Acessibilidade / Reportar erro

Percepção de idosos ribeirinhos amazônicos sobre o processo de envelhecimento: o saber empírico que vem dos rios

Resumo

Objetivo:

Conhecer e analisar a percepção de idosos ribeirinhos amazônicos acerca do processo de envelhecimento.

Método:

Estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevistas realizadas com 14 idosos ribeirinhos, moradores de sete ilhas fluviais do município de Cametá, Pará, Brasil. Utilizou-se roteiro constituído de dados de caracterização do idoso e entrevista com perguntas semiestruturadas, orientadas pelas seguintes questões norteadoras: "O que é o envelhecimento para o(a) senhor(a)?" e "Envelhecer é bom ou ruim?". Foi utilizada também a técnica observação-participante por meio de diário de campo. Para o exame dos dados, optou-se pela análise de conteúdo temático-categorial.

Resultados:

De modo geral, o grupo pesquisado destacou-se pela percepção heterogênea em relação à compreensão do envelhecimento. No entanto, todos referiram ser um processo ancorado à naturalidade da vida, assim como a morte. Parte desses idosos associou sua velhice a uma fase da vida com repercussões negativas, devido ao aparecimento das doenças e limitações funcionais e, principalmente, à redução da disponibilidade para o trabalho. Pôde-se constatar que a maioria, mesmo apresentando alguma limitação nessa fase, detém estratégias de enfrentamentos claras e bem definidas, como por exemplo: o reconhecimento das suas limitações, o suporte familiar e religioso.

Conclusão:

Com o estudo, constatou-se que envelhecer é o resultado compartilhado de experiências e saberes próprios da interação dos idosos com o ambiente ribeirinho que os rodeia, e tal circunstância os tornam culturalmente diferenciados.

Palavras-chave:
Envelhecimento; Idoso; Percepção; População Ribeirinha

Abstract

Objective:

To study and identify the perception of elderly riverside people of the Amazon region regarding old age.

Method:

An exploratory, descriptive, qualitative study was performed. Data was collected through interviews with 14 elderly riverside residents of the city of Cametá, Pará, Brazil. A script consisting of characterization data and an interview with semi-structured questions was used, guided by the following questions: "What is aging for you?" and "Is aging good or bad?". The participant observation technique was also used, through a field diary. For data analysis, we opted for thematic-categorical content analysis.

Results:

Generally, the elderly had a heterogeneous perception of old age. However, all saw it as a process anchored to the naturalness of life, as well as death. Some of the elderly persons associated old age with a phase of life with negative repercussions due to the appearance of functional disorders and limitations and especially the reduction of availability for work. It can be conferred that the majority, even with while displaying some limitations in this stage of life, have clear and well defined coping strategies, such as the recognition of their limitations or family and religious support.

Conclusion:

The study found that aging is the shared result of the experiences and knowledge of the interaction of the elderly persons with the riverside environment around them, resulting in their cultural differentiation.

Key words:
Aging; Elderly; Perception; Riverside Population

INTRODUÇÃO

A compreensão do processo de envelhecimento está ancorada em múltiplas dimensões de conhecimento.11. Beauvoir S. A velhice. São Paulo: Difusão Européia do Livro; 1990. As representações científicas acerca das nuances desse processo, do ponto de vista biopsicossocial, estão bem documentadas conceitualmente e despontam como importantes norteadores no campo da Gerontologia, instrumentalizando pesquisas e embasando assistências em saúde.

Nesta linha, as discussões têm se ampliado, assim como o interesse em se pesquisar e compreender as especificidades desse processo, inclusive por outros ângulos, como por exemplo, pela própria ótica do envelhecente.22. Moimaz SAS, Almeida MEL, Lolli LF, Garbin CAS, Saliba NA. Envelhecimento: análise de dimensões relacionadas à percepção dos idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2009;12(3):361-75.

3. Teixeira JS, Corrêa JC, Rafael CBS, Miranda VPN, Ferreira MEC. Envelhecimento e percepção corporal de idosos institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(1):613-24.

4. Almeida PM, Mochel EG, Oliveira MSS. O idoso pelo próprio idoso percepção de si e de sua qualidade de vida. Rev Kairós 2011;13(2):99-113.

5. Silva EV, Martins F, Bachion MM, Nakatani AYK. Percepção de idosos de um centro de convivência sobre envelhecimento. REME Rev Min Enferm 2006;10(1):46-53.

6. Jardim VCFS, Medeiros BF, Brito AM. Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção de idosos sobre a velhice. Rev Bras Geriatr Gerontol 2006;9(2):25-34.

7. Lima CKG, Murai HC. Percepção do idoso sobre o próprio processo de envelhecimento. Rev Enferm UNISA 2005;6:15-22.
-88. Biolchi CS, Portella MR, Colussi EL. Vida e velhice aos 100 anos de idade: percepções na fala dos idosos. Estud Interdiscip Envelhec 2014;19(2):583-98.

O que se tem constatado com essas abordagens vai além das dimensões já padronizadas e reconhecidas cientificamente sobre o envelhecimento. Há uma ampliação para outros horizontes, o que de certa forma aproxima o conhecimento científico do saber popular. Assim, o envelhecer é entendido como "um conjunto de modificações morfológicas, fisiológicas, bioquímicas e psicológicas que determinam a perda progressiva da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente", 9 passa a agregar um universo de valorizações, representações e enfrentamentos diferentes. Com isso, surgem novas discussões e possibilita-se um repensar mais aprofundado.

Por conseguinte, cabe ressaltar alguns marcos teóricos importantes sobre o processo de envelhecimento e a forma como o idoso se percebe nele. Na perspectiva de Rodrigues & Neri,1010. Rodrigues NO, Neri AL. Vulnerabilidade social, individual e programática em idosos da comunidade: dados do estudo FIBRA, Campinas, SP, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2012;17(8):2129-39. o envelhecimento implica maior risco para o desenvolvimento de vulnerabilidades de natureza biológica, socioeconômica e psicossocial. Neste contexto, se associadas a condições deficitárias de educação, renda e saúde ao longo da vida, em maior ou menor grau, aquelas vulnerabilidades geram possibilidades de adoecimento e dificuldades de acesso aos recursos de proteção disponíveis na sociedade.

Moimaz et al.2 frisam que os idosos interpretam o processo de envelhecimento de diferentes maneiras e isso é fortemente influenciado pelo seu histórico particular de vida. Nesta linha, Lima & Murai77. Lima CKG, Murai HC. Percepção do idoso sobre o próprio processo de envelhecimento. Rev Enferm UNISA 2005;6:15-22. e Paschoal11 corroboram e acrescentam que, como o envelhecimento não é uma experiência homogênea, cada pessoa vivencia essa fase da vida de uma forma, seguindo padrões, normas, expectativas, desejos, valores e princípios diferentes, considerando ainda os aspectos estruturais a eles relacionados, como saúde, educação e condições econômicas.

Rodrigues & Rauth1212. Rodrigues NC, Rauth J. Os desafios do envelhecimento no Brasil. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 12. p. 106-110. vão além e referem que "cada pessoa e cada geração experimentam a velhice de forma diferente, dependendo de uma constelação de fatores biológicos e ambientais". Faz-se necessário ainda ressaltar a importância das diferenças regionais brasileiras no tocante aos níveis de saúde, de educação, de oportunidades e até mesmo de expectativa de vida. Para os autores "não existe uma única velhice, mas velhices distintas no Brasil".1212. Rodrigues NC, Rauth J. Os desafios do envelhecimento no Brasil. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 12. p. 106-110.

Neste contexto, a carência de estudos sobre essas percepções discursadas por populações consideradas "vulneráveis", como as populações ribeirinhas, ainda representa uma lacuna na literatura. Pouco se conhece sobre a velhice nesse contexto tipicamente amazônico, o que imprime uma importante curiosidade científica. O processo de envelhecimento vivenciado nesses ambientes isolados, com baixos índices de desenvolvimento humano e carentes do setor de saúde e do amparo social, precisa ser alvo de estudos, pois traz em seu bojo realidades funcionais, sociais e culturais ricas e extremamente diferenciadas.

Diante do exposto, identificou-se a necessidade de se conhecer e desvendar como se dá esse processo nas comunidades ribeirinhas longínquas da região amazônica, buscando dar maior visibilidade para esta parcela populacional. Considerando-se a relevância da questão, o presente estudo teve como objetivo conhecer e analisar a percepção de idosos ribeirinhos amazônicos acerca do processo de envelhecimento.

MÉTODO

Este estudo caracteriza-se como exploratório-descritivo de abordagem qualitativa. A pesquisa exploratório-descritiva tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias, sendo seu planejamento bastante flexível, de modo que possibilite a investigação de variados aspectos. Já a abordagem qualitativa preocupa-se com o universo dos significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores, correspondendo a um espaço profundo das relações, dos processos e dos fenômenos vivenciados pelo ser humano.1313. Gil A. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2007.,1414. Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29ª ed. Petrópolis: Vozes; 2010.

Para garantir maior aprofundamento do assunto, foi definida como instrumentação a articulação entre as técnicas "entrevistas semiestruturadas" e "observação-participante". As entrevistas semiestruturadas foram realizadas por dois pesquisadores no próprio domicílio dos idosos. O roteiro de entrevista foi constituído de duas partes: na primeira, constavam os dados sociodemográficos do entrevistado (gênero, idade, naturalidade, situação conjugal, escolaridade, renda, número de filhos e composição familiar); na segunda parte, constavam as perguntas semiestruturadas, orientadas pelas seguintes questões norteadoras: "O que é o envelhecimento para o (a) senhor (a)?" e "Envelhecer é bom ou ruim?". A técnica observação-participante envolveu o registro em um diário de campo e permitiu o alcance das dimensões explicativas que os dados exigem, sendo realizada ao longo de cada entrevista.

A coleta de dados foi realizada no mês de janeiro de 2015 e o campo de estudo definido foi o município de Cametá, situado no nordeste do estado do Pará, Brasil, a 144 km em linha reta da capital Belém. Esse município é o mais antigo e tradicional dos baixos rios do Tocantins, cujo curso é geograficamente formado por cerca de 90 ilhas fluviais. Segundo o IBGE, esse município possui uma população de 120.896 habitantes, sendo 3.800 com idade acima de 60 anos.1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 16 jan. 2015]. Disponível em: www.censo2010.ibge.gov.br O contexto ecológico da pesquisa envolveu dois distritos (Distrito de Juaba e Distrito de Carapajó), incluindo sete ilhas afastadas do centro urbano e com acesso apenas através de transporte fluvial (Tem-Tem, Mutuacá, Mutuacá de Baixo, Mutuacá de Cima, Mutuacazinho, Gama e Mapeuá).

Participaram da pesquisa 14 idosos nativos das comunidades ribeirinhas que foram apresentados aos pesquisadores por dois informantes (um morador nativo e um Agente Comunitário de Saúde). O número de participantes teve como critério a saturação dos conteúdos das falas.

Os idosos foram abordados individualmente, apresentou-se a proposta da pesquisa e o interesse em ouvi-los. Após o aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram realizadas as entrevistas. Cabe ressaltar que durante a entrevista demonstrou-se tranquilidade, interesse e disponibilidade (sem limite de tempo) para ouvi-los, observando o não verbal (figura 1). As entrevistas foram registradas com auxílio de gravador e, posteriormente, transcritas e digitadas na íntegra em Word Windows versão 2008.

Figura 1
Composição de registros fotográficos ilustrando a realização das entrevistas com os idosos da pesquisa. Cametá-PA, 2015.

Optou-se pela análise temática, com ênfase na análise de conteúdo temático-categorial. Essa técnica de análise focaliza os significados das comunicações, o que serve de base para atribuições de inferências ou deduções lógicas e, por fim, categorizadas.1616. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2000. Operacionalmente foram seguidas três etapas: a) pré-análise: constituída pela leitura flutuante, que permitiu contato exaustivo com o material coletado. O material foi organizado de forma a responder quesitos de validade, como: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Nessa fase, oi possível determinar as unidades de registro (frases), as hipóteses, o quadro teórico no qual os resultados seriam analisados e a forma de categorização; b) exploração do material: nessa fase, procederam-se as operações de categorização. Trabalhou-se com recortes de texto em unidades de registro e realizou-se a agregação dos dados, com a escolha das prováveis categorias; c) tratamento dos resultados e interpretação: foi construído um diagrama que colocou o sistema de categorias em evidência para análise, interpretação e inferências sobre o objeto de estudo - a percepção de idosos ribeirinhos amazônicos sobre o envelhecimento.

O projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará, parecer n° 926.744/2014 (CAAE: 36972714.2.0000.5172). A participação dos idosos foi voluntária e atendeu à Resolução nº 466/2012 do Ministério da Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram deste estudo 14 idosos ribeirinhos. A idade variou entre 64 e 96 anos, com média de 72,7 (+9,1) anos, sendo a maioria pertencente ao gênero masculino, casados/amigados e sem nenhuma escolaridade. Todos residiam em casas próprias, com número médio de filhos igual a 6,5 e coabitavam em sua maioria com cônjuge, filhos e netos (tabela 1).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos idosos ribeirinhos amazônicos. Cametá-PA, 2015.

Historicamente, todos eram trabalhadores rurais centrados na produção familiar, essencialmente extrativistas e pescadores. Quanto à renda econômica, mostrou-se homogênea, a maioria dos entrevistados tem rendimentos oriundos de aposentadoria rural, equivalente a um salário mínimo, acrescida, eventualmente, pela renda gerada com atividades extrativistas, como a venda de frutos, em especial o açaí, e de animais criados e/ou capturados no ambiente ribeirinho (peixes, camarões, frangos e porcos).

Autopercepção da velhice: dando voz ao idoso ribeirinho

De modo geral, falar sobre processo de envelhecimento e velhice com os idosos ribeirinhos foi muito tranquilo. Num primeiro momento, a impressão que se tinha era que tudo estava bem, pois as respostas ainda tímidas soavam como "É bão", "Não é ruim não", mesmo frente a algumas limitações funcionais e adversidades do contexto ambiental onde vivem. Mas, à medida que os diálogos se estendiam, as dificuldades no seu cotidiano e formas de enfrentamentos foram sendo reveladas sabiamente de modo muito particular.

Cabe salientar que os diversos enfoques verbalizados nos discursos refletem influências culturais de uma longa vida compartilhada num ambiente distinto dos grandes centros urbanos, o que repercute em necessidades variadas e que, interessantemente, convergem para a construção do ser idoso biopsicossocial, porém de uma maneira peculiar.

De acordo com a proposição do trabalho e mediante a análise das falas emergiram 179 unidades de registro (frases) que deram suporte à categorização dos temas e subtemas para análise. Neste processo, foi possível apreciar o significado da velhice para os idosos ribeirinhos através das referências atribuídas por eles.

A. Percepção de velhice ancorada num processo natural: "Tá bão parente * * Saudação típica cametaense, termo utilizado para cumprimentar com cordialidade o nativo. , num dá de vortar!"

Quando questionados acerca das suas percepções, diferentes respostas emergiram, no entanto, a maioria dos idosos explicitou forte indicativo empírico de que envelhecer é um processo natural. Os discursos, com certo tom de conformismo e/ou aceitação, despontaram grande curiosidade dos pesquisadores. Não obstante, ouviu-se também o eco de ideias saudosas e comparativas com a juventude:

"[...] Nós não temo escolha, né? Mas tá bom, tendo saúde tem tudo". (E11)

"Uai, é o jeito envelhecer, né? É o jeito... Num volta à mocidade mais, né?". (E3)

Souza et al.1717. Souza RF, Matias HA, Brêtas ACP. Reflexões sobre envelhecimento e trabalho. Ciênc Saúde Coletiva 2010;15(6):2835-43. apontam que o envelhecimento deve ser compreendido como um processo da vida. Envelhecemos porque vivemos e, muitas vezes, sem nos darmos conta disso. Para Moimaz et al.,22. Moimaz SAS, Almeida MEL, Lolli LF, Garbin CAS, Saliba NA. Envelhecimento: análise de dimensões relacionadas à percepção dos idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2009;12(3):361-75. o que vai determinar a capacidade de aceitação e o modo de envelhecer é a conduta individual de cada pessoa. Na percepção dos idosos ribeirinhos pesquisados, envelhecer é próprio da natureza humana e constitui apenas uma etapa natural da vida que estão vivenciando e que todos irão passar pela mesma experiência, independente da vontade do indivíduo, como foi verbalizado por alguns deles:

"[...] dá pra viver, é bão. É dado de acontecimento, né?". (E14)

"É bão, porque a gente não pode achar ruim [risos]. A gente tem que passar nessa fase. Nós temos que passar... Nem que o cara num queira". (E5)

Lima & Murai7 ressaltam que esse processo é universal, justamente por ser natural. Para os autores, compreender que todo ser vivo nasce, desenvolve-se, cresce, envelhece e morre é fundamental. Somado a essa perspectiva, perceber a velhice como mais uma fase do processo de desenvolvimento humano arraigada de transformações, desafios e enfrentamentos, do mesmo modo que as outras fases do ciclo vital, também é imprescindível.77. Lima CKG, Murai HC. Percepção do idoso sobre o próprio processo de envelhecimento. Rev Enferm UNISA 2005;6:15-22.

À perspectiva de Zimerman,18 o idoso adquire melhor consciência do que está vivenciando ao aceitar e perceber que o envelhecimento é um processo natural do clico vital. Os idosos ficam, então, mais propensos a ver a velhice de forma positiva, como uma fase de experiências acumuladas, de maturidade e liberdade para se assumirem, bem como para se libertar de certas responsabilidades.

No entanto, apesar de os idosos investigados perceberem-se como pessoas maduras e experientes, o imaginário depreendido na maioria dos discursos ecoou de certo modo negativo. O valor atribuído às atividades que exigem uma boa funcionalidade corporal, como o trabalho no campo agrícola e o deslocamento em embarcações ribeirinhas representam grande serventia e utilidade para a família e para a comunidade. Para os idosos, ao se perceberem com limitações, principalmente físicas decorrentes do envelhecimento, libertarem-se das responsabilidades pode representar um declínio de suas funções e, por conseguinte, do seu valor como indivíduos produtivos.

B. Percepção ancorada nas repercussões da velhice

B1. Processo de senilidade: "Avortado ** ** Grande quantia, excesso. de doença"

Os discursos dos entrevistados revelam um envelhecimento marcado pela instalação de muitas doenças. Algumas delas foram percebidas pelos idosos como próprias da senilidade, em especial as ligadas aos sistemas locomotor, visual, gastrointestinal e cardiovascular. Outros, porém, denotam um processo de envelhecimento malsucedido em meio às condições sociais e econômicas desfavoráveis.

Para alguns desses idosos, a velhice tem sido uma época de convivência com a dor e com uma sensação de incompetência para o movimento, o que transparece nos discursos com um certo tom de lamento. A interface velhice-doença por vezes é tão estreita que se percebe essa fase da vida do mesmo modo como um processo patológico propriamente dito, como observado:

"Olha, a velhice sim é uma doença...". (E3)

Uma peculiaridade percebida nas falas dos idosos ribeirinhos é a forte associação entre doenças e repercussões funcionais e sociais. Assim, os discursos quando citavam algum processo patológico desenvolvido, quase sempre era acompanhado de um enfoque maior nas limitações e perdas cotidianas e ocupacionais. Dentre as patologias citadas, destacam-se os discursos em relação às alterações na acuidade visual, no sistema gastrointestinal e processos reumáticos, como se confere nos relatos a seguir.

"[...] agora à noite eu já não posso fazer muitas atividades por causa da minha vista. Quando para o motor, nem a lamparina eu enxergo com ela [...]". (E13)

"[...] o jantar sai cinco e meia, seis horas, porque não posso jantar também de noite, tenho problema de estômago, eu tenho que jantar cedo". (E12)

"[...] lavar roupa não faço por causa do reumatismo, é minha filha que lava. A casa pra varrer, pra limpar, não dou conta, só é ela [...]". (E10)

Constatou-se ainda que o surgimento de novos paradigmas e valores atribuídos ao processo de envelhecimento também está intimamente ligado não só ao contexto ambiental, mas também ao socioeconômico e cultural do estudo. O cotidiano ribeirinho está intensamente condicionado à força física e resistência corporal por conta de uma vida de longos deslocamentos e de trabalho para subsistência familiar, diferentemente do contexto ecológico urbano. Os entrevistados revelaram as repercussões dessa sobrecarga, principalmente ligadas à perda da força e limitações na deambulação.

"[...] e tem doença, assim, que num deixa a gente andar [...] eu já teve muita influência assim, agora eu não tenho mais nada". (E1)

"[...] ta fazendo dois anos que eu não piso na tijuca. Fiquei defeituosa das minhas pernas". (E8)

"[...] de antes quando eu podia, eu saia de casa, ia visitar meus parentes. De antes essa minha perna tinha muita força [...]". (E13)

"Agora que o pessoal dizem que agora que eu vou ficar de instancia só pra comer, eu num posso fazer tanta força, né? Por isso que eu to lhe falando... Num é muito bom porque a gente não tá fazendo nada". (E12)

Moimaz et al.22. Moimaz SAS, Almeida MEL, Lolli LF, Garbin CAS, Saliba NA. Envelhecimento: análise de dimensões relacionadas à percepção dos idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2009;12(3):361-75. destacam de maneira oportuna que o movimento e o envelhecimento são dois termos que estão intimamente ligados. Considera-se que a importância da capacidade de se mover reside não somente na descoberta de ter ou não saúde, mas também na autonomia, no reconhecimento do próprio corpo e do processo de envelhecimento.

Salmaso et al.19 referem a sarcopenia, entendida como redução da massa, força e potência muscular, como uma importante consequência natural da velhice. Rizzoli et al.20 ainda complementam que esta condição se correlaciona frequentemente com o declínio funcional e de incapacidade, sendo considerada uma das variáveis utilizadas para definição da síndrome de fragilidade.

B2. Limitações funcionais: "Até onde dá de fazer"

Os relatos verbalizados neste estudo reforçam a ideia de que a velhice somada a alguns processos patológicos, por vezes, também pode remeter ao medo de perder sua funcionalidade global e o controle sobre sua própria existência. Diante disso, cabe destacar o surgimento de algumas representações simbólicas sobre essa conjuntura:

"Bom, se for assim pra viver sabendo o que eu tô fazendo, sabe? Porque pra viver jogado num canto... Porque tem pessoas que fica assim, né? Quer só estar vivo! Né? Que ainda não morreu, tá vivo, mas não sabe mais de nada, num dá conta de fazer mais nada. Assim, eu acho que num é mais... Não, não é bom". (E2)

De acordo com Moraes,2121. Moraes EN. Atenção à saúde do Idoso: aspectos conceituais. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. bem-estar e funcionalidade são equivalentes; representam a presença de autonomia (capacidade individual de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias regras) e independência (capacidade de realizar alguma atividade pelos próprios meios), permitindo que o indivíduo cuide de si e de sua vida.

Refletindo sobre saúde e funcionalidade, Moraes2121. Moraes EN. Atenção à saúde do Idoso: aspectos conceituais. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. afirma que mesmo com doenças o idoso pode continuar desempenhando seus papéis sociais. O foco da saúde está estritamente relacionado à funcionalidade global do indivíduo, definida como a capacidade de gerir a própria vida ou cuidar de si mesmo. O idoso é considerado saudável quando é capaz de realizar suas atividades sozinho, de forma independente e autônoma, mesmo que tenha doenças.

Em resposta ao questionamento se é bom ou ruim envelhecer, dois entrevistados remetem-se ao grau de dependência e investimento de cuidados na velhice, até de certa forma estereotipada.

"Pra nós velho, 'teité', tudo é bão. Vai de acordo com o que os novo quer". (E1)

O primeiro (E1) se refere à redução da capacidade funcional numa postura conformada e dependente. De acordo com os saberes empíricos do idoso, os comprometimentos advindos com o avanço cronológico da idade o torna mais frágil, portanto, as tomadas de decisões e até mesmo as atividades que antes era capaz de desempenhar, são atribuídas a outrem mais jovem da comunidade.

"Pelo uma parte eu acho que é ruim... Porque eu tenho pra mim o que minha mãe dizia. A gente quando nasce é tratado pela mão dos outros, vai, vai, vai fica adolescente, jovem... Quando vai ficando idoso, vorta a ser uma criança. É ou não é? Vorta a ser uma criança!". (E13)

É notório que com o progressivo declínio funcional em função da longevidade haja maior necessidade de cuidados, tal como se refere E13. No entanto, nesta linha de análise é importante refletir sobre isso, como ressalta Almeida:2222. Almeida RSS. Representações sociais do idoso institucionalizado e influência na comunicação dos profissionais ajudantes de e ação direta [dissertação]. Castelo Branco: Instituto Politécnico de Castelo Branco, Escola Superior de Educação; 2014. "para que essa prática de cuidados prestada ao idoso não caia em plena infantilização, é necessário que seja diferenciada, humanizada e respeitosa".

B3. Redução gradativa da força de trabalho: "Não dá de trabaiar mais, né?"

A percepção dos idosos ribeirinhos entrevistados revelou uma representação peculiar no que confere o valor atribuído ao desempenho físico no trabalho. Diferentemente do que é observado nas comunidades urbanas, o trabalho ribeirinho é essencialmente braçal e não se restringe somente ao processo de aposentadoria, mas principalmente à sua capacidade laborativa e contribuições como força de trabalho para a família e comunidade. O trabalho para eles representa um grande revelador da qualidade individual de uma pessoa e esta percepção foi manifestada em alguns discursos:

"Eu já não tenho as forças pra esse negócio de trabalhar. Né?". (E1)

"Não é muito bom porque não é todo serviço que eu posso fazer, né? [...] porque nós mora no sítio, né? Tem que trabalhar no grosso". (E8)

Como na pesquisa de Silva et al.,5 realizada em um centro de convivência para idosos, o envelhecimento foi concretamente percebido e associado com o declínio de força física, o qual acarreta em prejuízos na capacidade de trabalho. Nesta perspectiva, considerando o inestimável valor atribuído ao trabalho nas comunidades ribeirinhas, sendo esse responsável pela sensação de produtividade e utilidade, pôde-se verificar nos relatos dos ribeirinhos algumas referências ao declínio na capacidade de realização relacionada ao envelhecimento.

"Porque, eu digo na minha ideia que a gente vai envelhecendo, a gente vai ficando sem condição de fazer nada, né, nenhum serviço, né? E a gente tando um tipo normal ainda, você ainda trabalha, faz muito serviço, igual como eu antes disso. Panhava açaí, tirava palmito, fazia tudo quanto... Agora que o pessoal dizem, que agora que eu vou ficar de instância só pra comer[...]". (E12)

Neste mesmo contexto, quando interrogado a respeito de suas percepções sobre trabalho, um dos entrevistados reconhece suas limitações e, diante disso, enfrenta-as, otimizando suas capacidades funcionais, desvelando um envelhecimento otimista, saudável e bem-sucedido.

"Vamos dizer, dez anos aí atrás eu fazia um trabalho. Se fosse pra carregar um peso, eu carregava um peso maior, né? Hoje não. Eu não posso parar, né? De fazer o trabalho, mas eu tenho de maneirar. E com isso eu me sinto bem, ainda trabalhando, me esforçando, também eu não me descuido [...]". (E7)

Na perspectiva de Teixeira & Neri,2323. Teixeira IN, Neri, AL. Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida. Psicol USP 2008;19(1):81-94. envelhecer bem recai sobre a percepção pessoal das possibilidades de adaptação às mudanças advindas do envelhecimento e condições associadas. Assim, o idoso deverá adaptar-se às mudanças quer ao nível biológico, quer ao nível psicológico do organismo, encontrando soluções para as suas condições de vida.

C. Percepção ancorada nas estratégias de enfrentamento: "Nós tem de respeitar a velhice"

Em relação ao modo de ajustamento a essa nova fase da vida, os idosos ribeirinhos referenciaram em suas falas o respeito, no sentido de ter cautela e reorganizar a vida frente às limitações percebidas para se alcançar uma velhice saudável.

"[...] só que a gente tem que ter é o seguinte... Meio um cuidado e um respeito da nossa velhice. Porque se nós, por exemplo, se nós não se cuidar, mais velho a gente fica e mais cedo à gente morre [...]". (E14)

"O envelhecimento é normal, agora, eu tenho dito pros colegas meus, nós temos que respeitar a velhice. Se por acaso nós abusar dela, nós podemos sofrer as consequências [...]". (E7)

O que se identificou nas entrelinhas dos diálogos foi a dificuldade do idoso se reconhecer como uma pessoa com limitações, principalmente físicas. Considerando o ambiente que os cerca e o cotidiano ribeirinho arraigado de atividades que são desempenhadas durante toda uma vida e que exigem boa aptidão física, essa dificuldade pode ser compreendida como natural. Sobre esse ajustamento, Silva et al.55. Silva EV, Martins F, Bachion MM, Nakatani AYK. Percepção de idosos de um centro de convivência sobre envelhecimento. REME Rev Min Enferm 2006;10(1):46-53. destacam o valor da rede de apoio familiar. Para os autores o suporte familiar destinado aos idosos é de suma importância para a manutenção da capacidade funcional, além de evitar prejuízos e acidentes, mantendo uma boa qualidade de vida.

D. Reverência aos esteios na velhice

D1. Rede de apoio familiar: "Fico aqui esperando eles vortar"

Quanto ao modelo de suporte familiar nessa fase da vida, notou-se que alguns dos idosos atribuíram dificuldades em envelhecer por conta do distanciamento e ausência dos parentes, como pode ser observado:

"Envelhecer é meio difícil pra gente, porque, sabe, as minhas filhas moram longe de mim. Nora, ela tem também tem o compromisso dela, e aí fica meio difícil pra mim". (E4)

Outros saberes verbalizados pelos idosos reforçam essa importância da família e indicam que seus familiares, principalmente filhos, noras, genros e netos, se preocupam e cuidam deles como carinho e cuidado. Desta forma, eles se sentem protegidos e amparados, como pode se observar neste depoimento:

"A minha velhice graças à Deus e nossa senhora tá sendo boa. Ah, eu tenho meus filhos e noras, moram aqui defronte, aqui do lado... Ah, mas eles cuidam muito bem de mim, me sinto muito feliz junto dos meus filhos, mesmo se morassem longe, tenho meu marido, já cuidou muito e cuida de mim". (E13)

Para Almeida et al.,44. Almeida PM, Mochel EG, Oliveira MSS. O idoso pelo próprio idoso percepção de si e de sua qualidade de vida. Rev Kairós 2011;13(2):99-113. na velhice, o papel da família na rede de suporte do idoso representa fundamental importância como fonte de afeto e proteção. Silva et al.5 reforçam ainda que a manutenção de convivência interpessoal contribui para evitar a solidão e o isolamento social, que por vezes marca a velhice de alguns idosos.

D2. Dimensão religiosa e espiritual: "Ah, mas agradeço muito a Deus por tudo"

Durante a maioria dos diálogos, os idosos ribeirinhos demonstraram que a religiosidade é um componente essencial que permeia o sentido do seu cotidiano. A representação do religioso/espiritual é quase sempre incorporada nos discursos, conferindo valor de benção divina e de gratidão, o que reforça quão importante é acreditar em algo superior nessa fase da vida.

"O passadio de agora é um passadio ruim. Olha, eu agradeço muito pra Deus, entendeu como é? Primeiramente pra Deus eu agradeço muito, porque nós recebe tudo da mão dele. Porque ele ainda me deu 60 anos. Eu num pensei que eu ia chegar a 60 anos, porque na minha vida eu peguei muitas 'cacetada' ". (E9)

"A minha velhice graças a Deus e nossa senhora tá sendo boa [...]". (E13)

Por outro lado, a religiosidade reverenciada por esses idosos também molda a forma como o processo de envelhecimento é percebido, assumindo a condição de guiar a vida, como observado:

"A gente envelhece conforme Deus quer!". (E9)

Esse suporte religioso tem grande influência nessa fase da vida, de forma que a totalidade dos idosos pesquisados demonstrou afinidade e/ou engajamento com algum tipo de atividade ou prática religiosa na comunidade ribeirinha, seja na religião católica ou evangélica. Constata-se que a cultura do exercício religioso é muito forte entre eles, carregam consigo valores de guardar os domingos, por exemplo, valor cultivado no seio familiar desde a infância até os dias de hoje.

Corroborando os achado de outros estudos,77. Lima CKG, Murai HC. Percepção do idoso sobre o próprio processo de envelhecimento. Rev Enferm UNISA 2005;6:15-22.,88. Biolchi CS, Portella MR, Colussi EL. Vida e velhice aos 100 anos de idade: percepções na fala dos idosos. Estud Interdiscip Envelhec 2014;19(2):583-98.,2424. Frumi C, Celich KLS. O olhar do idoso frente ao envelhecimento e à morte. Rev Bras Cienc Envelh Hum 2006;3(2):92-100. observou-se que o envelhecimento possui relação íntima com a religiosidade em diversas dimensões, no entanto, é peculiar a cada contexto de vida. Sobre essa questão, Sarmiento & Lima Filho2525. Sarmiento S, Lima Filho JB. A terceira idade na Pastoral da Criança: de bem com a vida. Curitiba: Pastoral da Criança; 2000. destacam que o idoso adquire e fortalece sua espiritualidade numa longa vida de serviços e trabalhos, de sacrifício e sofrimentos. Portanto, de forma geral, o binômio religiosidade-envelhecimento confere um aspecto muito importante na vida desses idosos e, por isso, não deve ser negligenciada.

E. Reverência ao término da vida: "Nós vai até onde der, depois morre"

No olhar de Polleto et al.,26 a vida do ser humano é feita de possibilidades, escolhas, concepções de mundo, mas tem limites. Segundo os autores, ela se constrói e se desenvolve ao longo dos anos, porém sempre está presente a consciência de finitude.

Segundo Py & Trein,2727. Py L, Trein F. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 121, p. 1350-58. envelhecer e morrer são experiências vitais singulares, próprias de cada ser. Contudo, são reguladas por padrões socioculturais que definem a significação de cada uma dessas experiências humanas, na especificidade de uma época e um lugar da história da humanidade.

Retomando os discursos dos idosos ribeirinhos, evidenciou-se que ao se reportarem à morte, reconhecem-na como um processo natural, assim como o envelhecimento. Nos discursos de dois participantes, por exemplo, é revelado um saber autêntico com que o idoso percebe e admite a morte como uma certeza.

"... É igual à morte. Ah, porque eu não vou morrer! Sempre ele vai morrer. Né?". (E6)

"[...] porque daqui a gente não torna voltar, [...], a gente vai envelhecendo mesmo, até morrer". (E10)

Pela relevância do assunto para o panorama de estudos gerontológicos e frente aos resultados alcançados, espera-se com esse estudo que haja uma ampliação do entendimento científico sobre o processo de envelhecimento, considerando em seu bojo os conhecimentos empíricos construídos na experiência cotidiana de idosos que vivem em contextos tradicionalmente diferenciados.

Em contrapartida, cabe destacar algumas limitações a serem preenchidas em investigações futuras da temática, tais como: o tipo de amostragem utilizado e o pequeno tamanho amostral. Por tratar-se de uma amostragem não probabilística por conveniência o estudo não permite a generalização dos resultados para todos os idosos ribeirinhos da região amazônica. Deste modo, sugere-se a ampliação da pesquisa por meio de um maior número de idosos, envolvendo inclusive os habitantes de outras comunidades ribeirinhas amazônicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse em realizar este estudo partiu de uma inquietação científica na intenção de se conhecer a percepção dos idosos ribeirinhos amazônicos sobre o processo de envelhecimento. O ato de dar voz a essa população que vive às margens dos rios, determinou o alcance do objetivo proposto nesse estudo e fez emergir importantes saberes empíricos sobre esse processo que certamente agrega características socioculturais diferenciadas do contexto urbano.

De forma geral, o grupo analisado descreve o envelhecimento de forma heterogênea. No entanto, todos veem como sendo um processo ancorado à naturalidade da vida, assim como a morte. Dos 14 idosos entrevistados, seis associaram a velhice a uma fase da vida com repercussões negativas devido ao aparecimento das doenças e limitações funcionais e, principalmente, à redução da disponibilidade para o trabalho. Pôde-se conferir ainda que a maioria, mesmo apresentando alguma limitação nessa fase, detém estratégias de enfrentamentos claras e bem definidas, como exemplo, o reconhecimento das suas limitações e o suporte familiar e religioso.

Com os resultados alcançados neste estudo, foi possível concluir que o idoso ribeirinho denota uma percepção peculiar e ajustada ao seu contexto. Este fato sugere que o processo de envelhecimento às margens dos rios é percebido como resultado compartilhado de experiências e saberes empíricos adquiridos junto ao ambiente que o rodeia. Se por um lado predominam o isolamento territorial, a pobreza, os baixos níveis educacionais e o distanciamento dos recursos sociais e de saúde; por outro, emergem privilégios como um maior contato com um meio pródigo em tranquilidade e sem padrões rígidos de rotina (característicos de contextos urbanos); uma rede de suporte social mais alargada, representada principalmente pelas relações familiares e um ritmo de vida mais brando favorável aos idosos, tal como em comunidades rurais.

A consciência crítica e reflexiva acerca dessa temática deve ser despertada. Por fim, espera-se que este estudo tenha sido um passo para incentivar novas pesquisas com idosos ribeirinhos e que também possa trazer contribuições para a assistência em saúde fundamentadas na realidade dessas populações tradicionais.

AGRADECIMENTO

Ao Programa de Apoio à Pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROAP/CAPES).

  • *
    Saudação típica cametaense, termo utilizado para cumprimentar com cordialidade o nativo.
  • **
    Grande quantia, excesso.

REFERENCES

  • 1
    Beauvoir S. A velhice. São Paulo: Difusão Européia do Livro; 1990.
  • 2
    Moimaz SAS, Almeida MEL, Lolli LF, Garbin CAS, Saliba NA. Envelhecimento: análise de dimensões relacionadas à percepção dos idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2009;12(3):361-75.
  • 3
    Teixeira JS, Corrêa JC, Rafael CBS, Miranda VPN, Ferreira MEC. Envelhecimento e percepção corporal de idosos institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(1):613-24.
  • 4
    Almeida PM, Mochel EG, Oliveira MSS. O idoso pelo próprio idoso percepção de si e de sua qualidade de vida. Rev Kairós 2011;13(2):99-113.
  • 5
    Silva EV, Martins F, Bachion MM, Nakatani AYK. Percepção de idosos de um centro de convivência sobre envelhecimento. REME Rev Min Enferm 2006;10(1):46-53.
  • 6
    Jardim VCFS, Medeiros BF, Brito AM. Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção de idosos sobre a velhice. Rev Bras Geriatr Gerontol 2006;9(2):25-34.
  • 7
    Lima CKG, Murai HC. Percepção do idoso sobre o próprio processo de envelhecimento. Rev Enferm UNISA 2005;6:15-22.
  • 8
    Biolchi CS, Portella MR, Colussi EL. Vida e velhice aos 100 anos de idade: percepções na fala dos idosos. Estud Interdiscip Envelhec 2014;19(2):583-98.
  • 9
    Papaléo Netto M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002.
  • 10
    Rodrigues NO, Neri AL. Vulnerabilidade social, individual e programática em idosos da comunidade: dados do estudo FIBRA, Campinas, SP, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2012;17(8):2129-39.
  • 11
    Paschoal SMP. Qualidade de vida na velhice. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 06. p. 99-106.
  • 12
    Rodrigues NC, Rauth J. Os desafios do envelhecimento no Brasil. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 12. p. 106-110.
  • 13
    Gil A. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2007.
  • 14
    Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29ª ed. Petrópolis: Vozes; 2010.
  • 15
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 16 jan. 2015]. Disponível em: www.censo2010.ibge.gov.br
  • 16
    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2000.
  • 17
    Souza RF, Matias HA, Brêtas ACP. Reflexões sobre envelhecimento e trabalho. Ciênc Saúde Coletiva 2010;15(6):2835-43.
  • 18
    Zimerman GI. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: Artmed; 2000.
  • 19
    Salmaso FV, Vigário PS, Mendonça LMC, Madeira M, Netto LV, Guimarães MRM, et al. Análise de idosos ambulatoriais quanto ao estado nutricional, sarcopenia, função renal e densidade óssea. Arq Bras Endocrinol Metab 2014r;58(3):226-31.
  • 20
    Rizzoli R, Reginster JY, Arnal JF, Bautmans I, Beaudart C, Bischoff-Ferrari H, et al. Quality of life in sarcopenia and frailty. Calcif Tissue Int 2013;93(2):101-20.
  • 21
    Moraes EN. Atenção à saúde do Idoso: aspectos conceituais. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012.
  • 22
    Almeida RSS. Representações sociais do idoso institucionalizado e influência na comunicação dos profissionais ajudantes de e ação direta [dissertação]. Castelo Branco: Instituto Politécnico de Castelo Branco, Escola Superior de Educação; 2014.
  • 23
    Teixeira IN, Neri, AL. Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida. Psicol USP 2008;19(1):81-94.
  • 24
    Frumi C, Celich KLS. O olhar do idoso frente ao envelhecimento e à morte. Rev Bras Cienc Envelh Hum 2006;3(2):92-100.
  • 25
    Sarmiento S, Lima Filho JB. A terceira idade na Pastoral da Criança: de bem com a vida. Curitiba: Pastoral da Criança; 2000.
  • 26
    Polleto S, Santin JR, Bettinelli LA. Dilemas do enfrentamento da morte de paciente Idoso. UNOPAR Cient Ciênc Juríd Empresariais 2014;13(2):49-55.
  • 27
    Py L, Trein F. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. Cap. 121, p. 1350-58.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2015
  • Revisado
    08 Nov 2015
  • Aceito
    04 Mar 2016
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com