Acessibilidade / Reportar erro

Influência da altitude e do tamanho das cidades nas previsões de radiação solar do modelo "IGMK" no Brasil

Influence of altitude and size of cities in the prediction of solar radiation in Brazil, based on the "IGMK" model

Resumos

Os desvios sistemáticos entre as estimativas da irradiação solar na superfície feitas pelo modelo IGMK e os dados de radiômetros de superfície para o Brasil entre 1985 e 1986 foram avaliados estatisticamente. O desvio sistemático médio global encontrado foi relativamente alto, de 1,2 MJ.m-2 e foi originalmente atribuído à posição orbital inadequada deste satélite com relação ao Brasil. Algumas estações, contudo, apresentaram desvios sistemáticos que não puderam ser explicados apenas desta forma. Neste trabalho, testes estatísticos de hipóteses foram aplicados aos resultados e mostraram que a altitude e o tamanho das cidades onde as previsões foram realizadas contribuem para estes desvios com um nível de confiança de 99%. Os testes mostram que o desvio sistemático médio das estações localizadas em altitudes superiores a 700 meros foi 4 vezes superior ao das estações localizadas em menores altitudes. O desvio médio das estações localizadas nas grandes cidades também foi 4 vezes maior do que para as pequenas cidades ou localizadas em locais remotos.

Radiação solar; Energia solar; Transferência Radiativa; Atmosfera; Aerossóis


Systematic deviations between surface solar radiation obtained from ground site radiometers and IGMK satellite model predictions for Brazil between 1985 and 1986 were evaluated by using statistical tests. The relatively high mean bias error of 1.2 MJ.m-2 was originally attributed to a large off-nadir position of the satellite relative to Brazil. Some of the ground stations, however, presented deviations that could not be entirely accounted for by this explanation. In the present work we applied statistical tests to the results and found that the altitude and the size of the city where the ground station is located can explain these deviations, with a 99% confidence level. The tests have shown that the mean bias deviation is 4 times higher for validation sites located above 700 meters than for sites below this altitude. Furthermore, mean bias found for the larger cities is also 4 times higher than the value found for sites located in small cities and remote areas.

Solar radiation; Solar energy; Radiative transfer; Atmosphere; Aerosols


Influência da altitude e do tamanho das cidades nas previsões de radiação solar do modelo "IGMK" no Brasil

W. Gambi

121111

C. Postal 476, Florianópolis, SC, 88040-900

2 INPE

C. Postal 515, São José dos Campos, SP, 12201-970

E-mail: enio@dge.inpe.br

-2

Palavras-chave: Radiação solar; Energia solar; Transferência Radiativa; Atmosfera; Aerossóis.

Influence of altitude and size of cities in the prediction of solar radiation in Brazil, based on the "IGMK" model - Systematic deviations between surface solar radiation obtained from ground site radiometers and IGMK satellite model predictions for Brazil between 1985 and 1986 were evaluated by using statistical tests. The relatively high mean bias error of 1.2 MJ.m-2 was originally attributed to a large off-nadir position of the satellite relative to Brazil. Some of the ground stations, however, presented deviations that could not be entirely accounted for by this explanation. In the present work we applied statistical tests to the results and found that the altitude and the size of the city where the ground station is located can explain these deviations, with a 99% confidence level. The tests have shown that the mean bias deviation is 4 times higher for validation sites located above 700 meters than for sites below this altitude. Furthermore, mean bias found for the larger cities is also 4 times higher than the value found for sites located in small cities and remote areas.

Key words: Solar radiation; Solar energy; Radiative transfer; Atmosphere; Aerosols.

INTRODUÇÃO

A importância científica da radiação solar se deve ao controle que ela exerce no balanço térmico da atmosfera e nos processos de circulação da atmosfera e oceanos. Ela é determinante sobre o comportamento climático global e fenômenos meteorológicos. Por outro lado, o conhecimento dos níveis de radiação solar que atingem a superfície é um pré-requisito para várias aplicações da energia solar na indústria, na agricultura, e em outras atividades relevantes sob o ponto de vista socio-econômico. A reabertura recente do mercado às fontes alternativas de energia tem dado destaque para este ramo do conhecimento e a energia solar desempenha um papel promissor nesse contexto. A demanda mundial de dados de radiação solar na superfície tem sido crescente a partir da última crise do petróleo, em 1973 (Pereira & Colle, 1997).

Sem dúvida, a forma mais precisa para se avaliar a intensidade da radiação solar na superfície é a sua medida direta, com piranômetros, operando em estações solarimétricas. Contudo, a rede mundial dessas estações é muito esparsa e, com raras exceções, concentrada nos territórios dos países mais desenvolvidos economicamente. No Brasil, após o desmantelamento da rede solarimétrica nacional gerenciada pelo INMET, a partir dos anos 90, o número de estações em operação ficou extremamente reduzido.

Muito embora, intrinsecamente, esses radiômetros apresentem incertezas inferiores a 5%, os desvios gerados por interpolação e extrapolações entre estações crescem rapidamente com a distância, degradando muito essa precisão. Um estudo comparativo (Perez et al., 1996) entre as incertezas nas previsões de irradiância através de satélites e os mesmos resultados obtidos por interpolação/extrapolação de dados de superfície demonstrou que, para distâncias entre estações superiores a 35 km, estimativas realizadas com o auxílio de satélites já podem ser consideradas competitivas, na base horária. Assim, em um país de área tão grande como o Brasil, modelos que empregam satélites geo-estacionários são uma solução viável para o levantamento global dos níveis de radiação solar na superfície.

Em recente publicação Pereira et al. (1996) apresentaram os dados de irradiação solar de superfície para o Brasil, entre 1985 e 1986, utilizando o modelo conhecido como "IGMK", que foi desenvolvido originalmente por Möser & Rashcke (1983), na Alemanha. Os resultados obtidos apresentaram desvios relativamente pequenos nas médias mensais das somas diárias da radiação global. O RRMSE (erro quadrático médio relativo) para todos os dados foi de 13%, mas cerca de 60% das estimativas apresentaram erros inferiores a 8%, o que é considerado um bom resultado. Contudo, um desvio sistemático global de 1,2 MJ m-2 foi constatado e foi atribuído ao emprego do satélite Meteosat europeu, cuja posição orbital, localizada sobre a África, era pouco apropriada para a realização de estimativas sobre o Brasil, Tendo em vista que os parâmetros de entrada do modelo original IGMK foram ajustados empregando radiômetros de campo localizados na África e Europa, esta espessura óptica excessiva causada pelo elevado ângulo de visada poderia, de fato, ser a causa deste elevado desvio sistemático. O efeito resultante global sobre o modelo foi, portanto, uma superestimativa dos resultados que pode ser aproximadamente corrigida pela simples subtração desse desvio ou, melhor ainda, pelo emprego de um satélite localizado em posição orbital mais favorável ao estudo do território brasileiro, como o GOES-8. As novas estimativas corrigidas pela simples subtração do desvio sistemático global apresentaram desvios RRMSE de 11% (Pereira et al., 1996), resultado compatível com o que foi obtido por Stuhlmann et al. (1990) para a África e Europa, onde o modelo original foi validado e ajustado. Neste trabalho procuramos identificar fontes adicionais de desvios sistemáticos no modelo e estudamos estatisticamente a influência do local da estação onde os dados de superfície foram coletados. Demonstramos que validações do modelo baseadas em estações localizadas nas grandes cidades e em regiões de maior altitude apresentam discrepâncias de caracter sistemático. Este trabalho visa demonstrar a importância relativa dessas duas fontes de erro nas previsões do modelo.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO MODELO

O modelo IGMK é um modelo físico para cálculo da radiação solar incidente na superfície. Parte do princípio de que as nuvens constituem o componente de primeira ordem na modulação da intensidade da radiação solar na superfície e que a influência de todos os outros componentes atmosféricos pode ser estimada através de parametrizações obtidas a partir de médias climatológicas desses componentes. Este modelo emprega os valores normalizados das leituras diretas do sinal, L, do satélite para representar tanto a cobertura efetiva de nuvens como sua espessura óptica, para cada pixel e para cada ângulo zenital, q z. Os valores normalizados são dados pela relação:

Nefet. = (L - Lmin )/(Lmax - Lmin ) (1)

onde os subscritos, min e max indicam as leituras obtidas pelo satélite em condições de cobertura mínima de nuvens (céu claro) e de cobertura máxima de nuvens (céu totalmente encoberto), respectivamente. A conversão dos valores de Nefet, obtido para a banda restrita do espetro de radiação VIS (0,4 a 1,1 mm) do Meteosat-2, em valores de transmitâncias de nuvens tw para todo o espectro solar (0,2 a 4,0 mm) é feita através de um modelo de transferência radiativa descrito por Schmetz (1984). A transmitância das nuvens é ajustada para tw = 1 quando Nefet. = 0 e para tw = 0,05 quando Nefet. = 1. A transmitância para os demais componentes do sistema atmosférico, como o ozônio, os aerossóis e o vapor d’água é obtida através de equações empíricas e semi empíricas obtidas da literatura especializada, como em Iqbal (1983). Um esquema de quatro camadas é empregado para simular a atmosfera, a saber: a camada de ozônio, a de espalhamento Rayleigh, a das nuvens e a de aerossóis e vapor d’água, onde ocorrem tanto o espalhamento como a absorção da luz solar. Múltiplos espalhamentos entre cada camada e a superfície são também levados em conta. Finalmente, a radiação global é calculada multiplicando a transmitância estimada, pela radiação solar incidente calculada para o topo da atmosfera. Os detalhes desse modelo podem ser obtidos em Stuhlmann et al. (1990).

ESTIMATIVA DA IRRADIAÇÃO SOLAR E SUAS DE FONTES DE FERRO

Os modelos que estimam a radiação solar possuem uma precisão limitada, porém adequada a inúmeras aplicações, particularmente no que se refere ao mapeamento global com vistas ao aproveitamento energético da radiação solar. Eles estão sujeitos a diversas incertezas, responsáveis tanto pelas limitações intrínsecas a estes modelos, como pelos desvios e erros capazes de degradar a acurácia das estimativas. Estes últimos precisam ser identificados e corrigidos. Conforme Aguiar & Collares-Pereira (1992) o índice de clareza do céu, que é a razão entre a irradiância medida na superfície e a que chega ao topo da atmosfera, pode ser dividido em uma componente determinística e uma componente variável aleatória. A componente determinística é, basicamente, função do ângulo zenital e da espessura óptica e pode ser simulada com relativa facilidade e suficiente precisão pela maioria dos modelos de transferência radiativa na atmosfera. Já a componente aleatória depende da variabilidade temporal dos componentes da atmosfera. As incertezas envolvidas na variabilidade temporal das nuvens e, em menor escala, dos outros componente da atmosfera, se enquadram nesta categoria pois não podem ser facilmente tratadas pelo satélite devido as diferentes escalas de tempo entre essas variações e o processo de imageamento. As nuvens são, portanto, responsáveis pela maior parte da dispersão aleatória das estimativas dos modelos devido à ampla variabilidade temporal que elas possuem na forma, no tipo, e nas suas características microfísicas. Já os desvios sistemáticos são causados, principalmente, pelo mal dimensionamento dos parâmetros de entrada do modelo. Entre esses parâmetros pode-se mencionar o conteúdo e distribuição do vapor d’água e concentração e propriedades físicas dos aerossóis na coluna atmosférica.

Para executar os cálculos, o algoritmo IGMK de transferência radiativa, do mesmo modo que os outros métodos físicos, devem ser alimentados por dados médios sobre a composição da atmosfera que definam, da melhor maneira possível, o estado da atmosfera no local e no instante da previsão. Uma vez que não se dispõe, a cada instante, da distribuição dos componentes opticamente ativos da atmosfera, como o vapor d’água e os aerossóis, estes precisam ser estimados de alguma maneira. Isto é feito de forma semi empírica, com base em informações fornecidas por valores médios mensais sobre a atmosfera disponíveis nas "Normais Climatológicas" fornecidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Isso implica em desprezar as variações destes componentes durante o mês, além de se estar sujeito às incertezas das equações semi empíricas utilizadas para estimá-las. Se a composição da atmosfera estiver mal estimada, o resultado será um desvio sistemático nas estimativas de irradiação solar daquele mês.

Os erros de natureza aleatória são menos preocupantes porque ficam minimizados no processamento das médias mensais de insolação. O próprio modelo IGMK não se propõe a dar conta de todos os fatores que afetam os níveis de insolação. O objetivo do modelo é fornecer estimativas de média precisão. Os melhores resultados podem apresentar erros inferiores a 15% para os totais diários e a 5% para as médias mensais. Porém, os erros sistemáticos degradam muito estes resultados.

Para resolver este problema, quando estes forem causados pelo mal dimensionamento da composição atmosférica, recorre-se ao ajuste dos parâmetros médios mensais que definem a composição atmosférica, de forma que as estimativas de irradiação solar para céu claro se aproximem mais das leituras das estações solarimétricas no solo. Este foi o procedimento adotado para o modelo IGMK, na África (Stuhlmann et al., 1990), e na Europa pelo Serviço de Meteorologia Alemão (DWD) (Diekmann et al., 1989). Neste trabalho busca-se determinar os principais contribuições aos erros sistemáticos para, então, em uma etapa posterior, efetuar o ajuste dos parâmetros atmosféricos necessários a minimizar os desvios sistemáticos. Isso constitui o processo de validação do modelo.

Para este trabalho foram empregadas as estimativas dos níveis de radiação solar no Brasil entre 1985 e 1986, realizadas com o emprego do satélite Meteosat-2 (Pereira et al., 1996). Essas estimativas são ilustradas graficamente na Fig. 1, como curvas de iso-radiação para as médias mensais das integrais diárias da radiação solar global (direta + difusa) no plano horizontal, apenas para os períodos de verão (dezembro a fevereiro) e de inverno (junho a agosto). Os resultados comparados com dados experimentais coletados pela rede solarimétrica nacional da época, que era constituída de 22 estações do INMET, pode ser observado na Tab. 1, extraída de Pereira et al. (1996).


Figura 1 - Carta das médias mensais dos totais diários de radiação solar global incidente na superfície horizontal durante o inverno e verão no Brasil, estimadas pelo modelo IGMK. Unidades em MJ.m

-2

(10

6

Joules por metro quadrado).

Figure 1 - Chart of the monthly means of daily sums of the global horizontal incident solar radiation during winter and summer in Brazil, estimated by the IGMK model. Units are MJ.m-2 (106 Joules per square meter).

Tabela 1 - Erros das estimativas, em comparação com os resultados dos radiômetros das estações de superfície. Os erros estão expressos em MBE e RMSE, (desvio médio e erro quadrático médio relativo). Dados sobre as estações de validação são também apresentados.

Table 1 - Comparison between the estimation errors and the results obtained from ground radiometers. Errors are expressed in MBE and RMSE (Mean Bias Error and Relative Root Mean Squared Error). Main information on the validation sites is also presented.

O RRMSE mensal obtido para o Brasil (13%) foi ligeiramente maior que o obtido com o mesmo modelo por Stuhlmann et al. (1990) para a África (11%). O desvio sistemático absoluto (BEM), contudo, foi quase 8 vezes superior, 1,2 MJ/m2 contra 0,14 MJ/m2. Observou-se que a simples subtração linear desse desvio sistemático dos dados brasileiros reduz o RRMSE para 11%, valor idêntico ao obtido na África. Contudo, apesar da subtração dessa forte componente conhecida do desvio sistemático reduzir o RRMSE global, a validação para algumas dessas estações ainda manteve uma componente sistemática significativa. Isto pode ser constatado pela simples inspeção visual na Fig. 3, que representa o histograma dos desvios MBE observados para as 22 estações. Observa-se que a distribuição dos desvios possui uma assimetria ("skewness" = 0,9) para a direita, isto é, para valores positivos de desvio. A distribuição normal esperada para os dados subtraídos do MBE, está indicada pela linha pontilhada na Fig. 3.


Figura 2 - Comparação da radiação solar global estimada pelo modelo com a medida pelos radiômetros das estações de superfície.

Figure 2 - Comparison between ground measurements and model estimations of the global surface solar radiation.


Figura 3 - Histograma dos desvios sistemáticos mensais (MBE) observados nas estimativas. A curva contínua é a distribuição normal associada.

Figure 3 - Histogram of distributions of monthly systematic errors (MBE) for the model estimations. The line represents the expected normal distribution for this data set.

METODOLOGIA

Para compreender a importância relativa dos dois fatores escolhidos (tamanho das cidades e altitude das estações) sobre as estimativas do modelo, foi empregada uma série de testes estatísticos (Análise de Variâncias) sobre os dados resumidos na Tab. 1. Os desvios de caracter aleatórios são medidos pelo RRMSE e devem, a rigor, distribuir-se normalmente em torno da um valor médio que representa a dispersão das estimativas. Eles são causados pela natureza variável dos parâmetros que definem a atmosfera e ocorrem principalmente em cada sítio de observação. Já os desvios medidos pelo MBE deveriam apresentar-se distribuídos normalmente em torno de um valor muito próximo do zero. Um deslocamento da distribuição para valores diferentes do zero indica que um desvio sistemático está atuando sobre as estimativas. Esse tipo de desvio ocorre, principalmente entre os diversos sítios de validação, e não dentro de cada sítio. Seguindo este raciocínio, os testes foram realizados separando-se os dados em grupos principais, utilizando cada parâmetro em análise como critério. Os grupos foram tratados como amostras diferentes, analisando-se o seu desvio sistemático. Se as médias e variâncias dos grupos forem similares, concluí-se que o parâmetro analisado não influi significativamente na confiabilidade das estimativas do modelo. Porém, caso isso não se verifique, identifica-se o parâmetro que é fonte de dificuldades para o modelo. Cabe ressaltar que os testes estatísticos mais comuns, como o coeficiente de correlação, não são adequados à análise de problemas deste tipo. Isso porque há diversas variáveis que contribuem para os desvios e as correlações diretas ficarão mascaradas sob os sinais das diversas outras variáveis independentes. Nessas condições, somente os testes de hipóteses poderão revelar relações de causa e efeito. Os procedimentos para testar estas hipóteses são os testes "F" e "t", ou a análise de variância (ANOVA).

Assim, os testes estatísticos foram realizados separando-se os dados em dois grupos principais, selecionados a partir de parâmetros que caracterizam melhor cada estação de validação, a saber: a sua altitude e o tamanho da cidade onde está instalado o piranômetro. No procedimento adotado, o primeiro passo foi verificar se as amostras (desvios observados com relação às estações de validação) eram normalmente distribuídas em um mesmo grupo, pré condição para a aplicação dos testes subseqüentes. Estudou-se então a igualdade de variâncias, utilizando o teste F, com o nível de significância desejado. Caso as variâncias não fossem significativamente diferentes, a igualdade entre as médias era analisada com o teste t. Se as médias e variâncias fossem similares, e o nível de significância fosse alto, concluía-se que ambas as amostras podiam ser provenientes de uma mesma população.

As estimativas do modelo aplicado ao Brasil apresentaram fortes desvios sistemáticos uma vez que os ajustes dos parâmetros de entrada do modelo foram realizados com base nos dados de estações de superfície obtidos na África e na Europa e não através da rede brasileira. Além disso, é bem sabido que tanto as concentrações dos principais componentes da óptica atmosférica, como as suas variações em função da altitude, são tratadas de forma muito simplificada. Vários autores já apontaram falhas e dificuldades que os modelos para estimação da radiação solar normalmente encontram, como a variação da insolação em função da altitude, causada por variabilidades no conteúdo de água precipitável e na concentração de aerossóis. (Diekmann et al., 89; Stuhlmann et al., 90; Zelenka et al., 92). Além disso, como os aerossóis atmosféricos possuem uma alta variabilidade temporal e espacial, todos os esforços para caracterizá-los em escala global não têm obtido muito êxito (Coakley et al., 1993).

INFLUÊNCIA DA ALTITUDE DAS ESTAÇÕES

Os modelos de transferência radiativa que utilizaram satélites da série Meteosat apresentam erros sistemáticos relacionados com a altitude da estação de validação, especialmente para locais acima de 1000 metros (Zelenka et al., 1992). Este problema normalmente é resolvido com correções estatísticas e/ou semi empíricas. Os autores do modelo IGMK empregaram a visibilidade horizontal na superfície para calcular a transmitância devida aos aerossóis, visto que esses dados são mais facilmente disponíveis. Utilizaram um aumento exponencial da visibilidade até um máximo de 150 km a 2 km de altitude e relacionaram empiricamente essa visibilidade com a concentração de aerossóis empregando uma parametrização dada por Iqbal (1983). Assim, o primeiro teste objetivou a avaliação da relação entre as superestimativas observadas e a altitude dos sítios de validação, dados disponíveis na Tab.1. Na avaliação preliminar já se observa que a distribuição obtida no histograma da Fig. 3 se afasta muito da distribuição normal associada indicada pela linha pontilhada. Isso já é um indicativo da existência de desvios seletivos. Observa-se ainda que todas as estações localizadas acima de 700 metros apresentam desvios de estimativas positivos.

A seguir, foi aplicado o teste t sobre esses dados, separados em dois grupos, para as estações acima e abaixo de 700 metros, doravante denominadas de "estações altas" e "estações baixas", respectivamente . Este limite de altitude foi escolhido de maneira semi empírica através de testes sucessivos de normalidade, tomando-se o conjunto de estações de maior altitude que melhor satisfez esse critério. O teste t só é válido se os dois grupos de estações forem normalmente distribuídos, e os 16 pontos do grupo de baixa altitude não o são, como mostra a Fig. 4. As cidades de Bagé e de Boa Vista representam apenas cinco pontos experimentais (apenas 4% da base de dados correspondente a todo o período de coleta nestas estações) e, portanto sua inclusão ou não ao conjunto total dos dados analisados mereceu atenção especial para evitar que o baixo significado estatístico dessas estações pudessem interferir com peso muito elevado no resultado final da análise. Com esse simples critério, eliminou-se da análise a cidade de Bagé que fugiu muito da distribuição normal esperada. Todos os outros pontos foram mantidos para a análise e, entre esses pontos, apenas 3 pontos destoam da distribuição normal e os três possuem características comuns. Estes pontos correspondem às estações das cidades de São Luís, Fortaleza e Manaus, todas situadas em latitudes muito próximas. Não é possível, após uma década da obtenção desses dados de superfície, recompor o motivo desta discrepância, assim, pode-se apenas supor que as validações realizadas para essas 3 estações estão sob a influência de um outro fator de erro desconhecido, responsável pelos desvios sistemáticos majorados, o que pode justificar a exclusão temporária dos mesmos. Mais à frente, neste trabalho, esses mesmos pontos serão reconsiderados em uma análise mais completa e se reconhecerá a natureza desta discrepância.


Figura 4 - Gráficos das distribuições normais esperadas (linha reta) para os desvios sistemáticos (MBE) para as estações acima de 700m de altitude (altas) e abaixo dessa altitude (baixas).

Figure 4 - Plot of the expected normal distributions (straight line) for the mean bias errors (MBE) for the ground stations above the altitude of 700m (high altitude) and below this altitude (low altitude).

O diagrama do tipo mostrado na Fig. 5 mostra que os erros sistemáticos para as 13 estações baixas são bem menores que os das estações altas, e observa-se na comparação dos dois grupos que tanto as médias como as variâncias são tão díspares que o teste t sequer pode ser aplicado. Este resultado é uma boa evidência de que o modelo empregado apresenta dificuldades em estimar a insolação de localidades situadas acima de 700 metros de altitude. Os resultados deste diagrama são mostrados numericamente na Tab. 2.

Tabela 2
a 2 - Sumário das médias estatísticas dos desvios MBE para os dois conjuntos de estações, altas e baixas.

Table 2 - Summary of statistical means for the MBE obtained for the two groups of validation sites: high altitude and low altitude.

Tabela 3 - Sumário das médias estatísticas dos desvios MBE para os quatro conjuntos de estações, altas, baixas, grandes e pequenas.

Table 3 - Summary of the statistical means and MBE for the four groups of validation sites: high and low altitude and sites located in large and small cities.

Figura 5 -
Ilustração dos principais resultados estatísticos para os dois grupos de estações de validação – acima e abaixo de 700m de altitude. Observa-se que as super estimativas são maiores nos locais mais altos. O teste t mostra que o critério adotado é significativo, com nível de confiança de 99%.

Figure 5 - Diagram showing the main statistical results for the two groups of ground stations – above and below 700m height. The model over-estimates the results over validation sites located at higher altitudes. The t-test showed that the adopted criterion is significant to a 99% confidence level.

INFLUÊNCIA DO TAMANHO DAS CIDADES

Observou-se neste trabalho que existem outros fatores que podem causar problemas ao modelo, além da altitude. O tipo de aerossol atmosférico é um deles, pois as propriedades de espalhamento e de absorção da radiação solar pelos aerossóis depende muito de suas características ópticas. Isso é muito bem descrito na teoria do espalhamento Mie. Genericamente, próximo ao mar, existe uma maior concentração de aerossóis do que no interior dos continentes. Essa concentração pode ser muito grande em centros urbanos maiores e diminui com o aumento de altitude. Além disso, o aerossol "tipo oceânico" tem propriedades ópticas diferentes das do "tipo rural", devido principalmente à diferenças na composição de seus constituintes. Esses dois tipos de aerossóis, por sua vez são diferente do "aerossol urbano". Este último costuma ser bem diferente dos anteriores por apresentar maior absorção radiativa devido a presença do carbono grafítico, produto da combustão do combustível fóssil pela indústria e pelos veículos motorizados (Shah et al., 1986). Uma vez que o modelo IGMK assume indiscriminadamente que, para todo o território brasileiro, os aerossóis são do tipo rural, desconsiderando tanto as propriedades ópticas diferentes como a maior concentração existente nos grandes centros urbanos, é de se esperar que o modelo superestime a insolação sobre estes centros. Além disso, os valores de albedo considerados no modelo não possuem a resolução espacial necessária para distinguir as diferenças entre albedos típicos de cidade e de campo, por sua extensão relativamente pequena com relação aos outros ambientes naturais.

Assim, foi realizada uma análise sobre duas variáveis independentes: o tamanho das cidades onde as estações de validação estavam localizadas e a sua altitude. Para tanto, os dados das estações foram separados em 4 grupos, segundo dois critérios: Cidades altas e baixas e cidades grandes e pequenas, onde as cidades grandes são, com raras exceções, as capitais. A análise pode ser efetuada por uma estatística tipo ANOVA, ou por testes t aplicados sobre cada variável independente.

A Fig. 6 revela que três dos quatro grupos possuem distribuições aproximadamente normais, onde as discrepâncias observadas refletem, entre outras coisas, o efeito do número reduzido de pontos em cada grupo. Na Fig. 7 os diagramas mostram que a relação existe, fato confirmado tanto pelos testes t como pelos resultados da ANOVA. O grupo das cidades altas e pequenas contudo, apresenta somente um ponto experimental e nada se pode concluir a respeito de sua normalidade.


Figura 6 - Distribuição normal dos 4 grupos de dados, classificados por altitude e tamanho das cidades onde as estações de validação estavam localizadas.

Figure 6 - Normal distribution plots of the 4 major groups of ground stations, classified according to their altitudes and size of the cities were they are located.


Figura 7 - Ilustração dos principais resultados estatísticos para os desvios sistemáticos (MBE) dos 4 grupos de estações. Tanto a altitude como o tamanho das cidades são fatores visivelmente associados à um acréscimo do desvio sistemático.

Figure 7 - Diagram showing the main statistical results for the systematic deviations (MBE) found in each of the four groups of ground validation sites. The altitudes of the validation sites and the size of the cities where they are located are factors clearly associated to the increase of systematic errors.

DISCUSSÕES

As estações localizadas em cidades pequenas e de baixa altitude são as mais numerosas (10 casos), e possuem os menores erros. O seu MBE médio foi de 0,2 MJ/m

2

Aqui cabe um esclarecimento. O perfil de vapor d’água no modelo é estimado pelo conteúdo de água precipitável na coluna atmosférica. Para obtenção da água precipitável a partir de dados de superfície facilmente disponíveis, como a temperatura e a umidade relativa do ar, o modelo emprega uma relação empírica dada por Leckner (1978). Contudo, visto que a maior parte da água precipitável na atmosfera encontra-se abaixo de dois quilômetros de altitude, espera-se que esta parametrização induza a erros para estações mais altas, pois a coluna atmosférica é menor neste caso.

Infelizmente só há um caso de estação localizada em cidade pequena e a grande altitude, o que restringe bastante nossas conclusões. Apesar disso, este único ponto corrobora com a observação de que a altitude é fator importante de erro sistemático para este modelo, pois o seu MBE é mais de 15 vezes maior que o MBE médio das estações em cidades baixas.

No caso das grandes cidades, observamos que a variância dos MBE é grande, mas o fator altitude continua significante. A grande variância dos dois grupos, em comparação com a diferença entre as médias das estações localizadas em cidades grandes e altas e das localizadas em cidades grandes e baixas, sugere que a variabilidade introduzida pelos aerossóis urbanos é maior do que as diferenças induzidas pela altitude. Isto concorda com as conclusões do Serviço de Meteorologia Alemão (DWD), que analisou uma base de dados muito mais completa (Diekmann et al., 1989).

Com base nestas análises, conclui-se que tanto a altitude como o tamanho das cidades onde os sítios de validação estão localizados são fatores responsáveis por grande parte dos desvios sistemáticos observados neste modelo. Ilustrativamente, o desvio MBE médio para as grandes cidades foi 4 vezes maior que para as pequenas, assim como o das cidades altas em relação às baixas. Os três pontos que foram descartados da análise que levou em conta somente a altitude (Manaus, Fortaleza e São Luís), deixaram de ser problemáticos quando se considerou também o tamanho das cidades, justificando assim a discordância observada na Fig. 4.

CONCLUSÕES

Embora o modelo tenha apresentado resultados de estimativas para a radiação incidente com desvios comparáveis a diversos outros modelos físicos disponíveis, conforme descrito em Zelenka et al., (1992), uma parte dos desvios de caracter sistemático dessas estimativas parece estar associado a características das estações empregadas na validação. O estudo aqui apresentado discute as componentes sistemáticas desses desvios e indica onde esse modelo pode ser melhorado para aumentar a acurácia de suas estimativas. Este trabalho indicou que tanto a altitude das estações de validação como o tamanho das cidades onde elas se encontravam representaram duas fontes de desvios sistemáticos estatisticamente significativos (nível de confiança de 99%). No primeiro caso, a correção do problema pode ser implementada através do ajuste do perfil do vapor d’água na atmosfera de maneira a minimizar os desvios para um conjunto de estações selecionadas a várias altitudes. No segundo caso, contudo, o problema é crítico pois não se tem um estudo sobre a contribuição dos aerossóis urbanos no perfil da atenuação da luz solar. Assim, a sugestão é que estações radiométricas localizadas em cidades grandes não sejam empregadas para a validação global de modelos radiativos. Estimativas de modelo, para esses casos, devem ser tratadas separadamente.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq/RHAE, à CAPES e ao CEPEL/Eletrobras, que possibilitaram a realização deste trabalho através da concessão de bolsas e auxílios financeiros.

Submetido em: 28/05/97

Revisado pelo(s) autor(es) em 16/06/98

Aceito em: 26/06/98

  • AGUIAR, R. J. & COLLARES-PEREIRA, M. - 1992 - Statistical properties of hourly global radiation. Solar Energy, 48: 157-167.
  • COAKLEY, J. A., CESS, R. D. & YUREVICH, F. B. - 1993 - The effect of tropospheric aerosols on the Earths radiation budget: A parameterization for climate models. J. Atmos. Sci., 40(1): 116-138.
  • DIEKMANN, F. J., HAPP, S., RIELAND, M. BENESH, W., CZEPLAK, G. & KASTEN, F. - 1989 - An operational estimate of global solar irradiance at ground level for 1985 to 1987. Meteorol. Rdsch., 41: 65-79.
  • IQBAL, M. - 1983 - An introduction to solar radiation. Academic Press, Toronto, Canadá, 390pp.
  • LECKNER, B. - 1978 - The spectral distribution of solar radiation at the Earths surface - elements of a model. Solar Energy, 20(2): 143-150.
  • MÖSER, W. & RASCHKE, E. - 1983 - Mapping of global radiation and of cloudiness from Meteosat image data. Meteorol. Rdsch. 36:33-41.
  • PEREIRA, E. B., ABREU, S. L., STUHLMANN, R., RIELAND, M. & COLLE, S. - 1996 - Survey of the incident Solar Radiation in Brazil by use of Meteosat Satellite Data. Solar Energy, 57(2): 125-132.
  • PEREIRA, E. B. & COLLE, S. - 1997 - A Energia que vem do Sol, Cięncia Hoje, 22(130): 24-35.
  • PEREZ, R., SEALS, R. & ZELENKA, A. - 1996 - Comparing Satellite sensing and ground network measurements for the production of site/time specific irradiance data. Solar Energy, 60(2): 89-96.
  • SCHMETZ, J. - 1984 - On the parameterization of the radiative properties of broken clouds. Tellus, 36: 417-432.
  • SHAH, J. J., JOHNSON, R. L., HEYERDAHL, E. K., & HUNTZICKER, J. - 1986 - Carbonaceous aerosols at urban and rural sites in the United States. J. Air Pollut. Control Ass., 36: 254-257.
  • STUHLMANN, R., RIELAND, M. & RASCHKE, E. - 1990 - An Improvement of the IGMK Model to Derive Total and Diffuse Solar Radiation at the Surface from Satellite Data. Journal of Applied Meteorology, 29(7): 586-603.
  • ZELENKA, A., CZEPLAK, G., DAGOSTINO, V., JOSEFSSON, W., MAXWELL, E., PEREZ, R., NOIA, M., RATTO, C., & FESTA, R. - 1992 - Techniques for Supplementing Solar Radiation Network Data. Report No. IEA-SHCP-9D-1, volume 1,2, and 3, International Energy Agency, September.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Dez 1999
  • Data do Fascículo
    Mar 1998

Histórico

  • Revisado
    16 Jun 1998
  • Recebido
    28 Maio 1997
  • Aceito
    26 Jun 1998
Sociedade Brasileira de Geofísica Av. Rio Branco, 156, sala 2510, 20043-900 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel. / Fax: (55 21) 2533-0064 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbgf@sbgf.org.br