Acessibilidade / Reportar erro

Internações hospitalares e mortalidade por síndrome respiratória aguda grave: comparação entre os períodos pré-pandêmico e pandêmico

RESUMO:

Objetivo:

Analisar as características e os fatores associados à mortalidade dos casos hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave em uma regional de saúde, nos períodos pré-pandêmico e pandêmico.

Métodos:

Estudo retrospectivo documental de vigilância epidemiológica realizado com dados secundários provenientes do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe, referentes aos casos de pacientes pertencentes a uma regional de saúde de Minas Gerais, Brasil.

Resultados:

Observou-se, no período pandêmico, aumento do número de hospitalizações e óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave, além de diferenças entre as características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas. Em ambos os períodos, comportaram-se como preditores da mortalidade hospitalar a idade e o uso de suporte ventilatório invasivo. A mortalidade no período pandêmico associou-se também a sexo masculino, presença de fatores de risco, internação em unidade de terapia intensiva, uso de suporte ventilatório não invasivo e infecção por COVID-19.

Conclusões:

Em 2020, a taxa detecção de Síndrome Respiratória Aguda Grave foi 21 vezes maior do que em 2019 e novos sintomas, como a anosmia e ageusia, foram incluídos em sua investigação. Nos dois períodos avaliados, pacientes idosos e em ventilação mecânica invasiva apresentaram maior risco de mortalidade. Com a pandemia, houve maior número de hospitalizações e fatores associados à mortalidade.

Palavras-chave:
infecções por coronavírus; pandemias; síndrome respiratória aguda grave; sistemas de informação em saúde; vigilância em saúde pública

ABSTRACT:

Objective:

To analyze the characteristics and the factors associated with mortality of cases hospitalized for severe acute respiratory syndrome in a health region, in pre-pandemic and pandemic periods.

Methods:

A retrospective documentary study of epidemiological surveillance carried out with secondary data from the Influenza Epidemiological Surveillance Information System, regarding the cases of patients belonging to a health region of Minas Gerais, Brazil.

Results:

During the pandemic period, there was an increase in the number of hospitalizations and deaths due to severe acute respiratory syndrome, in addition to differences between sociodemographic and clinical-epidemiological characteristics. In both periods, the age and the use of invasive ventilatory support were the predictors of hospital mortality. The mortality in the pandemic period was also associated with male gender, presence of risk factors, admission to an intensive care unit, use of non-invasive ventilatory support, and infection by COVID-19.

Conclusions:

In 2020, the detection rate of severe acute respiratory syndrome was 21 times higher than in 2019 and new symptoms, such as anosmia and ageusia, were included in their investigation. In both periods evaluated, elderly patients and patients on invasive mechanical ventilation had a higher risk of mortality. With the pandemic, there was a greater number of hospitalizations and factors associated with mortality.

Keywords:
coronavirus infections; pandemics; severe acute respiratory syndrome; health information systems; public health surveillance

INTRODUÇÃO

Em 2019, foi detectado na China um novo coronavírus com potencial patogênico em humanos, o SARS-CoV-2, causador da COVID-1911 World Health Organization. Coronavirus Disease (COVID-19) situation reports [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on May 15, 2021]. Available at: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports
https://www.who.int/emergencies/diseases...
. Apesar das medidas para conter a transmissibilidade para outros países, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou pandemia, convocando todos os países a adotarem medidas no intuito de conter a disseminação, intensificando a vigilância, o diagnóstico e o tratamento dessa doença22 Bchetnia M, Girard C, Duchaine C, Laprise C. The outbreak of the novel severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2): a review of the current global status. J Infect Public Health 2020; 13 (11): 1601-10. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.011
https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.0...
,33 World Health Organization. Folha informativa sobre COVID-19 – OPAS/OMS|Organização Pan-Americana da Saúde. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on May 8, 2021]. Available at: https://www.paho.org/pt/covid19
https://www.paho.org/pt/covid19...
.

Os pacientes portadores da COVID-19 podem apresentar desde quadros assintomáticos até quadros graves de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com necessidade de internação hospitalar e elevada mortalidade44 Hui DSC, Zumla A. Severe acute respiratory syndrome: historical, epidemiologic, and clinical features. Infect Dis Clin North Am 2019; 33 (4): 869-89. https://doi.org/10.1016/j.idc.2019.07.001
https://doi.org/10.1016/j.idc.2019.07.00...
. Nos casos graves, somam-se aos sinais e sintomas de Síndrome Gripal (SG) dispneia/desconforto respiratório ou pressão ou dor persistente no tórax ou saturação de oxigênio menor que 95% (SpO2<95%) em ar ambiente ou coloração azulada dos lábios ou rosto55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença pelo Coronavírus 2019 – COVID-19. Brasilia: Ministério da Saúde; 2021. [cited on April 16, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/17-03-Guia_de_vigilancia_da_covid_16marc2021.pdf
https://coronavirus.saude.mg.gov.br/imag...
.

Diante da incerteza sobre o prognóstico dos pacientes com SRAG por COVID-19, estudos comparativos com outros vírus respiratórios têm sido realizados para conhecimento e enfrentamento do novo patógeno66 Petersen E, Koopmans M, Go U, Hamer DH, Petrosillo N, Castelli F, et al. Comparing SARS-CoV-2 with SARS-CoV and influenza pandemics. Lancet Infect Dis 2020; 20 (9): 238-44. http://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30484-9
http://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)304...
88 Cheng ZJ, Qu HQ, Tian L, Duan Z, Hakonarson H. COVID-19: look to the future, learn from the past. Viruses 2020; 12 (11): 1226. http://doi.org/10.3390/v12111226
http://doi.org/10.3390/v12111226...
. Entre as ações de vigilância em saúde adotadas se inclui a notificação dos casos hospitalizados e/ou óbitos por SRAG no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), a fim de subsidiar os gestores na tomada de decisão55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença pelo Coronavírus 2019 – COVID-19. Brasilia: Ministério da Saúde; 2021. [cited on April 16, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/17-03-Guia_de_vigilancia_da_covid_16marc2021.pdf
https://coronavirus.saude.mg.gov.br/imag...
.

Até 20 de janeiro de 2021, o estado de Minas Gerais concentrava 46.025 casos de SRAG hospitalizados por COVID-19 e 63.298 por outras etiologias, conforme painel interativo do Ministério da Saúde (Painel Coronavírus: https://covid.saude.gov.br/). Ainda de acordo com os dados do SIVEP-Gripe, a macrorregião sudeste, até a semana epidemiológica 12 de 2021, registrou o total de 79.711 casos entre confirmados e óbitos por COVID-1999 Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Boletim Especial. Macrorregião Sudeste. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2021. [cited on April 21, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/04-abril/02-04-urs/Boletim_Especial_URS_Juiz_de_Fora_Ub%C3%A1_Manhua%C3%A7u_e_Leopoldina_N%C2%BA_5_-_2021.pdf
https://coronavirus.saude.mg.gov.br/imag...
. Observam-se ações distintas de enfrentamento da doença pelos gestores, da mesma forma que são encontradas desigualdades no acesso aos serviços de saúde pela população de diferentes localidades1010 Hillesheim D, Tomasi YT, Figueiró TH, Paiva KM. Severe Acute Respiratory Syndrome due to COVID-19 among children and adolescents in Brazil: profile of deaths and hospital lethality as at epidemiological week 38, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020644. http://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500021
http://doi.org/10.1590/S1679-49742020000...
.

A partir do processo de interiorização do vírus para municípios de pequeno porte populacional, ocorre movimento inverso na busca por atendimento à saúde nos municípios sede de microrregiões, onde geralmente se concentra a maioria dos serviços1111 Fundação Oswaldo Cruz. Monitora Covid-19 – FIOCRUZ. Regiões e redes Covid-19 : acesso aos serviços de saúde e fluxo de deslocamento de pacientes em busca de internação. Nota Técnica n° 5 de 20 de maio de 2020. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020 [cited on May 6, 2021]. Available at: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_7.pdf
https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br...
. Estudo envolvendo alguns hospitais de quatro estados brasileiros mostrou que hospitais elencados como referência para a assistência de pacientes com COVID-19 concentraram maior número de hospitalizações e de pacientes mais graves, além de aumento nos custos de investimentos para atender à demanda, especialmente com a aquisição de ventiladores mecânicos1212 Etges APBS, Cardoso RB, Marcolino MS, Ruschel KB, Coutinho AP, Pereira EC, et al. The economic impact of COVID-19 treatment at a hospital-level: investment and financial registers of Brazilian hospitals. J Health Econ Outcomes Res 2021; 8 (1): 36-41. http://doi.org/10.36469/jheor.2021.22066
http://doi.org/10.36469/jheor.2021.22066...
.

Em razão do grande número de internações hospitalares, do esgotamento visível dos recursos de saúde, da dinamicidade do processo pandêmico e das especificidades de cada região, torna-se oportuno compreender quais indivíduos se encontram mais susceptíveis aos quadros moderados e graves da doença e desfechos de óbito, colaborando para ações estratégicas contínuas de enfrentamento da pandemia desde as instâncias microrregionais.

Assim, este estudo teve como objetivo analisar as características e os fatores associados à mortalidade dos casos hospitalizados por SRAG em uma regional de saúde nos períodos pré-pandêmico e pandêmico.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo documental de vigilância epidemiológica, realizado com dados secundários provenientes do SIVEP-Gripe, referentes aos casos hospitalizados por SRAG de pacientes pertencentes a uma regional de saúde de Minas Gerais, Brasil.

A regional de saúde avaliada pertence à macrorregião sudeste e tem sob sua jurisdição 31 municípios, totalizando uma população de 491.257 habitantes. De acordo com as informações obtidas pelo tabulador Tabnet, do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS; http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/poptmg.def), os 31 municípios estão divididos nas microrregiões de Ubá e Muriaé, tendo a primeira 20 municípios e o total de 316.719 habitantes e a segunda 11 municípios e população total de 174.538 habitantes.

A referida regional de saúde possui em sua rede de atenção à saúde o total de 16 hospitais inseridos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) (http://cnes.datasus.gov.br/), que ofertam assistência ambulatorial e/ou hospitalar de média e alta complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Os dados foram obtidos de fichas de registro individual de SRAG-hospitalizado extraídas do SIVEP-Gripe (https://sivepgripe.saude.gov.br/sivepgripe/login.html), do período correspondente às semanas epidemiológicas 1–52 (banco de dados de 2019) e 1–53 (banco de dados de 2020).

Foram incluídas no estudo todas as fichas registradas no SIVEP-Gripe referentes aos dados de pacientes residentes em municípios da jurisdição da regional de saúde avaliada. Excluíram-se as fichas em duplicidade e as dos casos de SRAG não hospitalizados.

As variáveis de caracterização avaliadas incluíram idade, sexo, escolaridade, raça/cor, zona geográfica de residência e gestante.

As variáveis clínicas e epidemiológicas incluídas foram: internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dias de permanência na UTI, resultado do exame de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), classificação final do caso, critério diagnóstico, sinais e sintomas dos pacientes internados em leitos de UTI, sinais e sintomas dos pacientes internados em leitos clínicos, presença de fatores de risco, uso de suporte ventilatório e desfecho do caso. Para cada variável foi considerado o número de respostas válidas, excluindo-se os casos omissos.

Os dados coletados foram tabulados no software Microsoft Excel 2016 e processados pelo software IBM SPSS Statistics 23, considerando-se o nível de erro do tipo I de 5%. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado em todas as variáveis quantitativas a fim de verificar o padrão de normalidade. As variáveis contínuas apresentaram distribuição não paramétrica e foram descritas em mediana e intervalo entre o primeiro e terceiro quartil. Foram calculadas frequências absolutas, relativas, taxa de detecção média (por 100 mil habitantes) dos casos de SRAG por período do estudo (pré-pandêmico e pandêmico) e média mensal dos casos de SRAG na população estudada.

Para avaliar a presença de diferenças entre as características sociodemográficas, clínicas e epidemiológicas dos casos de SRAG notificados em 2019–2020 foram aplicados os testes de Mann-Whitney (variáveis numéricas) e χ² de Pearson ou exato de Fisher (variáveis categóricas).

Utilizou-se a regressão logística binária, método backward stepwise (Wald), para avaliar os fatores associados ao óbito de pacientes hospitalizados por SRAG nos anos de 2019–2020. A variável óbito foi categorizada em sim ou não. O modelo de regressão logística para os casos notificados no período pré-pandêmico (2019) apresentou R2 de Nagelkerke de 0,479 e qualidade do ajuste igual a p=0,816 pelo teste de Hosmer e Lemeshow. O modelo utilizado para os casos do período pandêmico (2020) apresentou R2 de Nagelkerke de 0,294 e qualidade do ajuste de p=0,696.

Em observância à Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), os participantes da amostra tiveram seus dados de identificação excluídos para garantir o sigilo das informações, visando à preservação da imagem e da identidade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição proponente, sob o parecer de número 4.231.826.

RESULTADOS

Foram avaliados os registros de 2.710 casos hospitalizados por SRAG cadastrados no SIVEP-Gripe, pertencentes à população da regional de saúde avaliada, entre os anos de 2019 – período pré-pandêmico (120 casos) – e 2020 – período pandêmico (2.590 casos).

Considerando-se os dados populacionais da regional de saúde, a taxa de detecção de pacientes hospitalizados com SRAG foi de 24,4 casos/100 mil habitantes em 2019 e de 527,21 casos/100 mil habitantes em 2020. A média mensal de hospitalizações por SRAG, em 2019, foi de 10 casos/mês, enquanto em 2020 essa média foi de 215,8 casos/mês.

Conforme exposto na Tabela 1, no que tange à caracterização, observou-se que as medianas de idade dos indivíduos notificados em 2019 (20 anos; 0,7–52,5 anos) e 2020 (63 anos; 46–76 anos) apresentaram diferenças; em 2019, houve predomínio de notificações de indivíduos do sexo feminino (63,3%), enquanto em 2020 predominou o sexo masculino (53,5%); a proporção de indivíduos que tiveram sua escolaridade classificada na categoria “não se aplica” foi maior entre os pacientes notificados em 2019 (55,4%) em comparação a 2020 (4,3%). Em ambos os grupos, a maioria dos indivíduos notificados foram considerados da raça/cor branca, residentes na zona urbana e não eram gestantes.

Tabela 1
Caracterização dos pacientes hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave notificados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe entre os anos de 2019–2020. Ubá (Regional de Saúde), Minas Gerais, Brasil.

A Tabela 2 apresenta a comparação das características clínicas e epidemiológicas dos casos de SRAG-hospitalizados entre os anos de 2019–2020. Verificou-se maior proporção de pacientes com resultados de vírus detectáveis no exame RT-PCR em 2020 (45,4%) do que em 2019 (24,5%), sendo a infecção por COVID-19 a principal etiologia da SRAG notificada em 2020 (54,2%). Independentemente do período avaliado, entre os pacientes com SRAG que necessitaram de internação em UTI, os sinais e sintomas predominantes foram: dispneia (96,3–75,0%), desconforto respiratório (86,8–68,5%) e SpO2<95% (81,5–69,9%). Entre os pacientes que permaneceram internados apenas em leitos clínicos, tosse (93,7–67,3%), dispneia (80,9–63,6%) e desconforto respiratório (77,8–59,0%) foram os sinais e sintomas mais prevalentes. A presença de qualquer fator de risco entre os indivíduos hospitalizados por SRAG foi maior em 2020 que em 2019 (65,5 versus 36,7%; p<0,001). No entanto, em 2019, a proporção de indivíduos portadores de pneumopatia crônica hospitalizados por SRAG foi superior à identificada em 2020 (19,4 versus 6,5%; p=0,001). Em contrapartida, a proporção de doença cardiovascular crônica entre os casos hospitalizados por SRAG foi maior em 2020 que em 2019 (48,8 versus 21,4%; p<0,001). A utilização de suporte ventilatório invasivo foi maior entre os indivíduos hospitalizados em 2019 que em 2020 (22,9 versus 11,2%; p=0,043). No entanto, a proporção de óbitos foi maior entre os pacientes hospitalizados por SRAG no período pandêmico em comparação ao período pré-pandêmico (23,4 versus 13,2%; p=0,023).

Tabela 2
Características clínicas e epidemiológicas dos pacientes hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave notificados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe entre os anos de 2019–2020. Ubá (Regional de Saúde), Minas Gerais, Brasil.

A Tabela 3 apresenta a análise dos fatores associados à mortalidade dos pacientes hospitalizados com SRAG nos diferentes períodos observados. No pré-pandêmico, verificou-se associação da mortalidade dos pacientes com a idade (odds ratio – OR 1,040; intervalo de confiança – IC95% 1,009–1,072) e a utilização de suporte ventilatório invasivo, sendo a mortalidade 4,9 vezes maior (OR 4,950; IC95% 1,172–20,916) entre os pacientes que necessitaram de suporte ventilatório invasivo. Em 2020, verificou-se associação entre a mortalidade dos pacientes hospitalizados por SRAG e idade elevada (OR 1,031; IC95% 1,023–1,038), sexo masculino (OR 1,433; IC95%1,122–1,830), presença de fator de risco (OR 1,448; IC95% 1,086–1,929), internação em UTI (OR 1,938; IC95% 1,502–2,501), utilização de dispositivos de ventilação invasivos (OR 7,597; IC95% 5,097–11,324) ou não invasivos (OR 2,265; IC95% 1,691–3,034) e infecção pela COVID-19 (OR 2,553; IC95% 1,964–3,319). Destaca-se que a utilização de ventilação mecânica invasiva (VMI) aumentou em 7,5 vezes a chance de os pacientes evoluírem a óbito nesse período. Além disso, pacientes hospitalizados com SRAG por COVID-19 tiveram chance 2,5 vezes maior de morrer quando comparados aos casos de SRAG por outras causas.

Tabela 3
Modelo final de regressão logística para o desfecho óbito entre os pacientes hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave e notificados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe pela regional de saúde, nos anos de 2019 e 2020.

DISCUSSÃO

O estudo analisou dados retrospectivos de 2.710 pacientes hospitalizados por SRAG, notificados no SIVEP-Gripe, nos períodos pré-pandêmico (2019) e pandêmico (2020). Observou-se aumento do número de hospitalizações e óbitos por SRAG durante a pandemia da COVID-19, além de diferenças entre as características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos pacientes entre os dois períodos avaliados. Entretanto, a idade mais elevada e a utilização de suporte ventilatório invasivo foram preditores comuns associados à mortalidade hospitalar na população analisada.

No período que antecedeu à pandemia, as internações hospitalares foram de indivíduos mais jovens, do sexo feminino e com predominância dos menores de 10 anos. Em contrapartida, no período pandêmico, verificou-se maior proporção de pacientes idosos e do sexo masculino. Com o surgimento da COVID-19, os casos que evoluíram com SRAG envolveram, em sua maioria, pacientes idosos, considerados mais vulneráveis em decorrência do próprio envelhecimento fisiológico dos sistemas orgânicos1313 Chen Y, Klein SL, Garibaldi BT, Li H, Wu C, Osevala NM, et al. Aging in COVID-19: vulnerability, immunity and intervention. Ageing Res Rev 2021; 65: 101205. http://doi.org/10.1016/j.arr.2020.101205
http://doi.org/10.1016/j.arr.2020.101205...
. Além disso, um estudo com pacientes positivos para SARS-CoV-2 realizado em um hospital americano mostrou que a maior susceptibilidade relacionada ao sexo masculino pode estar relacionada às respostas imunológicas1414 Takahashi T, Ellingson MK, Wong P, Israelow B, Lucas C, Klein J, et al. Sex differences in immune responses that underlie COVID-19 disease outcomes. Nature 2020; 588 (7837): 315-20. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2700-3
https://doi.org/10.1038/s41586-020-2700-...
. Tais fatores, somados à presença de alguma comorbidade, podem levar a prognósticos e desfechos menos favoráveis1515 Ejaz H, Alsrhani A, Zafar A, Javed H, Junaid K, Abdalla AE, et al. COVID-19 and comorbidities: deleterious impact on infected patients. J Infect Public Health 2020; 13 (12): 1833-9. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.014
https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.0...
.

Para confirmar a existência de relação entre a mudança no perfil dos pacientes com SRAG e o surgimento da COVID-19, seria necessária a identificação do agente etiológico da SRAG, obtido por meio de testes laboratoriais1616 Bastos LS, Niquini RP, Lana RM, Villela DAM, Cruz OG, Coelho FC, et al. COVID-19 and hospitalizations for SARI in Brazil: a comparison up to the 12th epidemiological week of 2020. Cad Saude Publica 2020; 36 (4): 8. https://doi.org/10.1590/0102-311X00070120
https://doi.org/10.1590/0102-311X0007012...
. Até 2019, o protocolo de vigilância de SRAG direcionava-se a identificar os casos hospitalizados e óbitos relacionados aos vírus influenza A e B, vírus sincicial respiratório (VSR), adenovírus e parainfluenza 1, 2 e 31717 Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância sentinela de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em unidade de terapia intensiva [Internet]. 2015 [cited on March 29, 2021]. Available at: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/vigilancia_sentinela_da_srag_no_brasil_final.pdf
https://www.saude.pr.gov.br/sites/defaul...
,1818 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Guia para a Rede Laboratorial de Vigilância de Influenza no Brasil [Internet]. 2016 [cited on March 29, 2021]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_laboratorial_influenza_vigilancia_influenza_brasil.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Já em 2020, o protocolo de vigilância da SRAG passou a incluir também o teste RT-PCR para SARS-CoV-2, considerado padrão ouro para diagnóstico da COVID-19, com elevada sensibilidade1919 World Health Organization. Maintaining surveillance of influenza and monitoring SARS-CoV-2 adapting Global Influenza Surveillance and Response System (GISRS) and sentinel systems during the COVID-19 pandemic: interim guidance. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on August 6, 2021]. Available at: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336689/WHO-2019-nCoV-Adapting_GISRS-2020.1-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. Com a descoberta do novo coronavírus, sua alta transmissibilidade tornou-se um grande desafio para os serviços de saúde, e mais de 99% dos pacientes com SRAG foram submetidos a exames diagnósticos e classificados de acordo com o critério laboratorial. Acredita-se que o contexto da pandemia tenha propiciado um esforço coletivo para o aumento da realização de exames de RT-PCR, favorecendo uma conduta clínica adequada e melhor gerenciamento de recursos humanos e materiais.

A entrada do vírus SARS-CoV-2 no Brasil, em fevereiro de 2020 (9ᵃ semana epidemiológica), repercutiu no aumento do número de internações por SRAG em relação ao mesmo período em anos anteriores1616 Bastos LS, Niquini RP, Lana RM, Villela DAM, Cruz OG, Coelho FC, et al. COVID-19 and hospitalizations for SARI in Brazil: a comparison up to the 12th epidemiological week of 2020. Cad Saude Publica 2020; 36 (4): 8. https://doi.org/10.1590/0102-311X00070120
https://doi.org/10.1590/0102-311X0007012...
. Em nosso estudo, identificamos que o surgimento do novo coronavírus esteve relacionado ao aumento de, aproximadamente, 21 vezes na taxa de detecção de SRAG em 2020, quando comparado a 2019. De maneira semelhante, é relatado aumento de aproximadamente de 13 vezes nas taxas de notificações de SRAG no estado de Pernambuco, que se associou à presença de regional de saúde no município, ao menor índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) e à presença de rodovia federal em seu território2020 Silva APSC, Maia LTS, Souza WV. Severe Acute Respiratory Syndrome in Pernambuco: comparison of patterns before and during the COVID-19 pandemic. Cien Saude Colet 2020; 25 (suppl 2): 4141-50. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.29452020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
.

O período pandêmico também promoveu, além das mudanças no perfil sociodemográfico dos pacientes com SRAG, modificações epidemiológicas nas características clínicas. Aos sintomas clássicos, observados em 2019, como febre, tosse, dispneia e desconforto respiratório, foram adicionados ao SIVEP-Gripe, no período pandêmico, sintomas novos como anosmia e ageusia. Estudo europeu considerou que estas duas disfunções devem ser consideradas para a detecção precoce da infecção pelo COVID-19 e a indicação para o isolamento do indivíduo acometido, por se apresentarem de forma isolada ou até antes de outras queixas clínicas2121 Lechien JR, Chiesa-Estomba CM, Siati DR, Horoi M, Le Bon SD, Rodriguez A, et al. Olfactory and gustatory dysfunctions as a clinical presentation of mild-to-moderate forms of the coronavirus disease (COVID-19): a multicenter European study. Eur Arch Otorhinolaryngol 2020; 277 (8): 2251-61. https://doi.org/10.1007/s00405-020-05965-1
https://doi.org/10.1007/s00405-020-05965...
. Os achados de uma metanálise reforçam que a anosmia e a ageusia apresentam alta especificidade para os casos de COVID-19, enquanto a tosse e a febre apresentam alta sensibilidade2222 Struyf T, Deeks JJ, Dinnes J, Takwoingi Y, Davenport C, Leeflang MM, et al. Signs and symptoms to determine if a patient presenting in primary care or hospital outpatient settings has COVID-19. Cochrane Database Syst Rev 2021; 2: CD013665. https://doi.org/10.1002/14651858.CD013665.pub2
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01366...
.

Além das mudanças nos sinais e sintomas, verificaram-se, no presente estudo, variações entre os fatores de risco apresentados nos diferentes momentos avaliados. A pneumopatia crônica foi o fator mais observado entre os pacientes hospitalizados antes da pandemia. A literatura mostra que crianças com doenças pulmonares crônicas têm maior risco de hospitalização associado à influenza2323 Homaira N, Briggs N, Oei JL, Hilder L, Bajuk B, Snelling T, et al. Impact of influenza on hospitalization rates in children with a range of chronic lung diseases. Influenza Other Respir Viruses 2019; 13 (3): 233-9. https://doi.org/10.1111/irv.12633
https://doi.org/10.1111/irv.12633...
, corroborando nosso estudo, em que a maior proporção de internações foi de crianças menores de 10 anos. Por sua vez, as doenças cardiovasculares predominaram nas internações do período pandêmico, com maior proporção de indivíduos em idade avançada. Da mesma forma, estudo retrospectivo que incluiu pacientes hospitalizados com SRAG por COVID-19, com idade média de 61 anos, identificou que as doenças cardiovasculares estiveram associadas a casos mais graves, piores prognósticos e maior mortalidade pela doença2424 Xu H, Ai L, Qiu C, Tan X, Jiao B, Luo A, et al. COVID-19: a risk factor for fatal outcomes in patients with comorbid cardiovascular disease. Aging (Albany NY) 2020; 12 (19): 18866-77. https://doi.org/10.18632/aging.103944
https://doi.org/10.18632/aging.103944...
.

A SRAG, independentemente do agente etiológico, consiste em uma indicação para internação hospitalar a fim de promover avaliação completa do quadro clínico do paciente, coleta de amostra para exame laboratorial e início imediato do tratamento. Para os casos mais graves, indica-se a assistência contínua e especializada em leitos de UTI2525 Brasil. Protocolo de tratamento de Influenza: 2017. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. [cited on April 15, 2021]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_tratamento_influenza_2017.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
,2626 Brasil. Orientações para manejo de pacientes com COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. [cited on April 29, 2021]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/orientacoes-para-manejo-de-pacientes-com-covid-19/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavir...
. Achados da literatura evidenciam que aumentos significativos de hospitalizações, admissões em UTI e utilização de VMI estiveram associados a SRAG em crianças, em períodos de surtos de influenza2727 Guyther J, Lichenstein R, Gao Y, Zhou JA, Ajao A, Bajaj PK, et al. Association of influenza outbreaks with advanced pediatric medical support. Epidemiol Infect 2018; 146 (11): 1366-71. https://doi.org/10.1017/S0950268818001383
https://doi.org/10.1017/S095026881800138...
. De forma semelhante, os resultados do presente estudo reforçam essa associação. Além disso, evidenciou-se que, durante o período pandêmico, a proporção de pacientes em VMI foi menor, ainda que tenha sido associada a maior chance de óbito. Esse achado pode ser justificado pela própria estratégia terapêutica utilizada para o tratamento da SRAG por COVID-19, em que os pacientes hospitalizados com SpO2 inferior a 93% recebem inicialmente oxigenoterapia suplementar por cateteres de baixo fluxo, evoluindo para outras etapas de suporte ventilatório nos casos em que não respondem adequadamente a essa terapêutica, o que está relacionado a pior prognóstico2828 Gómez CC, Rodríguez ÓP, Torné ML, Santaolalla CE, Jiménez JFM, Fernández JG, et al. Recomendaciones de consenso respecto al soporte respiratorio no invasivo en el paciente adulto con insuficiencia respiratoria aguda secundaria a infección por SARS-CoV-2. Med Intensiva 2020 [cited on April 17, 2021]; 44 (7): 429-38. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0210569120300942
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
.

Estudos mostraram diversas variáveis relacionadas à mortalidade hospitalar, como idade avançada, sexo masculino, presença de comorbidades, diferenças de acesso a recursos de saúde e sobrecarga do próprio sistema2929 Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9 (4): 407-18. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30560-9
https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30...
,3030 Qin W, Bai W, Liu K, Liu Y, Meng X, Zhang K, et al. Clinical course and risk factors of disease deterioration in critically ill patients with COVID-19 Weidong. Hum Gene Ther 2021; 32 (5-6): 310-5. https://doi.org/10.1089/hum.2020.255
https://doi.org/10.1089/hum.2020.255...
. Em 2019, a utilização de suporte ventilatório invasivo e a idade mostraram-se associadas ao óbito dos pacientes com SRAG. Pacientes em uso de VMI apresentaram 4,9 vezes mais chance de evoluir a óbito quando comparados àqueles que não utilizavam. No período pandêmico, por sua vez, pacientes que necessitaram ser intubados tiveram chance 7,6 vezes maior de evoluir a óbito. Ressalta-se que a utilização da VMI pressupõe maior gravidade dos pacientes e é indicada nos casos de complicações da SRAG. Além disso, por necessitar de um dispositivo invasivo endotraqueal, a VMI pode ser vista como fator de risco para o desenvolvimento de novas infecções e agravamento do quadro clínico, como é o caso da Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica3131 Leal GA, Ribeiro JB, Santos JJ, Cavalcante AB. Cuidados de enfermagem para prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva: uma revisão literária. Ciências Biológicas e de Saúde Unit. 2017 [cited on April 29, 2021]; 4 (1): 95-108. Available at: https://periodicos.set.edu.br/cadernobiologicas/article/view/3657/2166
https://periodicos.set.edu.br/cadernobio...
.

Na análise dos casos de SRAG durante o período pandêmico, além da utilização de VMI, a idade avançada, o sexo masculino, a presença de fatores de risco, a necessidade de internação em UTI, o uso de suporte ventilatório não invasivo e a SRAG decorrente de infecção por COVID-19 mostraram-se associados à maior mortalidade dos pacientes. De forma semelhante, uma pesquisa americana de coorte retrospectiva com pacientes confirmados para COVID-19 identificou que sexo masculino, aumento da idade e ter mais de duas comorbidades, além de demência, também se associaram à mortalidade hospitalar3232 Gerwen M, Alsen M, Little C, Barlow J, Genden E, Naymagon L, et al. Risk factors and outcomes of COVID-19 in New York City; a retrospective cohort study. J Med Virol 2021; 93 (2): 907-15. https://doi.org/10.1002/jmv.26337
https://doi.org/10.1002/jmv.26337...
. Pesquisadores chineses corroboram os achados da presente investigação ao identificarem que idade avançada e multimorbidades também foram preditores associados ao maior risco de morte em pacientes graves acometidos pela COVID-193030 Qin W, Bai W, Liu K, Liu Y, Meng X, Zhang K, et al. Clinical course and risk factors of disease deterioration in critically ill patients with COVID-19 Weidong. Hum Gene Ther 2021; 32 (5-6): 310-5. https://doi.org/10.1089/hum.2020.255
https://doi.org/10.1089/hum.2020.255...
. Tais achados reforçam a importância da monitorização cuidadosa desses pacientes no ambiente hospitalar.

Este estudo tem como limitações o fato de ser realizado com dados secundários de um sistema de informação no qual nem todas as variáveis da ficha de notificação são de preenchimento obrigatório, e, portanto, alguns dados podem não estar preenchidos adequadamente. Contudo, foi possível inicialmente remover as fichas em duplicidade para as análises, minimizando assim alguns vieses. Outra ponderação é a possibilidade de subnotificações, embora o estudo envolva doenças de notificação compulsória para instituições públicas ou privadas. Além disso, as análises que utilizam dados secundários não permitem maior clareza quanto a clínica, tratamento e evolução dos pacientes individualmente, embora estes não tenham sido objetivos do estudo. Um ponto forte do estudo foi a avaliação de diversas variáveis em um banco de dados, permitindo uma visão geral das internações hospitalares ocorridas em diferentes períodos e oportunizando a realização de diagnósticos regionais que serão úteis para o planejamento das ações.

Baseados em nossos resultados, ratificamos a importância e a utilidade de pesquisas quem utilizem dados do SIVEP-Gripe por permitirem, diante das informações obtidas, a ampla e contínua divulgação de informações estratégicas sobre a epidemiologia dos casos hospitalizados por SRAG, especialmente no período pandêmico pela COVID-19.

Esta análise de um banco de dados secundário permitiu a caracterização das internações por SRAG ocorridas em um território preestabelecido e dos principais fatores associados à mortalidade dos indivíduos nos períodos pré-pandêmico e pandêmico. Pacientes idosos e em uso de VMI apresentaram maior chance de evoluir a óbito, independentemente do período avaliado. No entanto, o surgimento do novo coronavírus e da COVID-19 afetou o curso epidemiológico dos casos hospitalizados de SRAG, contribuindo para maiores morbidade e mortalidade. Os pacientes do sexo masculino com presença de algum fator de risco que necessitaram de internação em UTI e fizeram uso de dispositivos de suporte ventilatório não invasivo também tiveram maior chance de morrer, o que não foi evidenciado no período pré-pandêmico. Assim, torna-se importante enfatizar o cuidado e o monitoramento dos indivíduos que apresentam maior risco de piores prognósticos. Além disso, destaca-se a importância da notificação precisa dos casos de SRAG, com consequente divulgação de dados epidemiológicos fidedignos, os quais possam ser utilizados como subsídio para o planejamento das ações pelos profissionais e gestores de saúde. Ratificamos a utilidade dos dados do SIVEP-Gripe e sugerimos a realização de estudos mais abrangentes, com vistas à ampla e contínua divulgação de informações estratégicas sobre a epidemiologia dos casos hospitalizados por SRAG.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.
  • Vinculação Acadêmica: Este artigo é parte da dissertação de mestrado profissional de Ana Cristina Dias Custódio pela Universidade Federal de Viçosa – UFV.
  • Aspectos éticos: O estudo faz parte de um grande projeto de pesquisa, intitulado “Ocorrência de Síndrome Respiratória Aguda Grave nas microrregiões de Ubá e Muriaé no contexto da pandemia do novo coronavírus”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, sob o parecer de número 4.231.826.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization. Coronavirus Disease (COVID-19) situation reports [Internet]. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on May 15, 2021]. Available at: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports
    » https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports
  • 2
    Bchetnia M, Girard C, Duchaine C, Laprise C. The outbreak of the novel severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2): a review of the current global status. J Infect Public Health 2020; 13 (11): 1601-10. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.011
    » https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.011
  • 3
    World Health Organization. Folha informativa sobre COVID-19 – OPAS/OMS|Organização Pan-Americana da Saúde. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on May 8, 2021]. Available at: https://www.paho.org/pt/covid19
    » https://www.paho.org/pt/covid19
  • 4
    Hui DSC, Zumla A. Severe acute respiratory syndrome: historical, epidemiologic, and clinical features. Infect Dis Clin North Am 2019; 33 (4): 869-89. https://doi.org/10.1016/j.idc.2019.07.001
    » https://doi.org/10.1016/j.idc.2019.07.001
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença pelo Coronavírus 2019 – COVID-19. Brasilia: Ministério da Saúde; 2021. [cited on April 16, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/17-03-Guia_de_vigilancia_da_covid_16marc2021.pdf
    » https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/17-03-Guia_de_vigilancia_da_covid_16marc2021.pdf
  • 6
    Petersen E, Koopmans M, Go U, Hamer DH, Petrosillo N, Castelli F, et al. Comparing SARS-CoV-2 with SARS-CoV and influenza pandemics. Lancet Infect Dis 2020; 20 (9): 238-44. http://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30484-9
    » http://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30484-9
  • 7
    Abdelrahman Z, Li M, Wang X. Comparative review of SARS-CoV-2, SARS-CoV, MERS-CoV, and Influenza a respiratory viruses. Front Immunol 2020; 11: 552909. http://doi.org/10.3389/fimmu.2020.552909
    » http://doi.org/10.3389/fimmu.2020.552909
  • 8
    Cheng ZJ, Qu HQ, Tian L, Duan Z, Hakonarson H. COVID-19: look to the future, learn from the past. Viruses 2020; 12 (11): 1226. http://doi.org/10.3390/v12111226
    » http://doi.org/10.3390/v12111226
  • 9
    Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Boletim Especial. Macrorregião Sudeste. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2021. [cited on April 21, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/04-abril/02-04-urs/Boletim_Especial_URS_Juiz_de_Fora_Ub%C3%A1_Manhua%C3%A7u_e_Leopoldina_N%C2%BA_5_-_2021.pdf
    » https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/1_2021/04-abril/02-04-urs/Boletim_Especial_URS_Juiz_de_Fora_Ub%C3%A1_Manhua%C3%A7u_e_Leopoldina_N%C2%BA_5_-_2021.pdf
  • 10
    Hillesheim D, Tomasi YT, Figueiró TH, Paiva KM. Severe Acute Respiratory Syndrome due to COVID-19 among children and adolescents in Brazil: profile of deaths and hospital lethality as at epidemiological week 38, 2020. Epidemiol Serv Saude 2020; 29 (5): e2020644. http://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500021
    » http://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500021
  • 11
    Fundação Oswaldo Cruz. Monitora Covid-19 – FIOCRUZ. Regiões e redes Covid-19 : acesso aos serviços de saúde e fluxo de deslocamento de pacientes em busca de internação. Nota Técnica n° 5 de 20 de maio de 2020. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020 [cited on May 6, 2021]. Available at: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_7.pdf
    » https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_7.pdf
  • 12
    Etges APBS, Cardoso RB, Marcolino MS, Ruschel KB, Coutinho AP, Pereira EC, et al. The economic impact of COVID-19 treatment at a hospital-level: investment and financial registers of Brazilian hospitals. J Health Econ Outcomes Res 2021; 8 (1): 36-41. http://doi.org/10.36469/jheor.2021.22066
    » http://doi.org/10.36469/jheor.2021.22066
  • 13
    Chen Y, Klein SL, Garibaldi BT, Li H, Wu C, Osevala NM, et al. Aging in COVID-19: vulnerability, immunity and intervention. Ageing Res Rev 2021; 65: 101205. http://doi.org/10.1016/j.arr.2020.101205
    » http://doi.org/10.1016/j.arr.2020.101205
  • 14
    Takahashi T, Ellingson MK, Wong P, Israelow B, Lucas C, Klein J, et al. Sex differences in immune responses that underlie COVID-19 disease outcomes. Nature 2020; 588 (7837): 315-20. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2700-3
    » https://doi.org/10.1038/s41586-020-2700-3
  • 15
    Ejaz H, Alsrhani A, Zafar A, Javed H, Junaid K, Abdalla AE, et al. COVID-19 and comorbidities: deleterious impact on infected patients. J Infect Public Health 2020; 13 (12): 1833-9. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.014
    » https://doi.org/10.1016/j.jiph.2020.07.014
  • 16
    Bastos LS, Niquini RP, Lana RM, Villela DAM, Cruz OG, Coelho FC, et al. COVID-19 and hospitalizations for SARI in Brazil: a comparison up to the 12th epidemiological week of 2020. Cad Saude Publica 2020; 36 (4): 8. https://doi.org/10.1590/0102-311X00070120
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00070120
  • 17
    Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância sentinela de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em unidade de terapia intensiva [Internet]. 2015 [cited on March 29, 2021]. Available at: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/vigilancia_sentinela_da_srag_no_brasil_final.pdf
    » https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/vigilancia_sentinela_da_srag_no_brasil_final.pdf
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Guia para a Rede Laboratorial de Vigilância de Influenza no Brasil [Internet]. 2016 [cited on March 29, 2021]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_laboratorial_influenza_vigilancia_influenza_brasil.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_laboratorial_influenza_vigilancia_influenza_brasil.pdf
  • 19
    World Health Organization. Maintaining surveillance of influenza and monitoring SARS-CoV-2 adapting Global Influenza Surveillance and Response System (GISRS) and sentinel systems during the COVID-19 pandemic: interim guidance. Genebra: World Health Organization; 2020 [cited on August 6, 2021]. Available at: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336689/WHO-2019-nCoV-Adapting_GISRS-2020.1-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336689/WHO-2019-nCoV-Adapting_GISRS-2020.1-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  • 20
    Silva APSC, Maia LTS, Souza WV. Severe Acute Respiratory Syndrome in Pernambuco: comparison of patterns before and during the COVID-19 pandemic. Cien Saude Colet 2020; 25 (suppl 2): 4141-50. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.29452020
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.29452020
  • 21
    Lechien JR, Chiesa-Estomba CM, Siati DR, Horoi M, Le Bon SD, Rodriguez A, et al. Olfactory and gustatory dysfunctions as a clinical presentation of mild-to-moderate forms of the coronavirus disease (COVID-19): a multicenter European study. Eur Arch Otorhinolaryngol 2020; 277 (8): 2251-61. https://doi.org/10.1007/s00405-020-05965-1
    » https://doi.org/10.1007/s00405-020-05965-1
  • 22
    Struyf T, Deeks JJ, Dinnes J, Takwoingi Y, Davenport C, Leeflang MM, et al. Signs and symptoms to determine if a patient presenting in primary care or hospital outpatient settings has COVID-19. Cochrane Database Syst Rev 2021; 2: CD013665. https://doi.org/10.1002/14651858.CD013665.pub2
    » https://doi.org/10.1002/14651858.CD013665.pub2
  • 23
    Homaira N, Briggs N, Oei JL, Hilder L, Bajuk B, Snelling T, et al. Impact of influenza on hospitalization rates in children with a range of chronic lung diseases. Influenza Other Respir Viruses 2019; 13 (3): 233-9. https://doi.org/10.1111/irv.12633
    » https://doi.org/10.1111/irv.12633
  • 24
    Xu H, Ai L, Qiu C, Tan X, Jiao B, Luo A, et al. COVID-19: a risk factor for fatal outcomes in patients with comorbid cardiovascular disease. Aging (Albany NY) 2020; 12 (19): 18866-77. https://doi.org/10.18632/aging.103944
    » https://doi.org/10.18632/aging.103944
  • 25
    Brasil. Protocolo de tratamento de Influenza: 2017. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. [cited on April 15, 2021]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_tratamento_influenza_2017.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_tratamento_influenza_2017.pdf
  • 26
    Brasil. Orientações para manejo de pacientes com COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. [cited on April 29, 2021]. Available at: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/orientacoes-para-manejo-de-pacientes-com-covid-19/view
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/orientacoes-para-manejo-de-pacientes-com-covid-19/view
  • 27
    Guyther J, Lichenstein R, Gao Y, Zhou JA, Ajao A, Bajaj PK, et al. Association of influenza outbreaks with advanced pediatric medical support. Epidemiol Infect 2018; 146 (11): 1366-71. https://doi.org/10.1017/S0950268818001383
    » https://doi.org/10.1017/S0950268818001383
  • 28
    Gómez CC, Rodríguez ÓP, Torné ML, Santaolalla CE, Jiménez JFM, Fernández JG, et al. Recomendaciones de consenso respecto al soporte respiratorio no invasivo en el paciente adulto con insuficiencia respiratoria aguda secundaria a infección por SARS-CoV-2. Med Intensiva 2020 [cited on April 17, 2021]; 44 (7): 429-38. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0210569120300942
    » https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0210569120300942
  • 29
    Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9 (4): 407-18. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30560-9
    » https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30560-9
  • 30
    Qin W, Bai W, Liu K, Liu Y, Meng X, Zhang K, et al. Clinical course and risk factors of disease deterioration in critically ill patients with COVID-19 Weidong. Hum Gene Ther 2021; 32 (5-6): 310-5. https://doi.org/10.1089/hum.2020.255
    » https://doi.org/10.1089/hum.2020.255
  • 31
    Leal GA, Ribeiro JB, Santos JJ, Cavalcante AB. Cuidados de enfermagem para prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva: uma revisão literária. Ciências Biológicas e de Saúde Unit. 2017 [cited on April 29, 2021]; 4 (1): 95-108. Available at: https://periodicos.set.edu.br/cadernobiologicas/article/view/3657/2166
    » https://periodicos.set.edu.br/cadernobiologicas/article/view/3657/2166
  • 32
    Gerwen M, Alsen M, Little C, Barlow J, Genden E, Naymagon L, et al. Risk factors and outcomes of COVID-19 in New York City; a retrospective cohort study. J Med Virol 2021; 93 (2): 907-15. https://doi.org/10.1002/jmv.26337
    » https://doi.org/10.1002/jmv.26337

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2021
  • Revisado
    06 Ago 2021
  • Aceito
    16 Ago 2021
  • Preprint postado em
    20 Ago 2021
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br