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Mutações no gene TP53 em tumores malignos de mama: associação com fatores de risco e características clínico-patológicas, inclusive risco de óbito, em pacientes residentes no Rio de Janeiro

TP53 mutation in malignant breast tumors: association with risk factors and clinical-pathological characteristics, including risk of death, in patients from Rio de Janeiro

Resumos

No Brasil, o câncer de mama é a primeira causa de óbito por câncer entre mulheres, sendo o Rio de Janeiro o Estado que apresenta o maior coeficiente de mortalidade do país. Estudos que avaliam a sobrevida por câncer de mama têm indicado que vários fatores de ordem genética e molecular podem influenciar a evolução dos casos. O objetivo deste trabalho foi descrever mutações no gene TP53 em 120 pacientes com diagnóstico de carcinoma invasivo de mama, recrutadas no Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, entre 1995 a 1997, e analisar as possíveis associações entre fatores de risco e presença de mutação e entre características do tumor, incluindo estas mutações e o risco de óbito. A análise molecular detectou 24 mutações no gene TP53 em 22 casos (18,3%), sendo que 2 casos apresentaram 2 mutações cada e, em um caso observamos o polimorfismo no éxon 6. As mutações encontradas eram: 14 com troca de sentido; 2 sem sentido; 2 silenciosas; 2 deleções; 1 inserção e 3 localizadas em íntron. Em relação aos fatores de risco estudados em associação à presença de mutação, observou-se que apenas o consumo de tabaco mostrou associação negativa (OR ajustado= 0,24 (0,06-0,88)). A análise multivariada utilizada para avaliar as características tumorais associadas ao risco de óbito mostrou que apenas a agressividade do tumor apresentou OR indicativo de risco (3,98, IC 95% 1,25-12,72). Estes resultados corroboram outros estudos que mostram que a mutação no gene TP53 pode ser um indicador de tumores de mama biologicamente mais agressivos, apesar de não ser o único parâmetro a ser considerado.

Gene TP53; Câncer de mama; Fatores de risco; Características tumorais


Breast cancer is the leading cause of death due to cancer among women in Brazil and, the State of Rio de Janeiro presents the highest mortality coefficient of this disease in the country. Studies have shown that many genetic and molecular factors may be related to the outcome of cases. The aim of this study was to describe the frequency and types of mutations in the tumor suppressor gene TP53 in 120 patients with diagnosis of invasive breast carcinoma recruited from the Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro from1995 to 1997, and to analyze the associations between these mutations and risk factors, and tumor characteristics, including the presence of TP53 mutations, and risk of death. The molecular analysis detected TP53 alterations in 22 cases (18.3%), of which 2 cases presented 2 mutations each; a polymorphism in exon 6 was observed in 1 case. The mutations found were: 14 missense, 2 nonsense, 2 silent, 2 deletions, 1 insertion and 3 located in introns which probably did not change the protein. The analysis of risk factors in relation to TP53 mutations showed that only tobacco consumption had an association (adjusted OR = 0.24 (0.06-0.88)). Multivariate analysis showed that only tumor aggressiveness showed an OR indicative of risk (3.98, IC 95% 1.25-12.72).These results are in agreement with previous studies, which report that the presence of TP53 mutations may indicate more aggressive breast tumors biologically although this is not the only parameter to be considered.

Gene TP53; Breast cancer; Risk factors; Tumor characteristics


Mutações no gene TP53 em tumores malignos de mama: associação com fatores de risco e características clínico-patológicas, inclusive risco de óbito, em pacientes residentes no Rio de Janeiro

TP53 mutation in malignant breast tumors: association with risk factors and clinical-pathological characteristics, including risk of death, in patients from Rio de Janeiro

Claudia Vitória de Moura-GalloI; Tatiana de Almeida SimãoII; Fabiana Siqueira RibeiroII; Maria José Andrada-SerpaIII; Luís Eduardo Bastos CardosoII; Gulnar Azevedo e Silva MendonçaII

IDepartamento de Bioquímica, Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Av. 28 de Setembro, 4o andar, fundos; 20551-013 -Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ; cgallo@uerj.br

IIDepartamento de Bioquímica, Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

IIIInstituto de Pesquisa Evandro Chagas Fundação Oswaldo Cruz, RJ

RESUMO

No Brasil, o câncer de mama é a primeira causa de óbito por câncer entre mulheres, sendo o Rio de Janeiro o Estado que apresenta o maior coeficiente de mortalidade do país. Estudos que avaliam a sobrevida por câncer de mama têm indicado que vários fatores de ordem genética e molecular podem influenciar a evolução dos casos. O objetivo deste trabalho foi descrever mutações no gene TP53 em 120 pacientes com diagnóstico de carcinoma invasivo de mama, recrutadas no Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, entre 1995 a 1997, e analisar as possíveis associações entre fatores de risco e presença de mutação e entre características do tumor, incluindo estas mutações e o risco de óbito. A análise molecular detectou 24 mutações no gene TP53 em 22 casos (18,3%), sendo que 2 casos apresentaram 2 mutações cada e, em um caso observamos o polimorfismo no éxon 6. As mutações encontradas eram: 14 com troca de sentido; 2 sem sentido; 2 silenciosas; 2 deleções; 1 inserção e 3 localizadas em íntron. Em relação aos fatores de risco estudados em associação à presença de mutação, observou-se que apenas o consumo de tabaco mostrou associação negativa (OR ajustado= 0,24 (0,06-0,88)). A análise multivariada utilizada para avaliar as características tumorais associadas ao risco de óbito mostrou que apenas a agressividade do tumor apresentou OR indicativo de risco (3,98, IC 95% 1,25-12,72). Estes resultados corroboram outros estudos que mostram que a mutação no gene TP53 pode ser um indicador de tumores de mama biologicamente mais agressivos, apesar de não ser o único parâmetro a ser considerado.

Palavras-chave: Gene TP53; Câncer de mama. Fatores de risco. Características tumorais.

ABSTRACT

Breast cancer is the leading cause of death due to cancer among women in Brazil and, the State of Rio de Janeiro presents the highest mortality coefficient of this disease in the country. Studies have shown that many genetic and molecular factors may be related to the outcome of cases. The aim of this study was to describe the frequency and types of mutations in the tumor suppressor gene TP53 in 120 patients with diagnosis of invasive breast carcinoma recruited from the Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro from1995 to 1997, and to analyze the associations between these mutations and risk factors, and tumor characteristics, including the presence of TP53 mutations, and risk of death. The molecular analysis detected TP53 alterations in 22 cases (18.3%), of which 2 cases presented 2 mutations each; a polymorphism in exon 6 was observed in 1 case. The mutations found were: 14 missense, 2 nonsense, 2 silent, 2 deletions, 1 insertion and 3 located in introns which probably did not change the protein. The analysis of risk factors in relation to TP53 mutations showed that only tobacco consumption had an association (adjusted OR = 0.24 (0.06-0.88)). Multivariate analysis showed that only tumor aggressiveness showed an OR indicative of risk (3.98, IC 95% 1.25-12.72).These results are in agreement with previous studies, which report that the presence of TP53 mutations may indicate more aggressive breast tumors biologically although this is not the only parameter to be considered.

Key Words: Gene TP53; Breast cancer. Risk factors. Tumor characteristics

Introdução

O câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre as mulheres em todo o mundo. No Brasil, é a neoplasia mais freqüente no sexo feminino e vem sendo verificado aumento nos coeficientes de mortalidade padronizados nos últimos 20 anos1. O Rio de Janeiro caracteriza-se como o Estado de maior ocorrência da doença. No ano de 2000, o coeficiente de mortalidade por câncer de mama no Estado foi de 18 por 100.000 habitantes, enquanto que para todo o país foi de 9,6 por 100.000, segundo dados do Ministério da Saúde2.

Embora não se conheça exatamente todo o mecanismo causal do câncer de mama, não há dúvida de que a interação entre os fatores genéticos e ambientais exerce papel fundamental na etiologia e na evolução dos casos. A contribuição dos fatores externos é comprovada pela observação de que populações de origem asiática ao migrarem para países ocidentais, como os Estados Unidos, tendem a aumentar o risco de desenvolver câncer de mama nas gerações subseqüentes3. Isto fortalece a hipótese de que fatores relacionados à dieta, ao hábito de fumar, à ingestão de bebidas alcoólicas e à paridade – os quais são bem distintos se comparados países orientais com países ocidentais – devem exercer um peso importante no processo de carcinogênese mamária. Ao mesmo tempo, é conhecida a influência dos fatores genéticos, sendo que filhas de mães portadoras de câncer de mama têm um risco bem aumentado de desenvolver a doença se comparadas a mulheres sem relato de história familiar4.

Em relação ao prognóstico, já é bem estabelecido que a recorrência da doença é maior em pacientes que apresentam tumores de maior agressividade e comprometimento ganglionar axilar5. No entanto, a retirada da cadeia ganglionar para verificação de doença ainda é um procedimento muito invasivo e, embora novas técnicas – como o mapeamento de linfonodos sentinelas – venham sendo empregadas, é necessário que sejam identificados e validados outros marcadores genéticos e moleculares que possam predizer a evolução dos casos e auxiliar na seleção da terapia mais apropriada.

Atualmente, três genes têm sido apontados como principais no desenvolvimento do câncer hereditário de mama – o BRCA1, BRCA2 e o TP53. No entanto, as alterações encontradas nestes genes são responsáveis por aproximadamente 5% de todos os casos. Assim, a pesquisa de alterações genéticas e sua associação com fatores ambientais podem levar à compreensão dos mecanismos envolvidos na etiologia desta doença, assim como auxiliar no diagnóstico e tratamento. Dentre os genes envolvidos nas etapas de desenvolvimento do câncer esporádico de mama está o TP53, que é o gene que se apresenta mais mutado nesta doença6.

O gene TP53, conhecido como gene supressor de tumor, codifica uma fosfoproteína de 53kDa, tetramérica, que se liga especificamente ao DNA e age como fator de transcrição. Mutações neste gene, localizado no cromossomo 17, estão presentes em aproximadamente 50% dos cânceres humanos, tornando este gene o alvo mais comum de alterações genéticas no processo neoplásico7. Em células normais, esta proteína é sintetizada continuamente, mas não se acumula em níveis significativos, sendo degradada pela célula em 2-15 minutos. No entanto, quando as células são expostas a agentes que danificam o DNA, a proteína se torna estável e passa a controlar diversos genes que são seus alvos, impedindo a progressão do ciclo, o que permite reparar os danos nas células ou disparar o processo de morte destas por apoptose8,9. As mutações em TP53 encontradas nos mais diversos tumores malignos analisados são pontuais e estão majoritariamente localizadas na região da molécula altamente conservada, que corresponde ao domínio de ligação da proteína com o DNA7.

A análise de mutações encontradas no gene TP53 tem sido muito valorizada em estudos de epidemiologia molecular de câncer10. Recentemente, Hill e Sommer11 consideraram esta análise como um possível teste mutagênico para o câncer de mama. Mutações deste gene têm sido também associadas com outros tipos de tumores como o adenocarcinoma de esôfago12 e o tumor anaplásico de tireóide13. Ambos os tumores são bastante agressivos com taxas de sobrevida muito baixas. Portanto, torna-se interessante a possível utilização da análise de mutações em TP53 para auxiliar no prognóstico de tumores em fases iniciais com maior possibilidade de serem tratados com sucesso.

Em relação ao câncer de mama, a freqüência de mutações neste gene não é muito alta, ficando em torno de 20-30% dos casos estudados. No entanto, vários autores têm mostrado que a identificação do tipo de mutação pode levar a conclusões importantes em relação à sobrevida e resposta terapêutica das pacientes, como descrito em revisão recente14.

Os objetivos do presente estudo foram: identificar a freqüência e os tipos de mutações no gene TP53 em pacientes com câncer de mama; analisar as possíveis associações entre a presença de mutações e fatores de risco clássicos como história familiar de câncer de mama, paridade, amamentação, consumo de tabaco e álcool; e, ainda, mostrar uma possível associação entre o risco de óbito e as principais características do tumor como a presença de mutações em TP53, grau de Elston, tamanho do tumor e comprometimento nodular.

Material e Métodos

População de estudo

A população estudada foi composta por 120 mulheres admitidas para cirurgia no Instituto Nacional de Câncer (INCA), no Rio de Janeiro, entre os anos de 1995 a 1997, com diagnóstico de carcinoma invasivo de mama confirmado por exame histopatológico. O estudo foi aprovado pelo Comitê de ética do INCa.

Coleta de dados

Os dados epidemiológicos foram obtidos a partir de entrevistas feitas com questionário estruturado; os dados clínicos e patológicos foram extraídos dos prontuários médicos. As variáveis estudadas foram: idade, paridade, história familiar de câncer de mama (parentes de 1º e 2º graus), hábito de fumar e de ingerir bebidas alcoólicas. As características tumorais estudadas foram: presença de linfonodo comprometido e tamanho do tumor. A agressividade do tumor foi avaliada com base na classificação de Elston15, que considera como Grau I os tumores bem diferenciados, Grau II os moderadamente diferenciados e Grau III os pouco diferenciados. Para fins de análise, esta variável foi dicotomizada em tumores com grau I e II e tumores comparados aos de grau III.

Análise molecular

Para o total de mulheres foi feita análise de TP53 nos exons 5, 6, 7 e 8 por PCR-SSCP, que foi o método escolhido para a triagem das mutações, sendo utilizado posteriormente o seqüenciamento de bases para identificação destas. Em linhas gerais, os tecidos tumorais foram coletados após cirurgia e armazenados em Nitrogênio líquido. O DNA genômico foi então extraído por digestão com proteinase K em presença de SDS, como descrito por Sambrook et al.16, 2001. Os exons 5 a 8 foram amplificados por PCR, utilizando-se iniciadores específicos e analisados por SSCP, como descrito por Orita et al., 198917. As condições para a técnica de SSCP e seqüenciamento estão descritas em Simão et al., 200218.

Análise dos dados

Para 111 pacientes foi possível obter dados para a associação entre a presença de mutação e as variáveis estudadas. A estimativa de risco foi feita através do cálculo das odds ratios (OR) com intervalos de confiança de 95% ajustados por idade através de regressão logística não-condicional. Inicialmente, foi analisada a associação entre fatores de risco selecionados (paridade, amamentação, história familiar de câncer de mama em parentes do 1o grau, consumo de tabaco e álcool) e a presença de mutação no gene TP53. Em seguida, foi realizada a análise para verificar a associação entre a presença de mutação, a presença de linfonodo comprometido por doença, tamanho e grau de agressividade do tumor, e o risco de óbito. Para isto foram calculadas as ORs brutas e ajustadas por todas estas variáveis mais a idade. Toda a análise foi realizada no programa STATA, versão 7.

Resultados

A média de idade das 120 pacientes estudadas foi de 57,7 anos. Do total de casos, 94% tiveram como diagnóstico carcinoma ductal infiltrante e 18,3% destes apresentaram mutação em TP53 (22 em 120 amostras de tumor). 24 mutações foram identificadas, sendo que 2 casos apresentaram 2 mutações diferentes cada. Quanto ao tipo de mutação, foram identificadas 14 do tipo troca de sentido, ou seja, com troca de aminoácido na proteína; 2 sem sentido, ou seja, com aparecimento de códon de parada; 2 silenciosas; 2 deleções; 1 inserção; e 3 localizadas em íntrons. Neste trabalho também foi identificado 1 caso contendo polimorfismo no éxon 6. Na análise feita, o polimorfismo não foi considerado por não ser alteração esporádica. O Quadro 1 mostra as mutações identificadas, códons e aminoácidos alterados, e a classificação segundo o tipo de mutação. Entre as mutações pontuais, foram encontradas nove transversões e 12 transições, perfazendo um total de 21 trocas de bases (87,5%). Entre as transições observadas, cinco foram em sítios CpG.


Quanto à localização das mutações, os códons mais alterados foram os códons 248 (4 casos), 242 (2 casos) e 151 (2 casos). As duas primeiras mutações estão associadas aos sítios de ligação da proteína ao DNA e à ligação com o átomo de zinco, respectivamente, e o códon 151 está entre os códons conservados em todas as espécies que expressam a proteína p53.

A Tabela 1 apresenta os resultados da análise de associação entre os fatores de risco selecionados e a presença de mutação em TP53. Em relação aos fatores de risco estudados em associação à presença de mutação, observou-se que apenas o consumo de tabaco mostrou associação negativa (OR ajustado= 0,24 (0,06-0,88)). Embora tenha sido verificada tendência à diminuição de risco em relação à paridade, amamentação e história familiar de câncer de mama, os intervalos de confiança incluíram a unidade.Uma tendência ao aumento de risco de óbito, ajustado por idade, foi detectada entre a presença de mutação em TP53 e o grau de agressividade (OR= 2,9; IC 95% 0,94-2,97) (dados não apresentados). A Tabela 2 mostra a avaliação do risco de óbito associada à mutação e outras características tumorais, e, após ajuste por idade e todas as variáveis, apenas a maior agressividade do tumor, ou seja, tumores classificados como grau III de Elston, apresentou risco aumentado de óbito.

As diferentes mutações podem ser separadas segundo o seu possível papel, alterando ou não a estrutura da p53, e conseqüentemente a sua função. Estas alterações podem ser do tipo que resultam em troca de aminoácido ou troca de sentido, não importando a sua localização (e.g. sítio de ligação ao DNA); mutações que provocam alteração do quadro de leitura (deleções, inserções e sem sentido, ou seja, com formação de códon de parada) e mutações que possivelmente não provocam alteração na estrutura da proteína (silenciosas, localizadas em introns). Os resultados indicam que 6 tumores em 11 (55%) que apresentam mutações com troca de sentido estão classificados como Grau de Elston III. 3 entre 4 tumores (75%) que apresentaram alteração no quadro de leitura foram classificados como Grau III de Elston e, finalmente todos os 4 tumores com mutações que não mudam a estrutura da proteína foram classificadas como Grau I ou II.

Discussão e Conclusão

O câncer de mama é uma doença cuja etiologia e prognóstico são muito variados e as interações entre fatores genéticos e ambientais parecem exercer um peso importante tanto em relação ao risco como na evolução dos casos. Numerosos estudos vêm mostrando uma relação positiva entre a presença de p53 mutante e pior prognóstico14. Segundo o banco de mutações de TP53 compiladas e organizadas pelo grupo do Dr. Pierre Hainaut, da Agência Internacional de pesquisa em Câncer (IARC) (http://www.iarc.fr/p53), em 18 estudos apenas três não apontaram associação entre mutação e mal prognóstico. Baseado nestas informações acredita-se que o câncer de mama seja o tipo de câncer que mais apresenta relevância em termos de utilização da alteração deste gene como parâmetro para prognóstico da doença (comunicação pessoal). Trabalhos recentes corroboram as investigações feitas quando da descoberta da p53, nos quais era associado um papel oncogênico para esta proteína quando mutante e um papel supressor de tumor quando na forma selvagem19,20. Portanto, além da perda de função quando alterada, a proteína p53 pode ganhar funções que podem fazer com que o tumor apresente características mais agressivas. Neste contexto, a identificação do tipo de mutação torna-se indispensável para a avaliação clínica do tumor.

No presente trabalho foi avaliada a possível relação entre a presença de mutações em TP53 e fatores de risco para o câncer de mama, assim como também a associação entre estas alterações e as características do tumor. O conjunto de dados aqui apresentados é a continuidade dos resultados observados e recentemente publicados em Simão et al18. Porém, neste estudo é analisado um número maior de casos, confirmando os achados anteriormente descritos.

Em comparação feita com base na última atualização dos dados do banco de mutações em TP53 da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer – IARC para o câncer de mama (Release 8), é possível observar que, de forma geral, o padrão encontrado neste estudo não difere do encontrado por outros autores. Existe, no entanto, uma freqüência maior de transversões A:T para T:A, 16,6% em nosso estudo e 7% no banco de dados do IARC; e menor de transições do tipo G:C para A:T não localizadas em sítios CpG (8,3% para 17,8%) e A:T para C:G (0% para 4,9%). Como o tecido mamário, que é composto de grande quantidade de adipócitos, pode acumular boa quantidade de carcinógenos lipofílicos, e assim mais facilmente atuar sobre o material genético das células próximas, as diferenças encontradas nestas trocas de bases podem ser explicadas por exposição diferenciada a diversos carcinógenos, o que pode variar entre populações. De acordo com Olivier e Hainaut6, separando-se as mutações nos grupos de câncer de mama de origem familiar e cânceres esporádicos, observou-se que as transversões G:C para T:A não estão presentes no câncer de origem familiar. Isto sugere que a presença destas mutações no câncer esporádico pode ter sido conseqüência de mutações provocadas por carcinógenos no tecido mamário. Exemplos esclarecedores do papel de carcinógenos na gênese de tais mutações são os casos observados nos cânceres de pulmão e fígado que apresentam alta prevalência das transversões G:C para T:A, atribuída à ação de benzo[a]pireno e aflatoxina, respectivamente, sendo que, para aflatoxina e câncer hepático, a presença desta transversão localizada no códon 249 é marcadora para a presença deste agente mutagênico6.

Os fatores epidemiológicos selecionados para a análise, relacionados à história reprodutiva (paridade e amamentação), à história familiar de câncer de mama e ao hábito de fumar e de consumo de álcool, não evidenciaram associações estatisticamente significantes com a presença de mutação (Tabela 2). Conway et al.21, em trabalho recente encontraram associação entre o hábito de fumar e a presença de mutação em TP53 em mulheres com câncer de mama em estudo que contou com um total de 861 pacientes após ajustarem os dados por idade, raça, menopausa, estágio da doença, tamanho do tumor e história familiar para câncer de mama. O número inferior de casos incluídos no presente trabalho não permitiu o cálculo de estimativas multivariadas e o ajuste foi feito apenas para a idade. Faz-se necessária a realização de estudos deste tipo que possam acessar um número maior de pacientes para investigação de marcadores moleculares de forma a garantir poder estatístico aos resultados.

Cabe ressaltar que, mesmo considerando as limitações encontradas, como o número pequeno de casos, existe uma tendência positiva, porém não estatisticamente significativa, entre a presença de mutação e tumores mais agressivos. A agressividade do tumor foi avaliada pela classificação de Elston15, que usa como parâmetros três características importantes dos tumores de mama: 1) formação tubular, 2) pleomorfismo nuclear e 3) número de mitoses. Pharoah et al. 20, em meta-análise que incluiu 11 estudos diferentes perfazendo um total de 2319 casos, concluíram que a presença de mutação em TP53 está associada a um menor tempo de sobrevida. Dois outros estudos prospectivos – um com pacientes com câncer de pulmão22 e outro com pacientes com adenocarcinoma de esôfago23 – encontraram também relação entre a presença de mutação em TP53 e uma menor sobrevida.

Os tipos de mutações encontradas neste estudo se relacionaram ao Grau de Elston, o que pode ter associação com o tipo de função que foi alterada pela mutação. Mutações que apresentam códon de parada, deleções e inserção podem acarretar uma alteração drástica na estrutura da proteína e perda de função. Quando estes tipos de mutação estivessem presentes, o tumor, conseqüentemente, expressaria um maior grau de agressividade. Portanto, em geral, a presença de mutação tende a indicar um pior prognóstico e o tipo de mutação ocorrida pode ser um indicador de tumores biologicamente mais agressivos. Estes resultados estão de acordo com Alsner et al.24, que agruparam as mutações presentes em tumores de mama segundo a sua localização e participação na estrutura da proteína resultante, constatando, portanto, que o tipo de mutação está diretamente associado à agressividade do tumor.

Os resultados encontrados apontam para a necessidade de uma melhor compreensão do que está implicado no grau de agressividade do tumor de mama. Embora alguns estudos tenham relacionado um pior prognóstico para pacientes portadores de tumores que possuem mutações em TP53, esta característica não é a única responsável pelo comportamento biológico do tumor.

O aprimoramento das técnicas de análise de mutações em TP53 pode ser de grande valia para a melhor adequação do prognóstico de pacientes com câncer de mama, e com isto auxiliar nas decisões clínico-terapêuticas a serem tomadas. A condução de pesquisas que validem os resultados de investigações sobre marcadores moleculares em estudos epidemiológicos deve ser estimulada e pode futuramente oferecer grande conhecimento sobre a evolução do processo de carcinogênese e a busca de novos fatores de predição sobre prognóstico em câncer.

recebido em: 03/11/03

versão reformulada apresentada em: 30/04/04

aprovado em: 13/05/04

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    13 Maio 2004
  • Revisado
    30 Abr 2003
  • Recebido
    03 Nov 2003
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