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O conhecimento sobre a violência de gênero entre estudantes de Medicina e médicos residentes

Knowledge about gender violence among medical students and residents

Resumos

Conhecer sobre violência de gênero e como manejar os casos é fundamental para o profissional de saúde colaborar na quebra do ciclo de violência. Este estudo teve por objetivo identificar o conhecimento de alunos de Medicina e de médicos residentes acerca dos aspectos epidemiológicos, éticos e legais da violência de gênero, bem como suas habilidades para identificar e manejar casos. Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, realizado por meio da aplicação de um questionário. Do total de 156 possíveis respondentes, houve a participação de 104 (66,6%). Destes, 77,8% (81) eram alunos e 22,1% (23) médicos residentes. Notou-se predomínio dos participantes do sexo masculino (61,7%, 58), com idades entre 22 e 24 (66,6%/68). Receberam informação sobre como lidar com pacientes vítimas de violência de gênero 31,0% (32) dos participantes, sendo que 24,0% (25) tiveram aula sobre o tema; 63,1% (65) julgavam-se capazes de ajudar uma mulher em situação de violência, mas apenas 16,8% (17) haviam atendido algum caso na graduação. A maioria (89,1%, 90/101) acreditava que é papel do médico perguntar sobre violência. Do total de 100 participantes, 27% foram considerados com baixo, 27% com médio e 41% com alto conhecimento. Embora a maioria dos participantes conhecesse a definição de violência de gênero, bem como suas variações, com índices de acerto superiores a 74% (77/104), muitos desconheciam a epidemiologia e suas taxas de morbi-mortalidade. Poucos foram identificados com habilidades para manejar casos. Encontrou-se maior conhecimento associado a maior experiência.

Violência contra a mulher; Gênero e saúde; Educação médica


Knowledge about gender violence and how to manage actual cases is crucial for health professionals to help break the circle of violence. The current study aimed to identify the levels of knowledge among medical students and residents concerning epidemiological, ethical, and legal aspects of gender violence, as well as their skills in identifying and managing cases. This was a quantitative, cross-sectional study using a questionnaire. From a total of 156 possible respondents, 104 (66.6%) participated. Of these, 77.8% (81) were medical students and 22.1% (23) residents. There was a predominance of male participants (61.7%, 58), ranging from 22 to 24 years of age (66.6%, 68). About one-third, or 31.0% (32) of the participants had received information on how to manage cases of gender violence, while 24.0% (25) had received classes on the theme; 63.1% (65) felt they were capable of helping a woman who had suffered such violence, but only 16.8% (17) had actually dealt with a case during their undergraduate training. The majority (89.1%, 90/101) believed that it is the physician's role to inquire about violence. Self-assessed levels of knowledge were as follows: low - 27%; medium - 27%; and high - 41%. Although most respondents were able to define gender violence and its variations, with 74% of correct answers (77/104), many were unfamiliar with its epidemiology and morbidity and mortality rates. Few respondents were identified who had the requisite skills to manage cases. Knowledge was directly related to experience.

Violence against women; Gender and health; Education, Medical


PESQUISA

O conhecimento sobre a violência de gênero entre estudantes de Medicina e médicos residentes

Knowledge about gender violence among medical students and residents

Luciana de Morais Vicente; Elisabeth Meloni Vieira

Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elisabeth Meloni Vieira Departamento de Medicina Social Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Av. Bandeirantes, 3900 Monte Alegre CEP.:14049-900 - Ribeirão Preto - SP E-mail: bmeloni@fmrp.usp.br

RESUMO

Conhecer sobre violência de gênero e como manejar os casos é fundamental para o profissional de saúde colaborar na quebra do ciclo de violência. Este estudo teve por objetivo identificar o conhecimento de alunos de Medicina e de médicos residentes acerca dos aspectos epidemiológicos, éticos e legais da violência de gênero, bem como suas habilidades para identificar e manejar casos. Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, realizado por meio da aplicação de um questionário. Do total de 156 possíveis respondentes, houve a participação de 104 (66,6%). Destes, 77,8% (81) eram alunos e 22,1% (23) médicos residentes. Notou-se predomínio dos participantes do sexo masculino (61,7%, 58), com idades entre 22 e 24 (66,6%/68). Receberam informação sobre como lidar com pacientes vítimas de violência de gênero 31,0% (32) dos participantes, sendo que 24,0% (25) tiveram aula sobre o tema; 63,1% (65) julgavam-se capazes de ajudar uma mulher em situação de violência, mas apenas 16,8% (17) haviam atendido algum caso na graduação. A maioria (89,1%, 90/101) acreditava que é papel do médico perguntar sobre violência. Do total de 100 participantes, 27% foram considerados com baixo, 27% com médio e 41% com alto conhecimento. Embora a maioria dos participantes conhecesse a definição de violência de gênero, bem como suas variações, com índices de acerto superiores a 74% (77/104), muitos desconheciam a epidemiologia e suas taxas de morbi-mortalidade. Poucos foram identificados com habilidades para manejar casos. Encontrou-se maior conhecimento associado a maior experiência.

Palavras-chave: Violência contra a mulher; Gênero e saúde; Educação médica;

ABSTRACT

Knowledge about gender violence and how to manage actual cases is crucial for health professionals to help break the circle of violence. The current study aimed to identify the levels of knowledge among medical students and residents concerning epidemiological, ethical, and legal aspects of gender violence, as well as their skills in identifying and managing cases. This was a quantitative, cross-sectional study using a questionnaire. From a total of 156 possible respondents, 104 (66.6%) participated. Of these, 77.8% (81) were medical students and 22.1% (23) residents. There was a predominance of male participants (61.7%, 58), ranging from 22 to 24 years of age (66.6%, 68). About one-third, or 31.0% (32) of the participants had received information on how to manage cases of gender violence, while 24.0% (25) had received classes on the theme; 63.1% (65) felt they were capable of helping a woman who had suffered such violence, but only 16.8% (17) had actually dealt with a case during their undergraduate training. The majority (89.1%, 90/101) believed that it is the physician's role to inquire about violence. Self-assessed levels of knowledge were as follows: low - 27%; medium - 27%; and high - 41%. Although most respondents were able to define gender violence and its variations, with 74% of correct answers (77/104), many were unfamiliar with its epidemiology and morbidity and mortality rates. Few respondents were identified who had the requisite skills to manage cases. Knowledge was directly related to experience.

Key words:Violence against women; Gender and health; Education, Medical.

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é conceituada como violência de gênero e se caracteriza por qualquer ato que produza dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, incluindo ameaças, coerção e privação de liberdade, assim como castigos, maus-tratos, pornografia, agressão sexual e incesto1. Foi o movimento feminista que primeiro denunciou, no Brasil, a violência de gênero e lutou para abolir sua invisibilidade social, gerando as primeiras ações de apoio e intervenção. Data de 1985 a iniciativa de envolvimento do Estado na questão com a criação da primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, na cidade de São Paulo. Várias outras se seguiram com o objetivo específico de atender mulheres nessa situação, como o Centro de Orientação Jurídica (Coje), em 1986 e, posteriormente, o primeiro abrigo para mulheres em situação de risco de vida (Comvida).

Considerar a violência de gênero como problema de saúde e para o setor saúde2, entretanto, só ocorre quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece este conceito3. A violência de gênero representa um sério problema de saúde pública por sua magnitude, acarretando lesões somáticas, dor, sofrimento e morte, além de agravantes psicológicos4. Demonstrou-se que a dor pélvica crônica está intimamente associada à violência de gênero3. Altos índices de suicídio abuso de drogas e álcool e queixas somáticas vagas (mialgias, cefaléias e outras dores crônicas) são sinais e sintomas comuns na mulher agredida, persistindo por longa duração o efeito negativo em sua saúde mesmo após o término da violência4.

Estudo realizado pela OMS, em vários países do mundo, inclusive no Brasil, mostra que entre 13% (Japão) e 61% (Peru) das mulheres já sofreram algum tipo de violência física alguma vez na vida, enquanto de 4% a 46% delas já foram forçadas a ter relações sexuais contra a vontade5. Em nosso país, 27,2% das mulheres na cidade de São Paulo e 33,7% das mulheres na zona da mata pernambucana relataram algum tipo de violência cometida por parceiro íntimo ou ex-parceiro6. Outros estudos, em outras partes do País, comprovam essa triste realidade1,7,8,.

A violência de gênero no serviço de saúde

As pesquisas mostram prevalências mais altas de violência em mulheres usuárias de serviços de saúde, fato relacionado às suas queixas e busca de ajuda9. Estudo conduzido na cidade de São Paulo com 3.193 usuárias de serviço de saúde mostrou que 55% relatavam pelo menos um episódio de violência física ou sexual na vida perpetrada por qualquer tipo de parceiro10.

Entre os entraves para uma abordagem adequada da violência de gênero, salienta-se a relutância da vítima em confidenciar ao profissional de saúde os incidentes vividos11. Para todas as mulheres de um estudo brasileiro que sofreram violência alguma vez na vida, apenas 2,5% delas relataram a violência de gênero para médico ou profissional de saúde8. Acresce, ainda, existir certa relutância, por parte dos profissionais de saúde em pesquisar ativamente a violência de gênero12. Seja por subestimar a prevalência da violência de gênero ou por terem dúvidas sobre como atuar em relação à situação vivida pelas pacientes, os profissionais de saúde desistem de uma abordagem mais direta, evitando a anotação no prontuário ou simplesmente ignorando sinais e sintomas de violência13. É importante lembrar que parte desses profissionais pode ter dificuldades para questionar a paciente sobre possível violência de gênero por medo de ofendê-la ou por não acreditar que a violência é problema que compete à área da saúde. Sentimentos de frustração e impotência relativos à resolução dessa situação também causam dificuldades na interação com a paciente, particularmente se considerada a realidade do diminuto tempo para o atendimento médico, aliado à falta de preparo para a abordagem adequada do assunto12. Ter sido vítima ou perpetrador da violência pode também ser fator impediente para o profissional na detecção do problema14. Esses fatores explicam a pouca identificação de violência de gênero na prática clínica, bem como a orientação inadequada13, apesar das inúmeras delegacias e centros especializados.

Aspectos legais e éticos da violência de gênero

Recentemente estabeleceu-se a notificação compulsória de casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços de saúde públicos ou privados, em vigor desde 24 de março de 200415. A Lei 9.099/95, que considerava a violência de gênero crime de menor potencial ofensivo, certamente contribuiu para as vítimas postergarem pedidos de ajuda e denúncia de seus agressores. As penas, usualmente, consistiam na entrega de cestas básicas a uma instituição necessitada ou no pagamento de pequena multa, frequentemente de R$ 60,0016. De grande mérito foi à recente promulgação da Lei 10.886, em 17 de junho de 2004, que acrescentou ao art. 129 do Código Penal os seguintes parágrafos:

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

§ 10º Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

O aumento da consciência social voltada à situação da mulher no contexto da violência tem contribuído, sobremaneira, para desmistificar o assunto. Entretanto, ainda existem limites na capacidade dos profissionais de saúde em reconhecer e lidar com o problema. Assim como em outros setores, existe preconceito no meio médico em relação à paciente que vive em situação de violência. Seja porque, na interpretação do médico, a paciente aceita a violência, pois permanece se relacionando com o agressor, seja porque quer ou gosta da agressão. Ou, ainda, porque a situação trazida na consulta evoca sentimentos que o médico procura omitir, a fim de se esquivar do que não reconhece como diagnóstico e que não foi habilitado para manejar.

Surgem dúvidas sobre como ajudar a paciente. Não há clareza na determinação de quão abrangentes as atitudes durante a consulta devem ser. Deve-se instigar a denúncia? Deve-se denunciar a violência? Denunciá-la para quem? Incentivar a mulher a deixar seu parceiro? Sabe-se sobre abrigos e funcionamento de delegacias de defesa da mulher? Eticamente, como lidar com o relato de violência de gênero?

Responder às questões apontadas é fundamental para se buscar uma abordagem apropriada à vítima de violência de gênero, e, para respondê-las, os profissionais da saúde requerem treinamento apropriado.

As unidades de saúde devem contar com profissionais capacitados em utilizar instrumentos, como protocolos de identificação e prevenção de DST/aids e gravidez17, assim como abordar adequadamente cada caso, lançando mão dos recursos da comunidade e de outras áreas, como serviços jurídicos, policiais, psicológicos, grupos de apoio e autoajuda18.

É fundamental buscar um sistema de atendimento que ofereça abordagem integral da violência de gênero. Não há soluções e nem meios fáceis de resolvê-la exclusivamente por meio do sistema de saúde, mas se pode encontrar no desenvolvimento de habilidades médicas mais adequadas um importante aliado na quebra do ciclo de violência.

OBJETIVOS

Este estudo teve por objetivo identificar o conhecimento de alunos do último ano de graduação e de médicos residentes acerca dos aspectos epidemiológicos, éticos e legais referentes à violência de gênero, bem como suas habilidades para identificar e manejar esses casos de violência. Opiniões dos entrevistados sobre a violência foram pesquisadas, mas não é objeto deste artigo.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, realizado por meio da aplicação de um questionário com 49 perguntas aos acadêmicos de Medicina que cursavam o sexto ano em 2005 e aos médicos do primeiro ano de residência em ginecologia e obstetrícia, clínica médica ou medicina comunitária da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo no ano de 2004.

O questionário foi desenvolvido após ampla revisão bibliográfica sobre o tema e consulta à literatura específica sobre elaboração de questionários19,20. Na folha de rosto, além do título da pesquisa, constava uma explicação sobre participação voluntária, garantindo a preservação do anonimato e confidencialidade das informações. O questionário continha três seções: a primeira abrangia o conhecimento de violência de gênero, suas definições, se e onde o participante teve aula específica sobre o tema, sua epidemiologia e morbi-mortalidade, condutas médicas, manejo de casos e aspectos legais e éticos referentes à paciente que vive em situação de violência. Também se perguntou ao participante se este se julgava capaz de ajudar pacientes nessa situação, se atendeu algum caso na graduação e se acreditava ser papel do médico perguntar sobre violência. Essas variáveis foram compiladas da literatura técnica e científica sobre o tema em artigos científicos, código penal, código de ética, artigos técnicos e manuais de treinamento8,12,17,21-24. As questões eram do tipo "marque a alternativa verdadeiro (V) ou falso (F)", havendo ainda a opção "não sei". A segunda parte do questionário abordou as opiniões dos entrevistados sobre a violência de gênero. Na última seção, houve coleta de informações sociodemográficas, como idade, sexo, cor/raça, religião e estado marital, baseada no formulário utilizado pelo Imposto de Renda.

Para avaliar a inteligibilidade, clareza e tempo de duração da aplicação do questionário à população do estudo, realizou-se um pré-teste entre dez alunos do sexto ano em 2004.

Cento e cinquenta e seis participantes (108 alunos e 48 médicos residentes) foram convidados a responder o questionário. O grupo de 108 alunos do sexto ano de Medicina foi abordado em cinco subgrupos organizados pela Comissão de Graduação da referida faculdade. Já os 48 residentes foram abordados ora em dupla, ora individualmente, de acordo com as escalas de plantão fornecidas pelos respectivos departamentos.

O questionário foi autoaplicado, sempre, em local em que se respeitasse a privacidade dos participantes e mediante a autorização prévia dos responsáveis pelo serviço, bem como do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e da Comissão de Graduação, entre 17 de janeiro e 27 de fevereiro de 2005. Para garantir o anonimato dos participantes e evitar seu constrangimento durante a aplicação dos questionários, foi distribuído um par de envelopes em que depositavam seus questionários e seus termos de consentimento, respectivamente.

A variável conhecimento compõe-se de um conjunto de 24 afirmações para o qual se elaborou um escore. Para cada resposta correta o participante ganhou um ponto. Para o conhecimento da definição de violência de gênero, o valor de pontos variou de 0 a 4; para o conhecimento dos aspectos éticos e legais, variou de 0 a 5; para o conhecimento da epidemiologia e morbi-mortalidade da violência de gênero, variou de 0 a 4 pontos; para o conhecimento de condutas médicas, variou de 0 a 11 pontos. O escore total, somando todos os pontos, foi denominado conhecimento geral, que variou de 0 a 24 pontos.

Na digitação dos dados utilizou-se o programa Epi Data 3.1, e o processamento foi realizado em STATA 5.0. Buscou-se associação estatística entre as variáveis que definiam o conhecimento, a condição de aluno ou residente, se teve aula específica sobre o tema, se acreditava ou não ser papel do médico perguntar ou não sobre violência, se atendeu caso de violência na graduação, sexo, cor/raça e estado marital. Para isto, utilizou-se a análise bivariada, aplicando-se o teste de qui-quadrado e o teste exato de Fisher, sendo a hipótese de associação aceita quando p fosse menor ou igual a 0,05.

RESULTADOS

Do total de 156 possíveis respondentes houve a participação de 104 (66,6%). Ao final da aplicação do questionário, as não respostas somaram 24,3% (38) da população do estudo, sendo que 27 alunos e 11 residentes deixaram questionários em branco. Outros 9,6% (14 residentes) se recusaram a participar da pesquisa no momento em que foram abordados. O índice de perda nas questões variou de 0,96% (1) a 1,92% (2). Por ter sido autoaplicado, em muitas questões existem algumas não respostas.

Desses 104 participantes, 77,8% (81) eram alunos e 22,1% (23) médicos residentes (11 da ginecologia e obstetrícia, 9 da clínica médica e 3 da medicina comunitária). A idade média dos participantes era de 24,37 anos, e a idade mediana, 24. Notou-se o predomínio dos participantes na faixa de 22 a 24 anos - 61,7% (58). A maioria 66,6% (68) é do sexo masculino, enquanto apenas 33,3% (34) são do sexo feminino (2 não responderam). Declararam-se brancos 81,3% (83), enquanto os não-brancos somaram 18,6% (19) (2 não responderam). Os católicos somaram 57,6% (60), declararam-se adeptos de outras religiões 20,1% (21), e 22,1% (23) declararam não ter religião. Os que se declararam adeptos de outras religiões incluem protestantes, evangélicos e religiões orientais. A maioria é solteira, 93,1% (95), e os demais 6,8% (7) moram junto ou são casados (2 não responderam).

Declararam ter recebido qualquer tipo de informação sobre como lidar com pacientes vítimas de violência de gênero 31% (32) dos participantes. Outros 68,9% (71) alegaram nunca ter recebido este tipo de informação. Somente 24% (25) tiveram aula sobre o tema, enquanto 75,9% (79) disseram nunca ter assistido à aula sobre violência de gênero. Dos participantes que declararam ter assistido à aula específica sobre violência de gênero, 84,2% (16) relataram ter assistido a essa aula na disciplina de medicina legal e 15,7% (3) na disciplina de medicina social. Nenhum participante referiu aula específica em outra disciplina.

Do total de 103 participantes 63,1% (65) julgavam-se capazes de ajudar uma vítima de violência de gênero, enquanto 37,6% (38) admitiram não serem capazes. Perguntados se haviam atendido algum caso de violência na graduação, dos 101 que responderam a esta questão 16,8% (17) disseram que sim e 83,1% (84) disseram que não. A maioria (89,1%, 90/101) acreditava que é papel do médico perguntar sobre violência, enquanto 10,8% (11/101) acreditavam que não.

Conhecimento sobre violência de gênero

A variável denominada conhecimento geral teve média de 12,1 pontos, sendo 23 o número máximo de pontos alcançado e 1 o número mínimo. O ponto de corte foi dado pela mediana, que atingiu 12 pontos. Do total de 100 participantes, 27% foram considerados com baixo conhecimento (10 pontos ou menos), 27% com médio conhecimento (de 11 a 13 pontos) e 41% com alto conhecimento (14 pontos ou mais).

A Tabela 1 mostra que a maioria dos participantes conhece a definição de violência de gênero, bem como suas variações, como mostram os índices de acerto superiores a 74% (77/104), mas para muitos parece que não havia clareza entre violência de gênero e violência doméstica, sobre a qual houve apenas 44,2% (46/104) de acerto. Muitos participantes desconheciam a epidemiologia e as taxas de morbi-mortalidade de violência de gênero. Houve apenas 20,3% (21/103) de acertos quanto à prevalência de violência de gênero, 31% (32/103) de acertos quanto à frequência de lesão corporal na violência de gênero, apenas 18,3% (19/104) de acertos com relação à frequência de relatos de abusos durante as consultas de pré-natal e 39,4% (41/104) acertaram a porcentagem de pacientes que relatam ao médico estar sofrendo abuso.

A Tabela 2 indica que a maioria dos participantes, 99% (102/103), concordou em que não se devem ignorar sinais de violência, mesmo quando a paciente não menciona o assunto, 72,8% (75/103); que marcar retornos em intervalos curtos é uma boa estratégia para ajudar mulheres em situação de violência; 84,4% (87/103) concordou em que não se deve prescrever medicação ansiolítica ou antidepressiva para mulheres em situação de violência; 68,9% (71/103) concordou em que é correto o médico perguntar sobre a possível existência de violência; 85,4% (88/103) dos participantes ofereceriam o telefone da Delegacia de Defesa da Mulher e endereço de casa-abrigo para pacientes sabidamente em situação de violência de gênero. Apenas 22,3% (23/103) aconselhariam a mulher a deixar o parceiro violento imediatamente. A tabela mostra também que somente 30% (31/103) realizariam notificação compulsória do fato, embora quase a metade conheça a necessidade de notificação. Muitos erroneamente recomendariam terapia de casal e pediriam que o parceiro violento viesse ao serviço para uma conversa, e muitos, 37,8% (39/103), não souberam responder essa questão, evidenciando o desconhecimento da conduta correta diante de pacientes em situação de violência.

A Tabela 2 torna evidente que muitos dos respondentes não têm habilidade para manejar casos de violência de gênero, pois o índice de acerto para o conhecimento do funcionamento de casa-abrigo foi de 20,3% (21/103), enquanto o acerto do endereço da Delegacia de Defesa da Mulher foi de 5,8% (6/103). Vê-se também que quase todos desconheciam a Lei 10.886, pelo índice de 0,9% (1/103) de acertos, assim como muitos desconheciam as penalidades para o perpetrador de violência de gênero, com 25,4% (26/102) de acertos. Menos da metade dos respondentes conheciam (44,1%; 45/102) o que rege o código de ética médica em casos de violência de gênero.

Associação entre variáveis

Não foi encontrada associação entre conhecimento sobre violência de gênero e idade, sexo, estado marital, cor/raça ou ter assistido a aula sobre o tema.

Como mostra a Tabela 3, encontrou-se associação entre ter atendido alguma vítima de violência na graduação e ter apresentado alto conhecimento: 69% dos que atenderam algum caso apresentaram alto conhecimento, comparado com 38% dos que não atenderam (Fisher p < 0,04).

Maior proporção de alunos apresentou baixo conhecimento acerca da epidemiologia e morbi-mortalidade da violência de gênero (41,2%) comparando-se com os residentes (13,6%) (Fisher p = 0,023).

Maior conhecimento das condutas médicas a tomar diante de pacientes vítimas de violência de gênero aumenta a chance de o médico perguntar sobre situações violentas a suas pacientes. Acreditar ser papel do médico perguntar sobre violência de gênero foi encontrado associado ao maior conhecimento sobre o tema (Fisher p < 0,040). Ter atendido caso de violência de gênero foi encontrado associado a maior conhecimento das condutas médicas nesses casos: 70,5% dos que atenderam casos na graduação apresentaram maior conhecimento (Fisher p < 0,014).

DISCUSSÃO

O alto índice de não resposta (24,3%) e recusas (9,3%) neste estudo pode significar, além da falta de tempo ou disponibilidade para responder, desconhecimento da importância do tema ou sua não valorização.

Estudo conduzido nos Estados Unidos12 mostrou que 50% dos médicos acreditavam que a violência de gênero era algo muito raro, atingindo apenas 1% da população. Partindo do pressuposto de que os respondentes são os que mais valorizam o tema, ainda assim encontramos menos da metade (41%) deles com alto conhecimento sobre violência de gênero. Por outro lado, comparando-se alguns resultados com os de outras pesquisas, verifica-se que alguns resultados deste estudo mostram porcentagens de acertos similares ou maiores do que os encontrados na literatura: em relação a ser papel do médico perguntar sobre violência, 89,1% responderam que sim, enquanto em outro estudo12, 85%; 63,1% de nossos respondentes acreditavam-se capazes de ajudar, enquanto no outro estudo12 apenas 39,3% confiavam em sua capacidade de ajuda. Em relação ao manejo dos casos, 72,8% de nossos respondentes disseram que recomendariam retornos curtos, enquanto em outro estudo24, realizado nos Estados Unidos com médicos residentes, apenas 42% adotariam esta estratégia. Em nosso estudo apenas 0,97% (1/103) prescreveriam medicação ansiolítica ou antidepressiva, mas 14,5% (15) não souberam responder esta questão, enquanto na literatura24 12% prescreveriam este tipo de medicação. Em nosso estudo, 85,4% ofereceriam telefone ou endereço de casa-abrigo (embora não soubessem corretamente este endereço), enquanto em outro estudo24 apenas 10% ofereceriam esse endereço. Entretanto, em outras respostas referentes ao manejo dos casos, encontrou-se maior porcentagem de erros do que citado na literatura. Alguns autores24 afirmam que a revelação da agressão pode ser perigosa para a mulher que vive cronicamente em situação de violência. Portanto, deve-se evitar aconselhá-la a deixar o parceiro, como sugerido por nossos respondentes (22,4%), contra 3% da literatura24. Deve-se evitar pedir ao parceiro para vir ao serviço de saúde, como marcaram 18,4% de nossos respondentes contra 32% de outro estudo24, e recomendar terapia de casal (37,8% de nossos respondentes contra 27% da literatura24). Essas respostas mostram que há maior despreparo para o manejo de casos entre nossos respondentes.

Uma importante característica observada no conhecimento sobre violência de gênero desses respondentes foi sua associação com o atendimento, o que mostra que atender casos de violência de gênero desperta a necessidade de compreender mais o fenômeno.

O quadro de violência de gênero só poderá ser mudado se conseguirmos convencer as instituições de saúde a se responsabilizarem por incentivar a notificação dos casos, criando uma rotina para que isso ocorra, atribuindo funções e responsabilidades aos mais variados profissionais da saúde. Também contribuirá oferecer cursos de capacitação para que os profissionais se conscientizem da responsabilidade ética e legal em que consiste a notificação, assim como incluir o tema nos currículos dos profissionais de saúde. Rodriguez et al. (1999)25 evidenciaram que, após treinamento específico em como lidar com pacientes vítimas de violência de gênero, 89% dos participantes rotineiramente indicavam casas-abrigo e 65% orientavam a denunciar o perpetrador violento.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Luciana de Morais Vicente, bolsista do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) no período de 2004-2005, elaborou o projeto de pesquisa, desenvolveu o instrumento de pesquisa, coletou os dados e digitou as informações no banco de dados, apresentadas em relatório final. Elisabeth Meloni Vieira orientou e supervisionou o estudo e a elaboração do instrumento, recomendou a bibliografia, conferiu a digitação e procedeu à análise e edição do relatório, tendo elaborado este artigo. Os autores agradecem ao Cremesp pelo apoio e à Prof. Dra. Lília Blima Schraiber por suas valiosas sugestões a este texto.

Recebido em: 27/04/2006

Reencaminhado em: 10/03/2008

Aprovado em: 30/04/2008

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver

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  • Endereço para correspondência:
    Elisabeth Meloni Vieira
    Departamento de Medicina Social
    Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
    Av. Bandeirantes, 3900
    Monte Alegre
    CEP.:14049-900 - Ribeirão Preto - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 2008
    • Revisado
      10 Mar 2008
    • Recebido
      27 Abr 2006
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