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O índice BODE reflete o nível de atividade física na vida diária de pacientes com DPOC?

Resumos

OBJETIVOS: Estudar a relação entre nível de atividade física na vida diária (AFVD) e gravidade da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) avaliada pelo índice BODE. MÉTODOS: Sessenta e sete pacientes com DPOC (36 homens), com volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) 39(27-47)%previsto, e 66(61-72)anos foram submetidos a avaliações de espirometria, grau de dispneia (Medical Research Council scale, MRC) e teste de caminhada de 6 minutos (TC6). O índice BODE foi calculado com base no índice de massa corpórea (peso/estatura²), VEF1, MRC e TC6, e os pacientes foram subdivididos em quatro quartis de acordo com sua pontuação no BODE (quartil I: 0 a 2 pontos, n=15; quartil II: 3 a 4 pontos, n=20; quartil III: 5 a 6 pontos, n=23; quartil IV: 7 a 10 pontos, n=9). O nível de AFVD foi avaliado por dois monitores de atividade física (DynaPort® e SenseWear®). Os testes de Kruskal-Wallis (pós-teste Dunns), Mann-Whitney e Coeficiente de Correlação de Spearman foram utilizados na análise estatística. RESULTADOS: Houve correlação modesta entre os escores do índice BODE e o tempo gasto andando/dia, gasto energético total e tempo gasto/dia em atividades moderadas e vigorosas (-0,32< r <-0,47; p<0.01 para todos). Quando comparados os quartis agrupados I+II com III+IV, houve diferença significante entre o tempo gasto andando/dia, gasto energético total e tempo gasto em atividades moderadas (p<0,05). CONCLUSÃO: O nível de AFVD apresenta correlação modesta com a classificação da gravidade da DPOC dada pelo índice BODE, refletindo apenas diferenças entre pacientes com doença leve-moderada e grave-muito grave.

DPOC; atividades de vida diária; BODE; TC6


OBJECTIVES: To study the relationship between the level of physical activity in daily life and disease severity assessed by the BODE index in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD). METHODS: Sixty-seven patients with COPD (36 men) with forced expiratory volume in the first second (FEV1) of 39 (27-47)% predicted and age of 66 (61-72) years old were evaluated by spirometry, dyspnea levels (measured by the Medical Research Council scale, MRC) and by the 6-minute walking test (6MWT). The BODE index was calculated based on the body mass index (weight/height²), FEV1, MRC and 6MWT, and then the patients were divided in four quartiles according to their scores (Quartile I: 0 to 2 points, n=15; Quartile II: 3 to 4 points, n=20; Quartile III: 5 to 6 points, n=23; Quartile IV: 7 to 10 points, n=9). Two activity monitors (DynaPort® and SenseWear®) were used to evaluate the level of physical activity in daily life. The Kruskal-Wallis test (Dunns's post-hoc test), the Mann-Whitney test and the Spearman Correlation Coefficient were used for statistical analysis. RESULTS: There were modest correlation between the BODE index and the time spent walking per day, the total daily energy expenditure and the time spent in moderate and vigorous activities per day (-0.32 < r <- 0.47; p<0.01 for all variables). When comparing the pooled quartiles I+II with III+IV, there were significant difference between the time spent walking per day, the total daily energy expenditure and the time spent in moderate activities per day (p<0.05). CONCLUSION: The level of physical activity in daily life has a modest correlation with the classification of COPD severity assessed by the BODE index, reflecting only differences between patients with classified as mild-moderate and severe-very severe COPD.

COPD; BODE index; physical activity in daily life


ARTIGO ORIGINAL

ILaboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar (LFIP), Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil

IIPrograma de Mestrado em Fisioterapia, Departamento de Fisioterapia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, SP, Brasil

IIIUniversidade Norte do Paraná (UNOPAR), Londrina, PR, Brasil

Correspondência para

RESUMO

OBJETIVOS: Estudar a relação entre nível de atividade física na vida diária (AFVD) e gravidade da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) avaliada pelo índice BODE.

MÉTODOS: Sessenta e sete pacientes com DPOC (36 homens), com volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) 39(27-47)%previsto, e 66(61-72)anos foram submetidos a avaliações de espirometria, grau de dispneia (Medical Research Council scale, MRC) e teste de caminhada de 6 minutos (TC6). O índice BODE foi calculado com base no índice de massa corpórea (peso/estatura2), VEF1, MRC e TC6, e os pacientes foram subdivididos em quatro quartis de acordo com sua pontuação no BODE (quartil I: 0 a 2 pontos, n=15; quartil II: 3 a 4 pontos, n=20; quartil III: 5 a 6 pontos, n=23; quartil IV: 7 a 10 pontos, n=9). O nível de AFVD foi avaliado por dois monitores de atividade física (DynaPort® e SenseWear®). Os testes de Kruskal-Wallis (pós-teste Dunns), Mann-Whitney e Coeficiente de Correlação de Spearman foram utilizados na análise estatística.

RESULTADOS: Houve correlação modesta entre os escores do índice BODE e o tempo gasto andando/dia, gasto energético total e tempo gasto/dia em atividades moderadas e vigorosas (-0,32< r <-0,47; p<0.01 para todos). Quando comparados os quartis agrupados I+II com III+IV, houve diferença significante entre o tempo gasto andando/dia, gasto energético total e tempo gasto em atividades moderadas (p<0,05).

CONCLUSÃO: O nível de AFVD apresenta correlação modesta com a classificação da gravidade da DPOC dada pelo índice BODE, refletindo apenas diferenças entre pacientes com doença leve-moderada e grave-muito grave.

Palavras-chave: DPOC; atividades de vida diária; BODE; TC6.

Introdução

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é caracterizada por limitação crônica ao fluxo aéreo não totalmente reversível e consequente dispneia1. Além disso, a disfunção muscular esquelética, uma manifestação sistêmica da doença, leva à limitação da capacidade de exercício, acarretando redução do nível de atividade física na vida diária2.

Atividade física na vida diária (AFVD) é considerada a totalidade de movimentos voluntários produzidos pela musculatura esquelética acima dos níveis de repouso, realizados durante o dia3. A avaliação da quantidade de AFVD realizada por pacientes com DPOC tem gerado crescente interesse, pois a inatividade física está claramente relacionada à maior ocorrência de exacerbações e mortalidade nessa população4-6. A quantificação objetiva do nível de AFVD por meio de sensores de movimento tem ganhado espaço na literatura científica devido ao fato de que esses instrumentos têm se tornado mais amplamente acessíveis7.

Por ser a DPOC uma doença sistêmica, é clara a necessidade de categorizar os pacientes segundo suas características globais. O índice BODE (Body Mass-Index, Airflow Obstruction, Dyspnea and Exercise Capacity) tem este objetivo8. Ele é um sistema multigraduado utilizado primariamente como preditor do risco de mortalidade em pacientes com DPOC. Entretanto, esse índice tem sido amplamente utilizado pela comunidade científica para classificar a gravidade da DPOC9-11. Exemplos de seu uso fora do contexto primário de predizer mortalidade estão na determinação do risco de hospitalizações por exacerbação12 e como preditor de resposta a programas de reabilitação pulmonar13.

Apesar da importância científica crescente do índice BODE e da quantificação objetiva da inatividade física na DPOC, pouco foi estudado sobre a relação entre as características clínicas de severidade da doença (representadas no índice BODE) e o nível de AFVD. Watz et al.14, em estudo recente, mostraram que há uma redução gradual do nível de AFVD em portadores de DPOC a partir do escore 1 do índice BODE. Porém, nenhum estudo relatou precisamente o quão marcantes (ou não) são as diferenças no nível de AFVD entre os diferentes escores e quartis do índice BODE. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre o nível de AFVD e a gravidade da doença avaliada pelo índice BODE.

Materiais e métodos

Foram recrutados para este estudo 67 pacientes com DPOC que realizavam avaliação inicial para admissão no programa de Reabilitação Pulmonar do Hospital Universitário de Londrina, Universidade Estadual de Londrina (HU-UEL), Londrina, PR, Brasil. Os critérios de inclusão foram: 1) diagnóstico de DPOC baseado nos critérios do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)1; 2) estabilidade clínica (ausência de exacerbações) nos últimos três meses e 3) ausência de comorbidades osteoneuromusculares que interferissem na avaliação da AFVD. Todos os indivíduos foram informados a respeito dos procedimentos envolvidos no estudo e forneceram consentimento formal para sua participação por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEL (nº061/06).

Inicialmente, os indivíduos foram submetidos a uma avaliação da função pulmonar (espirometria, com determinação do volume expiratório forçado no primeiro segundo – VEF1, entre outras variáveis), avaliação da capacidade de exercício (teste da caminhada de 6 minutos, TC6) e avaliação subjetiva da sensação de dispneia (escala do Medical Research Council, MRC). Também foram registrados dados como idade, peso e estatura, e foi calculado o índice de massa corpórea (IMC) de cada indivíduo. O índice BODE foi calculado com base nas variáveis IMC, distância percorrida no TC6, escala MRC e VEF1 em % previsto, como descrito originalmente por Celli et al.8. Em seguida, os indivíduos foram divididos em quatro grupos, de acordo com sua pontuação no índice BODE (ver tópico Índice BODE). Além disso, foram submetidos à avaliação do nível de AFVD por meio do uso dos monitores de movimento DynaPort® Activity Monitor (DAM) (McRoberts, Holanda) e SenseWear®Armband (BodyMedia, Estados Unidos). Os aparelhos foram utilizados por dois dias consecutivos, durante 12 horas por dia, sendo utilizada para análise a média dos dois dias, conforme previamente descrito2.

Espirometria

A avaliação espirométrica foi feita por meio do espirômetro Pony® (Cosmed, Itália). A técnica foi realizada de acordo com as diretrizes da American Thoracic Society15, com determinação do VEF1, capacidade vital forçada (CVF), relação VEF1/CVF e ventilação voluntária máxima (VVM) após o uso de medicação broncodilatadora. Os valores de referência utilizados foram os de Pereira et al.16.

Teste da Caminhada de 6 minutos (TC6)

Foram realizados dois testes com intervalo mínimo de 30 minutos, de acordo com padrões internacionais17. Os indivíduos foram orientados a caminhar e percorrer a maior distância possível durante 6 minutos num corredor plano de 30 metros de extensão. Os valores de referência utilizados foram os de Troosters, Gosselink e Decramer18.

Escala do Medical Research Council (MRC)

A avaliação subjetiva da sensação de dispneia na vida diária foi feita por meio da escala MRC, validada em língua portuguesa19. Ela é composta por apenas cinco itens, dentre os quais o paciente escolhe o item que corresponde a quanto a dispneia limita sua vida diária.

Índice BODE8

O índice BODE de cada indivíduo foi calculado com base na combinação de quatro variáveis, com as seguintes pontuações: uma medida de composição corporal, o IMC, de 0 a 1 ponto; uma medida da intensidade de obstrução ao fluxo aéreo (VEF1 % previsto pós-broncodilatador), de 0 a 3 pontos; uma medida da sensação subjetiva de dispneia (escala do MRC), de 0 a 3 pontos e uma medida da capacidade de exercício (distância percorrida no TC6), de 0 a 3 pontos. A pontuação final do índice BODE varia de 0 a 10 pontos, sendo que, quanto maior o valor do índice, pior a condição do paciente. Para fins de análise, os pacientes incluídos no estudo foram subdivididos em quatro quartis de acordo com sua pontuação no BODE, seguindo a classificação proposta por Celli et al.8, a saber: quartil I: 0 a 2 pontos; quartil II: 3 a 4 pontos; quartil III: 5 a 6 pontos; quartil IV: 7 a 10 pontos. Para fins comparativos, uma segunda subdivisão foi feita alocando conjuntamente pacientes com pontuação no índice BODE entre 0 a 4 pontos (grupo "quartis I-II"), assim como pacientes com pontuação entre 5 e 10 pontos (grupo "quartis III-IV").

Monitorização objetiva do nível de AFVD

Multi-Sensor SenseWear ® Armband (BodyMedia, Estados Unidos da América)

O SenseWear® foi validado em pacientes com DPOC recentemente20. Trata-se de um aparelho relativamente pequeno (8,8 x 5,6 x 2,1cm) e leve (82 g), utilizado na porção superior e posterior do braço direito (região do tríceps braquial). Informações provenientes de um acelerômetro biaxial somado a outros sensores fisiológicos (i.e, responsáveis por analisar variação de temperatura e resistência galvânica da pele) são utilizadas para estimar o gasto energético por meio de equações desenvolvidas pelo fabricante21,22. Essas equações tomaram como base as características antropométricas, como gênero, idade, peso, altura e dominância dos pacientes estudados. A principal característica do aparelho é fornecer o gasto energético total em um determinado período de tempo. Além disso, o SenseWear® é capaz de classificar o gasto energético de acordo com a intensidade da atividade. Sendo assim, para o presente trabalho, utilizou-se o gasto energético em atividades que demandam mais de 3 METs, tempo gasto por dia em atividades sedentárias (<3 METs), moderadas (entre 3 e 6 METs) e intensas (entre 6 e 9 METs). O relatório final relativo a cada teste foi obtido por meio da análise dos dados coletados pelo aparelho utilizando-se um software específico (Innerview, Bodymedia, Estados Unidos da América).

DynaPort ® Activity Monitor (McRoberts, Holanda)

O aparelho consiste em uma pequena caixa posicionada na cintura e um sensor de atividade de membro inferior fixados ao indivíduo por meio de faixas (peso total de 375 gramas). Esse dispositivo possui três sensores de movimento, dois deles na caixa fixada na cintura e um terceiro sensor preso ao membro inferior, o qual é responsável por registrar medidas de aceleração, enquanto os outros dois são responsáveis pela determinação da posição corporal. Por meio da variação no posicionamento desses sensores, o DynaPort® é capaz de registrar o tempo gasto por dia em diferentes atividades e posições corporais, tais como andar e estar em pé, bem como a intensidade de movimento (m/s2) medida durante o tempo em que o indivíduo está caminhando. O DynaPort® foi validado em pacientes com DPOC23, e o número de dias mínimo necessário para se obter uma avaliação confiável nessa população (dois dias) foi determinado em estudo prévio2. Após o uso do aparelho, um software específico (DynaScope, McRoberts BV, Holanda) foi utilizado para realizar a leitura e a análise dos dados coletados.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada utilizando-se o software GraphPad Prism® 3 (GraphPad Software, San Diego, Estados Unidos). A normalidade da distribuição dos dados foi analisada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados foram descritos como mediana (intervalo interquartílico). De maneira geral, para comparar as variáveis dos indivíduos nos diferentes quartis do índice BODE, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis com pós-teste de Dunn's; para avaliar as diferenças no nível de AFVD entre os grupos quartis I-II e quartis III-IV, utilizou-se o teste de Mann-Whitney; para correlacionar o índice BODE e as variáveis de AFVD, utilizou-se o Coeficiente de Correlação de Spearman. A significância estatística foi considerada como p<0,05 para todas as análises.

Levando-se em consideração a principal correlação investigada no estudo (gasto energético total versus índice BODE, que teve valor de r=-0,47) e utilizando-se um teste double-sided e alfa de 0,05, a amostra utilizada no presente estudo (n=67) gerou um poder de 0,98 (98%) para o objetivo proposto.

Resultados

As características dos 67 pacientes com DPOC incluídos no estudo estão expressas na Tabela 1. A amostra foi caracterizada por leve sobrepeso, obstrução moderada/severa ao fluxo aéreo e redução na capacidade funcional de exercício e foi proporcionalmente distribuída quanto ao gênero. Quando se comparou com os quartis do índice BODE, nenhuma diferença foi observada quanto a características antropométricas e demográficas. Como esperado, uma menor quantidade de pacientes encontrou-se alocada no quartil IV, e as diferenças significantes observadas entre os quartis (VEF1, MRC, TC6) foram justificadas pela severidade da doença.

A Tabela 2 mostra que, apesar de algumas diferenças estatisticamente significativas no nível de AFVD entre os quartis I, II, III e IV, de modo geral, as diferenças não ocorreram de forma gradual entre os quartis, ou seja, os pacientes do quartil II não foram necessariamente menos ativos do que os do quartil I, e os do quartil IV não foram necessariamente menos ativos do que os do quartil III. Considerando-se o grupo geral de pacientes, o índice BODE correlacionou-se negativamente, porém, modestamente com o tempo gasto por dia andando (r=-0,35; p=0,004), o tempo gasto por dia em pé (r=-0,32; p=0,008) e a intensidade de movimento (r=-0,39; p=0,001; ). Outras correlações modestas e negativas observadas foram com gasto energético total durante o dia (Figura 1), gasto energético acima de 3 METs e tempo gasto em atividades moderadas e vigorosas (-0,32 < r < -0,47; p<0,009 para todas). Além disso, o índice BODE correlacionou-se positivamente e também modestamente com o tempo gasto em atividades sedentárias durante o dia (r=0,41; p=0,0001).


Quando comparados aos pacientes dos quartis III-IV, os pacientes dos quartis I-II apresentaram maior tempo gasto andando por dia, tempo gasto em pé por dia e intensidade de movimento, bem como maior gasto energético em atividades que demandam mais que 3 METs, maior tempo gasto em atividades moderadas e vigorosas, maior tempo gasto em atividades físicas que demandam mais que 3 METs e menor tempo gasto em atividades sedentárias por dia (Figura 2) (p<0,05 para todos).


Discussão

O presente estudo mostrou que a classificação da gravidade da DPOC, segundo o índice BODE, apresenta apenas modesta correlação com o nível de AFVD. Mostrou também que, em pacientes com DPOC, o índice BODE reflete essencialmente diferenças de nível de atividade física diária entre pacientes com doença leve-moderada e grave-muito grave. Tais resultados podem ser atribuídos ao fato de que, embora pacientes portadores de DPOC classificados pelo índice BODE nos quartis I e II possuam um nível de AFVD reduzido, essa redução é relativamente similar nesses quartis, sendo que alterações mais marcantes no perfil de AFVD são refletidas pelo índice em estágios mais avançados da doença (quartis III e IV).

Estudos realizados previamente demonstraram que o tempo gasto andando e em pé por dia são reduzidos em pacientes com DPOC moderada-grave quando comparados a idosos saudáveis2,24. Em acordo com esses estudos, nossos resultados mostraram um nível de AFVD bastante reduzido em indivíduos com DPOC grave-muito grave (quartis III e IV do índice BODE) quando comparados a aqueles com DPOC leve-moderada (quartis I e II do índice BODE). Nossos achados mostraram que pacientes com pontuação igual ou inferior a 4 no índice BODE possuem maior tempo gasto andando por dia, maior gasto energético total durante o dia, maior intensidade de movimento durante a caminhada, maior tempo gasto em atividade física acima de 3 METs, maior tempo gasto em atividades moderadas e menor tempo gasto em atividades sedentárias quando comparados aos indivíduos com pontuação acima de 5, reforçando a idéia de que pessoas com DPOC mais avançada possuem menor nível de AFVD.

Em seu estudo com portadores de DPOC, Watz et al.14 verificaram que há uma redução gradual do nível de AFVD a partir do escore 1 do índice BODE. Porém, esse estudo não relatou precisamente o nível de AFVD nos diferentes quartis do índice, bem como a relação deles com o nível de AFVD nessa população. Uma outra limitação que pode ser considerada naquele estudo foi que os autores utilizaram, como instrumento de avaliação da AFVD, apenas um acelerômetro, que fornece variáveis relacionadas ao gasto energético e quantidade de passos realizados (SenseWear® Armband), não sendo possível quantificar o tempo gasto em diferentes movimentos e posturas durante a vida diária. Tão ou mais importante do que a avaliação do gasto energético em atividade física é a quantificação do tempo gasto diariamente em atividade física e a intensidade com que ela é realizada. Portanto, ao se utilizar também do DynaPort® além do SenseWear®, o presente estudo foi capaz de demonstrar de maneira mais aprofundada os diferentes aspectos relativos ao nível de AFVD em pacientes com DPOC, bem como o perfil de AFVD em pacientes com diferentes graus de gravidade da doença, fornecendo informações adicionais relevantes à prática clínica.

Dados da literatura corrente sobre a relação entre a atividade física e as características clínicas que refletem a gravidade da DPOC são controversos ou ainda não foram profundamente estudados. Tal relação foi demonstrada como variando de fraca/moderada e não estatisticamente significante até forte e estatisticamente significante. Por exemplo, no estudo de Pitta et al.2, encontraram-se correlações fracas entre o tempo gasto andando por dia com o VEF1 (r=0,28) e IMC (r=-0,08), porém forte correlação com o TC6 (r=0,76). Em contrapartida, no estudo de Watz et al.14, mostrou-se correlação moderada entre o nível de atividade física e as variáveis de VEF1 (r=0,42), distância percorrida no TC6 (r=0,46) e graduação da dispneia pelo MRC (r=-0,44). Já no estudo de Walker et al.25, o nível de atividade física correlacionou-se melhor com o VEF1 (maioria das variáveis com valores de r acima de 0,50) do que com o TC6 (valores de r próximos de 0,30). Nossos resultados, por sua vez, mostram uma relação apenas modesta entre as variáveis do nível de AFVD e as características clínicas da doença expressas pelo índice BODE (-0,32 < r < 0,41; p<0,001 para todos). Essas diferenças observadas entre o presente estudo e outros com resultados relativamente conflitantes são possivelmente explicadas pelas diferenças nas características dos sensores de movimento utilizados para avaliação do nível de AFVD, assim como diferenças nas características das populações envolvidas nesses estudos (e.g., na distribuição de gêneros, na gravidade da doença que caracterizava a amostra estudada e no seu perfil étnico e sociocultural).

O fato de que possivelmente existam outros fatores que influenciam o nível de AFVD em pacientes com DPOC e que não são mensurados na pontuação do índice BODE, tais como inflamação sistêmica e disfunção cardíaca esquerda26, reserva ventilatória27 e níveis de hiperinsuflação dinâmica pulmonar28, podem explicar (ao menos parcialmente) a modesta relação encontrada entre o índice BODE e o nível de AFVD. Em adição, particularidades como diferenças étnicas e socioculturais podem influenciar o nível de AFVD, conforme mostraram Pitta et al.29 e Garcia-Aymerich et al.30. Esses estudos reforçam a hipótese de que o nível de AFVD é influenciado por inúmeros fatores e que, mesmo um índice multigraduado para avaliação global de pacientes com DPOC, como o índice BODE, não consegue refletir de maneira adequada o quanto cada indivíduo é fisicamente (in)ativo na sua vida real.

As limitações do presente estudo incluíram o fato de a amostra pertencer a apenas um único centro de pesquisa, sendo realizado com pacientes que estavam interessados em se vincular a um programa de treinamento físico, limitando a aplicabilidade e generalização dos resultados para diferentes centros e contextos clínicos. No entanto, em comparação com a literatura vigente, os autores creem que tal amostra é representativa de uma população de pacientes com DPOC no Brasil em termos de características clínicas e antropométricas. A quantidade de dias de monitorização da AFVD (dois dias consecutivos durante a semana, durante 12 horas por dia) também poderia ser considerada como uma limitação. No entanto, Pitta et al.2 mostraram que esse número de dias é suficiente para se obter uma estimativa válida, utilizando-se o DynaPort® Activity Monitor; para utilizar o Multi-Sensor SenseWear®Armband, Watz et al.14 consideraram necessários cinco dias para avaliar o nível de AFVD, sendo dois dias de final de semana e três dias durante a semana. No presente estudo, no entanto, acreditou-se que, por se tratar caracteristicamente de indivíduos sedentários e avaliados apenas em dias de semana, isso possa ter contribuído para a diminuição da variabilidade dia a dia e para uma estimativa realista do nível habitual de atividade física nessa população.

Em resumo, a classificação da gravidade da DPOC dada pelo índice BODE apresenta correlação modesta com o nível de AFVD, sendo capaz de refletir apenas diferenças de nível de AFVD entre pacientes com doença leve-moderada e grave-muito grave.

Agradecimentos

Aos colegas do Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar (LFIP), pelo apoio e auxílio na coleta dos dados; ao saudoso Antônio Fernando Brunetto, pelos conhecimentos adquiridos, assim como à UEL e ao Conselho Nacional para Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Brasil), pelo apoio financeiro.

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  • O índice BODE reflete o nível de atividade física na vida diária de pacientes com DPOC?

    Leandro C. MantoaniI; Nídia A. HernandesI,II; Mônica M. GuimarãesI; Renato L. VitorassoI; Vanessa S. ProbstI,III; Fábio PittaI
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Abr 2010
    • Aceito
      16 Nov 2010
    • Revisado
      14 Out 2010
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