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Residente como Professor: uma Iniciação à Docência

Resident as a Teacher: an Introduction to Teaching

RESUMO

A residência médica, instituída legalmente no Brasil em 1977 pelo Decreto nº 80.281, é considerada a melhor estratégia de ensino em cenário de prática, sendo o padrão ouro da especialização médica. A característica mais marcante da residência é o treinamento em serviço, que articula ensino no cenário de prática, além de construir um perfil profissional. Os residentes desenvolvem também a função docente. Pesquisas americanas estimam que exerçam tal função em boa parte de suas atividades, chegando a um quarto do período total de tempo de seus programas de residência. Esse processo de ensino-aprendizagem durante a residência ainda é pouco estudado, principalmente no Brasil. O objetivo deste estudo foi realizar uma ampla revisão narrativa sobre RaT (Resident as Teacher), tema pouco explorado na literatura brasileira, avaliando historicamente o processo de ensino-aprendizagem dos programas de residência médica. Foi realizada uma revisão na literatura acerca do processo de ensino-aprendizagem da residência médica no Brasil e no mundo. Diversos países estão implementando treinamentos formais de ensino denominados programas de Resident as Teacher (RaT). Somente nos EUA, mais de 50% dos programas de residência têm alguma forma de treinamento RaT. Vários programas foram desenvolvidos e se diferenciam no conteúdo, na duração e no formato, porém são baseados em atributos de ensino considerados essenciais ao ensino. No que diz respeito ao conteúdo, os programas RaT enfatizam predominantemente o modelo preceptor minuto (One Minute Preceptor – OMP), a estrutura de ensino clínico do Programa de Desenvolvimento da Faculdade de Stanford ou os domínios mostrados por Irby como essenciais à excelência em ensino clínico. Em conclusão, sugere-se que os programas brasileiros de residência médica invistam em estudos e, consequentemente, em estratégias efetivas para aprimorar as técnicas de ensino para médicos residentes.

Residência Médica; Docência; Especialização; Desenvolvimento de Programas; Medicina

ABSTRACT

The medical residency program, legally established in Brazil in 1977, is considered the best practical teaching strategy and it’s a gold standard to physician specialization. Resident, house officer and registrar are synonymous to refer to post medical training after internship, who attending a program or programme, depends on the region of the globe you are. The teaching of the residency training program is conducted during patient care in all settings (i.e., bedside teaching), which brings together teaching in a practical setting and the improvement of a professional profile. Residents also develop their teaching skills. American researchers estimate that residents acts as teachers in almost one quarter of their residency programs. This teaching-learning process hasn’t been thoroughly studied, especially in Brazil. The aim of this study was to do a narrative review about Rat (Resident as Teacher), an issue not explored in the Brazilian literature, evaluating the teaching-learning process in the medical residency programs. A review in the Brazilian and worldwide literature was conducted. In many countries, several formal training courses are being implemented worldwide under the “Resident as Teacher – RaT” denomination. In the United States, more than half of the residency programs have RaT training. The developed programs are different in their approach, duration and format. However, they are all based on attributes considered fundamental for teachers. Regarding content, RaT programs emphasize the One Minute Preceptor (OMP) model, the clinical teaching structure of the Stanford Faculty Development Program, or the domains shown by Irby to be essential for the excellence of clinical teaching. In conclusion it would be important for Brazilian programs to develop studies and, consequently, effective strategies to improve RaT.

Medical Residency; Teacher Training; Specialization; Program Development; Medicine

INTRODUÇÃO

A residência médica, instituída legalmente no Brasil em 1977 pelo Decreto nº 80.281, é considerada a melhor estratégia de ensino em cenário de prática, sendo o padrão ouro da especialização médica11. Brasil. Ministério da Educação. Decreto nº 80.281 de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União - Seção 1 - 6/9/1977, Página 11787. Brasília, 6 de setembro de 1977.. Em 1940, no entanto, duas instituições de ensino iniciaram seus programas tendo como modelo a residência da Universidade Johns Hopkins: Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro e Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo22. Cadernos da ABEM. Residência Médica. Volume 7, Outubro 2011. Disponível em: http://abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2016/06/CadernosABEM__Vol07.pdf
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A formação médica no Brasil é norteada pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais (2014) para a graduação, enquanto a residência médica o é por meio de resoluções sucessivas e específicas da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), sendo a última de 2006, em revisão33. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNRM Nº 02 /2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União nº 95, de 19/05/06, seção 1, páginas 23-36. Brasília 19 de maio de 2006..

Como competência médica básica, os residentes devem relatar detalhes clínicos dos pacientes internados e ambulatoriais aos preceptores44. Seki M et al. How do case presentation teaching methods affect learning outcomes?-SNAPPS and the One-Minute preceptor. BMC Medical Education v.16:12, 2016. Estes participam integralmente da formação do residente como supervisores, professores e modelos, apesar de muitas vezes não terem sido preparados para isso. Assume-se que as competências gerais que norteiam a graduação em Medicina, devidamente ajustadas, se aplicam também ao segmento de residência médica. Idealmente, um programa de residência médica teria que seguir um projeto pedagógico que expressasse seus objetivos educacionais, conteúdos e métodos de ensino e de avaliação do aprendizado tanto do residente como do próprio programa.

A característica mais marcante da residência é o treinamento em serviço, que articula o ensino no cenário de prática e constrói um perfil profissional, além de contribuir para a construção de um modelo para a conformação ideológica, ética e da identidade profissional dos médicos brasileiros55. Lima JCSA. A Residência Médica: articulações entre a prática e o ensino. Rio de Janeiro; 2008. Doutorado [tese] – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social.. Sua compreensão não pode se limitar à de um projeto educacional de especialização isolado, mas também de força de trabalho nas instituições mantenedoras de programas e de um espaço de política de saúde22. Cadernos da ABEM. Residência Médica. Volume 7, Outubro 2011. Disponível em: http://abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2016/06/CadernosABEM__Vol07.pdf
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Os residentes desenvolvem também a função de docente. Pesquisas americanas estimam que estes exerçam tal função, em boa parte de suas atividades, em cenário de prática, chegando a um quarto do período total de tempo de seus programas de residência66. Brown RS. House staff attitudes toward teaching. Journal of Medical Education, março de 1970; 45, 156-159.. Esse processo de ensino-aprendizagem durante a residência ainda é pouco estudado. Sabe-se que a capacidade de ensino não se correlaciona com a competência clínica diagnóstica. Além disso, sem a preparação formal, provavelmente os residentes irão adotar estratégias de ensino ineficazes77. Ramani S, Mann K, Taylor D & Thampy H. Residents as teachers: Near peer learning in clinical work settings: AMEE Guide No. 106, Medical Teacher, 2016..

Embora o papel dos residentes no ensino seja reconhecido, muitos desses profissionais não recebem treinamento formal algum ou eficaz em como ensinar, adquirir esses conhecimentos, habilidades e atitudes. Esta formação é necessária porque repercute de forma positiva na prática médica dos egressos e naqueles sob sua supervisão direta ou indireta (internos e alunos da graduação).

OBJETIVO

Realizar uma ampla revisão narrativa sobre RaT (Resident as Teacher), tema pouco explorado na literatura brasileira, avaliando historicamente o processo de ensino-aprendizagem dos programas de residência médica.

MÉTODO

Foi realizada uma revisão na literatura acerca do processo de ensino-aprendizagem da residência médica no Brasil e no mundo. O trabalho faz parte de um mestrado em Ensino em Saúde, e os autores trabalham ativamente com o ensino de residentes e internos em suas práticas diárias.

Revisão de literatura

Nosso grupo realizou uma revisão narrativa que envolveu os principais estudos na área de RaT da literatura. Assim, conseguimos perceber que se trata de um tema praticamente inexplorado em nosso país.

Inicialmente, observamos as vantagens da introdução de RaT nos diversos programas de residência médica. Ramani et al.77. Ramani S, Mann K, Taylor D & Thampy H. Residents as teachers: Near peer learning in clinical work settings: AMEE Guide No. 106, Medical Teacher, 2016. descrevem, no AMEE Guide no 106, os benefícios potenciais dos programas de RaT por setores. Para residentes: desenvolvimento e aprimoramento nas habilidades de ensino, aprimoramento de autoeficácia e identidade como professor, maior capacidade de avaliar e fornecer feedback aos alunos, interesse na educação como um foco na carreira. Para alunos: satisfação com o aprendizado por pares, capacidade de entender melhor o raciocínio clínico, melhoria das habilidades clínicas e de atenção ao paciente, maior aceitação para admitir deficiências, aumento da receptividade ao feedback, congruência cognitiva, congruência social. Para as instituições: demonstração de reconhecimento ao valorizar o ensino, formar uma comunidade de educadores (docentes e formandos), desenvolvimento de futuros líderes educacionais, criação de uma cultura educacional que valorize o ensino e encoraje o apoio científico baseado em evidências para ensino e aprendizagem, reputação para bolsa de estudos. Resultados no cuidado ao paciente: ainda são necessárias mais pesquisas, segundo os autores77. Ramani S, Mann K, Taylor D & Thampy H. Residents as teachers: Near peer learning in clinical work settings: AMEE Guide No. 106, Medical Teacher, 2016..

Pensando-se em preparar os residentes para o ensino, mesmo em instituições onde não existe a oportunidade de ensinar formalmente, foi elaborado um guia. Utilizou-se o Kellogg Program Logic como modelo de resultados para orientar os educadores no desenvolvimento do programa, o modelo Dundee de três círculos para ajudar a determinar o conteúdo e estratégias educacionais, e o modelo Kirkpatrick para orientar a avaliação do programa. Dessa maneira, sugerem uma abordagem sistemática e reflexiva, com uma variedade de opções que os educadores médicos podem usar para desenvolver um programa que seja consistente com seus objetivos institucionais, relevante para seu contexto local e que se encaixe no orçamento e recursos disponíveis77. Ramani S, Mann K, Taylor D & Thampy H. Residents as teachers: Near peer learning in clinical work settings: AMEE Guide No. 106, Medical Teacher, 2016..

Diversos treinamentos formais de ensino estão sendo implementados em todo o mundo e são denominados programas de Resident as Teacher (RaT). Somente nos EUA, mais de 50% dos programas de residência têm alguma forma de treinamento RaT77. Ramani S, Mann K, Taylor D & Thampy H. Residents as teachers: Near peer learning in clinical work settings: AMEE Guide No. 106, Medical Teacher, 2016.. Observou-se que vários programas foram desenvolvidos e se diferenciam na abordagem do conteúdo, na duração e no formato, porém são baseados em atributos de ensino considerados essenciais para professores88. Morrison EH, Friedland JA, Boker J, Rucker L, Hollingshead J, Muratap. Resident-as- teachers Training in U.S Residency Programs and Offices of Graduate Medical Education. American Medicine, October supplement 2001;76 (10),1-4..

No que diz respeito ao conteúdo, a maioria dos programas RaT descritos na literatura enfatizam predominantemente o modelo OMP, a estrutura de ensino clínico do Programa de Desenvolvimento da Faculdade de Stanford ou os domínios mostrados por Irby como essenciais à excelência em ensino clínico. O conhecimento clínico de medicina, de pacientes e o contexto da prática, bem como o conhecimento educacional dos alunos e princípios gerais de ensino e scripts de ensino baseados em casos compõem os seis domínios do modelo de Irby e permitem que o corpo docente adapte o ensino às necessidades de seus alunos. O Programa de ensino de desenvolvimento clínico da Faculdade de Stanford (SFDP) relaciona-se mais com sessões de ensino formal. Nenhum desses modelos se concentra no conteúdo que os alunos realmente aprendem com os residentes como docentes ou incluem comportamentos especificamente identificados pelos alunos como sendo estratégias de ensino efetivas, usadas por excelentes residentes docentes99. Karani et al. How Medical Students Learn From Residents in the Workplace: A Qualitative Study. Academic Medicine, March, 2014; 89 (3), 490-496.. No Brasil, apenas uma dissertação de mestrado analisou qualitativamente a imersão do residente de Medicina da Família Comunitária na docência e suas vantagens1010. Magalhães GSG. O residente como professor: formação docente no programa de residência em medicina de família e comunidade da universidade federal de Pernambuco. São Paulo, 2012. Mestrado [Dissertação] Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina..

Apesar de não estar entre os três modelos populares de RaT, o role-modeling é o método mais frequentemente identificado quando residentes estão ensinando, segundo relatam Karani et al.99. Karani et al. How Medical Students Learn From Residents in the Workplace: A Qualitative Study. Academic Medicine, March, 2014; 89 (3), 490-496.. Embora aprender com modelos envolva uma complexa mistura de atividades conscientes e inconscientes, os alunos ofereceram numerosos comentários sobre a aprendizagem por meio da observação e reflexão sobre os comportamentos de seus residentes99. Karani et al. How Medical Students Learn From Residents in the Workplace: A Qualitative Study. Academic Medicine, March, 2014; 89 (3), 490-496..

Entre os vários tipos de processo de ensino, a aprendizagem colaborativa é um avanço em termos de processo de ensino-aprendizagem. Esta parte da ideia de que o conhecimento resulta de um consenso entre membros de uma comunidade de conhecimento, algo que as pessoas constroem conversando, trabalhando juntas direta ou indiretamente e chegando a um acordo1111. Torres PL, Alcantara PR, Irala EAF. Grupos de consenso: uma proposta de aprendizagem colaborativa para o processo de ensino-aprendizagem. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, set./dez. 2004; 4,(13),129-145. Os residentes, como membros efetivos da equipe interdisciplinar, exercem muitas vezes papel de docência, compartilhando seus saberes com graduandos e demais membros da equipe. Para Paulo Freire: “Não há docência sem discência” e “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”1212. Freire, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.

Numerosos modelos ou estratégias para o ensino clínico foram descritos na literatura de educação médica1313. Cayley Jr WE. Effective Clinical Education: Strategies for Teaching Medical Students and Residents in the Office. Wisconsin Medical Society, Agosto, 2011;110 (4),178-181.. Modelagem, observação, apresentação de casos, questionamentos diretos, pensar em voz alta e treinar são alguns deles. Essas múltiplas abordagens do ensino clínico podem ajudar o aluno na incorporação dos processos de pensamento e raciocínio clínico1414. Lazarus et al. Precepting 101: Teaching Strategies and Tips for Success for Preceptors . J Midwifery Womens Health, 2016; 61,11–21.. Métodos tradicionais de ensino, como o centrado no professor, podem levar a habilidades clínicas inadequadamente desenvolvidas1515. Barangard H, Afshari P, Abedi P. The effect of the SNAPPS (summarize, narrow, analyze, probe, plan, and select) method versus teacher-centered education on the clinical gynecology skills of midwifery students in Iran J EducEval Health Prof , 2016;13 (41),1-5.. No paradigma centrado no aluno, este se torna mais autônomo na interação, fazendo com que a aprendizagem seja responsabilidade de ambos os participantes1616. Heineriches S, Vela LI, Drouin JM, A Learner-Centered Technique and Clinical Reasoning, Reflection, and Case Presentation Attributes in Athletic Training Students. Journal of Athletic Training, 2013; 48(3), 362–371..

Outra parte integrante do processo de ensino-aprendizagem é a avaliação, muito útil para seu direcionamento. A avaliação oferece aos docentes orientações para eventuais melhorias no planejamento e aos alunos informações sobre seu progresso, motivando-os a redirecionar seu comportamento em relação ao que estão aprendendo1717. Mcaleer S, Dent JA, Harden RM. Choosing assessment instruments. A practical guide for medical teachers. 2nd ed. Philadelphia: Elsevier; 2005..

A escolha dos métodos de avaliação do estudante deve se pautar no critério do melhor ajuste à natureza das habilidades e competências cujo domínio se quer conhecer. Um dos modelos conceituais para avaliar tais competências seria a “Pirâmide de Miller”, publicada em 1990 por George Miller1818. Panúncio-pinto MP, Troncon LEA. Avaliação do estudante – aspectos gerais. Medicina (Ribeirão Preto), 2014;.47(3), 314-323.,1919. Martins MA, Germani AC, Vanzolini ME, Temski P. Avaliação e seu impacto na formação médica. Profissão Docente, n.3, Novembro, 2015. e modificada em 2016. O modelo de Miller e os outros que se seguiram demonstraram que cada nível da pirâmide exige uma complexidade crescente de instrumentos de avaliação. Por exemplo, no “saber”, podem-se usar testes de múltipla escolha e descritivos; no “saber como”, utilizar casos clínicos e problemas; no “demonstrar”, Osce e paciente simulado; e no “fazer”, minicex, caso longo, vídeos, avaliação 360o e portfólio1919. Martins MA, Germani AC, Vanzolini ME, Temski P. Avaliação e seu impacto na formação médica. Profissão Docente, n.3, Novembro, 2015.. Tentar ensinar alguém estaria entre as atividades que mais retêm conhecimento, de acordo com um diagrama originalmente desenvolvido e utilizado pelo National Training Laboratories (NTL) no início de 1960. Não estão mais disponíveis os dados originais que apoiam os números observados e reproduzidos na atual publicação, mas que parecem fazer sentido na prática (National Training Laboratories, Bethel, Maine, EUA)2020. National Training Laboratories, Bethel, Maine, USA www.ntl.org
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Outro modelo de avaliação seria a “Taxonomia de Bloom”, que descreve, além do domínio cognitivo, o de habilidades psicomotoras e o afetivo. As habilidades psicomotoras dizem respeito ao “fazer” (manusear objetos, palpar ao exame físico), ou seja, tudo o que demanda efetuação neuromuscular. As habilidades afetivas dizem respeito ao “pensar” ou ao “sentir” frente a um objeto, pessoa ou situação. Seriam as opiniões, juízos, valores e atitudes que o aprendiz adquire em relação às coisas ao vivenciar os processos educacionais1818. Panúncio-pinto MP, Troncon LEA. Avaliação do estudante – aspectos gerais. Medicina (Ribeirão Preto), 2014;.47(3), 314-323.. Tais habilidades foram incorporadas à Pirâmide de Miller em 2016, representando o profissionalismo e agregando maior complexidade ao processo de avaliação.

O preceptor minuto (OMP) é um método popular e amplamente utilizado para melhorar as habilidades de ensino. Originalmente desenhado pelas faculdades para práticas de ambulatórios lotados, facilita o ensino clínico eficiente com o uso de cinco micro-habilidades para ajudar o mentor a guiar a atividade de ensino: comprometimento com o caso; busca de evidências concretas; ensino de regras gerais; reforço dos acertos; correção dos erros2121. Furney SL et al. Teaching the One-minute Preceptor. A randomized controlled trial. J Gen Intern Med 2001;16: 620-624..

Embora haja autonomia em um encontro centrado no aluno, é benéfico fornecer-lhe técnicas apropriadas para orientar tal autonomia. A técnica centrada no aluno de resumir a história e os achados, estreitar para duas ou três as possibilidades de diagnóstico diferencial, analisar o diferencial, sondar o instrutor sobre as incertezas do aprendiz, planejar a gestão conjuntamente com o preceptor e selecionar um assunto para estudo autodirigido – Snapps, da sigla em inglês summarize, narrow, analyze, probe, plan, and select – tem sido usada na educação médica para estudantes apresentarem casos clínicos1616. Heineriches S, Vela LI, Drouin JM, A Learner-Centered Technique and Clinical Reasoning, Reflection, and Case Presentation Attributes in Athletic Training Students. Journal of Athletic Training, 2013; 48(3), 362–371..

O método Snapps é um tipo de aprendizagem construtiva em que os estudantes são tratados como pensadores capazes de desenvolver novos conhecimentos, e os professores são tratados como parceiros de aprendizagem para os alunos, enquanto no método tradicional os professores são responsáveis pelo transporte de informação aos alunos e fornecedores da resposta correta às perguntas dos alunos1515. Barangard H, Afshari P, Abedi P. The effect of the SNAPPS (summarize, narrow, analyze, probe, plan, and select) method versus teacher-centered education on the clinical gynecology skills of midwifery students in Iran J EducEval Health Prof , 2016;13 (41),1-5.. A integração da técnica Snapps pode ajudar os alunos a efetiva e eficientemente verbalizar habilidades de pensamento em um nível superior, com melhora de suas habilidades técnicas1616. Heineriches S, Vela LI, Drouin JM, A Learner-Centered Technique and Clinical Reasoning, Reflection, and Case Presentation Attributes in Athletic Training Students. Journal of Athletic Training, 2013; 48(3), 362–371..

Na era da aprendizagem baseada em problemas (PBL) e currículos de escolas de Medicina que promovem a aprendizagem autodirigida desde o primeiro dia, muitos estudantes acham o Snapps uma extensão natural do estilo PBL, de aprendizagem do pré-clínico para os estágios clínicos2222. Pascoe JM, Nixon J, Lang VJ. Maximizing Teaching on the Wards: Review and Application of the One-Minute Preceptor and SNAPPS Models. Journal of Hospital Medicine. February, 2015;10 (2), 125-130.

OMP e Snapps se complementam e podem ser aplicados em ambiente ambulatorial e de internação com pouca modificação. O OMP é mais antigo, mais bem estudado, de fácil aprendizagem, e pode ser utilizado por preceptores e residentes em função de ensino (residente como professor). Em contraste, o Snapps requer que o professor e o estagiário aprendam o método2222. Pascoe JM, Nixon J, Lang VJ. Maximizing Teaching on the Wards: Review and Application of the One-Minute Preceptor and SNAPPS Models. Journal of Hospital Medicine. February, 2015;10 (2), 125-130 para acompanhar o processo, tal como numa dança de salão. Demonstrou-se que Snapps pode aprimorar o raciocínio clínico no diagnóstico e tratamento de doenças comuns1515. Barangard H, Afshari P, Abedi P. The effect of the SNAPPS (summarize, narrow, analyze, probe, plan, and select) method versus teacher-centered education on the clinical gynecology skills of midwifery students in Iran J EducEval Health Prof , 2016;13 (41),1-5..

Como Pascoe et al.2222. Pascoe JM, Nixon J, Lang VJ. Maximizing Teaching on the Wards: Review and Application of the One-Minute Preceptor and SNAPPS Models. Journal of Hospital Medicine. February, 2015;10 (2), 125-130 salientam, existem estudos limitados de OMP e Snapps como modelos de ensino no ambiente de internação. Isso deve estimular supervisores vinculados a instituições de ensino que tenham interesse em pesquisa na área de educação médica a considerar esses modelos em suas linhas de pesquisa e suas potenciais aplicações2323. Zeidman J, Baggett M, Hunt DP. Can One-Minute Preceptor and SNAPPS Improve Your Inpatient Teaching? Journalof Hospital Medicine, February, 2105;10 (2),131-132..

Outra ferramenta fundamental na aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes é o feedback – informação dada ao aluno ao descrever e discutir seu desempenho após determinada situação ou atividade. O feedback possibilita uma importante conscientização para a aprendizagem porque ressalta as dissonâncias entre o resultado pretendido e o real, incentivando a mudança2424. Zeferino AMB, Domingues RCL Amaral E. Feedback como Estratégia de Aprendizado no Ensino Médico. Revista Brasileira De Educação Médica, 2007; 31(2) : 176-179.. É necessário, no entanto, que seja fornecido de maneira construtiva e positiva, colaborando para que o aluno reflita criticamente e assim elabore um plano de melhoria em prática. Sua efetividade é maior quando é assertivo, respeitoso, descritivo, oportuno e específico2525. Domingues RCL, Amaral E, Zeferino AMB, Antonio MAGM, Nadruz W. Competência clínica de alunos de Medicina em estágio clínico: comparação entre métodos de avaliação. Revista Brasileira de EducaçãoMédica, 2010;34 (1),124-131..

Velosky2525. Domingues RCL, Amaral E, Zeferino AMB, Antonio MAGM, Nadruz W. Competência clínica de alunos de Medicina em estágio clínico: comparação entre métodos de avaliação. Revista Brasileira de EducaçãoMédica, 2010;34 (1),124-131., após uma extensa revisão de literatura sobre feedback, conclui que este tem realmente efeito positivo no desempenho clínico dos médicos e que os estudos que duram no mínimo dois anos são mais propensos a revelar tais aspectos2626. Veloski J. Systematic review of the literature on assessment, feedback and physicians’ clinical performance. BEME Guide No. 7. Medical Teacher, 2006; 28 (2), 117–128.. O AMEE Guide 27, que fornece uma estrutura para uma supervisão efetiva, ressalta a importância da supervisão direta e do feedback construtivo, sem esquecer que a estrutura e a qualidade da relação da supervisão também são importantes2727. Kilminster S, Cottrell D, Grant J & Jolly B. AMEE Guide No. 27: Effective educational and clinical supervision. Medical Teacher, 2007; 29, 2-19..

Um bom método para avaliar a capacidade de ensino em várias disciplinas chama-se Oste (Objective Structured Teaching Examination ou Exercise ou Encounters). Este provou ser eficaz na avaliação de habilidades de ensino de residentes e estudantes de Medicina2828. Cerrone SA, Adelman P, Akbar S, Andrew C., Fornari Y&A. Using Objective Structured Teaching Encounters (OSTEs) to prepare chief residents to be emotionally intelligent leaders. Medical Education Online, 2007; 22 (1), Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5419302/
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. Uma configuração típica da Oste envolve um paciente padrão (PP) ou uma situação padronizada, um aluno padronizado (AP), o professor que está sendo avaliado e um avaliador da instituição de ensino. O professor observa o AP tratar o PP e, em seguida, oferece feedback oral direto ao AP sobre como melhorar o cuidado ao paciente. Após essa troca, tanto o AP quanto o observador da instituição completam uma lista de verificação que avalia componentes de ensino2929. Trucker et al. Speaking up: using OSTEs to understand how medical students address Professionalism lapses. MedEduc Online, 2016; 21. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5097152/
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Além de avaliarem a aplicação da aprendizagem após a ministração do conteúdo, Ostes são atividades pedagógicas que podem averiguar se a aprendizagem está realmente ocorrendo. Além disso, também avaliam competências de ensino específicas com feedback direto no final de cada encontro2828. Cerrone SA, Adelman P, Akbar S, Andrew C., Fornari Y&A. Using Objective Structured Teaching Encounters (OSTEs) to prepare chief residents to be emotionally intelligent leaders. Medical Education Online, 2007; 22 (1), Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5419302/
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CONCLUSÃO

Reconhecendo a importância da função dos residentes no ensino, alguns órgãos americanos, como o Conselho de Acreditação de Pós-Graduação em Educação Médica (ACGME) e o Comitê de Interconsulta em Educação Médica (LCME), enfatizam a necessidade de programas estruturados para melhoria das habilidades de ensino dos residentes. No Brasil ainda não temos programas estruturados e implementados para apoiar o residente como professor. Portanto, julgamos importante que os programas invistam em estudos e, consequentemente, em estratégias efetivas para aprimorar as técnicas de ensino, muitas já utilizadas na prática. Até o momento, foi desenvolvido no País apenas um estudo qualitativo sobre a possível implementação de uma estratégia organizada sobre iniciação dos residentes médicos ao ensino.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    8 Set 2018
  • Aceito
    5 Out 2018
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