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Pesquisa-ação: as experiências de João Bosco Guedes Pinto

Action research: the experiences of João Bosco Guedes Pinto

PINTO, J. B. G. .Metodologia, teoria do conhecimento e pesquisa-ação: textos selecionados e apresentados. Belém: UFPA/Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, 2014.

João Bosco Guedes Pinto foi sociólogo atuante nos movimentos de defesa dos trabalhadores urbanos e rurais e da reforma agrária. Também trabalhou como educador e pesquisador em ciências sociais e humanas. Em suas pesquisas, procurou sempre refletir sobre as necessidades e os interesses de grupos sociais historicamente relegados à margem da sociedade capitalista.

Essa perspectiva se efetivou na metodologia de pesquisa desenvolvida por ele, baseada no método psicossocial de Paulo Freire: a pesquisa-ação como prática política e social, visando à conscientização e ao empoderamento do povo. Seu projeto é apresentado no livro Metodologia, teoria do conhecimento e pesquisa-ação: textos selecionados e apresentados, no qual foram reunidos textos do autor após seu falecimento (no ano de 1995, em Recife).

Com apresentação de Laura Susana Duque-Arrazola e prefácio de Farid Eid e Maria José de Souza Barbosa, a obra em questão foi produzida não só para divulgar os trabalhos desenvolvidos por Pinto. Sua principal intenção é servir como experiência metodológica que pode ser aproveitada por pesquisadores que visam a realizar pesquisa-ação junto a comunidades e grupos sociais.

Os textos de Pinto foram organizados em seis grandes capítulos, divididos em subcapítulos. Na apresentação, Laura Arrazola apresenta a trajetória pessoal e acadêmica do pesquisador natural de Manaus (Amazonas) e nascido em 1934.

Foi com base na defesa da identidade regional latino-americana, especificamente brasileira, e na busca pela promoção dos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos deste “lugar”, que o teórico desenvolveu sua metodologia para investigação de realidades brasileiras. Assim, ele construiu coletiva e participativamente um programa-ação a ser implementado em comunidades periféricas.

O livro inicia com textos em que Pinto conceitua método e metodologia, em geral, e o método de conscientização ou psicossocial, especificamente, estabelecendo diferenças entre esse método e a objetividade do método hipotético-dedutivo, que é baseado em uma abordagem positivista.

Sendo método um conjunto de procedimentos para validação ou refutação de proposições, e metodologia a sequência lógica e ordenada de tais procedimentos, o método categorizado como psicossocial busca alterar estruturas e “adequar a consciência” (Pinto, 2014, p. 93) a uma realidade objetiva imersa em processos sociais. A realidade objetiva e a existência são a base do estudo psicossocial. Esse método propõe um caminho oposto à lógica positivista do hipotético-dedutivo, de artificialização, redução e enrijecimento da realidade e de seus fenômenos. O autor apresenta um modo de fazer pesquisa que se fundamenta na busca pela conscientização, politização e mobilização de classe. Como resultado, uma mudança na estrutura da sociedade pode ser gerada.

Pinto trabalha algumas características do método como, por exemplo, seus níveis: descritivo (referente à captação e descrição de informações), analítico-redutivo (momento para entender as concepções estabelecidas) e, por último, o nível histórico-genético (relacionado à busca da gênese, da raiz histórica da realidade). Ao trabalharmos com investigação temática ou pesquisa-ação, o sujeito e o objeto de conhecimento compõem uma mesma realidade em unidade e, ao mesmo tempo, em contradição dialética. É importante que o pesquisador conheça a comunidade a partir de suas relações mais elementares. A linguagem constitui-se ferramenta essencial nesse processo: conhecendo a dinâmica, as demandas e os interesses provenientes da comunidade, é possível investigar o sentido e ter consciência do poder das palavras para os sujeitos da pesquisa.

Na socioantropologia, o teórico encontrou referência epistemológica para falar sobre o centro das pesquisas humanas: o homem, como um ser concreto, situado em um tempo e um espaço, uma “parte integrante e ativa de um processo” (Pinto, 2014, p. 106) em constante transformação. É um ser de relações, cria e produz cultura.

A investigação temática se constitui como uma unidade dialética que reúne reflexão e ação. É uma investigação voltada à ação. Desenvolve-se a partir de um esquema que se resume nos seguintes passos: a) obter conhecimento na realidade percebida; b) analisar e reduzir tal conhecimento; c) organizá-lo sistematicamente; d) devolvê-lo à comunidade como um objeto de ação. Como resultado, chega-se à conscientização, ou seja, a um “pensar reflexivo sobre a realidade” (Pinto, 2014, p. 122). O autor então destaca que a reflexão sobre a realidade, aliada à ação política, pode estabelecer caminhos para a construção engajada da consciência crítica.

A adoção de um método de trabalho (seja qual for) é também a adoção de um pensamento e de uma concepção de mundo; quanto mais definido criticamente, mais o pesquisador adquire identidade como ser da práxis e, portanto, da transformação. Isso se contrapõe ao olhar frio, burocrático e formalista, por isso, exige um comprometimento teórico e uma atitude prática eminentemente dialógica. (Pinto, 2014, p. 128).

Ao final do Capítulo 3, encontram-se quadros esquematizados que explicam, resumidamente, as etapas da investigação temática. Há também um apoio à pesquisa participativa, metodologia que sustenta a pesquisa-ação. Tal abordagem se constitui na recusa ao predomínio do positivismo empirista nas ciências sociais. Para a pesquisa participativa, os fenômenos ajudam o pesquisador a construir a sua verdade processualmente ao longo de sua inserção na prática social. A pesquisa participativa ou participante é para Pinto, portanto, uma prática social de produção de conhecimento.

São apresentadas várias modalidades de pesquisa participativa: a pesquisa-ação, a pesquisa militante, a autoinvestigação, o levantamento participativo, entre outros. O método da pesquisa-ação envolve pressupostos próprios do pesquisador, entre os quais se destacam: a não neutralidade, o princípio do inacabamento e da incompletude, o conhecimento para uso coletivo e o fato de ser uma opção epistemológica. O método contém uma tripla sequência: objetivos, instrumentos e organização. Essa sequência é contemplada em três momentos cruciais: a construção dos princípios, a reflexão-ação e a conscientização. O diário de campo assume grande importância na pesquisa-ação, pois a partir das anotações nele sistematizadas é que se construirão os três momentos listados.

O livro apresenta também diferenciação entre comunidades e grupos. Comunidade tem relação com área geográfica. Refere-se à população que se identifica com determinada localidade. Possui interesses comuns e homogeneidade produtiva. É maior do que um grupo, sendo formada por vários. Esses grupos, por sua vez, podem ser compreendidos por meio de sua classificação: os primários são as famílias; os secundários, os ambientes de trabalhos e as amizades; os expressivos são os que se reúnem informalmente para fins de sociabilidades ou lazer; e os instrumentais são grupos que se reúnem com propósitos determinados, com curso de ação.

O escritor afirma que a função do pesquisador envolve formar grupos instrumentais a partir da reflexão-ação de sua pesquisa-ação. O instrumental se constitui na ação conjugada de vários grupos para solucionar problemas previamente levantados por eles. Três momentos, principais e sucessivos, formam a lógica da metodologia de trabalho com os grupos instrumentais: “1) determinação da problemática; 2) problematização; 3) organização da ação” (Pinto, 2014, p. 270). Nas páginas 281 e 282 encontra-se, também, um esquema explicativo sobre os passos dessa construção.

Por fim, há um capítulo que reúne textos de Pinto que tratam de pesquisa participativa, educação, saúde e qualidade de vida. Inicialmente, encontramos a argumentação de que participação social é também luta e conflito de interesses, ou seja, o caráter ideológico está em evidência. É importante saber que a educação pode servir como reprodutora de um status quo ou pode transformar concepções: “A Educação é a promoção do homem e o desenvolvimento de todas as potencialidades dos indivíduos” (Pinto, 2014, p. 300). O autor alerta para a compreensão dos saberes populares, os quais são importantes e precisam ser levados em consideração pela escola, pois são saberes de resistência e refletem a identidade de um povo.

O teórico defende ainda a importância da interdisciplinaridade para a pesquisa e para a qualidade de vida. Nesse sentido, considera necessário o encontro de perspectivas que possam se complementar. Michel Thiollent, na escrita do prefácio, comenta que Pinto “estabelece relação entre os princípios do Materialismo Dialético com a Fenomenologia, o que fortalece a dimensão especificamente humanística da proposta” (p. 34). Na obra de Pinto, o homem é percebido como um processo ecológico que pertence ao universo. Para ele, qualidade de vida é perceber-se inserido na sociedade, que é dividida, mas que precisa ser compreendida em seu todo.

Com tais considerações, destacamos a importância da contribuição teórica e metodológica construída por Pinto. Este livro é interessante material para estudo nas ciências humanas e sociais, pois aprofunda conceitos e práticas de pesquisa-ação e pesquisa participativa. Pode ser apresentado como material de referência para o desenvolvimento de pesquisas qualitativas com ênfase na construção colaborativa e a partir do diálogo entre os saberes do povo e da academia. Assim, é possível pensar uma ação de complementação entre esses saberes, unindo ambos para a produção de resultados que marcarão e alterarão não só a estrutura das consciências, mas também da sociedade como um todo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2016
  • Revisado
    25 Abr 2017
  • Aceito
    26 Jun 2017
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