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Fatores biocomportamentais e as alterações no número das células de Langerhans

Behavioral factors and changes in the number of Langerhans' cells

Resumos

OBJETIVOS: estudar a relação dos fatores biocomportamentais (idade, menarca, número de gestações e precocidade sexual) com alterações das células de Langerhans em mulheres com captura híbrida negativa para HPV. MÉTODOS: foram estudadas 30 mulheres com alterações citológicas ou lesão no colo uterino que foram submetidas aos exames de colposcopia, biópsia dirigida e histopatologia. As células de Langerhans foram identificadas pela reação de imuno-histoquímica com uso de antígenos anti-S100. As células visualizadas em marron foram contadas utilizando o software Cytoviewer. Para análise estatística utilizou-se o teste não-paramétrico de soma das ordens de Wilcoxon. RESULTADOS: o número de células de Langerhans em mulheres com menarca após os 13 anos apresentou diferença significante (173,34 cels/mm²) comparado ao grupo com menarca antes de 12 anos (271,41 cel/mm²). A precocidade sexual associou-se ao baixo número de células de Langerhans com 127,15 cels/mm² e 250,14 cels/mm², respectivamente, para início da atividade até 17 anos e após 17 anos (p=0,03). Cauterizações anteriores do colo uterino foram relacionadas com o menor número de células de Langerhans, no epitélio com a média 120,30 cels/mm² e 236,06 cels/mm² para aquelas que nunca haviam sido submetidas a esse procedimento (p=0,05). Outros fatores como idade da paciente e número de gestações não foram relacionadas a alteração na densidade de células de Langerhans. CONCLUSÕES: o presente estudo observou associação de fatores biocomportamentais sobre o número das células de Langerhans.

Colo; Células de Langerhans; Papilomavírus humano; Atividade sexual; Cauterização do colo; Imunidade celular


OBJECTIVE: to study the relationship of biobehavioral factors, such as age, menarche, number of gestations, and age of first sexual intercourse, with changes in Langerhans'cells in women with negative hybrid capture for HPV. METHODS: thirty women referred due to abnormal cervical cytology or premalignant cervical lesions were studied and underwent colposcopy, guided biopsy and histopathological exams. The Langerhans' cells were identified by immunohistochemical (S100+) exams. Langerhans' cells visualized in brown color were counted using the software Cytoviewer. The nonparametric Wilcoxon rank-sum test was employed for statistical analysis. RESULTS: the number of Langerhans' cells in women who had menarche after 13 years old presented statistically significant difference (173.34 cell/mm²) compared to the group whose menarche occurred before 13 (271.41 cell/mm²). The age at the first sexual intercourse was associated with the low number of Langerhans' cells, 127.15 cell/mm² and 250.14 cell/mm², respectively, for the beginning of the sexual activity up to 17 years old and after 17 (p=0.03). Previous cauterizations of the uterine cervix have been related to a lower number of Langerhans' cells in the epithelium, with the average 120.30 cell/mm² as compared to 236.06 cell/mm² for those women who never underwent that procedure (p=0.05). Other factors such as the patient's age and the number of gestations showed no statistically significant differences in the density of Langerhans' cells. CONCLUSIONS: the present study reports the association of biobehavioral factors with decrease in the number of Langerhans' cell.

Cervix; Langerhans' cells; Human papillomavirus; Sexual activity; Cervical cauterizations; Celular immunization


TRABALHOS ORIGINAIS

Fatores biocomportamentais e as alterações no número das células de Langerhans

Behavioral factors and changes in the number of Langerhans' cells

Nelson Shozo UchimuraI; Julisa Chamorro Lascasas RibaltaII; José FocchiII; Edmund Chada BaracatII; Taqueco Teruya UchimuraIII

IDepartamento de Medicina / Universidade Estadual de Maringá

IIDepartamento de Ginecologia / Universidade Federal de São Paulo–EPM

IIIDepartamento de Enfermagem / Universidade Estadual de Maringá

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Nelson Shozo Uchimura Rua Arthur Thomas 23, apto 901 87013-250 - Maringá - PR Telefone/Fax: (44) 226-6363 e-mail: nuchimura@irapida.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: estudar a relação dos fatores biocomportamentais (idade, menarca, número de gestações e precocidade sexual) com alterações das células de Langerhans em mulheres com captura híbrida negativa para HPV.

MÉTODOS: foram estudadas 30 mulheres com alterações citológicas ou lesão no colo uterino que foram submetidas aos exames de colposcopia, biópsia dirigida e histopatologia. As células de Langerhans foram identificadas pela reação de imuno-histoquímica com uso de antígenos anti-S100. As células visualizadas em marron foram contadas utilizando o software Cytoviewer. Para análise estatística utilizou-se o teste não-paramétrico de soma das ordens de Wilcoxon.

RESULTADOS: o número de células de Langerhans em mulheres com menarca após os 13 anos apresentou diferença significante (173,34 cels/mm2) comparado ao grupo com menarca antes de 12 anos (271,41 cel/mm2). A precocidade sexual associou-se ao baixo número de células de Langerhans com 127,15 cels/mm2 e 250,14 cels/mm2, respectivamente, para início da atividade até 17 anos e após 17 anos (p=0,03). Cauterizações anteriores do colo uterino foram relacionadas com o menor número de células de Langerhans, no epitélio com a média 120,30 cels/mm2 e 236,06 cels/mm2 para aquelas que nunca haviam sido submetidas a esse procedimento (p=0,05). Outros fatores como idade da paciente e número de gestações não foram relacionadas a alteração na densidade de células de Langerhans.

CONCLUSÕES: o presente estudo observou associação de fatores biocomportamentais sobre o número das células de Langerhans.

Palavras-Chave: Colo: lesões pré-neoplásicas. Células de Langerhans. Papilomavírus humano. Atividade sexual. Cauterização do colo. Imunidade celular.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to study the relationship of biobehavioral factors, such as age, menarche, number of gestations, and age of first sexual intercourse, with changes in Langerhans'cells in women with negative hybrid capture for HPV.

METHODS: thirty women referred due to abnormal cervical cytology or premalignant cervical lesions were studied and underwent colposcopy, guided biopsy and histopathological exams. The Langerhans' cells were identified by immunohistochemical (S100+) exams. Langerhans' cells visualized in brown color were counted using the software Cytoviewer. The nonparametric Wilcoxon rank-sum test was employed for statistical analysis.

RESULTS: the number of Langerhans' cells in women who had menarche after 13 years old presented statistically significant difference (173.34 cell/mm2) compared to the group whose menarche occurred before 13 (271.41 cell/mm2). The age at the first sexual intercourse was associated with the low number of Langerhans' cells, 127.15 cell/mm2 and 250.14 cell/mm2, respectively, for the beginning of the sexual activity up to 17 years old and after 17 (p=0.03). Previous cauterizations of the uterine cervix have been related to a lower number of Langerhans' cells in the epithelium, with the average 120.30 cell/mm2 as compared to 236.06 cell/mm2 for those women who never underwent that procedure (p=0.05). Other factors such as the patient's age and the number of gestations showed no statistically significant differences in the density of Langerhans' cells.

CONCLUSIONS: the present study reports the association of biobehavioral factors with decrease in the number of Langerhans' cell.

Keywords: Cervix: neo-plastic lesions. Langerhans' cells. Human papillomavirus. Sexual activity. Cervical cauterizations. Celular immunization.

Introdução

A infecção genital pelo papilomavírus humano (HPV) tem se apresentado como problema de suma importância devido a sua alta prevalência e relação com o câncer de colo uterino, estimando-se que 34% das mulheres infectam-se durante suas vidas1,2. Essa infecção é geralmente crônica, mesmo na adolescência, quando o sistema imunológico está francamente ativo. A cronicidade da infecção em hospedeiro imunocompetente sugere falha na apresentação do antígeno viral ao sistema imunológico ou no reconhecimento das células HPV infectadas pela reação específica induzida3.

A disseminação da infecção pelo HPV, o longo período de latência entre a infecção primária e o desenvolvimento da neoplasia de colo uterino, o pequeno número de indivíduos infectados que desenvolvem o câncer, o alto índice de regressão espontânea e a média de idade das pacientes infectadas (32,4 anos) inferior àquelas com neoplasia invasora (42,6 anos) sugerem influência de co-fatores na etiologia desse câncer. Entre estes poderíamos citar os fatores imunológicos, fatores hormonais, o fumo e as carências nutricionais de vitamina A, b-caroteno, vitamina C e ácido fólico4,5.

Na busca de fatores imunológicos atuantes, têm sido estudados linfócitos T-CD4+, T-CD8+ e células de Langerhans responsáveis pelo reconhecimento das células infectadas6. As células de Langerhans são componentes importantes no sistema de vigilância imunológica celular7. São células apresentadoras de antígeno que ativam especificamente as células T-CD4+ e além disso exercem ações citotóxicas e fagocíticas diretas típicas de macrófagos8. As células de Langerhans, por sua citoarquitetura e sua localização intercelular no terço basal do epitélio escamoso, seriam as responsáveis pela apresentação de antígenos9. Evidências de depressão imunológica com diminuição no número de células de Langerhans têm sido relacionadas ao estudo das lesões induzidas pelo HPV no colo uterino10,11.

No desenvolver de uma infecção viral ou de um tumor inicia-se a ativação dos linfócitos T pela apresentação do antígeno ao sistema imunológico. Assim, o mecanismo de apresentação de antígeno viral ou tumoral ao sistema imunológico inicia-se pela sua fagocitose pelas células de Langerhans nas quais é processado, associado às moléculas do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) e, a seguir, exposto ao linfócito T específico12.

A suscetibilidade à infecção viral e fúngica recorrente em mulheres HIV-positivas é explicada pela baixa imunidade celular local. Assim, foi demonstrada em biópsia de colo uterino diminuição do número das células de Langerhans, dos linfócitos CD4+ e dos plasmócitos, bem como aumento dos números de linfócitos CD8+, mesmo quando estas alterações não são detectadas no sangue periférico13.

Como evidência da importância das células de Langerhans junto ao sistema de imunovigilância antitumoral, observou-se estar a sua depleção associada ao aumento de incidência de tumores de epitélio escamoso, em pacientes submetidas à irradiação ultravioleta e à corticoterapia14.

Tay et al.15, ao estudarem as células de Langerhans com diversos marcadores, observaram tanto nas infecções por HPV quanto em neoplasia intraepitelial cervical (NIC) redução do seu número em 60% com marcadores OKT6, ATPase e HLA-DR, enquanto havia depleção completa de células S100+. Estes achados sugerem que a depleção seletiva de células S100+ pode ser a causa da imunodeficiência localizada.

Em estudos semelhantes, al-Saleh et al.6 confirmaram redução do número de células de Langerhans no epitélio metaplásico e em NIC independentemente do tipo de HPV causador da infecção. O epitélio glandular da área de metaplasia parece inibir a migração das células de Langerhans, tornando essa área de risco para desenvolvimento de neoplasia não só pelo fato de ser local de instabilidade tecidual, mas também pela diminuição das células apresentadoras de antígenos.

Estudos ressaltam a influência do HPV na etiopatogenia da neoplasia da cérvice uterina associadas a múltiplos co-fatores extrínsecos e endógenos do hospedeiro, como: fatores imunológicos, hormonais e o fumo16. A imunidade local, mediada pelas células de Langerhans, pode ser a chave do mecanismo defensivo do hospedeiro contra infecção por HPV e contra o desenvolvimento de carcinoma cervical.

O objetivo deste trabalho foi determinar se os fatores como idade, menarca, número de gestações e precocidade sexual estão associados às alterações do número das células de Langerhans no colo uterino.

Pacientes e Métodos

Foram incluídas 30 mulheres atendidas no ambulatório da Clínica da Mulher da Secretaria de Saúde do Município de Maringá (PR) no período de agosto de 1999 a novembro de 2001, que apresentavam amostras de colo uterino negativas para HPV pelo método da captura híbrida.

As pacientes com alterações citológicas ou lesão no colo uterino e exame de captura híbrida negativa foram incluídas no estudo. Foram excluídas as gestantes, lactantes e menopausadas, as usuárias de imunossupressores e de imunoestimuladores nos últimos três meses, bem como as usuárias de drogas e de narcóticos, além das portadoras de doenças auto-imunes, de neoplasias e de diabete.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética Médica do Hospital São Paulo - Universidade Federal de São Paulo. As pacientes foram previamente esclarecidas quanto aos objetivos da pesquisa. Após a concordância das mesmas, o consentimento foi formalizado mediante a assinatura do termo de consentimento livre e informado.

No atendimento inicial foi realizada entrevista seguida do preenchimento da ficha clínica específica para o estudo e agendamento de retorno para a primeira fase do ciclo menstrual a fim de efetuar a biópsia dirigida pela colposcopia.

As biópsias foram efetuadas sob orientação colposcópica com pinças Gaylor-Medina e cada uma das amostras subdivididas em outras duas partes: a primeira, encaminhada ao exame anatomopatológico e imuno-histoquímico, e a segunda, colocada em tubo de coleta especial contendo 1 mL de azida sódica 0,05% (Digene Diagnostics Inc.) e congelada a -20ºC, e posteriormente encaminhada ao laboratório. A técnica utilizada para detecção de material genético viral foi a hibridização molecular, por captura de híbridos em microplaca. São empregadas sondas não radioativas, com amplificação da detecção dos híbridos por quimioluminescência. Essa técnica permite diagnosticar os 18 tipos mais comuns de HPV do trato genital e classificar o HPV em dois grandes grupos, o do tipo A, baixo risco (tipos 6, 11, 42, 43, 44) e do tipo B, alto risco (tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68). A sensibilidade do teste para o HPV é maior ou igual a 1,0 pg/mL DNA-HPV17.

A reação imuno-histoquímica para as células S100+ foi efetuada conforme os princípios propostos por Hsu e Raine18. Cada amostra teve, em média, cinco cortes histológicos de 3 a 4 micra distribuídos em lâminas silanizadas e incubadas com anticorpo preparado em coelho (anticorpo S-100 - Dako), em solução 1/5000, diluído em solução de albumina a 1% e azida sódica (NaN3) a 0,1% em solução tamponada com fosfato (PBS). A seguir, os cortes foram incubados com anticorpo de cabra anti-coelho, biotinilado (Vector Laboratories) e foi aplicado o complexo estreptavidina-biotina-peroxidase. A reação foi revelada com substrato cromogênico por 3 a 5 minutos, preparado com diaminobenzidina (Sigma, USA) a 0,6%, peróxido de hidrogênio a 0,06% e dimetilsulfóxido a 1% em PBS. Os cortes assim preparados foram contracorados com hematoxilina de Harris e montados em Entellan (Merck) com lamínulas.

As células de Langerhans S100+ foram identificadas pela coloração marrom de seus citoplasmas, que se apresentavam, conforme o eixo do corte histológico, em perfis citoplasmáticos de diversas formas como de ponto, vírgula, filiforme ou mesmo arboriforme.

Cada lâmina assim preparada foi avaliada num microscópio de luz com 400 vêzes de aumento, adaptado a microcâmera, e sua imagem digitalizada pelo software Cytoviewer. O cálculo da área em micrômetros quadrados por campo foi feito previamente, utilizando a câmara graduada de Neubauer. Conhecida a área examinada por campo, contou-se o número das células de Langerhans por meio da contagem de núcleos celulares e de perfis citoplasmáticos por milímetro quadrado. As observações das características qualitativas dos elementos celulares foram estudadas e também melhor visualizadas no monitor de computador. Quantificaram-se também as células de Langerhans de acordo com sua localização nas camadas do epitélio ou do estroma, conforme a divisão histológica do epitélio escamoso em camadas superficial, intermediária e basal19.

Para análise estatística calcularam-se a média aritmética e os respectivos desvios-padrão do número das células de Langerhans por milímetro quadrado. Utilizou-se o teste não paramétrico de soma das ordens de Wilcoxon (rank sum test) e considerou-se o nível de rejeição da hipótese de nulidade de 5% (p<0,05)20.

Resultados

Foram estudados os fragmentos de colo uterino de 30 mulheres com a faixa etária de 18 a 46 anos e média de 30 anos. Do total das mulheres, 6 (20,0%) estavam fazendo o exame preventivo de câncer pela primeira vez.

Pela observação quantitativa ao microscópio, verificou-se a presença de células de Langerhans tanto no epitélio como no estroma subjacente, sendo mais freqüente no epitélio. Observou-se ainda a localização preferencial dessas células na camada basal e na intermediária, sendo rara a presença na camada superficial do epitélio.

Ao analisar o parâmetro idade da paciente, categorizaram-se as mulheres em grupos com menos de trinta anos (n=14 -46,6%) e com mais de 30 anos (n=16 -53,6%). As pacientes com menos de 30 anos apresentavam média das células de Langerhans de 252,80 cel/mm2 e as com mais de 30 anos, a média igual a 185,24 mm2, sendo esta diferença não significante (p=0,06). O mesmo ocorreu no estudo por camadas histológicas, pois as médias dos números das células não apresentaram diferenças estatisticamente significantes.

Quanto ao início da idade fértil, 10 (33,3%) mulheres apresentaram menarca antes de 12 anos e 20 (66,7%), após os 13 anos. Verificou-se que para as mulheres com menarca após os 13 anos o número de células de Langerhans apresentou diferença significante, com média de 173,34 cel/mm2, comparada ao outro grupo, com 271,41 cel/mm2 (Tabela 1). A redução no número das células de Langerhans ocorreu em todas as camadas histológicas do epitélio.

Quanto à precocidade sexual, o início de relações sexuais antes de 17 anos foi referida por 11 (36,7%) mulheres e relacionou-se com menor número das células de Langerhans no epitélio do colo uterino, com médias de 127,15 cel/mm2 e 250,14 cel/mm2, respectivamente, para início da atividade sexual até 17 anos e após 17 anos (p=0,03). Essas alterações ocorreram nas camadas intermediária e basal do epitélio, pois na camada superficial a densidade apresentou apenas uma tendência à queda (Tabela 2).

Quanto ao número de gestações, observaram-se 11 (36,6%) nuligestas e 19 (63,4%) primigestas ou mais. Não houve diferença estatisticamente significante nas médias de densidade das células de Langerhans tanto no epitélio quanto em camadas histológicas, entre mulheres que haviam engravidado pelo menos uma vez comparadas às nuligestas.

As cauterizações prévias do colo uterino referidas por 5 (16,7%) mulheres foram associadas a menor número das células no epitélio, com a média de 120,30 cel/mm2 e 236,06 cel/mm2 para aquelas que nunca se submeteram a esse tratamento (p=0,05). Essas alterações foram observadas principalmente nas camadas intermediária e basal (Tabela 3).

Discussão

Múltiplos fatores etiopatogênicos do câncer de colo uterino foram estudados. No entanto, o comportamento sexual como a precocidade sexual, a idade da primeira gravidez e a promiscuidade sexual apresentam-se como fatores determinantes21,22. Observam-se evidências do comprometimento das células de Langerhans em pacientes com HPV persistente ou em neoplasia intra-epitelial cervical. As células de Langerhans e os linfócitos apresentam-se como componentes importantes nessa imunovigilância, pois enquanto as primeiras atuam como células apresentadoras de antígeno, ativando especificamente as células T-CD4+, os linfócitos exercem ações citotóxica e fagocítica7,8.

O período de latência longo da infecção por HPV e a idade mais prevalente para o desenvolvimento do câncer de colo uterino sugerem a existência de co-fatores biocomportamentais na etiopatogenia deste tumor4,5. Dessa forma a idade da paciente parece ter influência sobre os fatores imunológicos. Neste estudo observou-se tendência à diminuição da média do número das células de Langerhans em mulheres com mais de 30 anos. Segundo Tindle e Frazer3, a adolescência caracteriza-se pelo sistema imunológico francamente ativo, observado também neste estudo, e pressupõe-se a ocorrência de depressão das células de Langerhans com o aumento da idade, predispondo à oncogênese do colo uterino.

A alta taxa de regressão da infecção por HPV e a evolução de alguns casos para malignização sugerem a existência de outros fatores associados à imunodepressão, tais como a irradiação, fumo e hormônios4,23. A influência dos hormônios na imunidade tem sido referida pela observação da alta prevalência de HPV e diminuição do número das células de Langerhans na gestação24. O aumento da taxa de infecção pelo HPV na gestação pode ser pela ação hormonal direta sobre o DNA-HPV na expressão dos genes virais E6 e E7. Essa ação hormonal também existe nos genes reguladores do ciclo celular responsáveis pela apoptose, inibindo tanto a proteína p53 ou diretamente as células de Langerhans25. Este estudo não encontrou diferença quanto ao número de células de Langerhans em relação aos antecedentes de gestação, provavelmente por serem essas alterações hormonais de efeito transitório próprio da gravidez. Por outro lado, observou-se que a menarca após os 13 anos está associada ao pequeno numero das células de Langerhans, sugerindo que a menarca tardia pode representar desequilíbrio na homeostase hormônio-imunidade que persiste durante a menacme ou mesmo interfere na maturação funcional das células de Langerhans.

A liberação sexual trouxe muitas conseqüências para a saúde da mulher, sendo a precocidade sexual um dos importantes fatores associados tanto à infecção pelo HPV quanto ao câncer de colo uterino22. Observou-se associação da precocidade sexual com o menor número das células de Langerhans, sugerindo que a ação dos componentes do sêmen conjuntamente com outros agentes oncogênicos, em face do epitélio cervical imaturo, poderia desencadear imunodepressão com redução do número destas células. A influência da precocidade sexual sobre as células de Langerhans não ficou claramente definida.

Considerada como um estado funcional fisiológico da mulher, a ectopia do colo era, até há pouco tempo, definida como lesão benigna do colo, e a cauterização, o seu tratamento de eleição. Estudos têm demonstrado ser esse procedimento uterino responsável pela diminuição do número das células de Langerhans26. Confirmando esses achados, foi observada redução para um terço no número das células em mulheres submetidas a esse tipo de procedimento médico. A repercussão clínica desta redução não é evidente. No entanto, ela pode estar relacionada à reação fibrótica induzida no colo pós-cauterização, dificultando a migração celular. Os métodos como a eletrocauterização, cirurgia de alta freqüência, laserterapia e quimiocauterização são ablativos mas não preservam as células do sistema imunológico.

No presente estudo observamos associação dos fatores biocomportamentais como a idade da menarca, precocidade sexual e antecedentes de cauterizações de colo uterino com a diminuição do número das células de Langerhans. Este estado de imunodepressão local favorece a infecção pelo vírus na camada basal, onde sua proliferação atinge os queratinócitos da camada intermediária com inibição de citocina IL-2 e liberação de citocina IL-10, que agravam ainda mais a depressão dessas células27. Essa ação conjunta da imunodepressão por fatores biocomportamentais e do HPV nas células do epitélio cervical pode contribuir para início da oncogênese; assim, estudos mais detalhados devem ser realizados para esclarecer a influência desses determinantes da imunodepressão e aprimorar ainda mais os programas de prevenção e de tratamento das neoplasias de colo uterino.

Recebido em: 2/12/2003

Aceito com modificações em: 6/3/2004

Projeto desenvolvido na UNIFESP- Hospital São Paulo e financiado pela Fundação Araucária - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Maio 2004

    Histórico

    • Aceito
      06 Mar 2004
    • Recebido
      02 Dez 2003
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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