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O ato performático da reestruturação organizacional sob a ideologia da gestão baseada em valor

Resumo

Objetivo:

O objetivo do artigo é apresentar a dinâmica envolvendo um processo de reestruturação organizacional conduzido em uma subsidiária brasileira de uma grande e centenária corporação industrial americana que argumentava buscar, por meio desse processo, a valorização das ações da empresa, mas cujos resultados destacam a dissonância entre as promessas e os resultados de tal processo, explicitando seu caráter simbólico-performático.

Metodologia:

O método de estudo utilizado foi o estudo de caso. A coleta de dados envolveu a participação observante de um gerente da empresa (2010-2015); a realização de entrevistas não estruturadas a gerentes, diretores e ao CFO da empresa (2013-2015); a pesquisa documental a fontes documentais internas e públicas da empresa (2010-2015); a pesquisa bibliográfica a artigos científicos, imprensa de negócios, analistas de mercados e mídia especializada (2010-2015).

Resultados:

As narrativas de sucesso encontradas nos reportes da companhia retratam o mito da reestruturação como uma estratégia contínua por meio da qual a empresa reforça seus esforços na entrega de bons resultados aos acionistas. E, apesar dos resultados do estudo de caso não corroborarem tais narrativas, seu caráter performático legitima o engajamento da empresa em prol da ideologia da gestão baseada em valor perante os atores do mercado de capitais, ainda diante da adoção de posturas anti-shareholders, como medidas anti-takeovers, a unificação das posições de CEO e chairman, as regalias do CEO da empresa etc.

Contribuições:

Paradoxalmente, a empresa pesquisada, apesar de operar sob a lógica fria das finanças e pressionada pela criação de valor ao acionista, se revelou sujeita a uma dinâmica na qual a busca por legitimidade simbólica desempenha um papel decisivo na manutenção de sua posição dentro da hierarquia do campo socialmente construído do management frente aos demais atores presentes ao campo, revigorando os preceitos da Teoria de Campo de Bourdieu e a Teoria Neo-Institucionalista.

Palavras-chave:
Reestruturação organizacional performática; financeirização; CEO celebridade; simbolismo; mito

Abstract

Purpose:

This paper’s objective is to present the dynamics involving an organizational restructuring process conducted in a Brazilian subsidiary of a centenary American industrial corporation which claimed to be seeking, by means of this process, to increase the value of the company’s shares, but, which results reveal the distance between the promises and outcomes of this process, unveiling the symbolic-performative nature of such a process.

Methodology:

The chosen research method was the case study. The data collection involved the participant observation of a company manager (2010-2015); the conduction of non-structured interviews to the company’s managers, directors and CFO (2013-2015); documental research to the company’s internal and public sources (2010-2015); and bibliographical research to scientific papers, business press, market analysts and specialized media (2010-2015).

Results:

The narratives of success found in the company’s reports portray the restructuring myth as a continuous strategy, through which the company reinforces its efforts in delivering good results to shareholders. And, despite the outcomes of the case study not supporting these narratives, its performative nature legitimize the company’s commitment to the SHV management ideology towards stakeholders of the capital market, even in face of the adoption of anti-shareholders’ postures, such as anti-takeovers measures, the merging of the CEO and Chairman positions, its CEO perks, etc.

Contributions:

Paradoxically, although the researched company operates under the cold logic of finances, and under pressure to create shareholder value, it revealed to be subject to the dynamics in which the search for symbolic legitimacy plays a decisive role in maintaining its position within the hierarchy of the socially constructed field of the Management in face of other stakeholders present in the field, reinvigorating the precepts of Bourdieu’s Field Theory and the Neo-Institutional Theory.

Keywords:
Performative organizational restructuring; financialization; Celebrity CEO; symbolism, myth

1 Introdução

A partir do final da década de 1970, a ideologia da gestão baseada em valor, GBV, (Shareholder Value Management Ideology) passou, crescentemente, a perceber, controlar e gerenciar as grandes firmas de capital aberto como portfolios compostos de unidades organizacionais medidas por meio de métricas financeiras (Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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). A emergência de tal ideologia de gestão pode ser retratada segundo a construção social de um campo organizacional bourdiesiano. Nesse processo, atores do mercado de capitais detentores de posições hierárquicas privilegiadas no campo legitimaram suas novas regras de funcionamento, ou seu habitus (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.), definindo valores, crenças, mitos e ritos a serem percebidos como símbolos da criação de valor e reproduzidos pelos discursos corporativos dos atores do campo que comungam tal ideologia.

Um dos mais simbólicos e poderosos valores que representam essa ideologia se refere à crença nos processos de reestruturação como meio de criar valor ao acionista (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.). Isso fez que as narrativas de sucesso envolvendo reestruturações organizacionais passassem a ser exaustivamente reproduzidas no interior do campo, apesar da distância entre suas promessas (de criar valor ao acionista) e seus resultados (de somente reduzir custo com mão de obra). Considerando isso, este artigo explora o caso de um processo de reestruturação empreendido na subsidiária brasileira de uma das maiores e mais longevas corporações industriais americanas da Fortune 500, que, sob a pressão do mercado de capitais para aumentar o retorno ao acionista, empreendeu, durante o período estudado, várias estratégias voltadas para responder a tal pressão, destacando o poder de tal mito. Tanto o discurso de tal companhia como a performatividade de seus processos de reestruturação simbolizam, junto a atores do mercado de capitais, sua crença na criação de valor por meio deste processo organizacional.

Os reportes anuais da empresa analisada retratam o processo de reestruturação organizacional como uma estratégia contínua por meio da qual se reforça a disposição da empresa para entregar melhores números (assim como reverter os ruins). Essa literatura institucional se revelou um veículo emblemático por meio do qual a empresa mostra reverência à ideologia da GBV, contando histórias sobre o que ela pretende fazer (ou está fazendo) em relação à reprodução dos valores legitimados pela ideologia da GBV, visando aplacar as expectativas dos atores do mercado de capitais. Nesse sentido, apesar de os resultados desapontadores da reestruturação na subsidiária não corroborarem as histórias de sucesso dos reportes da companhia, esse processo, certamente, desempenha seu papel legitimador.

Corroborando a hipótese de um contexto altamente simbólico, Froud et al. (2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) afirmam que, realmente, a gestão de grandes firmas sob a ideologia de GBV passou a incorporar uma grande dose de performatividade:

“When management is about doing as well as saying it is necessary to extend the concept of performance to include management initiatives that ‘show’ the strategy is being enacted. Under the stock market pressure, these are now a characteristic part of giant company management which includes enactment as well as telling stories.” (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge., p. 129)

A relevância desta pesquisa reside na proposição de uma relação conceitual alternativa entre as reorientações dos discursos do Management americano (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.), a Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.) e a ideologia da GBV (Fligstein, 1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.). A ideologia da GBV, segundo apresentada aqui, pretende ir além das formulações tradicionais da Teoria da Agência ao empregar a noção bourdiesiana de campo (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.) para melhor explorar as crenças, valores, ritos e mitos legitimados pelos atores do campo organizacional da GBV integrando assim, a reorientação do discurso do Management americano do final do século XX à emergência do fenômeno do CEO celebridade no início do século XXI (Wade et al., 2006Wade, J.B., Porac, J. F., Pollock, T. G., & Graffin, S. D. (2006). The burden of celebrity: The impact of CEO certification contests on CEO pay and performance. Academy of Management Journal, 49, 643-660.; Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Sinha et al., 2012Sinha, P. N., Inkson, K., & Barker, J. R. (2012). Committed to a Failing Strategy: Celebrity CEO, Intermediaries, Media and Stakeholders in a Co-created Drama. Organization Studies 33 (2), 223-245. doi:10.1177/0170840611430591.
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).

2 Metodologia

A presente pesquisa envolve uma abordagem qualitativa que visa explorar a natureza simbólica/performática de um processo de reestruturação realizado na subsidiária brasileira de uma corporação industrial americana, revelando o poder de tal mito, à medida que esta análise destaca a distância entre as promessas e os resultados de tal processo de reestruturação. Para tal, foram empreendidas duas abordagens, uma teórica e uma empírica, combinando um conjunto de ferramentas metodológicas e instrumentos de coleta de dados, descritos a seguir:

2.1 Abordagem teórica

Esta abordagem busca revisitar e reconstruir as teorias relativas aos temas estudados neste trabalho, assim como analisar os documentos oficiais da companhia que possam melhor explicar e explorar os resultados empíricos desta pesquisa. Esta abordagem foi empreendida por meio de uma pesquisa bibliográfica e uma documental.

2.1.1 Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica permitiu retratar a ideologia da gestão baseada na valorização dos acionistas como uma construção social marcada pela reorientação do discurso do Management a partir de meados de 1970 de acordo com a noção bourdiesiana de campo organizacional. Tal campo simbolizaria um subsistema estruturado/hierarquizado de acordo com a manipulação de diferentes fontes de capital por diversos atores do mercado de capitais e suas respectivas ações.

Nesse sentido, a pesquisa bibliográfica envolveu articular conceitos relativos à construção social da realidade (Berg & Luckman, 1966Berger, P.L., & Luckman, T. (1966). The Social Construction of Reality: A Treatise in the Sociology of Knowledge. Garden City, NY: Anchor Books.), à construção social dos mercados (Fligstein, 1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.), às formulações da Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.; Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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), à Teoria de Campo (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.), ao Isomorfismo Mimético (DiMaggio & Powell, 1991DiMaggio, P.J., & Powell, W.W. (1983). The Iron Cage Revisited: Institutional Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields. American Sociological Review 48, 147-160.) e à Sociologia Econômica (Grun, 1999Grün, R. (1999). Modelos de Mundo, Modelos de Empresa: Sobre Algumas Características Culturais da Nova Ordem Econômica e da Resistência a Ela. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 14 (41), 121-140.; Fligstein, 1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.; Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.); visando explorar temas relacionados à institucionalização da ideologia da gestão baseada na valorização dos acionistas e seu corolário: a gestão financeirizada (Useem, 1993Useem, M. (1993). Executive Defense: Shareholder Power and Corporate Reorganization. Cambridge, EUA: Harvard University Press.).

Também relacionada a aqueles, a legitimidade de novas crenças e valores disseminados por essa ideologia, assim como o culto da reestruturação organizacional (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) e a emergência do CEO celebridade (Wade et al., 2006Wade, J.B., Porac, J. F., Pollock, T. G., & Graffin, S. D. (2006). The burden of celebrity: The impact of CEO certification contests on CEO pay and performance. Academy of Management Journal, 49, 643-660.; Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Sinha et al., 2012Sinha, P. N., Inkson, K., & Barker, J. R. (2012). Committed to a Failing Strategy: Celebrity CEO, Intermediaries, Media and Stakeholders in a Co-created Drama. Organization Studies 33 (2), 223-245. doi:10.1177/0170840611430591.
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) como meios de criar valor aos acionistas, serão aqui examinados.

Assim, baseado em tais assunções teóricas, este estudo propõe explorar o caso de reestruturação organizacional de uma subsidiária brasileira de uma grande corporação americana, como um ato performático socialmente construído no âmbito do campo organizacional da ideologia de GBV em vez da abordagem direta (e passivamente) derivada somente das formulações da Teoria da Agência.

2.1.2 Pesquisa documental

Essa fonte de informação forneceu à pesquisa dados atuais sobre os movimentos de influentes atores da firma analisada entre 2010 e 2015 por meio do exame de dados públicos da companhia, reportes financeiros e websites, assim como de documentos internos relativos ao processo de reestruturação da subsidiária brasileira. A imprensa de negócios e as opiniões dos analistas de mercado reproduzidas na mídia especializada sobre o desempenho da companhia de 2010 a 2015 também foram examinados.

A literatura institucional da empresa analisada entre 2010 e 2015 revelou-se um emblemático veículo, por meio do qual a companhia reverencia a ideologia da GBV, contando histórias sobre suas intenções relacionadas à reprodução de valores legitimados sob tal ideologia de gestão, visando corresponder às expectativas de atores do campo do mercado de capitais. Os reportes anuais da companhia retratam os processos de reestruturação como uma estratégia contínua, por meio da qual a disposição da empresa de entregar melhores números (assim como reverter números ruins) é reforçada.

Apesar do exame dos resultados desapontadores da subsidiária brasileira não corroborarem as narrativas de sucesso dos reportes da companhia em seu estrito senso, o papel performático que esse processo desempenhou legitima a reverência da companhia em relação ao discurso da ideologia da GBV, e dessa forma foi percebido como legítimo.

2.2 Abordagem empírica

Considerando os resultados da pesquisa bibliográfica (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.; Goldstein, 2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Hirsch & De Soucey, 2006Hirsch, P. M., & De Soucey, M. (2006). Organizational Restructuring and its Consequences: Rhetorical and Structural. Annual Review of Sociology, 32, 171-189. doi:10.1146/annurev.soc.32.061604.123146.
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), pôde-se perceber que os processos de reestruturação organizacional têm sido empregados pelas grandes corporações de capital aberto como uma das mais poderosas e simbólicas crenças que representam sua comunhão à ideologia da GBV. Além desses resultados, considerando ainda os resultados da pesquisa documental (reportes anuais da empresa 2010-2015), suas narrativas reverenciam tal crença, retratando a empresa analisada como aquela que exaustivamente tem reproduzido os valores associados a tal ideologia. A abordagem empírica desta pesquisa envolveu o estudo de caso de um processo de reestruturação empreendido na subsidiária brasileira de uma grande corporação industrial americana pertencente à lista da Fortune 500 destacando a distância entre suas promessas e resultados, revelando, aqui também, o poder de tal mito. O caso estudo foi apoiado empiricamente por entrevistas e a participação observante de um gerente da empresa pesquisada entre 2009 e 2015.

2.2.1 Estudo de caso: entrevistas e observação participante

Este estudo de caso contou com a condução de 30 entrevistas semiestruturadas entre 2010 e 2015 com seis gerentes, dois diretores e o CFO da América Latina sobre a reestruturação da empresa pesquisada, aqui nomeada Corp. As entrevistas foram realizadas antes, durante e após a reestruturação; e dentro e for a da empresa. Os gerentes entrevistados foram escolhidos com base no conhecimento prévio do gerente (pesquisador) observador-participante de que iriam ocupar posições estratégicas após a reestruturação. Cada um desses gerentes foi entrevistado quatro vezes (durante cerca de 30 a 40 minutos, cada um) entre 2010 e 2015. A subsidiária brasileira conta com somente dois diretores, os quais compuseram a amostra de entrevistados, e a participação do CFO se deve ao fato de ele ter se mudado para a Flórida em função da reestruturação. Os diretores e o CFO foram entrevistados duas vezes, por aproximadamente 30 minutos, cada um, pelo gerente (pesquisador) observador-participante.

A observação-participante do gerente-pesquisador ocorreu entre 2009 e 2015, e além de conduzir as entrevistas ele participou ativamente do processo de reestruturação em si, implementando-o e tendo, em função disso, acesso a documentos oficiais e tomadas de decisões que melhor lhe permitiram explorar este estudo de caso. A observação-participante deste gerente-pesquisador contribuiu muito para evitar a opção de pesquisa centralizada exclusivamente nos discursos dos entrevistados. Pois, como apontado por Henry (1992Henry, O. (1992). Entre savoir et povoir. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 95, 37-54.), tais discursos podem apresentar certos dilemas, como o discurso autoconsagrador por meio da tentativa de sobrevalorizar características específicas do processo observado; ou o uso de chavões/jargões que pouco contribuiriam para a análise do caso.

Nesse sentido, as entrevistas foram então trianguladas com outras fontes de informação; com a de outros funcionários (obtidas não sistematicamente por meio da observação-participante do gerente, assim como sua interação diária com os funcionários durante os anos de observação dentro da empresa); com documentos internos, comunicação institucional e resultados bibliográficos, visando comparar sua retórica argumentativa com a dessas outras fontes. A confrontação e a comparação entre essas distintas perspectivas podem jogar luz sobre a dinâmica envolvendo tais atores e suas percepções da reestruturação como um processo criador de valor no contexto da GBV em que a empresa opera.

3 Da construção social do campo organizacional da GBV ao CEO celebridade

O processo de institucionalização dos gerentes na década de 1950 já dava mostras do capital acadêmico experimentado pelas incipientes Escolas de Negócios (Business Schools), responsáveis pela formação, profissionalização e atualização da nova classe desses profissionais. As Business Schools tornaram-se responsáveis legítimas pela sistematização do conteúdo teórico relativo à ciência da administração e, dessa forma, conferia legitimidade profissional a seus egressos. Assim, esses atores desempenharam um papel bastante relevante na reorientação do discurso vigente do Management americano, até então centrado na mera intervenção produtiva, realizada principalmente por profissionais com formação estritamente técnica, em direção à outra, baseada nas novidades associadas ao Marketing, Recursos Humanos e à Estratégia (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.), esta última, a rainha dessas novidades.

Os gerentes viram suas decisões tornarem-se crescentemente amparadas pela emergência/difusão de novos conjuntos de ferramentas conceituais-analíticas, valores, crenças e ritos baseados em novos léxicos fomentados pelas Business Schools (e reproduzidos pela nova categoria profissional), ambos conjuntos de atores à frente da busca por legitimidade para as novas regras de funcionamento do campo organizacional do Management em formação. Lado a lado com esses atores estavam os atores ligados à Imprensa de Negócios, que também se engajavam na consolidação do campo, reproduzindo novos modos de perceber a, agir sobre e falar da nascente moderna empresa sob o controle desses gerentes (também modernizantes). Assim, desempenhos gerenciais bem-sucedidos frente a corporações americanas institucionalizavam tais condutas e atores como símbolos legítimos do campo organizacional do Management (e do sucesso capitalista em si). Tal hierarquia e ordem social dentro do campo e legitimidade fora do campo se manteriam relativamente estáveis por mais de duas décadas.

A partir da metade da década de 1970, porém, as corporações americanas passaram a enfrentar um período de crescente perda de lucratividade (Fligstein, 1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.) que as levaria a se perguntarem se de alguma forma seus modelos de gestão poderiam estar errados e como isso poderia ser alterado. As respostas a tal questionamento vieram de uma miríade de lugares, incluindo a produção enxuta japonesa, o modelo italiano de redes de pequenas empresas ou da coordenação industrial francesa, entre outros (Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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). Mas, dentre essas, a Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.) oferecia tanto o diagnóstico quanto a sua cura para o problema da baixa lucratividade e ambos embebidos na legitimidade acadêmica e de seus postulantes, apontando a assimetria de informações e a falta de alinhamento entre gerentes e proprietários como potenciais problemas de gestão. Segundo os teóricos da agência, os gerentes teriam perseguido a expansão das empresas, investindo sua lucratividade em expansões desnecessárias, buscando a estabilidade (em vez de assunção de riscos), a manutenção de seus status e prestígio pessoal dentre outras regalias em detrimento da busca do aumento do retorno aos acionistas (Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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).

Essa nova abordagem para a condução das grandes empresas de capital aberto encontrava respaldo na crescente desregulamentação do mercado financeiro e suas formulações pregavam a intensificação do monitoramento da gestão pelo mercado de capitais, em detrimento da relativa autonomia gerencial vigente. Dessa forma, essa nova abordagem, assim como sua antecessora (que direcionou o discurso do Management centrado na Produção para outro permeável ao Marketing, Recursos Humanos e Estratégia), redirecionaria novamente tal discurso, fomentando assim a inserção e o fortalecimento de novos atores junto ao campo. Tais atores, associados às mais diversas fontes de capitais simbólicos (organizacional, legal, econômico, financeiro, social, acadêmico etc.), empregaram os mesmos recursos para reestruturar suas respectivas posições hierárquicas em meio à (re)construção bourdiesiana do campo organizacional do Management, visando legitimar uma nova ideologia de gestão que melhor se adequasse aos interesses dos novos (e mais influentes) atores no campo. Entre estes, os investidores institucionais (Useem, 1993Useem, M. (1993). Executive Defense: Shareholder Power and Corporate Reorganization. Cambridge, EUA: Harvard University Press.) tornaram-se detentores de uma posição privilegiada na nova estrutura do campo que lhes conferia a habilidade de exercer variadas formas de poder sobre os outros atores, como influenciar fortemente as novas regras de funcionamento do campo, legitimando assim, um novo conjunto de valores e crenças, ou seja, seu habitus (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.; Leão et al., 2013Leão, A.L.M.S.; Gaião, B.F.S.; Souza, I.L.; Mello, S.C.B. (2013) O Habitus de uma Rede em Expansão: As Disposições do Arranjo Vinícula do Vale do São Francisco. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 15(46), 39-55. doi: 10.7819/rbgn.v15i46.960.
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). O novo habitus do campo da gestão financeirizada pode ser desdobrado/percebido por meio de um conjunto de características apresentadas a seguir:

  • substituição da lógica da maximização dos lucros pela lógica da maximização do retorno a acionista;

  • substituição da lógica produtiva pela lógica financeira;

  • transformação das relações internas da firma em relações de mercado;

  • busca de crescimento por meio do crescimento inorgânico;

  • crença da reestruturação organizacional como um mito criador de valor ao acionista;

  • privilégio da liquidez e a cultura do curto-prazismo;

  • desaparecimento das medidas anti-takeovers (uma vez que diante de uma situação de takeover, os sobrepreços pagos podem beneficiar os acionistas, ainda que no curto prazo);

  • emergência dos investidores ativistas;

  • necessidade de um conselho de administração externo e mais indepen-dente e a ocupação dos cargos de presidente do Conselho e de CEO por pessoas distintas;

  • alinhamento entre os esquemas de remuneração dos executivos e o crescimento do valor das ações da empresa; e

  • emprego de métricas financeiras para medir, comparar, avaliar, investir e desinvestir nas unidades organizacionais não financeiras, que, ainda que lucrativas, podem ser vistas como destruidoras de valor - portanto, candidatas ao desinvestimento.

Embora o habitus associado à ideologia de GBV possa ser desdobrado/percebido em outras características que não as já citadas, a reprodução de algumas das características acima pelas grandes firmas sob a pressão do mercado de capitais, simboliza sua reverência em relação a tal ideologia. A emergência de tal habitus (assim como sua contínua reconstrução) é o resultado direto da manipulação das diferentes fontes de capitais simbólicos pelos atores mais bem posicionados (e, consequentemente, mais poderosos) presentes à construção social da ideologia da GBV a partir de meados da década de 1970, dentre os quais:

  • investidores institucionais e investidores ativistas;

  • legisladores, lobistas e demais defensores da desregulamentação financeira;

  • analistas de mercado, agências de risco e imprensa de negócios;

  • teóricos economistas-financistas e Business Schools;

  • firmas de consultoria e indústria de aconselhamento de negócios em geral; e

  • executivos e gerentes de fundos.

À medida que tais atores do mercado de capitais (dentre outros) legitimaram as regras de funcionamento acima junto ao campo organizacional do Management das grandes corporações americanas, o habitus de tal campo institucionalizou-se em meio à ideologia da GBV. E as narrativas de sucesso experimentadas pelas companhias atuantes nesse contexto tornaram-se pouco a pouco referências bem-sucedidas para outras empresas, sendo isomorficamente mimetizadas (DiMaggio & Powell, 1991DiMaggio, P.J., & Powell, W.W. (1983). The Iron Cage Revisited: Institutional Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields. American Sociological Review 48, 147-160.), reorientando os discursos de outras companhias em direção a outro em que os esforços relativos à maximização do retorno aos acionistas devem ser explorados publicamente.

Assim, os gerentes, desde 1950, legitimados como símbolos das firmas bem-sucedidas (Chandler, 1962) ao mesmo tempo que se acharam, em algum grau, ameaçados pelo impulso antigerencial da ideologia da GBV, perceberam que, para se esquivarem de tal impulso, teriam que, de alguma forma, professar/alinhar seus discursos à nova ideologia de gestão, reproduzindo seus valores mais emblemáticos em suas estratégias e, assim, administrando simbolicamente a pressão do mercado de capitais a seu favor (Roe, 1994Roe, M. (1994). Strong Managers, Weak Owners: The Political Roots of American Corporate Finance. Princeton, NJ: Princeton University Press.; MacDuffie, 1996Macduffie, J.P. (1996). Automotive White-Collar’ in Broken Ladders: Managerial Careers. In: P. Osterman (Ed.) The New Economy. New York: Oxford University Press, p.81-125.; Capelli, 2000Capelli, P. (2000). Examining the Incidence of Downsizing and its Effect on Organizational Performance. In Neumark (Ed) On the Job: Is Long-Term Employment a Thing of the Past? New York: Russell Sage Foundation, 463-516.; Hallock, 2003Hallock , K. (2003). A Descriptive Analysis of Layoffs in Large U.S. Firms Using Archival and Interview Data: 1970-2002. Unpublished paper, Department of Economics, University of Illinois. Accessed at: Accessed at: http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/articles/236/ on February 23, 2015.
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; Zajac & Westphal, 2004Zajac, E., & Westphal, J. (2004). The Social Construction of Market Value: Institutionalization and Learning Perspectives on Stock Market Reactions. American Sociological Review, 69, 433-457.; Goldstein, 2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Westphal & Zajac, 1998Westphal, J., & Zajac, E. (1988). The Symbolic Management of Stockholders: Corporate Governance Reforms and Shareholders Reactions. Administrative Science Quarterly, 43, 127-153., 2001Westphal, J., & Zajac, E. (2001). Decoupling Policy from Practice: The Case of Stock Repurchase Programs. Administrative Science Quarterly, 46, 202-228.).

Paralelamente à acurada percepção desses atores, em meio à consolidação do campo, os diversos escândalos financeiros, bolhas especulativas e crises financeiras passaram a ameaçar tanto as posições hierárquicas até então, alcançadas pelos novos atores, instituições no campo, assim como seus valores e regras legitimados, rearranjando a ordem social vigente no campo da GBV e revelando, durante o processo, a emergência de um novo ator, o “CEO celebridade” (Wade et al., 2006Wade, J.B., Porac, J. F., Pollock, T. G., & Graffin, S. D. (2006). The burden of celebrity: The impact of CEO certification contests on CEO pay and performance. Academy of Management Journal, 49, 643-660.; Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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), assim como o poder simbólico de suas bem encenadas e remuneradas performances dentro da construção do campo. Esses atores engajaram-se em aquisições bilionárias, lançaram massivas (e por vezes, performáticas) reestruturações, assumiram enormes riscos, anunciaram (mas não necessariamente implementaram) pacotes de compensação executiva de longo prazo etc., simbolizando sua conformidade com a ideologia da GBV. E o mercado de capital recompensava tais anúncios com o aumento do preço das ações, ainda que algumas delas nem tenham sido implementadas (Zajac & Westphal, 2004Zajac, E., & Westphal, J. (2004). The Social Construction of Market Value: Institutionalization and Learning Perspectives on Stock Market Reactions. American Sociological Review, 69, 433-457.).

Segundo Goldstein (2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
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), isso mostra que o impulso antigerencial da ideologia da GBV é bastante simbólico, especialmente considerando-se que uma das maiores contradições foi que nem resultou em redução dos custos relativos aos níveis gerenciais nem em uma mudança significativa da renda dos funcionários para os proprietários/acionistas. De acordo com o autor, ainda, a era da GBV coincidiu com uma massiva redistribuição na composição da remuneração dos trabalhadores (não gerentes) para os executivos.

Assim, em meio à consolidação do campo e institucionalização das prescrições da Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.; Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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), as grandes firmas de capital aberto, geridas sob a ideologia da GBV, passaram a ser crescentemente controladas como portfólios compostos de unidades organizacionais medidas por métricas financeiras, altamente vulneráveis ao escrutínio do mercado de capitais e guiadas por executivos que, em meio à consolidação do campo, reinventaram-se (assim como o campo organizacional voltado para o Management) e, no processo, tornaram-se bilionários (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) e alcançaram o status de CEO celebridade (Wade et al., 2006Wade, J.B., Porac, J. F., Pollock, T. G., & Graffin, S. D. (2006). The burden of celebrity: The impact of CEO certification contests on CEO pay and performance. Academy of Management Journal, 49, 643-660.; Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Sinha et al., 2012Sinha, P. N., Inkson, K., & Barker, J. R. (2012). Committed to a Failing Strategy: Celebrity CEO, Intermediaries, Media and Stakeholders in a Co-created Drama. Organization Studies 33 (2), 223-245. doi:10.1177/0170840611430591.
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). Como uma consequência direta disso, tais empresas passaram a incluir em seu menu discursivo tanto as estratégias de storytelling (Boje, Oswick & Ford, 2004Boje, D.M., Oswick, C., & Ford, J.D. (2004). Language and Organization: The Doing of Discourse, Academy Management Review, 29 (4), 571-577.; Fleming & Spicer, 2014Fleming, P., & Spicer, A. (2014). Power in Management and Organization Science. The Academy of Management Annals, 8 (1), 237-298.) quanto as encenações (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) associadas a tais histórias, visando mostrar que as novas regras de funcionamento do campo (seu habitus) estariam sendo colocadas em movimento segundo o que o discurso prega, ainda que nem sempre esse alinhamento aconteça, na realidade, como mostra o estudo de caso a seguir (Benatti, 2016Benatti, G. (2016). O Ato Performático da Reestruturação: Dissonâncias entre o Discurso e os Resultados em um Estudo de Caso Brasileiro sobre Financeirização. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, São Paulo, Brasil.).

4 A arte de contar histórias pela Corp: mitos, cerimônias e reportes da ideologia da GBV

O presente estudo de caso foca o processo de reestruturação da operação brasileira de uma das maiores fabricantes americanas de equipamentos de automação e controle, aqui chamada Corp. Trata-se de um conglomerado listado entre as primeiras 100 empresas da Fortune 500, fundado em 1890, que hoje possui 150 mil funcionários distribuídos entre 240 fábricas, das quais 160 estão fora dos EUA. A operação da matriz norte-americana estava organizada até 2015 em torno de cinco unidades de negócios (UNs), responsáveis por linhas de produtos específicos (das quais três operavam no Brasil até 2014).

O principal documento oficial por meio do qual a Corp compartilha sua reverência para com o discurso do Shareholder Value é seu reporte anual, uma fonte emblemática dos valores, crenças, mitos e ritos legitimados por essa ideologia. Por meio desses reportes a empresa compartilha histórias sobre o que está sendo feito (e o que pretende fazer), envolvendo a reprodução de tais valores, visando contemplar as expectativas tanto de seus investidores como de outros atores do mercado de capitais, sendo também dirigido a uma audiência interna, visando à catequização dos ditos colaboradores da empresa.

Essa literatura oficial da companhia, dotada de uma apresentação estética diferenciada, é dedicada a reforçar a confiança do mercado de capitais na capacidade da empresa de entregar números melhores (e às vezes reverter números ruins), para isso, prometendo colocar em movimento estratégias retoricamente ancoradas no novo habitus (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.) estruturador do campo da GBV. Dessa forma, este habitus passou a contemplar as regras, ora mais explícitas, ora mais sutis, pelos atores mais bem posicionados na hierarquia do campo, que na Corp têm sido desdobradas em ações, ora mais tangíveis, ora mais simbólicas e performáticas, tornadas públicas no âmbito dos reportes anuais, declarações à imprensa, aparições dos CEOs, opiniões dos analistas, composição do conselho, estratégias de crescimento etc, assim como também tem renegado algumas delas.

A Corp tem uma tradição de 125 anos na indústria manufatureira de bens de capital; no entanto, a história que a empresa mais vende em seus reportes anuais é a de seus 59 anos sucessivos de dividendos crescentes, dirigida a seus investidores institucionais que possuem 76,45% das ações da empresa. Dentre os maiores acionistas da Corp, estão Vanguard Group, State Street Corporation, BlackRock Institutional Trust Company, Barrow, Hanley&Mewhinney Strauss Inc. e JP Morgan Chase.

Os resultados das UNs em termos de vendas, ganhos, margens, total de ativos, investimentos em aquisições e reestruturações são individualmente disponibilizados pelos reportes anuais da companhia. No entanto, a criação de valor por essas UNs não é publicamente compartilhada pelos reportes da companhia, apesar de a pregação da ideologia da GBV pregar a necessidade de transparência.

Os resultados individuais das UNs são usados como parâmetros para as decisões de investimentos/desinvestimentos da Corp e, dessa forma, a empresa tem buscado transformar as relações internas entre as UNs em relações de mercado, e a criação das unidades de serviços compartilhados (USCs) brasileiras são um exemplo emblemático desse esforço. Segundo a empresa, por meio dos desinvestimentos, a empresa busca aumentar o retorno ao acionista buscando a de-diversificação e concentração no core-business da empresa, para isso se desfazendo anualmente de vários negócios, os quais julga serem de crescimento lento (Reportes Anuais, 2010-2015).

Segundo o CFO da Corp, internamente, a companhia emprega métricas de criação de valor como o Economic Profit para instruir os gerentes (não financeiros) sobre as implicações financeiras de suas decisões (não financeiras). A Corp ainda emprega métricas como o ROCE e o EVA antes de tomar qualquer decisão de investimento. Segundo este CFO, a empresa emprega um procedimento interno chamado “Appropriation Request”, um template que, preenchido, demonstra o retorno de cada investimento - o custo de capital versus o custo de oportunidade - e compara sua rentabilidade esperada com a rentabilidade obtida pela matriz no mercado financeiro. Segundo o CFO, ainda, o conselho define uma taxa relativa ao tipo de risco que cada UN está autorizada a assumir.

Já publicamente, em seus reportes anuais, a empresa disponibiliza informações sobre o valor dos dividendos por ação, o fluxo de caixa operacional, o retorno total sobre o capital (RT) e o retorno sobre patrimônio líquido (ROE). A publicação dos resultados da Corp por meio de tais índices em seus relatórios de demonstrações financeiras é sempre realizada por meio de conference calls junto aos analistas de mercado (como aqueles que operam por meio da Seeking Alpha, The Value Investor, Part-Time Investor, Passive Income Pursuit, Financially Free Investor, Willow Street Investments, Balanced Investing, Winning Strategies, Dividends4life, SA News Investor, Sure Dividends etc.) com os quais a empresa compartilha maiores e melhores informações visando à emissão de opiniões favoráveis em relação ao desempenho da empresa por parte dos mesmos. Até 2014, esses atores do mercado de capitais contribuíram muito com a geração de publicidade positiva para a empresa, emitindo opiniões favoráveis em relação a seu desempenho; porém, a partir de 2015, eles passaram a questionar publicamente, e de forma severa, as decisões da empresa e pressionando a mesma em direção à realização de novas aquisições (um dos aspectos mais palpáveis da materialização da ideologia da GBV pela companhia, explorada a seguir).

Os mitos e cerimônias (Meyer & Rowan, 1977Meyer, J.W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, 83(2), 340-363.) relativos à ideologia da GBV encontram-se amplamente disseminado por meio de treinamentos, seminários corporativos, conferências com analistas e acionistas, jornal, rádio e circuito de televisão internos da empresa, reuniões do conselho, passando pelas declarações à mídia, reportes anuais da companhia, entrevistas do CEO e do diretor de Relações com Investidores à CNBC e conversas de elevador, pois a remuneração por meio de ações não se restringe aos executivos. A materialização da estrutura formal da ideologia da GBV reflete a ressignificação do conceito da companhia sobre eficiência em direção ao valor de suas ações no mercado de capitais. O apetite da companhia por aquisições e os cerimoniais em torno de suas reuniões de conselho conduzidas por seu CEO celebridade também incorporam tais preocupações e são exploradas a seguir.

4.1 O cerimonial do Conselho de Administração da Corp e seu CEO celebridade

O Conselho de Administração da Corp é formado por 20 conselheiros, dos quais cinco atuam como representantes diretos de bancos, fundos, consultorias e empresas de investimentos e instituições financeiras diversas, atores financeiros relevantes na construção do campo organizacional do SHV (Bloomberg, 2015Bloomberg (1995). Accessed at: Accessed at: http://www.bloomberg.com on January, 17, 2015.
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). Considerando a pressão da ideologia da GBV para um conselho mais independente (Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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), na Corp, a razão entre os membros internos e os externos é de 11 para 9. E entre os 11 membros internos, somente 5 participam de um único conselho (ou seja, o da própria Corp). E, enquanto um membro interno possui uma média de 20 a 40 conexões com outros conselheiros de outras empresas; os membros externos possuem uma média de 200 conexões com outros conselheiros de outros conselhos (Bloomberg, 2015Bloomberg (1995). Accessed at: Accessed at: http://www.bloomberg.com on January, 17, 2015.
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). Essas participações em outros conselhos de administração (board interlockings) contribuem enormemente para a reprodução do discurso da ideologia da GBV, uma vez que as reuniões de Conselho envolvem uma boa dose de storytelling (Boje, Oswick & Ford, 2004Boje, D.M., Oswick, C., & Ford, J.D. (2004). Language and Organization: The Doing of Discourse, Academy Management Review, 29 (4), 571-577.; Fleming & Spicer, 2014Fleming, P., & Spicer, A. (2014). Power in Management and Organization Science. The Academy of Management Annals, 8 (1), 237-298.) e troca de experiências, por meio das quais os valores, crenças e mitos legitimados pelo habitus do campo são compartilhados, difundidos ou banidos.

Todos os membros do conselho da companhia são investidores individuais da mesma (Bloomberg, 2015Bloomberg (1995). Accessed at: Accessed at: http://www.bloomberg.com on January, 17, 2015.
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). Esse fato simboliza que a Corp, não só, seguiu a prescrição da Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.) de alinhar os interesses de seus executivos aos dos acionistas, por meio de mudanças em seus esquemas de remuneração, assim como estendeu tal prescrição a todos os membros de seu Conselho. Além disso, o Presidente do Conselho da companhia é também seu maior investidor individual. No entanto, esse mesmo Presidente do Conselho, Chairman, acumula ainda o cargo de CEO da empresa, segundo pregação contrária da Teoria da Agência (Dobbin & Jung, 2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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).

Outra dissonância entre as prescrições da Teoria da Agência e a Corp está nas regalias que seu CEO/Chairman da Corp desfruta. Anualmente, ele recebe perto de US$ 500.000 em gratificações (perquisites) para o uso pessoal de veículos e aviões da companhia, pagamentos de anuidades de clubes e academias, entradas para eventos esportivos, culturais e entretenimentos de naturezas diversas, planos de saúde e serviços de segurança e de consultorias pessoais para planejamento financeiro e pagamentos de impostos, que também contradiz o discurso do Shareholder Value, que prega o monitoramento da ação gerencial. O CEO/Chairman ainda tem assegurado o direito de exercer US$ 50 milhões em stock-options no caso de um takeover, ainda que a Corp afirme ter abolido medidas anti-takeovers, percebidas como ilegítimas no âmbito do discurso da GBV (Reporte Anual, 2014). Desde 1989, porém, o conselho da Corp aprovou uma medida anti-takeover, abolindo o voto cumulativo para os conselheiros. Assim, um acionista favorável a um takeover fica proibido de concentrar seus votos em um único candidato também favorável ao takeover (e hostil aos interesses dos diretores), já que com o voto cumulativo para diretores os acionistas poderiam votar tantas vezes quantas fosse seu número de ações.

Apesar dessas contradições em relação ao discurso da ideologia da GBV e as formulações da Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.) e os resultados empíricos colhidos, o CEO/Chairman tem agressivamente transferido as operações produtivas da companhia para mercados de trabalho menos regulados, especialmente a China, e com isso, eliminado perto de 20 mil postos de trabalho nos EUA desde 2009. Apesar disso (ou exatamente por isso), os analistas de mercado apontaram por dois anos consecutivos o CEO (há 14 anos)/Chairman (há 11 anos) da empresa como um dos “Melhores CEOs da América na indústria de equipamentos elétricos”, tendo sido considerado por atores do mercado financeiro como um CEO celebridade (Wade et al., 2006Wade, J.B., Porac, J. F., Pollock, T. G., & Graffin, S. D. (2006). The burden of celebrity: The impact of CEO certification contests on CEO pay and performance. Academy of Management Journal, 49, 643-660.; Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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; Sinha et al., 2012Sinha, P. N., Inkson, K., & Barker, J. R. (2012). Committed to a Failing Strategy: Celebrity CEO, Intermediaries, Media and Stakeholders in a Co-created Drama. Organization Studies 33 (2), 223-245. doi:10.1177/0170840611430591.
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) pela Institutional Investors Magazine, que elabora um ranking com base na opinião de 900 analistas de mercado, demonstrando, como Goldstein (2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
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) assinalou, o simbolismo do impulso antigerencial da GBV.

Assim, o poder simbólico do CEO celebridade da Corp pode ser percebido nas regalias de que desfruta, em seus Golden Parachutes, nas medidas anti-takeover aprovadas pelo conselho sob seu comando, assim como no fato de manter as posições de CEO e Chairman. No entanto, apesar do fato de ele incorporar tais símbolos de poder (contradizendo o habitus do campo da GBV), os reportes anuais da companhia asseguram o compromisso da Corp com a ideologia da GBV, principalmente por meio da manutenção de assentos para os atores do mercado de capitais no conselho da empresa. Ainda assim, no entanto, a presença de atores do mercado no Conselho pode simbolizar tão somente que o mercado está presente (não impondo nada necessariamente). Tal presença pode ainda simbolizar que a companhia ouve o mercado, e não necessariamente atende suas demandas (no caso de elas estarem sendo colocadas). Isso porque as decisões do Conselho, aparentemente tomadas durante essas cerimônias, podem ser parcial (ou totalmente) tomadas em outros lugares, especialmente considerando o grau de conexões com outros conselhos (Board Interlockings), e que as reuniões são cerimoniais socialmente construídos e embebidos em seus próprios sistemas de interpretação e opinião (Hayward et al., 2004Hayward, M. L. A., Rindova, V., & Pollock, T. (2004). Believing one’s own press: The causes and consequences of CEO celebrity. Strategic Management Journal, 25 (7), 637-653. doi:10.1177/0003122412440093.
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) desenvolvidos e compartilhados por seus membros. Em função disso, o palco para que mais ações simbólicas e performáticas sejam realizadas está montado, assim que venham os movimentos de reestruturação dentre elas.

4.2 Financeirização pela Corp: a alquimia das aquisições e spin-offs versus o ilusionismo das reestruturações

Segundo Froud et al. (2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.), o crescimento econômico de grandes empresas baseado no mercado de produtos enfrenta limitações estruturais em razão de seu funcionamento e estrutura, frustrando as expectativas do mercado de capitais relacionadas aos retornos dos investimentos. Essas expectativas só podem se realizar por meio de reportes de aumentos de ganhos relacionados ao aumento da receita de vendas. Se o crescimento de receita de vendas não puder ser obtido por meio do crescimento orgânico, então a empresa não tem alternativa senão crescer por meio do crescimento inorgânico, proporcionado pela estratégia de compra e vendas de outras empresas, prescrito pelo discurso da GBV.

O exame dos resultados financeiros da Corp revelou o papel que suas aquisições em série desempenham na batalha da empresa para a criação de valor ao acionista. E o CFO da companhia revelou que a empresa, nos EUA, dedica profissionais, integral e exclusivamente, de forma contínua e sistemática, à caça de alvos cujas aquisições alavanquem tal criação de valor, por meio da incorporação para si do Ebtida das empresas adquiridas impactando instantânea e positivamente seu fluxo de caixa.

Assim, por mais que o impacto positivo direto sobre a valorização das ações pareça inconclusivo (Eccles, Lanes, Wilson, 1999Eccles, R.G., Lanes, K.L., & Wilson, T.C. (1999). Are you paying too much for that acquisition? Harvard Business Review 77 (4): 136-146. Accessed at: Accessed at: http://hbr.org/1999/07/are-you-paying-too-much-for-that-acquisition/sb1 on December 14, 2013.
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; Marshal, 2001Marshall, J. (2001). Are Mergers Paying Off? Financial Executive, 17 (2): 26p. Accessed at: Accessed at: http://www.thefreelibrary.com/ARE+MERGERS+ PAYING+OFF.-a072120156 on March 14, 2014.
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; Cartwright e Schoenberger, 2006Cartwright, S., & Schoenberger, R. (2006). Thirty Years of M&A Research: Recent Advances and Future Opportunities, British Journal of Management, 17 (S1), S1-S5.; Jespersen, 2002Jespersen, F. F. (2002). Why Most Big Deal Do Not Pay Off? Bloomberg. Accessed at: Accessed at: http://www.bloomberg.com/bw/stories/2002-10-13/mergers-why-most-big-deals-dont-pay-off on June 10, 2014.
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; Fridolfsson e Stennek, 2005Fridolfsson, S.O., & Stennek, J. (2005). Why Mergers Reduce Profits and Raise Share Prices-A Theory of Preemptive Mergers. Journal of the European Economic Association 3 (5), 1083-1104.; Acenture, 2012Herd, T. J., & McManus, R. (2012). Who Says M&A Does Not Create Value? Accenture.com/Outlook 1: 1-13. Accessed at: Accessed at: http://www.accentureconsulting.no/Microsites/asia-go-global/Documents/pdfs/page-4/Accenture-who-says-ma-doesnt-create-value.pdf on July 15, 2013.
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; PWC, 2013PWC (2013). Inorganic Opportunities to Drive Growth and Increase SHV Fueled US Oil&Gas M&A Activity in 2013. Accessed at: Accessed at: http://www.pwc.com/us/en/press-releases/2014/q4-energy-ma-press-release.jhtml on July 15, 2013.
http://www.pwc.com/us/en/press-releases/...
); o aumento do caixa, do mercado e do EBITDA, que automaticamente passam a ser incorporados aos números da Corp, influenciam positiva (e simbolicamente) os atores formadores do mercado de capitais, perpetuando o mito segundo o qual tal estratégia deve ser empreendida como forma de criar valor aos acionistas. Pois, parafraseando Dobbin & Jung (2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
http://scholar.harvard.edu/dobbin/public...
), se o mercado acredita que as F&A criam valor aos acionistas, então elas criam.

Lado a lado com as aquisições, aparecem as reestruturações, como crença derivada da ideologia do SHV. Segundo os reportes anuais da Corp, as ações de reestruturação envolvem a deslocação de instalações para locais de mais baixo custo, fechamento de linhas de produtos que amargam prejuízos, custos de fechamento de plantas e outros relacionados às operações produtivas (o caso da subsidiária brasileira).

Uma diferença díspar pode ser observada quando analisado o investimento total realizado pela Corp em reestruturações e em aquisições entre 2010 e 2014. Nesse período, a Corp dedicou US$ 459 milhões (2,84% do seu lucro operacional) para a estratégia de reestruturação, ao passo que foram investidos US$ 4,378 bilhões (27,08% do seu lucro operacional) na estratégia de aquisição. Considerando a diferença díspar entre quanto a companhia investe financeiramente em cada estratégia, há que ponderar que a estratégia de aquisição compulsiva aliada à engenharia financeira pode estar contribuindo muito mais para a empresa entregar seus 59 anos consecutivos de dividendos crescentes que os resultados dos processos de reestruturação, ainda que o argumento de criação de valor ao acionista usado pela empresa tenha sido a tônica para a reestruturação aqui apresentada.

A Figura 1, a seguir, apresenta a curva de evolução das vendas líquidas e do lucro bruto da Corp e está diretamente relacionada com o movimento de F&A, mostrando que a estratégia de aquisição manteve o aumento das vendas e da rentabilidade da Corp até a crise de 2008, assim como também o fez após os US$ 2,5 bilhões gastos nas aquisições de 2010. No entanto, quando se trata da questão dos custos administrativos e de vendas de produtos (CAV), os números não corroboram os possíveis ganhos sinérgicos que poderiam ser alcançados com as empresas adquiridas, considerando que esses custos evoluem de acordo com as vendas da companhia.

Figura 1:
Vendas, ganhos, custos e aquisições (1997-2014)

Observando os resultados heterogêneos da estratégia de aquisição de forma desagregada por UN não é possível concluir se essa estratégia exerce uma influência positiva direta sobre o desempenho da empresa. A Figura 2 a seguir demonstra que o volume de investimento em aquisições o os ganhos por ações entre 1997 e 2014 não parecem, inequivocamente, corroborar a influência positiva dessa estratégia.

Figura 2:
Ganhos por ação e aquisições da Corp (1997-2014)

A partir do final da década de 1990, à medida que os investimentos em aquisições da Corp foram sendo anunciados, os ganhos por ação geralmente obedeceram a uma tendência de elevação; porém, em meio aos escândalos corporativos do início da década de 2000, nem mesmo o alto montante relativo a um investimento em aquisições feito impediu que o ganho por ação despencasse, tendo, porém, sido recuperado após 2002 e mantido uma curva ascendente até 2006.

Entre 2007 e 2009, apesar dos constantes investimentos em aquisições, o ganho por ação oscila; para recuperar essa queda, em 2009, em meio aos impactos da crise financeira de 2008, a empresa em 2010 realiza um investimento maciço de mais de US$ 2,5 bilhões, o que, apesar de resultar numa alta do ganho por ação, não foi proporcional ao investimento feito; e já a partir de 2011, o ganho por ação volta a cair novamente, ando somente a partir de 2012, quando novos, e mais módicos investimentos, quando comparados com os investimentos de 2000 e 2010, passam a ser anunciados. Em função do comportamento heterogêneo do ganho por ação, a empresa prefere se vangloriar, em seus reportes anuais, de outro indicador financeiro para demonstrar seu respeito à GBV: a distribuição de dividendos.

Desde 2014, os analistas de mercado têm enfatizado que, de fato, os dividendos da empresa são “a única razão para manter as ações da companhia”. A maior UN da empresa foi construída ao longo do tempo, por meio de aquisições, baseando-se na hipótese de que a demanda de sua linha de produtos (o fornecimento de equipamentos e serviços para servidores de grandes computadores que alimentam a internet) se expandiria. Isso não se realizou e suas vendas despencaram em razão das mudanças nos modelos de fornecimento de Tecnologia de Informação. Naquele mesmo ano, uma Corp estressada decidiu vender 51% de sua UN, mas os preços das ações continuaram a cair, levando analistas de mercado e investidores a pressionar o CEO/Presidente do Conselho, que então vendeu o restante da UN na tentativa (desesperada) de se livrar dos resultados negativos daquela UN sobre os resultados da empresa como um todo. Ao longo de 2014, ele insistia que não jogaria a toalha ainda, mas ao final de 2015, à medida que a pressão do Conselho crescia, uma das mais novas modas de Wall Street” (Solomon, 2011Solomon, S.D. (2011). A Test to See if the Parts Are Worth More Than the Whole. Accessed at: Accessed at: http://dealbook.nytimes.com/2011/01/18/a-test-to-see-if-the-parts-are-worth-more-than-the-whole/?_r=0 on November 18, 2015.
http://dealbook.nytimes.com/2011/01/18/a...
) entre os conglomerados que buscavam se livrar de linhas de negócios (considerando as vantagens da liberdade de impostos comparada a uma venda completa) também foi realizada pela Corp, isto é, o spinoff do que restara daquela que fora, no passado, sua maior (e mais poderosa) UN.

O spinoff, ou o “the ugly stepchild of the corporate strategies” (Feldman, 2015Feldman, E.R. (2015). Managerial compensation and corporate spinoffs. Strategic Management Journal. doi: 10.1002/smj.2434.
https://doi.org/10.1002/smj.2434....
) foi anunciado numa conferência em 2015, quando o CEO/Presidente do Conselho da Corp reconheceu seu “fracasso corporativo”, brincando que ele não colocaria isso em sua lápide. Assim como ele, provavelmente, não irá colocar o ajuste (goodwill impairment) de US$ 508 milhões de dólares de 2014, uma consequência das aquisições superestimadas de 2010 feitas por aquela UN, que impactaram negativamente no valor das ações da empresa.

De fato, o exame dos reportes anuais da companhia de 2010 a 2015 revelaram, em letras miúdas, que os ganhos por ação sempre embutiram descontos relativos aos ajustes (goodwill impairment) derivados das aquisições superestimadas: US$ 0,03 (2011), US$ 0,72 (2012), US$ 0,78 (2013) e US$ 0,72 (2014). Isso pode, de alguma forma, estar por trás da preferência da Corp em enfatizar o culto da estratégia de reestruturação organizacional como aquele que simboliza sua reverência à ideologia da GBV, como a do estudo de caso apresentado a seguir.

5 O Ato performático da reestruturação organizacional na Corp-Brazil

A subsidiária brasileira da Corp operou até 2014, com quatro das cinco UNs americanas. Em 2010, ainda sob os efeitos da crise de 2008/2009, segundo todos os entrevistados, após a crise financeira mundial, essa subsidiária foi pressionada pela matriz a cortar custos “visando criar valor aos acionistas”. Para isso, a matriz americana impôs que a subsidiária colocasse em prática um processo de reestruturação organizacional. E, embora, tal processo não tivesse sido concluído antes de 2013, o reporte anual da companhia de 2010 já o retratava como “bem-sucedido”, enfatizando o “programa de reestruturação global e a busca por um mix de produtos melhores, ou apontando como uma das razões para o aumento da margem bruta naquele ano.

5.1 O ato da reestruturação parte 1: Transformando as relações internas da empresa em relações de mercado - A criação das unidades de serviços compartilhados

A operação brasileira das quatro UNs era, até 2010, dispersa em torno de várias unidades fabris, estando a principal operação da empresa baseada em Sorocaba/SP concentrando em 2009, 25% dos trabalhadores brasileiros. O processo de reestruturação envolveu, inicialmente, a centralização de toda a operação fabril brasileira em Sorocaba, convidando os trabalhadores a se mudarem para Sorocaba. Paralelamente, criou-se um Plano de Demissão Voluntária para quem escolhesse deixar a empresa.

Um segundo passo do processo de reestruturação envolveu a criação do conceito de USC em Sorocaba. Esse conceito envolveu a criação de cinco áreas prestadoras de serviços: Recursos Humanos, Propostas & Orçamentos, Qualidade, Suprimentos e Finanças, que venderiam seus conhecimentos específicos para as quatro UNs no Brasil de acordo com a demanda de cada UN relativa a cada serviço prestado pela USC.

As USCs, diferentemente das UNs responsáveis pela produção e vendas de produtos, não geram receitas, pois não têm clientes externos, somente internos, que são as próprias UNs. Assim, o custo dos recursos das USC (humanos ou não) passaram a ser pagos pelas receitas das UNs. Mensalmente, o custo das USC é rateado pelas UNs, proporcionalmente à utilização dos serviços utilizados por elas. A UN pode optar entre adquirir seu serviço de uma USC ou terceirizar esse serviço, arcando com o pagamento do serviço terceirizado. Resumindo, as UNs seriam centros geradores de lucro, os passo que as USC foram transformadas em centros geradores de custos suportados pelas receitas das UNs.

A relação entre as UNs e as USCs tem sido, na maior parte do tempo, conflitante, uma vez que envolve a alocação de recursos/custos compartilhados. No entanto, sob determinadas circunstâncias, USCs e UNs se engajam em um acordo de cooperação, em que algumas UNs absorvem temporariamente os custos relacionados às USCs de outras UNs. Uma vez que nenhuma UN pode arriscar, um dia, estar em uma posição desconfortável e não ser socorrida pelas outras, todas têm se unido (informalmente falando) em torno desse acordo, visando entregar à Matriz os resultados financeiros usados para medir o desempenho das UNs.

A partir de 2012, as batalhas envolvendo as UNs e as USCs intensificaram-se, pois, apesar do conceito das USCs existir desde 2010, ele só foi completamente estabelecido em 2012. Isso significa que, mesmo no caso de um serviço formalmente enquadrado como “compartilhado”, algumas de suas atividades, estavam na realidade, alocadas dentro, ou fisicamente mais próximas, de uma UN específica, em razão da maior frequência de sua utilização, como no caso da Qualidade; ou, como no caso do RH, em que cada UN tinha sua própria equipe; ou ainda algumas atividades estavam simplesmente dispersadas aleatoriamente entre as UNs, que, por sua vez, também estavam dispersas entre as várias unidades da Corp no Brasil. Apesar de essas atividades estarem mais próximas e totalmente integradas à rotina diária de algumas UNs, os responsáveis pelas atividades da USC respondiam hierarquicamente a seus superiores dentro de cada USC (RH, Qualidade, Suprimentos, Finanças) gerando conflitos e disputas por poder.

Quando o conceito das USCs foi formalizado (e fisicamente centralizado em Sorocaba) foram contratados novos gerentes para cuidar das atividades dispersas anteriormente e sistematizá-las, criando novos problemas. No caso dos laboratórios de metrologia, por exemplo, após a centralização da Qualidade em uma USC, o novo gerente criou filas para o atendimento de pedidos para área da Qualidade por data, desagradando os líderes das maiores UNs que antes possuíam privilégios no atendimento de seus pedidos. A Tabela 1 abaixo resume os custos relativos à folha de pagamento em relação ao faturamento da empresa em 2010 (antes da reestruturação) e em 2013, após o fim do processo, demonstrando que a eficiência operacional após a criação das USCs piorou:

Tabela 1:
Relação entre custos de folha de pagamento das USC e o faturamento da empresa (2010-2013)

Cada uma das USCs criadas apresentou seus próprios problemas de centralização, conflitos e resultados como mostrados na tabela acima e descritos a seguir:

  • Na criação da USC-Propostas & Orçamentos, as resistências por parte dos profissionais que relutaram em deixar suas respectivas áreas nas UNs para formar as USCs; a perda de conhecimentos dos que deixaram a empresa; as novas (e onerosas contratações, dada a desatualização dos salários praticados); as lutas por poder e a perda de produtividade foram percebidas como uma dissonância entre a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para a elaboração de projetos e o resultado alcançado, pois, mesmo com a criação dessa USC, os processos relacionados à formulação das propostas de projetos permaneceram inalterados;

  • A criação da USC-Finanças institucionalizou a entrada do discurso do controle contábil na operação da subsidiária brasileira. Essa unidade acabou sendo a única que trouxe uma redução significativa de custos relativos à folha de pagamento de trabalho, considerando as 12 posições externalizadas para a Costa Rica e o desligamento de três gerentes não repostos pela empresa;

  • A criação da USC-Qualidade testemunhou a luta mais simbólica entre as UNs e a nova estrutura, como também entre a operação brasileira e a americana, uma vez que os VPs americanos das UNs brasileiras pressionaram para ter de volta, nas UNs, os profissionais remanejados para a USC-Qualidade. Assim, os profissionais de qualidade, contratados para trabalhar exclusiva, direta (e duplicadamente) junto à referida UN, tornaram-se custos exclusivos dela, fazendo com que a criação da USC-Qualidade atingisse uma pequena redução de custo de mão de obra;

  • Na criação da USC-Suprimentos, o processo de reengenharia promoveu os melhores resultados operacionais, embora, não sem aumentar seus custos de mão de obra proporcionalmente. Os resultados operacionais obtidos podem ser atribuídos à ausência de uma organização mínima preexistente. De qualquer forma, inexplicavelmente, os melhores resultados operacionais de 2013 foram proclamados no Reporte Anual de 2010 focando a capacidade técnica da USC;

  • Por último, mas não menos importante, a situação da USC-RH, que ilustra mais uma vez a dissonância entre o discurso da centralização e seu resultado simbólico. Após a reestruturação foram criadas quatro unidades de RH alocadas para cada uma das UNs, sendo que duas destas se subordinaram hierarquicamente ao comando da unidade de RH alocada à maior UN. Alguns serviços passaram a ser prestados de forma compartilhada e outros, de forma dedicada, resultando como mencionado por um funcionário, numa situação em que nenhuma das tarefas podia ser bem realizada, ainda mais considerando as saídas de profissionais que não foram repostos, resultando numa pequena redução de custo.

Além desses, um ponto relevante a ser considerado em relação à reestruturação organizacional performática da subsidiária brasileira refere-se ao porquê da função produção ter permanecido descentralizada em todas as quatro UNs brasileiras, não tendo sido centralizada em uma estrutura de serviços compartilhados, apesar de suas características de mão de obra intensiva e atividades custosas, considerando ainda o fato da Corp já ter terceirizado tais atividades em outras subsidiárias latino americanas. Os problemas, porém, não pararam por aí.

5.2 O ato da reestruturação parte 2: Conflitos, perda de poder e maus resultados

Apesar de a relação hierárquica entre os gerentes das UNs brasileiras e a supervisão para América Latina não ter sido formalmente modificada após a criação das USCs, a reestruturação resultou segundo a percepção deles, perda de poder gerada pelo surgimento dos gerentes das USCs, uma vez que as USCs passaram a assumir um papel voltado à prestação de serviço interno, em vez de um de subordinação em relação as UNs, como acontecia anteriormente.

Antes da reestruturação, as decisões tomadas pelos gerentes das UNs sempre prevaleciam em casos de conflitos com as áreas agora agrupadas pelas USCs. Após a reestruturação, a cada conflito surgido as USCs passaram a envolver suas respectivas lideranças latino-americanas, que por sua vez passaram a discutir a solução dos conflitos a partir de uma posição hierárquica equivalente com os gerentes das UNs brasileiras buscando um consenso. Um desses conflitos envolveu a USC de Qualidade, uma vez que o diretor da maior UN brasileira precisou buscar suporte junto ao presidente norte-americano de sua UN para reverter a centralização das atividades relativas à USC-Qualidade, antes descentralizadas junto à sua UN. Antes da reestruturação, esse diretor nem mesmo teria permitido que a centralização ocorresse; isto é, ele tinha poder em primeiro lugar, para, de forma independente evitar a centralização, prescindindo do endosso da matriz, demonstrando que as UNs brasileiras perderam de fato, poder e, de acordo com os seus diretores, produtividade também.

É digno de nota salientar que, do ponto de vista dos diretores, a situação poderia ser pior ainda, caso a área produtiva também tivesse sido centralizada, o que, no entanto, não aconteceu, apesar de a Corp já operar dessa forma ou, até, terceirizando a produção em determinadas países da América Latina.

Além disso, enquanto os gerentes esperavam serem promovidos em razão da ampliação da carga de seu trabalho; a matriz esperava crescimento das vendas e redução de custos. Porém, essas expectativas foram frustradas, já que os gerentes tiveram apenas as suas responsabilidades aumentadas, sem nenhuma compensação financeira; e a Matriz, apesar de alcançar o crescimento das vendas, teve um aumento de custos associado. A contratação de novos profissionais ocorreu em razão da sobrecarga de trabalho, em vez de ter sido planejada considerando as mudanças por causa da reestruturação. Entre 2011 e 2012, 400 pessoas foram contratadas; 70% destas foram adições de pessoal e 30%, substituições gerando como consequências o aumento dos custos diretos (relacionados a salários) e aumento também dos custos indiretos (relacionados a serviços de contratação, demissão e perdas de produtividade). Um gerente revelou que, como a Matriz temia os sindicatos brasileiros, a decisão sobre a reestruturação foi tomada de forma abrupta causando os problemas acima citados.

Além disso, após a crise financeira mundial de 2008, a Matriz havia autorizado a subsidiária brasileira a vender projetos com margens mais baixas, a fim de ganhar licitações da Petrobras, Braskem Vale, etc. Essa decisão, apesar de aumentar as vendas líquidas, também aumentou os custos associados às vendas, fortemente influenciados pelos aumentos de custo na mão de obra e materiais. Como os projetos da Corp têm um reconhecimento de receitas de longo prazo, o faturamento de cada projeto é reconhecido conforme ele vai sendo entregue. Conforme as entregas intermediárias de 2011 iam sendo reconhecidas, o respectivo aumento na receita e um cenário não auditável na área financeira camuflaram o aumento dos custos de vendas e a ineficiência operacional da subsidiária. E como a reestruturação estava acontecendo em paralelo, as reduções de custos trabalhistas eram ansiosamente esperadas. Mas, em 2013, nem os resultados de reestruturação entregaram a esperada redução de custos de mão de obra nem as menores margens dos projetos vendidos entregaram maiores lucros. As consequências de ambos começaram a aparecer em 2012 e 2013. A Tabela 2 ilustra a eficiência operacional entre 2010-2013 da operação brasileira e resume seu lucro operacional e seu lucro operacional sobre vendas:

Tabela 2:
Eficiência operacional e lucro operacional sobre vendas da operação brasileira (2010-013)

De acordo com o CFO da empresa na Flórida, essas perdas operacionais foram sanadas por meio de engenharia financeira e empréstimos entre subsidiárias. Apesar disso, a matriz bradou: “O que vocês estão fazendo aí embaixo?! Vocês têm muitos níveis gerenciais. É preciso diminuí-los!”. E, assim, teve início uma etapa não prevista pela reestruturação: a demissão dos gerentes de RH, Marketing e TI. Curiosamente, dois deles foram recontratados pela Corp via terceirização, passando a ser mais bem remunerados. Esses fatos levaram um dos gerentes a conversar com um diretor da Corp sobre o que ele pensava ser uma estratégia que não fazia muito sentido, ficando surpreso com a lógica por trás dessas ações:

“Veja bem, sei que não atingimos os ganhos de sinergia esperados... Sei que, muito pelo contrário, acabamos, gastando ainda mais, mas o fato é que tivemos que fazê-la (reestruturação)... É esse o jogo... temos que, constantemente, mostrar para os caras (Matriz), que podemos fazer isso... assim como todo mundo tá fazendo... além de fazer o nosso trabalho. Na verdade, ‘fazer isto’ virou nosso trabalho…”

Assim as batalhas por poder envolvendo a criação das USCs somadas às evidências numéricas de seu resultado negativo contribuíram para a percepção negativa sobre o processo de reestruturação entre os trabalhadores. Porém, do ponto de vista da reprodução do discurso do GBV, ao retratar o processo de reestruturação como um novo way of life, a direção da subsidiária parece ter internalizado a ideologia GBV, representando um avanço simbólico para a matriz.

Além disso, no caso de as novas regras do jogo a partir da imposição da reestruturação organizacional pela matriz americana não terem sido claras, a venda de 2015 da maior UN da Corp, que no Brasil representou o fechamento de uma unidade completa fora de Sorocaba, certamente esclareceu tudo. Essa unidade ficou fora da centralização ocorrida em Sorocaba, em função, segundo a matriz à época da centralização, do alto custo da mudança das máquinas e equipamentos. Hoje, no entanto, os entrevistados ponderam se, já àquela época, a venda da UN nos EUA e consequente fechamento da planta no Brasil já não estariam nos planos da Corp. Independentemente de tais ponderações, o desemprego causado e a ameaça futura dele têm sido um estímulo para a comunhão em torno da ideologia da GBV da subsidiária em relação à matriz.

6 O poder do mito em meio à ideologia da gestão baseada em valor (GBV)

O mantra da reestruturação tem sido exaustivamente reproduzido pelas grandes empresas que atuam sob a ideologia da GBV (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.). Porém, segundo os autores, nem as reestruturações nem as F&A (e, agora, as spinoffs) alcançam invariavelmente o que prometem, e em muitos casos tais processos podem se provar desapontadores, especialmente quando prometem aumentar o retorno aos acionistas. No entanto, atores relevantes do mercado de capitais presentes à construção social da ideologia da GBV institucionalizaram o mito da reestruturação organizacional como um meio legítimo de criação de valor ao acionista e passaram a desempenhar um papel ativo na reprodução deste mito.

Westphal & Zajac (1998Westphal, J., & Zajac, E. (1988). The Symbolic Management of Stockholders: Corporate Governance Reforms and Shareholders Reactions. Administrative Science Quarterly, 43, 127-153.) sugerem que há uma vasta evidência de que os executivos sêniores aprenderam como canalizar o impulso antigerencial em direção ao próprio autoenriquecimento por meio das alterações em seus esquemas de remuneração. A pesquisa de Brookman et al. (2007Brookman, J., Chang, S., & Rennie, C. (2007). CEO Cash and Stock-Based Compensation Changes, Layoff Decisions and SHV, Financial Review, 42, 99-119.) também confirmou que CEOs que se engajaram em estratégias de F&A, anunciaram layoffs, downsizings ou variadas reestruturações em série experimentaram aumentos em suas remunerações em formatos de bônus ou em stock options. Dinardo et al. (1997Dinardo, J., Hallock, K., & Pischke, J.S. (1997). Unions and Managerial Pay’. NBER Working Paper Series,Vol.w6318. Accessed at: Accessed at: http://www.nber.org/papers/w6318 on January 06, 2014.
http://www.nber.org/papers/w6318...
) apontaram evidências de que CEOs cujas firmas se afastaram da interferência sindical também tiveram suas remunerações aumentadas. Em suma, uma vez que os executivos perceberam que a ideologia da GBV demandaria deles a adoção do discurso envolvendo a reestruturação segundo os interesses dos acionistas, empenharam-se em estratégias de redução de custos que pudessem ser associadas a tal discurso.

Segundo Goldstein (2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
https://doi.org/10.1177/0003122412440093...
), tal dinâmica ajuda a compreender um aparentemente ineficaz projeto de downsizing gerencial. De acordo com o autor, os executivos anunciaram reestruturações, substituíram funcionários por computadores e eventualmente terminaram com unidades produtivas redundantes em razão de aquisições. E tudo isso visando acalmar Wall Street, enquanto, sem despertar a atenção, empregavam outros executivos cada vez mais bem pagos, como sempre fizeram (Goldstein, 2012Goldstein, A. (2012). Revenge of the Managers: Labor Cost-Cutting and the Paradoxical Resurgence of Managerialism in the SHV Era, 1984 to 2001. American Sociological Review 77 (2), 268-294. doi:10.1177/0003122412440093.
https://doi.org/10.1177/0003122412440093...
). Nesse ínterim, muitas firmas anunciaram layoffs que nunca ocorreram (Hallock, 2003Hallock , K. (2003). A Descriptive Analysis of Layoffs in Large U.S. Firms Using Archival and Interview Data: 1970-2002. Unpublished paper, Department of Economics, University of Illinois. Accessed at: Accessed at: http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/articles/236/ on February 23, 2015.
http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/ar...
) ou aconteceram simultaneamente a novas contratações (Capelli, 2000Capelli, P. (2000). Examining the Incidence of Downsizing and its Effect on Organizational Performance. In Neumark (Ed) On the Job: Is Long-Term Employment a Thing of the Past? New York: Russell Sage Foundation, 463-516.).

MacDuffie (1996Macduffie, J.P. (1996). Automotive White-Collar’ in Broken Ladders: Managerial Careers. In: P. Osterman (Ed.) The New Economy. New York: Oxford University Press, p.81-125.) aponta que, em 1985, a Ford Motor Co. anunciou um processo de reestruturação que reduziria 20% das posições gerenciais, mas, quatro anos depois, em 1989, somente 1,5% da meta tinha sido alcançada de fato. As evidências dos autores mostram que os executivos em geral, desde cedo, perceberam que, para se preservar em face da ameaça do impulso antigerencial da ideologia da GBV, teriam que adotar certa dose de performatividade relativa a seus discursos. Segundo Roe (1994Roe, M. (1994). Strong Managers, Weak Owners: The Political Roots of American Corporate Finance. Princeton, NJ: Princeton University Press.), a assimetria de informações experimentada pelos investidores, somada aos arranjos políticos-institucionais da categoria profissional à qual pertencem os gerentes, previne que a imposição de todos os desejos dos primeiros sejam sequer considerados pelos últimos.

Assim, face à potencial falta de condições efetivas de os investidores realmente conseguirem exercer pressão ou controle sobre a alta administração (Boyer, 2005Boyer, R. (2005). From Shareholder Power to CEO Power. The paradox of 90s. Working Paper 2005 - 10. Paris-Jourdan Sciences Economiques. Accessed at: Accessed at: http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/59/08/48/PDF/wp200510.pdf on October 8, 2014.
http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/...
; Lazonick, 2009Lazonick, W. (2009). Sustainable Prosperity in the New Economy? Business Organization and High-Tech Employment in the United States. Kalamazoo, EUA: Upjohn Institute for Employment Research.;Montalban & Sakinç, 2013Montalban, M., & Sakinç, M. E. (2011). How financialization shapes productive models in pharmaceutical industry: the domination and contradictions of the blockbuster productive model. Université de Bordeaux GREThA UMR CNRS 5113: 35p. Accessed at: Accessed at: http://www.theairnet.org/files/research/Sakinc/Matthieu&Erdem_23022011.pdf on July 19, 2013.
http://www.theairnet.org/files/research/...
) no sentido de conseguirem forçar os executivos a agirem segundo o que os investidores desejam, apesar de o discurso da ideologia da GBV afirmar tal efetividade (Useem, 1993Useem, M. (1993). Executive Defense: Shareholder Power and Corporate Reorganization. Cambridge, EUA: Harvard University Press.; Fligstein, 1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.; Powell, 2001Powell, W.W. (2001). The Capitalist Firm in the Twenty-First Century: Emerging Patterns in Western Enterprise. In The Twenty-First Century Firm - Changing Economic Organization in International Perspective, P. J. DiMaggio (Ed.) New Jersey, EUA: Princeton University Press.;Froud et al., 2000aFroud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2000). Restructuring for SHV and its implications for labour. Cambridge Journal of Economics 24, 771-797. doi: 10.1093/cje/24.6.771.
https://doi.org/10.1093/cje/24.6.771...
; Froud et al.,2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.); apesar de as reestruturações performáticas não serem suficientes para impulsionar o valor das ações, elas, certamente, prestam sua reverência aos interesses daqueles atores, demonstrando que seu poder e influência, certamente, não têm sido ignorados. Ainda mais se, considerando a renovada onda de investidores ativistas que, no caso da Corp, de fato tem sido bastante realista, já que, em 2015, o ativista Nelson Peltz a colocou em sua lista de alvos, com outros conglomerados industriais (Browne, 2015Browne, C. (2015). RBC: Nelson Peltz May Target One Of These Industrial Companies Accessed at: RBC: Nelson Peltz May Target One Of These Industrial Companies Accessed at: http://www.valuewalk.com/2015/05/nelson-peltz-activist-targets/ on November 18, 2015.
http://www.valuewalk.com/2015/05/nelson-...
).

Hirsch & De Soucey (2006Hirsch, P. M., & De Soucey, M. (2006). Organizational Restructuring and its Consequences: Rhetorical and Structural. Annual Review of Sociology, 32, 171-189. doi:10.1146/annurev.soc.32.061604.123146.
https://doi.org/10.1146/annurev.soc.32.0...
) retrataram o discurso da reestruturação organizacional como um importante componente da ideologia do Management americano exportado para outros contextos transnacionais, como no caso da Corp-Brasil. Aqui, apesar do discurso do SHV proclamar que a maximização do lucro deve ser substituída pela maximização do retorno ao acionista, os resultados alcançados não entregaram nem o aumento do lucro em si (Tabela 2). Além da falta de lucratividade, os aumentos no custo da mão de obra (Tabela 1) pós-reestruturação levaram à outra dissonância entre o discurso da reestruturação e os resultados. Porém, a criação das USCs brasileiras contribuiu, por um lado, para demonstrar que a estratégia da reestruturação de base contínua (Reportes Anuais, 2010-2015) foi colocada em movimento; e, por outro, para catequizar a subsidiária em relação à ideologia da GBV, apesar do fiasco de sua criação ter elevado, à estratosfera, as discrepâncias entre discurso e resultados. Os anúncios de F&A e spinoffs da Corp também têm mostrado que algo está sendo feito e isso vai de encontro às crenças, mitos e valores legitimados pela ideologia da GBV.

Quando comparados os espaços dedicados para endossar os mitos das estratégias de reestruturação organizacional ou das aquisições/spinoffs, em meio a seus reportes anuais, no entanto, percebe-se que o primeiro é sobrevalorizado por essa que é a literatura institucional da empresa. Ou seja, a estratégia da reestruturação organizacional é aquela vendida como sendo contínua, apesar do fato de que ela nem dispõe de uma estrutura que a suporte (assim como a estratégia de aquisições/spinoffs possui); nem é a beneficiária dos maiores investimentos (como a estratégia de aquisições/spinoffs o é, uma vez que os dados mostraram a diferença do que foi investido em cada estratégia desde 1997). Apesar disso, todas as histórias contadas pelos reportes anuais que envolvem superações de adversidades indicam a reestruturação organizacional como aquela empreendida para tal, ou seja, aquela que uma vez implementada reverteu resultados ruins (Reportes Anuais da Corp, 2010-2015). Ainda observando a contação de tais histórias (storytelling), é interessante notar que o emprego das estratégias opostas, como as que envolvem aquisições como aquelas que envolvem desinvestimentos, por meio de spinoffs, por exemplo, são sempre empreendidas visando conformar-se ao discurso da ideologia da GBV. Assim, ainda que faça sentido que em 2010 uma grande aquisição tenha sido feita visando criar valor ao acionista, continua fazendo sentido se desfazer de tal aquisição visando ao mesmo fim: criar valor ao acionista.

Considerando ainda o caso brasileiro, em primeiro lugar, à medida que as batalhas relativas a quanto cada UN teria que, mensalmente (e proporcionalmente ao seu uso) destinar a cada serviço compartilhado fornecido pela USC relativo aos serviços de Qualidade, Finanças, Suprimentos, Recursos Humanos ou Propostas & Orçamento, instalou-se na subsidiária não só um ambiente hostil como improdutivo e antieconômico, levando uma das UNs a duplicar internamente os serviços de Qualidade, já ofertados por uma USC. No entanto, apesar dessas situações de conflitos, havia situações quando - exatamente o oposto - a cooperação entre as UNs e as USCs se verificava, sem que, no entanto, a companhia também se beneficiasse disso. Pois, apesar de o conceito das USC visar tornar os resultados físicos das UNs mais produtivos (para o que as USCs dificilmente possam ter contribuído) e os resultados financeiros mais transparentes (para o que as USCs certamente não contribuíram), elas passaram, com as UNs, a distribuir seus custos (não sem que outros conflitos dessa situação emergissem), socorrendo as UNs quando necessário, visando à entrega de melhores resultados para todos. Assim, apesar de o discurso da ideologia do SHV pregar a necessidade de transformação das relações internas da empresa em relações de mercado (explicitando o resultado individual de cada UN, estimulando a competição entre elas e possibilitando que seus resultados sejam usados para medir, comparar e decidir sobre alocações de recursos ou desinvestimentos), a encenação desse discurso envolveu o arranjo de resgate entre as UNs e as USCs, e como resultado nem os resultados das UNs passaram a refletir a realidade, nem se conseguiu estimular a competição entre estas unidades - pelo contrário, tendo estimulado a cooperação (no mau sentido do ponto de vista do GBV) entre elas.

À medida que a liderança das USCs emergiu lado a lado com as lideranças já estabelecidas das UNs, outros conflitos ligados a disputas de poder surgiram, juntamente com uma percepção de upsizing em vez da de downsizing pretendida, e como um resultado disso nem mesmo os custos diretos de mão de obra foram alcançados, sendo alguns dos gerentes despedidos recontratados com maiores salários. Esses fatos levaram a muitos questionamentos dentro da empresa e hostilidade entre unidades organizacionais, funcionários e direção. Além disso, está a questão do porque da área produtiva não ter sido centralizada numa USC, apesar de seu alto custo em razão do emprego de mão de obra intensiva e ser algo já praticado pela Corp na América Latina.

Como bem afirmaram Froud et al. (2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) “any consideration of restructuring takes us further into the issues around saying and doing and the multiple discrepancies around both” (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge., p. 109). Tais discrepâncias entre o discurso da reestruturação (visando à criação de valor ao acionista) e os resultados alcançados (relativos ao aumento dos custos de mão de obra) revelado pela criação das USCs (como meio de transformar as relações internas da empresa em relações de mercado) foram percebidos somente pelos sobreviventes a esse processo. Elas não foram percebidas por aqueles que desfrutam de dividendos crescentes, analistas de mercado ou fundos de investimentos, ou seja, aqueles para os quais a reestruturação performática foi encenada. Pois, para esses atores, os reportes anuais retratam a reestruturação como bem-sucedida e não causadora de nenhum ajuste (goodwill impairments) constrangedor (que pudesse diminuir o ganho por ação da companhia), explicando parcialmente a preferência da Corp em enfatizar tal estratégia em seus reportes anuais segundo a crença que melhor simboliza a comunhão da empresa com a ideologia da GBV.

7 Considerações finais

O presente artigo procurou entrelaçar de forma alternativa e, ao mesmo tempo, interessante as reorientações dos discursos voltados para o Management americano ao longo das décadas de 1950, 1970 e 1990; a Teoria da Agência e a construção social do campo organizacional da ideologia de gestão voltada para a valorização do acionista; a GBV, de forma a proporcionar algum avanço nos estudos organizacionais da área. Nesse sentido, as contribuições do artigo podem se desdobrar em três. A ideologia do Management, como apresentada aqui, vai além das tradicionais formulações da Teoria da Agência para a GBV e emprega a noção bourdiesiana de campo organizacional, visando explicar melhor as crenças e valores legitimados no campo da GBV. O artigo também integra a reorientação do discurso do Management americano do final de 1970 e a construção do campo da GBV à emergência do fenômeno chamado CEO celebridade. Por último, mas não menos importante, outra contribuição recai sobre a imbricação proposta entre as teorias abordadas e entre seus resultados empíricos, deduzidos de um longo (e detalhado) caso, estudado entre 2010 e 2015.

Pesquisas futuras relacionadas aos temas aqui tratados poderiam considerar analisar outros processos de reestruturação empreendidos pela Corp, visando à comparação com este aqui relatado; ou explorar (e também comparar) as estratégias dos competidores da Corp sob a pressão da ideologia GBV; ou, ainda, tentar superar uma dificuldade encontrada nesta pesquisa, ou seja, tentar entender como os resultados isolados de cada subsidiária afetam os resultados gerais da companhia em termos da criação/destruição de valor ao acionista. Muito embora os resultados alcançados pelo processo de reestruturação (ou seja, a não redução dos custos de mão de obra da subsidiária, nem a melhoria de sua lucratividade) possibilitem a afirmação da não criação de valor ao acionista, seria interessante entender, quantitativamente, inclusive, como (e se) tais resultados destruíram valor.

O objetivo do artigo foi explorar um processo de reestruturação, aqui retratado como um mito, um valor legitimado a partir da construção social do campo organizacional da ideologia da GBV empreendido na subsidiária brasileira de uma centenária corporação americana. De acordo com o discurso da companhia aqui analisada (repetidamente reproduzido pelos gerentes, diretores e CFO entrevistados e documentos públicos oficiais), a companhia compartilha tal crença entre outros mitos e ritos legitimados como criadores de valor ao acionista no âmbito do habitus deste campo organizacional.

Segundo Froud et al. (2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.), à medida que a pressão dos investidores institucionais aumentou, os gerentes proclamaram a encenação por meio da reestruturação, em todas as suas mais variadas formas, como a forma recorrente de mostrar que seus discursos estavam se materializando. No entanto, com o passar do tempo, fazer corresponder a fala à ação provou-se uma árdua tarefa, em razão dos hiatos decorrentes entre o discurso e os resultados alcançados, levando Froud et al. (2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge.) a questionarem:

If restructuring can be the site of some major discrepancies between saying and doing because the ex-ante objective may be increasing the returns for shareholders but the ex-post outcome for capital is often disappointing, despite labor cost reduction strategies, why does management insist on restructuring?” (Froud et al., 2006Froud, J., Johal, S., Leaver, A., & Williams, K. (2006). Financialization and Strategy. 1st ed. Oxion: Routledge., p. 109)

Isso ilustra o estado de coisas na Corp, embora, neste caso, nem a redução direta e imediata do custo de mão de obra foi alcançada. A resposta dos autores à indagação acima vai de encontro às palavras de um dos diretores entrevistados, ou seja, a gerência insiste em fazê-lo, porque isso mostra que algo está sendo feito. Segundo os autores, ainda, isso faz que as firmas sob a pressão do mercado de capitais “ganhem tempo”, pois reestruturações em série dificultam a avaliação e/ou a comparação entre firmas que ficam mudando de forma frequentemente.

Ainda, como outro diretor entrevistado mencionou, eles estão seguindo a onda da reestruturação e a adotando, pois “…nós temos que mostrar que somos capazes de fazer o que todos estão fazendo…”. Ou seja, considerando a natureza isomórfica mimética (DiMaggio e Powell, 1983DiMaggio, P.J., & Powell, W.W. (1983). The Iron Cage Revisited: Institutional Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields. American Sociological Review 48, 147-160.) de tal obsessão, esse processo de homogeneização organizacional tem tornado as organizações mais parecidas entre si, sem no entanto, as tornar mais eficientes (Sacomano Neto et al., 2013Sacomano Neto, M.; Truzzi, O.M.S.; Kirshbaum, C. (2013). Isomorfismo e Controle Institucional em uma Planta Modular da Indústria Automobilística. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 15 (49), 524-544. doi:10.7819/rbgn.v15i49.1585.
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). Sob a ideologia do GBV e da ascensão do mercado de capitais, algumas das mudanças organizacionais parecem ser menos orientadas pelas demandas de eficiência e mais pela demanda de serem percebidas como criadoras de valor, impulsionando as reestruturações simbólicas. Parafraseando Dobbin & Jung (2010Dobbin, F., & Jung, J. (2010). The Misapplication of the Mr. Michael Jensen: How Agency Theory Brought Down the Economy and Why It Might Again. Markets on Trial: The Economic Sociology of the US Financial Crisis: Part B. Research in the Sociology of Organizations 30B: 29-64. Accessed at: Accessed at: http://scholar.harvard.edu/dobbin/publications/misapplication-mr-michael-jensen-how-agency-theory-brought-down-economy-and-why- on March 18, 2014.
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), quando os atores formadores do mercado acreditam que as firmas sob reestruturação recorrentes (apontem CEO celebridade ou invistam em F&A etc.) são mais valiosas, então, elas o são. Além disso, segundo Bourdieu (1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.), o conteúdo dos discursos - e, mais especificamente, o poder simbólico que suas palavras exercem - repousa na legitimidade que seus ouvintes conferem àqueles que os proferem.

O caso pesquisado mostrou que a companhia analisada reproduz as crenças e os valores legitimados pela ideologia da GBV, por meio tanto de seus discursos formais quanto informais assim como por meio de encenações, ou a chamada reestruturação performática, simbolizando sua reverência em direção àquela ideologia. O discurso que envolveu o processo de reestruturação brasileiro se prestou à reprodução da crença de transformar as relações internas da firma em relações de mercado e a criação de valor por meio da redução de custos de mão de obra. No entanto, passados três anos do fim do processo, ele não se mostrou apto nem a transformar efetivamente suas relações internas em relações de mercado, como o sistema informal de resgate entre as UNs demonstrou; nem de reduzir os custos de mão de obra ou aumentar os lucros da subsidiária, ficando aquém da possibilidade e criação de valor ao acionista. No entanto, a contação de histórias (storytelling) empreendida pelos reportes da companhia acerca das virtudes da criação de valor por meio de suas reestruturações contínuas pôde ser reforçada ainda que após uma reestruturação performática, especialmente considerando que:

  • o reporte anual da Corp de 2010 pré-retratava os resultados da reestruturação brasileira (somente alcançados em 2013) como bem-sucedidos;

  • a única fonte de informação desagregada relativa aos resultados geográficos da Corp fornecidos por seus reportes anuais informa que a evolução das vendas por Área Mundial (um dos critérios de descentralização das subsidiárias da Corp) está crescendo (assim como estão os custos de vendas na subsidiária brasileira);

  • esses resultados não foram percebidos nem pelos acionistas da Corp nem por atores relevantes do mercado de capitais;

  • esses resultados não levaram à necessidade de ajustes (goodwill impairments) embaraçosos como de alguns processos de aquisição;

  • a catequização da subsidiária em prol da ideologia da GBV - apesar de isso representar um importante ganho simbólico, certamente não é a esse resultado que o relatório se refere;

  • esse processo envolve aspectos simbólicos relativos ao campo organizacional do Management; nesse sentido, resultados quantitativos não são os únicos a serem contabilizados; e

  • a condição de efetivo controle da alta direção das empresas pelos investidores institucionais é questionável (Boyer, 2005Boyer, R. (2005). From Shareholder Power to CEO Power. The paradox of 90s. Working Paper 2005 - 10. Paris-Jourdan Sciences Economiques. Accessed at: Accessed at: http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/59/08/48/PDF/wp200510.pdf on October 8, 2014.
    http://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/...
    ; Lazonick &O’Sullivan, 2000; Montalban & Sakinç, 2011Montalban, M., & Sakinç, M. E. (2011). How financialization shapes productive models in pharmaceutical industry: the domination and contradictions of the blockbuster productive model. Université de Bordeaux GREThA UMR CNRS 5113: 35p. Accessed at: Accessed at: http://www.theairnet.org/files/research/Sakinc/Matthieu&Erdem_23022011.pdf on July 19, 2013.
    http://www.theairnet.org/files/research/...
    ). Mesmo assim, ainda que simbólicas, tais ações prestam a devida reverência aos interesses desses atores, demonstrando que sua influência não tem sido ignorada.

Como Geertz (1973Geertz, C. (1973). A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Brazil: Zahar.), citando Weber, afirmou: “o homem é um animal suspenso nas teias de significados que ele mesmo teceu” (Geertz (1973Geertz, C. (1973). A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Brazil: Zahar., p.15). O homem inventa os termos, lhes atribui significados e passa a empregá-los a fim de estruturar sua realidade (Berger & Luckman, 1966Berger, P.L., & Luckman, T. (1966). The Social Construction of Reality: A Treatise in the Sociology of Knowledge. Garden City, NY: Anchor Books.), como se esta não fosse um produto de uma ação prévia dele mesmo. De forma similar, gerentes encenam seus atos performáticos, à medida que os percebem como estruturadores de sua realidade. A construção do campo da GBV se mostra um caso emblemático em que, apesar do ativismo/empenho dos atores em sua construção, esses atores passaram a responder a suas percepções das pressões resultantes de tal construção como se fossem forçados a isso, quando, na verdade, eles próprios forjaram tal condição por meio da qual esperavam se beneficiar de alguma forma (por meio de novos esquemas de remuneração, por exemplo). Em outras palavras, segundo Fligstein (1990Fligstein, N. (1990). The Transformation of Corporate Control. Cambridge, M.A: Harvard University Press.), os mercados são socialmente construídos a fim de adaptarem aos interesses dos atores mais influentes na construção de um campo organizacional ou, ainda, as organizações sociais constroem os mercados e não o contrário.

Foi assim que o processo de construção social do campo organizacional do Management, a partir do final da década de 1970, marcado pela reorganização do discurso empresarial em direção à ideologia da GBV, foi impulsionado pelos interesses dos influentes investidores institucionais, que passaram a ocupar uma posição hierárquica altamente privilegiada no campo em formação após a desregulamentação financeira dos anos 1980. Com isso, a institucionalização de tal ideologia acabou por instaurar uma gestão voltada para a criação de valor ao acionista, altamente suscetível ao escrutínio dos demais influentes atores do mercado de capitais.

Apesar de tal escrutínio, o fiasco da criação das USCs, que elevou a dissonância entre o discurso e os resultados a um patamar jamais pensado, a reestruturação simbólica da Corp tem se mostrado suficientemente convincente a ponto de evitar, até agora, a centralização (ou a terceirização) das operações produtivas, já terceirizada pela Corp em outras localidades. A manutenção dessas operações de mão de obra intensiva, internamente à subsidiária, numa estrutura descentralizada, isto é, envolvendo duplicidade de processos, em meio ao processo de reestruturação acontecendo, simboliza uma forte evidência de que a reestruturação teve mesmo um viés performático, uma vez que deveriam ter sido incluídas, sob sua mira, tais operações, no caso desse processo estar realmente voltado para o corte de custos, ainda que o discurso ambicionasse a valorização do valor da companhia. O que ocorreu, porém, foi que as três UNs da Corp Brasil ainda mantêm sua própria área produtiva dedicada exclusivamente a si. Apesar do fato de essas operações produtivas (não financeiras) serem medidas e controladas por meio de métricas financeiras, o fato de a Corp ainda manter essa estrutura descentralizada pode simbolizar que a lógica produtiva ainda não foi completamente substituída pela financeira, contrariando outra crença da ideologia da GBV (Grün, 1999Grün, R. (1999). Modelos de Mundo, Modelos de Empresa: Sobre Algumas Características Culturais da Nova Ordem Econômica e da Resistência a Ela. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 14 (41), 121-140.). Isto também ficou evidente após a análise dos reportes anuais que sobrevalorizam a estratégia da reestruturação organizacional (relacionado à lógica produtiva) em detrimento da estratégia baseada nas aquisições/desinvestimentos (relacionadas à lógica financeira) para simbolizar a crença da companhia na ideologia da GBV.

Longe de se pretender, com isso, afirmar que a estratégia do crescimento inorgânico por meio das aquisições não está no menu de alternativas para a criação de valor, uma vez que há, em todo lugar, tais reportes (assim como as entrevistas e as ações da companhia nesse sentido), fica nítido o quão pesadamente a empresa investe nessa estratégia, tanto por meio de investimentos financeiros como por meio de uma estrutura formal definida para servi-la buscando potenciais alvos. Segundo o CFO entrevistado, não há como comparar os ganhos de produtividade advindos de um novo layout (e seus reflexos nos ganhos financeiros) com os ganhos advindos da aquisição de outra companhia (e seus reflexos que incluem a incorporação do EBITDA, da receita de vendas, do fluxo de caixa, das novas linhas de produtos etc. da companhia adquirida).

Apesar disso, a estratégia da reestruturação organizacional se mantém à frente, simbolizando emblematicamente a aderência da empresa à ideologia da GBV. Talvez isso se deva aos constrangimentos causados ao se reconhecer uma aquisição mal feita ou a adoção daquela considerada a “ugly stepchild of corporate strategies” (Feldman, 2015Feldman, E.R. (2015). Managerial compensation and corporate spinoffs. Strategic Management Journal. doi: 10.1002/smj.2434.
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), criando situações bizarras quando, paradoxalmente, tanto as decisões sobre aquisições quanto sobre spinoffs baseiem-se nos mesmos argumentos: a criação de retornos aos acionistas. Retornos, que, no entanto, não estão retornando. Pois nem os bilhões de dólares investidos em aquisições em 2010 nem os resultados decepcionantes da reestruturação brasileira de 2013, nem a venda de 51% de sua maior UN em 2014 para um fundo de Private Equity; nem o anúncio do spinoff dos restantes 49% daquela UN em 2015 tem conseguido estancar a queda do valor das ações da Corp nos dois últimos anos.

Paradoxalmente, porém, apesar de sujeita à lógica fria das finanças e pressionada pelo imperativo (quantitativo) da criação de valor, a companhia pesquisada se revelou sujeita a uma dinâmica organizacional em que a questão da legitimidade simbólica desempenha um papel decisivo na preservação de sua posição em meio à hierarquia do campo socialmente construído da ideologia da GBV, revigorando assim conceitos da Teoria de Campo (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Brazil: Bertrand Brasil.), da Teoria Neo-Institucionalista (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P.J., & Powell, W.W. (1983). The Iron Cage Revisited: Institutional Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields. American Sociological Review 48, 147-160.) e as formulações da Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M.C., & Meckling, W.H. (1976). Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.).

Segundo Boden (1994Boden, D. (1994). The Business of Talk. Organizations in Action. Cambridge, England: Polity Press.), o processo fundamental estruturador das organizações é a fala.Jönsson (1988Jönsson, S. (1998). Relate Management Accounting Research To Managerial Work! Accounting, Organizations and Society, 23 (4), 411-434. doi:10.1016/S0361-3682(97)00018-4.
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) argumenta que “managers work with words” (JÖNSSON, 1988Jönsson, S. (1998). Relate Management Accounting Research To Managerial Work! Accounting, Organizations and Society, 23 (4), 411-434. doi:10.1016/S0361-3682(97)00018-4.
https://doi.org/10.1016/S0361-3682(97)00...
, p.411). Bem, as palavras com as quais os gerentes “trabalham” dependem daqueles para os quais eles as proferem. A audiência GBV revelou-se exigente, pressionando os gerentes não só a falar mas também a agir segundo o que ela gostaria de ver, ouvir e ler. Consoante com isto, os reportes anuais da companhia orgulhosamente prometem: “At Corp, we do what we say we are doing”; assim qualquer brecha entre discurso e resultados pode ser alocada como o ensejo para se fazer mais (assim como falar mais), uma vez que os mesmos reportes anunciavam que “there is much more to come” (ou “to go”, talvez por meio de outra spinof).

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  • 2
    Avaliado pelo sistema: Double Blind Review
  • Agências de fomento: Capes e CNPq
  • 6
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no Fifth Global Entrepreneurship Monitor Research Conference (Cartagena de Indias - Colombia), realizado nos dias 6 a 8 de outubro de 2011 e, no RENT XXVI - Research in Entrepreneurship and Small Business (Lyon - France), realizado nos dias 21 a 23 de novembro de 2012, autores Eduardo Gómez Araujo, Esteban Lafuente e Yancy Vaillant. Para esta versão, o artigo teve trechos atualizados.

Contribuição dos autores:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2015
  • Aceito
    18 Nov 2016
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