodeterminação da motivação e da intenção de adesão ao curso, após o primeiro ano de estudos.

Educação Médica; Avaliação Educacional; Estudantes de Medicina; Motivação; Intenção; Aprendizagem


The purpose of this study was to analyze the variability of self-determined motivation as refers to the reasons for choosing medicine and with respect to factors related to the learning process and their effect on the students' motivation to pursue the studies. The Academic Motivation Scale (AMS) was applied to 450 students over 6 years. The reasons underlying the choice were assessed and the value attributed to the course, learning orientation, self-confidence and learning outcome were measured. The results of the analyses indicate significant and positive correlations between self-determined motivation and course valuing, meaningful orientation, self-confidence, and first-year GPA, as well as altruism and looking for challenges as reasons for choosing medicine. Regression analysis revealed that contextual and personal variables, including choice reasons, explained 42% of the variability of self-determined motivation. Further analysis showed that self-determined motivation, the intention to learn, and course valuing explained the greater part of variability in the intention to pursue the studies. In conclusion, the findings suggest meaningful correlations between contextual and personal factors in shaping self-determination and motivation and the intention to pursue the studies after the first year of the medical course.

Medical Education; Educational Measurement; Medical Students; Motivation; Intention; Learning


PESQUISA

Autodeterminação da motivação em alunos de Medicina: relações com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso

Self-determined motivation in medical students: correlations with preference reasons and the intention to pursue the medical course

Dejano T. Sobral

Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: D. T. Sobral Universidade de Brasília – Faculdade de Medicina CP 04569 70919-970 – Brasília – DF E-mail: dtsobral@unb.br / dtsobral@netscape.net

RESUMO

O propósito do estudo foi analisar a variabilidade da autodeterminação da motivação em função dos motivos de escolha de medicina e fatores da aprendizagem, e seus efeitos na intenção dos alunos de prosseguir no curso. Aplicou-se a Escala de Motivação Acadêmica ao total de 450 alunos em seis anos, apurando-se também os fatores da escolha e as medidas da orientação e autoconfiança e do rendimento na aprendizagem. Os resultados mostraram correlações positivas e significantes entre autodeterminação da motivação e valoração do aprendizado realizado, orientação significativa na aprendizagem, autoconfiança como aprendiz e rendimento cognitivo, bem como altruísmo e busca de desafio nos motivos de escolha de medicina. Análise de regressão revelou que fatores pessoais e contextuais, incluindo motivos de escolha, explicavam 42% da variabilidade de autodeterminação da motivação. Outra análise demonstrou que autodeterminação da motivação, intenção de aprender e valoração do aprendizado explicavam a parte maior da variabilidade na intenção de prosseguir no curso. Os achados sugerem a ocorrência de inter-relações significativas entre fatores pessoais e contextuais na determinação de autodeterminação da motivação e da intenção de adesão ao curso, após o primeiro ano de estudos.

Palavras-chave: Educação Médica; Avaliação Educacional; Estudantes de Medicina; Motivação; Intenção; Aprendizagem.

ABSTRACT

The purpose of this study was to analyze the variability of self-determined motivation as refers to the reasons for choosing medicine and with respect to factors related to the learning process and their effect on the students' motivation to pursue the studies. The Academic Motivation Scale (AMS) was applied to 450 students over 6 years. The reasons underlying the choice were assessed and the value attributed to the course, learning orientation, self-confidence and learning outcome were measured. The results of the analyses indicate significant and positive correlations between self-determined motivation and course valuing, meaningful orientation, self-confidence, and first-year GPA, as well as altruism and looking for challenges as reasons for choosing medicine. Regression analysis revealed that contextual and personal variables, including choice reasons, explained 42% of the variability of self-determined motivation. Further analysis showed that self-determined motivation, the intention to learn, and course valuing explained the greater part of variability in the intention to pursue the studies. In conclusion, the findings suggest meaningful correlations between contextual and personal factors in shaping self-determination and motivation and the intention to pursue the studies after the first year of the medical course.

Key-words: Medical Education; Educational Measurement; Medical Students; Motivation; Intention; Learning.

INTRODUÇÃO

Motivação, no campo educacional, é um fenômeno complexo que abrange conotações diversas em relação ao direcionamento e à energia na aprendizagem. Pintrich1 identificou, na prospectiva da noção de auto-regulação da aprendizagem, várias características pertinentes à motivação no contexto educacional: (a) razões ou propósitos dos indivíduos para se engajarem numa atividade; (b) percepções da dificuldade e da capacidade para sua realização; (c) interesse pessoal e atribuições de valores pertinentes à atividade específica.

Numa perspectiva multidimensional, a motivação dos indivíduos se diferencia em relação ao nível e tipo, bem como à generalidade. O nível implica a intensidade, o tipo se refere ao porquê da motivação, isto é, as atitudes e os propósitos subjacentes, enquanto a generalidade diz respeito à esfera de expressão. A teoria da autodeterminação – dentre outros modelos teóricos – identifica três conceitos básicos de motivação: (a) motivação intrínseca, em que se faz algo pelo interesse e prazer inerentes à ação, ressalvando-se que as pessoas diferem quanto ao seu interesse por distintas atividades; (b) motivação extrínseca, em que se faz algo por causa de conseqüência ou desfecho distintivo da ação; (c) desmotivação (amotivation), em que não se percebe contingência entre atos e efeitos, implicando ações sem intencionalidade.

Segundo proposição daquela teoria, os diversos tipos de orientação motivacional diferem quanto ao grau de autonomia, sendo que a motivação intrínseca representa o grau mais elevado de autodeterminação. A motivação extrínseca, porém, tem diferentes facetas, as quais subentendem níveis variáveis de autonomia em termos de grau de internalização e integração de valores e regulação de condutas. Outra proposição postula que contextos que dão suporte a necessidades psicológicas básicas (autonomia, competência e conectividade) promovem ação intencional ou motivada do tipo intrínseco, bem como facilitam a internalização e integração de fatores associados à motivação extrínseca2-4. Em acréscimo, há evidências de que percepções de autonomia, competência e conectividade medeiam influências de fatores do ambiente social na autodeterminação da motivação em três esferas de generalidade: global, contextual e situacional5.

Vários estudos revelaram que a motivação mais autônoma no contexto educacional se relaciona com qualidade superior no aprendizado, maior persistência e melhor ajuste psicológico dos aprendizes, do ensino fundamental ao ensino superior6-8. Na perspectiva da teoria da autodeterminação, o ambiente acadêmico pode facilitar ou inibir a motivação intrínseca (para atividades que atraiam o interesse intrínseco) em decorrência do suporte ou obstrução das necessidades psicológicas de competência e autonomia dos aprendizes. Percepções objetivas ou subjetivas sobre o nível de competência ou eficácia pessoal nesse ambiente de estudos poderiam afetar a intensidade ou a orientação da motivação.

Os princípios da teoria de autodeterminação são pertinentes para a educação médica, na medida em que a diferenciação e expressão dos tipos primários de motivação têm implicações para o aprendizado realizado e o endosso de valores manifestos nos diversos cenários da formação profissional. Um estudo pioneiro revelou que situações específicas da formação podem favorecer distintamente a expressão de motivação autônoma (primariamente intrínseca) ou de motivação controlada (extrínseca) nos estudantes de Medicina, com efeitos nas atitudes e na relação com pacientes9. Maior suporte da autonomia dos aprendizes pelos docentes parece favorecer um entendimento mais profundo, equilíbrio psicológico e orientação humanística10.

Segundo Mann11, as motivações intrínseca e extrínseca são complementares na formação médica. Ela observou que os estudantes de Medicina reagem a um contexto complexo de incentivos e barreiras que podem ter influência discrepante nas atitudes e condutas dos aprendizes. Nessa perspectiva de discrepância, Misch12 questionou a hipótese andragógica de que estudantes de Medicina teriam predominância de motivação autônoma e sugeriu que inexiste uma resposta simples para a questão de motivação para aprender em virtude da interação mútua e freqüente de fatores internos e externos na formação médica. Perrot e colegas13 estimaram a motivação prevalente em alunos da área da saúde, inclusive Medicina, em termos da prioridade da orientação-alvo (goal orientation) na aprendizagem, a saber, domínio ou rendimento ou alienação. A maioria tinha preferência por domínio do aprendizado (mastery orientation) na orientação-alvo, o que sugere predomínio da motivação intrínseca nesses estudantes.

Outros dois trabalhos pertinentes ao tema utilizaram a Escala de Motivação Acadêmica (Echelle de Motivation en Education), a qual se baseia nos princípios da teoria da autodeterminação e avalia a motivação dos estudantes na esfera contextual5,14. As respostas a esse instrumento em vários estudos mostraram consistência interna, estabilidade temporal e validade de construto15,16. Essas propriedades foram confirmadas no estudo de revalidação com a versão em português do instrumento17. Esse mesmo trabalho mostrou predominância de motivação autônoma no perfil de respostas de alunos de Medicina, além de relações significantes das respostas ao instrumento com antecedentes e conseqüências motivacionais de ordem individual e contextual17. Um segundo trabalho evidenciou uma associação positiva e significante entre o nível de motivação autônoma e as medidas de orientação significativa e de reflexão na aprendizagem18. Em acréscimo, padrões distintos de motivação autônoma e motivação controlada foram observados entre os estudantes, levantando a questão da contribuição de fatores antecedentes ao curso na determinação do perfil de respostas.

O propósito geral do estudo ora relatado foi analisar a consistência e variabilidade da autodeterminação da motivação em função dos motivos de escolha do curso e da relação com fatores concorrentes da aprendizagem, bem como seus efeitos na intenção dos alunos de prosseguir os estudos de Medicina. Utilizou-se a Escala de Motivação Acadêmica (EMA), da qual deriva o índice de autodeterminação da motivação5. Outro instrumento principal utilizado foi um inventário de Motivos de Escolha de Medicina para apurar o perfil de motivação global dos alunos para o curso.

O presente trabalho tem os seguintes objetivos:

1. Verificar a variação dos diversos indicadores, componentes e medidas entre alunos de seis anos consecutivos de ingresso no curso;

2. Analisar as relações dos indicadores da EMA com os componentes do inventário de Motivos de Escolha de Medicina (MEM) e com medidas relativas à representação objetiva e subjetiva da aprendizagem, no conjunto de alunos;

3. Averiguar a contribuição dos componentes de MEM e de medidas da aprendizagem na atribuição da variabilidade do índice de autodeterminação da motivação;

4. Averiguar a contribuição do índice de autodeterminação da motivação e componentes de MEM na atribuição de variabilidade da intenção de prosseguir os estudos.

MÉTODOS

Delineamento

Trata-se de estudo de correlação e regressão baseado em amostras consecutivas.

Sujeitos

A população-alvo consistiu em alunos do curso de Medicina da Universidade de Brasília, admitidos por diferentes modalidades de ingresso entre 1999 e 2004. O critério de inclusão no estudo foi a matrícula no terceiro período do fluxo curricular, ao longo de seis anos. A amostra total de 450 alunos (54,2% de sexo masculino) tem maioria de oriundos do próprio Distrito Federal. A média de idade dos participantes ao ingressarem no curso era 19,3 (dp = 2,1), variando de 16 a 41 anos.

Contexto

Ao longo do tempo do estudo, os participantes seguiram currículo de caráter semi-seriado, matrícula por disciplina semestral e regime de créditos. O curso inclui, entre as matérias obrigatórias nos dois primeiros períodos do fluxo curricular, disciplinas de Biologia Celular, Bioquímica e Biofísica, Morfologia e Fisiologia Humanas, e Saúde da Comunidade.

Medidas

Escala de Motivação Acadêmica. A versão utilizada neste estudo lista 28 itens que podem representar razões para o estudante vir à universidade. Os itens estão organizados em sete subescalas: três correspondem a formas de motivação intrínseca; outras três incorporam formas de motivação extrínseca; e a última representa desmotivação ou desestímulo. As subescalas são assim definidas:

(a) motivação intrínseca para saber (fazer algo pelo prazer e satisfação que decorrem de aprender, explorar ou entender);

(b) motivação intrínseca para realizar coisas (fazer algo pelo prazer e satisfação que decorrem da busca de realização ou criação de coisas);

(c) motivação intrínseca para vivenciar estímulo (fazer algo a fim de experimentar sensações estimulantes, de natureza sensorial ou estética);

(d) regulação por identificação (fazer algo porque se decidiu fazê-lo);

(e) regulação por introjeção (fazer algo porque se pressiona a si próprio a fazê-lo);

(f) regulação externa (fazer algo porque se sente pressionado por outros a fazê-lo);

(g) desmotivação (amotivation) ou desestímulo: implica ausência de percepção de contingências entre as ações e seus desfechos (falta de motivos intrínsecos ou extrínsecos).

Dados da revalidação da EMA constam do trabalho em referência que reproduz o instrumento em apêndice17. No presente estudo, as subescalas de motivação intrínsecas foram integradas numa única medida que representa este tipo de motivação.

Motivos de Escolha de Medicina. Este questionário contém 16 itens que exploram o grau de influência de diversos motivos na escolha de medicina como opção de formação superior e carreira profissional. As respostas são expressas numa escala bipolar de sete pontos, com extremos ancorados pelos termos "muito negativo" e "muito positivo". Uma análise fatorial (ML) exploratória com rotação promax extraiu quatro fatores, que correspondem a 54% da variância nas respostas. Os índices de confiabilidade (alfa), denominações e itens representativos das respectivas dimensões fatoriais são os seguintes:

F1 – altruísmo (alfa = 0,72): interesse em ajudar as pessoas;

F2 – busca de desafio (alfa = 0,69): desafio de lidar com problemas de diagnóstico;

F3 – influência externa (alfa = 0,60): encorajamento ou exemplo de orientador ou mentor;

F4 – experiência prévia (alfa = 0,52): vivência de estudos ou atividades anteriormente.

Questionário de Valoração do Aprendizado. O QVC é um instrumento de 36 itens, adaptado do Course Valuing Inventory19 de Nehari e Bender, mediante versão em português e modificação da terminologia para refletir a perspectiva da vivência curricular no primeiro ano, abrangendo aspectos cognitivos e afetivos dos desfechos de aprendizado no contexto educacional20. A medida utilizada foi o escore total das respostas ao inventário, doravante denominada valoração do aprendizado, cuja faixa de pontuação varia de 36 a 144. Na amostra total do estudo, a consistência interna revelou-se muito boa (alfa de Cronbach = 0,94).

Inventário de Orientação do Estudo. Este instrumento de 32 itens é uma adaptação da versão abreviada do Approaches to Study Inventory21. O instrumento compreende duas escalas de 16 itens que identificam dois modos qualitativamente distintos de orientação para estudo e aprendizagem: a orientação significativa ou profunda e a orientação reprodutiva ou superficial. A faixa de pontuação de cada escala varia de 0 a 64. Na amostra do estudo, as respostas indicaram consistência interna aceitável (0,71 e 0,69, respectivamente).

Rendimento cognitivo. O indicador utilizado foi o índice de rendimento acadêmico no primeiro ano, o qual corresponde à média ponderada cumulativa das notas finais de todas as disciplinas cursadas nos dois primeiros períodos do fluxograma do curso. A faixa de pontuação varia de 0 a 5.

Escalas analógicas visuais (100 mm), ancoradas nos extremos, foram utilizadas para três medidas: autoconfiança como aprendiz; intenção imediata de aprender (disciplinas do período letivo corrente); e intenção de prosseguir os estudos e concluir o curso. As duas últimas escalas são indicadores de adesão ao curso, representados pelo grau de firmeza (nulo a máximo) quanto à respectiva intenção. A primeira escala serve como indicador da percepção de eficácia pessoal na aprendizagem22.

A coleta de dados em cada turma foi realizada no início do terceiro período do fluxo curricular. Os dados foram obtidos com asseguramento expresso de confidencialidade pessoal, e as respostas coletivas foram comentadas em cada turma no contexto de orientação educativa. Cópias dos instrumentos utilizados estão disponíveis mediante solicitação para o endereço de correspondência.

ANÁLISE

Os textos de Fraenkel e Wallen e de Howell orientaram os planos e procedimentos de análise23,24. Os procedimentos estatísticos principais foram os seguintes: (a) coeficientes de correlação para medir a associação entre pares de variáveis; (b) análise de regressão múltipla para verificar a associação entre fatores explanatórios e a variável de desfecho, quando os demais fatores são controlados. Outros procedimentos utilizados foram: (c) testes de qui-quadrado, para comparar características ou descritores entre grupos; (d) testes t, ou análises de variância, para aferir diferenças entre médias de grupos. O índice de autodeterminação da motivação (IAM) individual foi calculado mediante a seguinte fórmula, em que as letras correspondem àquelas sete subescalas da EMA: IAM = ((2(a+b+c)/3 + d) ((e+f)/2 + 2g)). Este índice global permite a integração dos escores das subescalas numa medida única do espectro de autodeterminação5.

RESULTADOS

Testes de associação (Phi) não revelaram diferenças significativas entre seis coortes – definidas pelo ano de ingresso ou registro no estudo – na distribuição de alunos por sexo, faixa etária e naturalidade (menor P = 0,91). Da mesma forma, não foram observadas diferenças significativas, por ano de registro, nas médias das medidas de valoração do aprendizado, autoconfiança como aprendiz, orientação significativa ou orientação reprodutiva na aprendizagem (análise de variância, menor P = 0,248). Já as diferenças de médias do índice de rendimento cognitivo por ano de registro foram significantes (P = 0,016).

Em contraposição, houve diferenças significantes entre as coortes nas médias dos índices de motivação intrínseca e de motivação por introjeção. A Tabela 2 mostra os dados dos diferentes indicadores e dos testes de igualdade de médias. As diferenças registradas no conjunto de escores de motivação mais autônoma (intrínseca e identificação), de motivação controlada (introjeção e controle externo) e de desmotivação se refletiram na variação do índice de autodeterminação da motivação (IAM) nas sucessivas coortes anuais. Em particular, a média do índice de autodeterminação foi significantemente menor entre alunos do primeiro ano de registro em comparação com a média dos alunos do qüinqüênio subseqüente (teste t, Welch, P < 0,001).

A Tabela 3 mostra as relações entre os indicadores da Escala de Motivação Acadêmica e as medidas objetivas e subjetivas de aprendizagem. Os indicadores que expressam motivação mais autônoma (intrínseca e identificação) denotam correlações mais fortes com as medidas de valoração do aprendizado, de orientação significativa na aprendizagem e, menos expressivamente, com as medidas de autoconfiança e de rendimento cognitivo. Em contraposição, os indicadores que expressam motivação controlada, ou desmotivação mostram correlações positivas e significantes com a medida de orientação reprodutiva na aprendizagem. Os coeficientes referentes ao índice de autodeterminação da motivação (IAM) sintetizam as relações entre cada uma das cinco medidas e os cinco indicadores da EMA, conforme a seguinte sucessão que corresponde à ordem decrescente de magnitude de correlação: valoração do aprendizado, orientação significativa, orientação reprodutiva, autoconfiança e rendimento cognitivo. A correlação entre autodeterminação da motivação e orientação reprodutiva na aprendizagem é a única negativa nesse conjunto de relações.

Não houve diferença significante entre as seis coortes de registro nas médias das dimensões fatoriais do inventário de Motivos para Escolha de Medicina (análise de variância, Welch teste F; menor P = 0,86). A Tabela 4 mostra as relações entre as dimensões fatoriais do inventário e os indicadores da Escala de Motivação Acadêmica. Observa-se que os dois fatores predominantes, denominados altruísmo e busca de desafio, mostram correlações fortes e positivas com os indicadores de motivação mais autônoma e correlações negativas com o indicador de desmotivação. Diferentemente, o fator 3, denominado influência externa, mostra correlações mais fortes e positivas com os indicadores de motivação controlada. Essa configuração é sintetizada pelo perfil de correlação do índice de autodeterminação da motivação com os respectivos fatores do inventário: a correlação é positiva com os fatores de altruísmo, busca de desafio e experiência prévia, mas negativa com o fator de influência externa na escolha do curso.

Uma análise de regressão linear foi realizada para aferir a contribuição relativa de sexo, época de registro (primeiro ano ou qüinqüênio subseqüente), medidas pertinentes à aprendizagem e dimensões de motivos de escolha de medicina na explicação da variância do índice de autodeterminação da motivação, como variável de desfecho. O modelo de regressão múltipla (stepwise) identificou contribuição significante de oito variáveis na atribuição de variabilidade do índice de autodeterminação. A ordem decrescente de magnitude, expressa na correlação semiparcial, foi a seguinte: valoração do aprendizado, influência externa, orientação reprodutiva, busca de desafio, altruísmo, época de registro (mais recente), experiência prévia e sexo (feminino). Duas variáveis – influência externa na escolha do curso e orientação reprodutiva na aprendizagem – mostraram efeito negativo (caráter supressivo) na relação com o índice de autodeterminação da motivação. O conjunto de variáveis explicava 42% (R2 ajustado = 0,423) da variabilidade da autodeterminação da motivação na totalidade dos alunos. Orientação significativa, autoconfiança como aprendiz e rendimento cognitivo no primeiro ano do curso não mostraram contribuição independente de nível significante.

A Tabela 6 revela as relações de indicadores de motivação e das medidas correlatas de aprendizagem com dois indicadores de adesão ao curso: intenção imediata de aprender (disciplinas do período letivo corrente) e intenção de prosseguir os estudos e concluir o curso. Os índices de autodeterminação da motivação e de valoração do aprendizado mostraram as correlações mais fortes e positivas com ambos os indicadores de adesão ao curso, seguidos de altruísmo (para intenção de prosseguir os estudos) ou autoconfiança como aprendiz (para intenção imediata de aprender).

Uma nova análise de regressão múltipla revelou que autodeterminação da motivação, intenção imediata de aprender, valoração do aprendizado, autoconfiança e altruísmo, em ordem decrescente de contribuição, explicavam 47% (R2 ajustado = 0,465) da variabilidade da intenção de prosseguir os estudos. Nenhuma outra, dentre oito variáveis, mostrou contribuição independente de nível significante.

Apenas 11,1% dos alunos mostraram baixa adesão ao curso (caracterizada por grau de firmeza menor que 70% na intenção de prosseguir os estudos). Na comparação com aqueles de adesão elevada, o grupo de baixa adesão apresentou valores significantemente menores dos cinco fatores preditivos acima indicados (P < 0,001 nos cinco casos).

DISCUSSÃO

Os resultados mostram relativa estabilidade das características investigadas em coortes anuais sucessivas, exceto na comparação com alunos do primeiro ano do estudo. As diferenças observadas nos índices de motivação e rendimento, nessa comparação, podem estar relacionadas ao impacto no ambiente educacional da transição no modo de acesso à universidade, a partir da implantação do ingresso por avaliação seriada e conseqüente redução nas vagas destinadas ao ingresso por exame vestibular (estudo não publicado). O primeiro ano do estudo foi o ano da transição e contemplou a turma pioneira na dupla forma de ingresso, isto é, avaliação seriada ou vestibular.

Os resultados da análise de regressão no conjunto dos alunos indicam a ampla gama de fatores associados ao espectro de autodeterminação da motivação, seja em caráter positivo ou negativo. Os achados sugerem principalmente que os distintos motivos para escolha de medicina como opção de formação profissional influenciam o tipo de motivação e particularmente o grau de autodeterminação da motivação aferido após a vivência no primeiro ano do curso. Altruísmo e busca de desafio na escolha de medicina, predominantes na maioria dos alunos, mostraram efeitos positivos definidos, enquanto o efeito de influência externa se revelou negativo ou supressivo quanto ao grau de autodeterminação da motivação. Os efeitos contrários dessas dimensões de motivos – expressos nos coeficientes de correlação semiparcial – podem estar retratando (influências de) distintos perfis de motivação global no espectro de motivação vivenciado no contexto educacional. Acrescente-se que os efeitos opostos de sexo feminino e orientação reprodutiva também representam elementos da matriz de fatores pessoais que delimitam o grau de autodeterminação da motivação, os quais se diferenciam ainda que interagindo com fatores contextuais dos influxos do ambiente educacional.

A incorporação da matriz de fatores do contexto educacional nessa delimitação do espectro de motivação se expressa principalmente na correlação positiva e substancial entre o escore de valoração do aprendizado realizado no primeiro ano e o índice de autodeterminação da motivação. O escore de valoração do aprendizado sumariza quantitativamente as reações do aprendiz aos efeitos da experiência educacional nas dimensões cognitiva e afetiva, representadas por múltiplos fatores, tais como: valimento da vivência, sensibilidade afetiva, desenvolvimento pessoal, fortalecimento cognitivo e disposição de trabalho20. Essa dimensionalidade sugere que o grau de autodeterminação da motivação dos estudantes está associado diretamente à significância cognitivo-afetiva do contexto educacional, conforme a caracterização de contexto na formação médica proposta por Koens e colegas25.

O grau de adesão ao curso (expresso na firmeza da intenção de prosseguir os estudos) se revela numa nova configuração da inter-relação dos fatores das matrizes pessoal e contextual. O índice de autodeterminação da motivação e a intenção imediata de aprender são os principais fatores independentes preditivos da intenção de prosseguir os estudos, aos quais a autoconfiança como aprendiz e o fator de altruísmo na escolha da opção ainda se aliam. Essas quatro variáveis representam preponderantemente a matriz pessoal de atitudes e valores no grau de adesão ao curso. A identificação de autoconfiança como aprendiz como fator preditivo da intenção de prosseguir os estudos tem interesse, na medida em que essa variável representa a percepção de eficácia pessoal (ou senso de competência) na aprendizagem.

O quinto fator preditivo independente da intenção de prosseguir os estudos é a valoração do aprendizado no primeiro ano, que provavelmente representa o efeito cumulativo da matriz contextual (os elementos situacionais da formação básica) no grau de adesão ao curso.

Os resultados apresentados denotam a diversidade e a inter-relação complexa de fatores pessoais e contextuais em conexão com o espectro de autodeterminação da motivação dos alunos de Medicina. Realçam a possibilidade de identificação de perfis potencialmente problemáticos de autodeterminação e adesão ao curso, em função de dimensões cognitivo-afetivas do contexto educacional e suas relações dinâmicas com características pessoais, inclusive quanto aos motivos de escolha de medicina como opção de formação profissional. Nesse sentido, os achados têm implicações pedagógicas para o acompanhamento do impacto de fatores socioambientais na vivência curricular, assim como para a orientação estudantil durante a formação médica.

O estudo tem duas limitações principais: o grau de incerteza na interpretação de conexões causais no modelo de correlação e o nível de imprecisão de dados subjetivos de auto-relato. Os resultados apresentados, entretanto, confirmam e estendem achados de trabalhos anteriores, são consistentes com o modelo teórico e, portanto, dão suporte para o entendimento da configuração de motivação educacional no ambiente da formação médica.

Concluindo, os achados sugerem inter-relações significativas entre fatores pessoais e contextuais na determinação do espectro de autodeterminação da motivação e da intenção de adesão ao curso, no início dos estudos de Medicina.

AGRADECIMENTOS

O autor registra o apoio institucional, agradece a cooperação ativa e o interesse real dos alunos participantes e expressa seu reconhecimento ao doutor Robert J. Vallerand por fornecer o instrumento original e permitir a divulgação dos resultados do estudo.

Recebido em: 29/06/2006

Aprovado em: 11/10/2007

Conflitos de Interesse Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência:
    D. T. Sobral
    Universidade de Brasília – Faculdade de Medicina
    CP 04569
    70919-970 – Brasília – DF
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Out 2007
    • Recebido
      29 Jun 2006
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