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Avaliação da qualidade de vida, sonolência diurna e burnout em Médicos Residentes

Quality of life, daytime sleepiness, and burnout in medical residents

Resumos

A residência médica pode gerar sonolência diurna e burnout, que afetam a saúde física e mental do médico e prejudicam sua qualidade de vida (QV). Nosso objetivo foi conhecer a QV do médico residente e fatores de influência. Os residentes (n = 136) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba responderam à autoavaliação da QV, WHOQOL - abreviado, escala de sonolência diurna de Epworth e inventário de burnout de Maslach. Observou-se que a nota atribuída à QV na residência foi mais baixa que a nota da QV geral, e 76% dos residentes apresentaram escores patológicos de sonolência diurna, sendo maiores no grupo no primeiro ano e nas mulheres. Na análise de burnout, encontraram-se altos níveis de exaustão emocional (32,1 ± 8,2) e de despersonalização (11,0 ± 6,8), com moderado nível de realização pessoal (33,9 ± 7,0), não tendo havido diferença nos escores de burnout entre os sexos. Obteve-se correlação negativa entre os escores de Epworth, do WHOQOL e da autoavaliação, e correlação positiva entre sonolência diurna e carga horária de trabalho.

Qualidade de Vida; Sonolência; Esgotamento Profissional; Internato e Residência


Medical residency can generate daytime sleepiness and burnout, affecting the young physicians' physical and mental health and jeopardizing their quality of life (QoL). Our aim was to investigate the OoL of medical residents and related factors. Residents (n = 136) at the Evangelical University Hospital in Curitiba answered the short version of the WHO Quality of Life assessment (WHOQOL), the Epworth daytime sleepiness scale, and the Maslach burnout inventory (MBI). The score assigned to QoL during residency was lower than the overall QoL score, and 76% of the residents showed pathological daytime sleepiness scores (with the highest scores in first-year and female students). Analysis of burnout showed high levels of emotional exhaustion (32.1 ± 8.2) and depersonalization (11.0 ± 6.8), with a moderate level of personal achievement (33.9 ± 7.0). There were no differences between the genders in the burnout scores. There was a negative correlation between the Epworth, WHOQOL, and self-assessment scores, and a positive correlation between daytime sleepiness and workload.

Quality of Life; Sleepiness; Burnout, Professional; Internship and Residency


PESQUISA

Avaliação da qualidade de vida, sonolência diurna e burnout em Médicos Residentes

Quality of life, daytime sleepiness, and burnout in medical residents

Paulo Eduardo AsaiagI; Bruno PerottaI; Milton de Arruda MartinsII; Patrícia TempskiI

IFaculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIUniversidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Eduardo Asaiag Alameda Augusto Stellfeld, 1735 - apto 41 Bigorrilho - Curitiba - CEP 80730150 PR E-mail: patriciatempski@hotmail.com

RESUMO

A residência médica pode gerar sonolência diurna e burnout, que afetam a saúde física e mental do médico e prejudicam sua qualidade de vida (QV). Nosso objetivo foi conhecer a QV do médico residente e fatores de influência. Os residentes (n = 136) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba responderam à autoavaliação da QV, WHOQOL - abreviado, escala de sonolência diurna de Epworth e inventário de burnout de Maslach. Observou-se que a nota atribuída à QV na residência foi mais baixa que a nota da QV geral, e 76% dos residentes apresentaram escores patológicos de sonolência diurna, sendo maiores no grupo no primeiro ano e nas mulheres. Na análise de burnout, encontraram-se altos níveis de exaustão emocional (32,1 ± 8,2) e de despersonalização (11,0 ± 6,8), com moderado nível de realização pessoal (33,9 ± 7,0), não tendo havido diferença nos escores de burnout entre os sexos. Obteve-se correlação negativa entre os escores de Epworth, do WHOQOL e da autoavaliação, e correlação positiva entre sonolência diurna e carga horária de trabalho.

Palaras-chave: Qualidade de Vida. Sonolência. Esgotamento Profissional. Internato e Residência.

ABSTRACT

Medical residency can generate daytime sleepiness and burnout, affecting the young physicians' physical and mental health and jeopardizing their quality of life (QoL). Our aim was to investigate the OoL of medical residents and related factors. Residents (n = 136) at the Evangelical University Hospital in Curitiba answered the short version of the WHO Quality of Life assessment (WHOQOL), the Epworth daytime sleepiness scale, and the Maslach burnout inventory (MBI). The score assigned to QoL during residency was lower than the overall QoL score, and 76% of the residents showed pathological daytime sleepiness scores (with the highest scores in first-year and female students). Analysis of burnout showed high levels of emotional exhaustion (32.1 ± 8.2) and depersonalization (11.0 ± 6.8), with a moderate level of personal achievement (33.9 ± 7.0). There were no differences between the genders in the burnout scores. There was a negative correlation between the Epworth, WHOQOL, and self-assessment scores, and a positive correlation between daytime sleepiness and workload.

Keywords: Quality of Life. Sleepiness. Burnout, Professional. Internship and Residency.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a residência médica se iniciou na década de 1940, no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro e no Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo1, tendo como modelo a residência da Universidade Johns Hopkins2. Em 1967, foi criada a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) e em 1977 a residência médica foi regulamentada com o Decreto 80.281, que implantou a Comissão Nacional da Residência Médica3.

A residência médica constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação considerada o "padrão ouro" da especialização médica. Caracteriza-se por ser um período muito estressante na formação do médico, que está sob constante pressão, apresentando cansaço, fadiga e medo de cometer erros4. Esse período, marcado por extenso desenvolvimento pessoal, exige mudança de estilo de vida, o que muitas vezes acarreta sonolência diurna e burnout, levando ao prejuízo da saúde física e mental do médico e, em última análise, ao prejuízo também de sua qualidade de vida (QV).

O termo qualidade de vida envolve uma variedade de condições que podem afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e comportamento, incluindo - mas não se limitando a elas - sua condição de saúde e as intervenções médicas5. Portanto, a percepção de qualidade de vida assume aos olhos de cada observador os contornos de sua sensibilidade, sua cultura, sua condição socioeconômica, planos e frustrações6.

Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida como: "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"7 (p. 1405). No entanto, por meio de seus instrumentos de avaliação, a OMS não determina o valor mínimo de qualidade de vida aceitável para cada grupo. As análises são feitas por comparação dos escores de cada domínio e determinação dos fatores de influência. Neste estudo, a QV do residente foi analisada conjuntamente com a privação do sono e o estresse profissional.

A privação do sono a que o residente se submete pode levar à deterioração mental, psicológica e física, com diminuição da capacidade de raciocínio, da capacidade de reter informações, de resolução de problemas e da interpretação de exames8,9. Esta privação é interpretada como símbolo de dedicação à profissão médica, o que, em curto prazo, parece aumentar a produtividade tanto nos estudos como no atendimento, mas a longo prazo provoca queda da produtividade, déficit cognitivo, desmotivação, desordens psiquiátricas menores, enfim, prejuízo da saúde geral e da qualidade de vida. A literatura confirma a associação entre sonolência diurna e queda da qualidade de vida10-12.

O estresse profissional, também denominado burnout, na definição de Maslach e Jackson, caracteriza-se como uma síndrome que cursa com exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização profissional entre indivíduos que trabalham com pessoas13. A exaustão emocional está relacionada à redução dos recursos emocionais internos, causada por demandas interpessoais. A despersonalização reflete o desenvolvimento de atitudes frias, negativas e insensíveis direcionadas aos receptores de um serviço prestado. A sensação de baixa realização profissional evidencia que pessoas que sofrem de burnout tendem a acreditar que seus objetivos profissionais não foram atingidos e vivenciam uma sensação de insuficiência e baixa autoestima profissional14,15.

Na área médica, o burnout está relacionado a esgotamento físico e mental, falta de energia, contato frio e impessoal com pacientes, atitudes de cinismo, ironia e indiferença, insatisfação com o trabalho, baixa autoestima, desmotivação e desejo de abandonar o cargo. Ele é devido a plantões, longa jornada de trabalho, equipe despreparada, exposição constante a risco, pressão do tempo e urgências, convivência com o sofrimento e a morte. O burnout é considerado uma doença ocupacional que se apresenta com despersonalização, exaustão emocional e baixa realização pessoal que afetam o desempenho profissional14,15.

Poucos trabalhos na literatura se preocupam em estudar a influência da sonolência diurna e de estressores presentes na residência médica sobre a qualidade de vida do médico.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a QV, a presença de sonolência diurna e burnout entre os médicos residentes do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) e compreender os fatores de influência. Os dados obtidos neste estudo podem nortear mudanças nos programas de residência médica do HUEC que garantam melhores condições de trabalho e aprendizagem, e principalmente a manutenção da saúde física e mental dos residentes, o que, em última análise, resultaria em maior efetividade e competência no atendimento à população.

MÉTODOS

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Evangélica do Paraná. Trata-se de um estudo transversal de todos os médicos residentes do HUEC no ano de 2008. Os sujeitos da pesquisa responderam a um caderno de resposta autoinforme não identificado, contendo dados sociodemográficos, instrumentos de avaliação da qualidade de vida (autoavaliação e WHOQOL - abreviado), além da escala de sonolência diurna de Epworth e o inventário de burnout de Maslach.

A análise da qualidade de vida do residente foi feita por meio da autoavaliação e pelo WHOQOL - abreviado, idealizado pela Organização Mundial de Saúde. Este questionário é composto por 26 afirmações respondidas em escala Likert. Estas perguntas são distribuídas em quatro domínios: físico, psicológico, de relações sociais e ambiental. A análise das respostas foi baseada na sintaxe proposta por Alison Harper (1996), com auxílio do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences) e posterior transformação das médias na escala de 0 a 100, através da fórmula: [(Média - 4) x (100/16)]16,17. A autoavaliação consistiu na nota (com escala de 0 a 10) atribuída pelo residente, conforme sua percepção sobre a qualidade de vida dentro e fora da residência médica.

A análise da sonolência diurna se baseou na proposta de Johns Murray, idealizador da escala de Epworth. Trata-se de uma escala simples, autoadministrável, com oito afirmações sobre a tendência à sonolência diurna em situações cotidianas. As respostas são atribuídas à pontuação de 0 a 3, e a soma da pontuação resulta no escore final. O escore varia numa amplitude de 0 a 24, e, quanto mais alto o escore, maior é a sonolência diurna do indivíduo. Escores até 10 são considerados normais, escores entre 11 e 15 são considerados patológicos, e escores entre 16 e 24 são considerados muito patológicos18-21.

O burnout foi estudado segundo os critérios de Maslach nas dimensões exaustão emocional (alto > 27; médio 19 a 26; baixo < 19), despersonalização (alto > 10; médio 6 a 9; baixo < 6) e realização pessoal (alto < 33; médio 34 a 39; baixo > 40). Os escores destes três domínios são obtidos por meio da soma das respostas de cada afirmação que compõe o domínio. Na sequência, é feita a comparação dos valores com os pontos de corte22-24.

Foi realizada estatística descritiva, na qual as variáveis contínuas foram submetidas ao teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, para definir se os dados da amostra seguiam a distribuição gaussiana. Utilizaram-se os seguintes testes: Teste t pareado, Wilcoxon pareado, Mann-Whitney, análise de variância (Anova), teste de Bonferroni (pós-teste) e correlação de Spearman. O nível de significância utilizado foi de 5% (p = 0,05).

RESULTADOS

Foram avaliados 136 residentes, da totalidade de 140 residentes do HUEC, com idade entre 23 e 31 anos, sendo 77 do sexo feminino e 59 do masculino. A distribuição por ano de residência foi a seguinte: 41 no primeiro ano de residência (R1), 40 no segundo ano (R2), 30 no terceiro ano (R3), 21 no quarto ano (R4) e cinco no quinto ano (R5). Os grupos R4 e R5, por terem menor número de residentes, foram analisados em conjunto. Nas quatro grandes áreas de especialização, a distribuição de residentes foi: 14 residentes de Ginecologia e Obstetrícia, 18 de Pediatria, 14 de Clínica Médica e 11 de Clínica Cirúrgica.

A mediana da carga horária de trabalho semanal na residência, sem computar trabalho e plantão extracurriculares, foi de 66 horas (com variação interpercentil de 60 - 76,3). A média da carga horária foi de 77,2 ± 18,3 horas semanais no grupo R1; 62,4 ± 12,6 no grupo R2; 58,4 ± 15,7 no grupo R3; e 67,6 ± 20,9 no grupo R4-R5. Entre as quatro áreas da medicina, o grupo de Ginecologia e Obstetrícia apresentou carga horária de 78,3 ± 13,0; Clínica Cirúrgica 74,18 ± 11,50; Clínica Médica 67,35 ± 8,18; e Pediatria 66,5 ± 9,6 horas semanais.

A nota da autoavaliação da QV na residência médica (6,1 ± 1,6) foi inferior à nota atribuída à QV geral (6,8 ± 1,8) (p = 0,0001). O grupo de residentes de Ginecologia e Obstetrícia (5,0 ± 1,2) apresentou médias inferiores quando comparadas às dos grupos de Pediatria (6,3 ± 1,0) e de Clínica Médica (6,4 ± 1,5), (p < 0,05). Não houve diferença entre o sexo masculino e o feminino (Tabela 1).

A análise da qualidade de vida do grupo de residentes através do WHOQOL - abreviado demonstrou a média de 61,7 ± 14,7 no domínio físico; 60,6 ± 14,5 no domínio psicológico; 65,0 ± 18,9 no domínio relações sociais; e 56,8 ± 11,7 no domínio ambiental. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos, entre os anos de residência e entre as especialidades (Tabela 2).

A média dos escores de sonolência diurna do grupo estudado foi 12,6 ± 4,0, sendo considerados patológicos escores superiores a 10. Entre os residentes avaliados, 76% apresentavam índices patológicos na escala de sonolência diurna de Epworth. Ao longo dos anos da residência médica, observou-se diminuição do escore de sonolência diurna, sendo maior no grupo R1 e menor no grupo R4-R5. Os maiores escores na escala de sonolência diurna foram encontrados no grupo de residentes do sexo feminino (13,2 ± 8,4) em comparação com o sexo masculino (11,9 ± 3,4) (p = 0,05). Não houve diferença estatisticamente significativa entre as especialidades (Tabela 3).

Foi investigada a presença de estresse profissional por meio do Inventário de Burnout de Maslach. O grupo de residentes apresentou alto nível de exaustão emocional (32,1 ± 8,2) e despersonalização (11,0 ± 6,8), e moderado nível de realização pessoal (33,9 ± 7,0) (Tabela 4).

Entre os instrumentos utilizados, verificou-se correlação negativa entre a sonolência diurna e os domínios de qualidade de vida do WHOQOL - abreviado, domínio físico (p < 0,0001), psicológico (p = 0,0004), de relação social (p < 0,0001) e ambiental (p = 0,0094). Observou-se também correlação negativa entre os escores de sonolência diurna na escala de Epworth e a nota atribuída à autoavaliação da qualidade de vida na residência médica (p = 0,0038). A correlação entre os escores de Epworth e a carga horária trabalhada foi positiva (p = 0,0014) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A residência médica é um período de desenvolvimento pessoal e profissional marcado por diversos fatores estressores, como, por exemplo, longas jornadas de trabalho, pouco tempo para descanso, privação do sono, constante cobrança de preceptores e pacientes, aumento da responsabilidade profissional e diminuição do tempo para a vida social, amigos, família e lazer1,4,23,24. Esta realidade vivenciada pelo residente pode afetar a percepção que ele tem sobre sua QV. Isto se confirma com os resultados obtidos na autoavaliação, na qual se observam valores inferiores atribuídos à QV na residência médica quando comparados aos atribuídos à QV geral. Trata -se de uma forma de demonstrar insatisfação com a residência, que pode ser devida às condições gerais de treinamento, à falta de estrutura pedagógica ou ao excesso de carga horária. Outra explicação possível é que esta insatisfação pode estar refletindo a visão contemporânea relativa ao trabalho, entendido como “tempo roubado”, como mostra Schraiber25 em seu estudo sobre a profissão médica. Esta forma de ver o trabalho fora da QV e da felicidade acompanha as mudanças sociais que aconteceram com a industrialização25.O produzir passa a não ser felicidade, mas "tempo roubado", e a retomada e a autonomia de utilização deste tempo se dão fora do trabalho25,26.

A avaliação da QV por meio do WHOQOL - abreviado demonstrou que a QV do grupo de residentes estudado é inferior aos escores encontrados em médicos5 e aos de estudantes de Medicina29. Este dado confirma a ideia de que residentes têm QV inferior à dos estudantes de graduação. Em um estudo anterior, envolvendo 800 estudantes de 75 escolas médicas brasileiras, 60% dos respondentes concordavam com a afirmação de que a QV do residente é pior do que a do estudante de Medicina10, o que reflete uma visão pessimista em relação a seu futuro profissional.

A literatura mostra uma tendência a escores mais altos em escalas de depressão e ansiedade, e escores mais baixos em escalas de QV quando respondidos pelo sexo feminino. Isso pode ser explicadopor um maior cuidado das mulheres nas respostas, por apresentarem uma visão mais crítica do tema, por dedicarem maiores cuidados e terem maiores preocupações com a sua saúde e com a dos outros27,28. Neste estudo, não foram encontradas diferenças nos valores atribuídos à QV na autoavaliação e nos escores do WHOQOL entre os sexos. Esta similaridade entre os sexos pode ser devida às vicissitudes da residência médica, que obrigam a mulher residente a adquirir uma postura semelhante à dos colegas do sexo masculino4,29.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os escores dos domínios do WHOQOL quando analisados por sexo, ano de residência e especialidades. A estratificação do grupo estudado resultou em um número de indivíduos pequeno por grupo, o que tornou mais difícil encontrar diferenças significativas entre sexo, como demonstrado em estudos anteriores sobre qualidade de vida, nos quais o grupo de estudantes do sexo feminino apresentou menores escores nos quatro domínios do WHOQOL. A literatura demonstra, em muitos estudos, que em questionários subjetivos sobre saúde física e mental as mulheres têm escores menores que os homens, tendo em vista que o grupo masculino, em geral, mantém conduta de risco em relação à saúde5,27. O fato de não ter sido encontrada diferença entre o grupo de residentes do sexo feminino e o do sexo masculino pode ainda ser decorrente da cobrança no ambiente de trabalho, que modifica a postura das mulheres residentes em relação à sua saúde e à qualidade de vida.

Os médicos residentes avaliados têm uma carga horária de trabalho superior ao estipulado pela Lei 6.932, que regulamenta a residência médica no Brasil3,9. Tendo em vista a correlação positiva encontrada entre carga horária semanal e sonolência diurna, pode-se afirmar que a presença de sonolência diurna é influenciada pelo número de horas de trabalho na residência médica18. No grupo estudado, a carga horária diminui progressivamente ao longo dos anos de residência, voltando a subir no último ano. Os residentes de Ginecologia-Obstetrícia e Clínica Cirúrgica apresentam as maiores cargas horárias. Estes mesmos grupos atribuem menores valores na autoavaliação da QV na residência. Corroborando este dado, a literatura demonstra correlação positiva entre sintomas clínicos e o número de horas trabalhadas, demonstrando que longas jornadas de trabalho deterioram a saúde7,11,30,31. Neste estudo, o grupo R1 apresentou a maior carga horária de trabalho semanal, maior escore de sonolência diurna e maior exaustão emocional.

No que tange ao estresse profissional, a redução do número de horas trabalhadas diminui o nível de exaustão emocional e de despersonalização, mas não altera o nível de realização pessoal.

A análise do burnout no grupo estudado demonstrou alto nível de exaustão emocional e de despersonalização com moderado nível de realização pessoal, similares ao encontrado em médicos de São Paulo23, de Minas Gerais30 e em médicos americanos24.

A formação médica não termina na graduação, mas continua ao longo da vida profissional do médico. A residência é uma fase importante de treinamento em serviço que exige dedicação exclusiva, sendo marcada por excesso de trabalho e responsabilidade, que em última análise afetam em maior ou menor grau a saúde física e mental do residente32. Conhecer a realidade vivenciada por esses médicos é importante, já que permite refletir e intervir sobre ela, garantindo maior desenvolvimento pessoal e profissional.

CONCLUSÕES

Os residentes percebem que sua qualidade de vida é pior na residência médica do que na sua vida em geral. Os domínios do WHOQOL não apresentam diferenças entre sexo, ano de residência e especialidade. Existe um grande número de residentes com índices patológicos de sonolência diurna. Esta é maior no grupo de residentes do sexo feminino e naqueles do primeiro ano de residência. A carga horária semanal é diretamente proporcional à presença de sonolência diurna. Os residentes analisados apresentam estresse profissional com alto nível de exaustão emocional e de despersonalização, e moderado nível de realização pessoal.

O presente estudo tem como limitação ter usado uma amostra restrita a um hospital universitário, o que não permite estender seus resultados ao universo de residentes médicos no Brasil. No entanto, os autores acreditam que esta mesma realidade seja vivenciada em outras instituições que oferecem residência médica. A relevância desde estudo está no fato de ele usar uma metodologia inédita na literatura, uma vez que combina diferentes instrumentos para análise da qualidade de vida, sonolência diurna e burnout, além de servir de piloto para um estudo subsequente randomizado nacional. Sua maior importância está na potencialidade de motivar discussões e mudanças das práticas educacionais e de trabalho a que se submetem os residentes.

Recebido em: 08/07/2009

Reencaminhado em: 05/09/2009

Reencaminhado em: 02/12/2009

Aprovado em: 30/01/2010

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Paulo Eduardo Asaiag contribuiu na coleta de dados e elaboração do artigo. Bruno Perotta analisou as estatísticas. Patrícia Tempski contribuiu no desenho da metodologia, análise e revisão do artigo e Milton Martins contribuiu no desenho da metodologia, análise e revisão do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência:
    Paulo Eduardo Asaiag
    Alameda Augusto Stellfeld, 1735 - apto 41
    Bigorrilho - Curitiba - CEP 80730150 PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      30 Jan 2010
    • Recebido
      08 Jul 2009
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