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PLANEJAR A QUALIDADE DO ENSINO MÉDICO

A realidade nacional vem mudando de forma rápida e importante, o que é fato notório e inevitável. O que é lamentável é quando essas mudanças ocorrem sem a necessária reflexão crítica. Dentre as mudanças que assistimos encontram-se a queda do poder aquisitivo e o assustador aumento da insegurança, constituindo-se esses dois fatores em indicadores da queda da satisfação das chamadas “necessidade s básicas”, que se reflete na ruptura do conceito de saúde.

Em contra-partida, evidencia-se no País uma notável preocupação para o aspecto competitivo industrial, com repercussões que terminarão por afetar, direta ou indiretamente, a todos. A repercussão direta advirá da melhoria da competitividade, que só pode ser obtida por uma implementação de um padrão de qualidade capaz de enfrentar a acirrada concorrência internacional. A repercussão indireta será consequência da mentalidade da “qualidade”, que terminará por afetar a todos, inclusive os da área da saúde e os formadores de agentes da saúde.

Esse programa de qualidade já apresenta alguns resultados promissores na área industrial, com os exemplos se multiplicando em todo o País. A mentalidade industrial moderna já está de tal forma modificada que a própria falência, tão temida, é hoje vista, por muitos, como uma forma de depurar o mercado com a eliminação, pura e simples, dos menos competentes.

Outras áreas, que não as industriais, ainda não despertaram para o que realmente significa “qualidade”. Entre elas, lamentavelmente, se encontra a área educacional. Muitos são os exemplos de instituições, na área da saúde, que estão aplicando modernos programas de implementação da qualidade, desde hospitais a empresas prestadoras de serviço. Os educadores falam à exaustão em “qualidade do ensino”, mas ignoram, com frequência, que hoje há toda uma técnica que determina o sucesso de um planejamento de qualidade.

O trabalho realizado pela Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), seja através do Projeto EMA (Educação Médica nas Américas) sob o patrocínio da OPAS, seja através da CINAEM (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico), em conjunto com mais de uma dezena de entidades representativas da sociedade civil, representa um levantamento, indiscutivelmente importante da realidade da situação do ensino médico vigente. Mas não assegura, por si só, a implementação de uma melhoria da qualidade do ensino médico.

Seguindo-se a esta análise dos resultados das pesquisas do Projeto EMA ou da CINAEM, que determina a situação dos ensino médico em bases reais, deve-se partir para um programa corajoso e realista que assegure a melhoria da sua qualidade.

Para que se atinja o que hoje se denomina QUALIDADE ou, mais especificamente, QUALIDADE DE UM SERVIÇO, uma vez que as escolas produzem serviços, é preciso:

1o - definir a clientela das escolas médicas que incluirá, no mínimo, os SUS, os governos municipais, estaduais e federal, as empresas de saúde, as seguradoras, os alunos e não apenas os pacientes. Os clientes são, portanto, definidos como todos aqueles que, pessoas físicas ou não, utilizem o produto final de uma escola médica, ou seja, o médico:

2º - identificar as necessidades de todos estes clientes e de outros que possam aparecer. São os clientes que definem se um serviço tem ou não qualidade. A qualidade só pode ser efetivamente medida quando se verifica se as necessidades dos clientes estão sendo satisfeitas e como estão sendo. A Universidade para se adequar às exigências do mercado deverá controlar seu orgulho académico e perguntar o que cliente quer, o que o cliente necessita. Num programa que efetivamente busca a qualidade o CLIENTE É O REI!

Não basta dizer “vamos formar um médico gerar”, “a escola precisa de um hospital” ou, ainda “os docentes devem ter mestrado”. O processo deve ser invertido: os clientes é que devem dizer o que necessitam. Esta primeira fase representa a PESQUISA DE MERCADO dos industriais.

A segunda etapa do trabalho para a implantação da qualidade é a do planejamento. Uma vez identificados os clientes e conhecido o que eles querem, deve ser feito um planejamento, para satisfazê-los, o qual deve incluir, obrigatoriamente, uma série de exigências padrões: a) o custo, que deve ser o menor possível; b) o prazo, que deve ser compatível; c) a qualidade intrínseca do profissional a ser formado; d) a moral do prestador de serviço (professor), que deve ser elevada ao máximo. Desta forma a satisfação das necessidades dos clientes poderá ser atingida. Nunca é demais sublinhar que as necessidades dos clientes devem ser enunciadas de forma clara, para que possam ser atendidas.

O planejamento deve incluir um sistema de controle para assegurar que todo este PROCESSO, de formação de um profissional qualificado, possa ser acompanhado durante e não apenas após. O controle no final, ou seja, após a graduação, poderá implicar no lançamento no mercado de trabalho de um profissional que não traga satisfação aos clientes. E o que é pior, o que se gastará para corrigir tanto a insatisfação do cliente, como a recuperação profissional, será sempre muito caro e implicará em perda de tempo. O controle no final da linha de produção representa um conceito muito antiquado de qualidade!

O controle do processo deverá assegurar que meios de correção possam ser aplicados durante a formação do profissional, garantindo que o tempo e o custo sejam mantidos em níveis satisfatórios.

Finalmente, o planejamento deverá incluir uma forma de avaliar continuamente a satisfação dos clientes, de modo a assegurar que as distorções da formação profissional de saúde possam SEMPRE ser corrigidas, evitando-se graduar pessoas não preparadas para as exigências do mercado.

Num planejamento, como o proposto, pode-se questionar como fica a AUTONOMIA DA UNIVERSIDADE. Pode-se perguntar como ficam as posições filosóficas e políticas dos formadores. Não se pode esquecer, porém, que na sociedade presente e, principalmente, nos tempos que se aproximam rapidamente, a filosofia que predominará será a da qualidade. Os que não quiserem aceitar o desafio estarão sujeitos aos mesmos riscos de falência que os industriais que não aceitaram disputara concorrência em termos reais. A era do protecionismo está terminado.

UM PROGRAMA SÉRIO DE QUALIDADE IMPLICA EM POSIÇÕES SÉRIAS. PRINCIPALMENTE NÃO APAIXONADAS, RACIOCINANDO, EXCLUSIVAMENTE, COM FATOS E DADOS. E DADOS FORNECIDOS PELOS CLIENTES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1994
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