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Jacob Roland: um jesuíta flamengo na América Portuguesa

Resumos

Este artigo procura recuperar a figura do jesuíta flamengo Jacob Roland que, na América Portuguesa, foi missionário e, depois, apoio paulista na solicitação de administração direta do índio.

Jacob Roland; Paulistas; Contenda


This article brings up the Fleming jesuit Jacob Roland who, in the Portuguese America, was first a missionary and then a supporter of the request for direct administration of the indian peoples.

Jacob Roland; Paulistas; Request


DOSSIÊ

Jacob Roland: um jesuíta flamengo na América Portuguesa1

Juarez Donizete Ambires2 2 Doutorando em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo; professor de Língua e Literatura Portuguesas no Centro Universitário Fundação Santo André; fafil.cursos@fsa.br.

Professor da Fundação Santo André

RESUMO

Este artigo procura recuperar a figura do jesuíta flamengo Jacob Roland que, na América Portuguesa, foi missionário e, depois, apoio paulista na solicitação de administração direta do índio.

Palavras-chave: Jacob Roland; Paulistas; Contenda.

ABSTRACT

This article brings up the Fleming jesuit Jacob Roland who, in the Portuguese America, was first a missionary and then a supporter of the request for direct administration of the indian peoples.

Keywords: Jacob Roland; Paulistas; Request.

O personagem em referência desenvolveu sua atuação como membro da Companhia de Jesus, na América Portuguesa, e seu ingresso na Ordem deu-se ainda na adolescência, em idade em que muitos outros, à época, procediam da mesma forma, apesar da pouca vivência e não apenas na religião (como se dizia àquela altura) fundada por Inácio de Loyola. Seu ingresso no mundo ultramarino português fez-se pela metrópole, e será no Estado do Brasil que o jesuíta passará a maior parte dos seus dias, vindo a se destacar no trabalho missionário. Entre a mudança de atitude (ao menos aparente mudança) ante essa opção — fato que o trouxe, como dissemos, às paragens da América Portuguesa — e sua morte em África, em 1684 — ano em que também está deixando o Brasil — torna-se membro de um grupo de jesuítas que, sediado no Colégio da Bahia, desenvolve e defende a prerrogativa de que a atividade missionária não é da incumbência única e exclusiva da Companhia, questão que o leva e a seus parceiros de procedimento a enfrentar a oposição de um outro grupo inaciano, na mesma Bahia, liderado por Antônio Vieira que, havia pouco, retornara da Europa (agosto de 1681), vestindo a armadura da ardorosa defesa do trabalho missionário que, de sua parte, recebera, um ano antes, forte incremento com a luta que empreendera na metrópole, associado a Cadaval e séqüito, para a aprovação da lei de libertação dos índios de 1680 ("Regimento de 1º de Abril de 1680 e leis anexas").

A contenda que então se instala acaba por se tornar uma das mais importantes, em nossa opinião, da dinâmica de existência da Companhia na América Portuguesa e chega à metrópole, onde, por sua vez, se formam grupos de partidários de ambas as facções que, à mesma época, também tomam conhecimento de que um pedido de parte do colonato local — reivindicação paulista — reforça o pensamento e o procedimento do grupo a que pertence Roland. Estão os mesmos paulistas (os mais mercantilizados certamente) a solicitar a administração direta de seus índios, reivindicação que, se obtida, afastará o jesuíta de um posto já tradicionalmente seu, dará ao colono a situação de catequizador e abrirá a prerrogativa de que a mesma solicitação venha a ser repetida por outros colonatos dependentes de mão-de-obra índia.

O fato em questão mobiliza os grupos a ele diretamente ligados. O de Roland travará contato direto com o paulista e, em visita à Capitania (mais propriamente à Vila de São Paulo), estipulará as vias do acordo que concederá, na década seguinte, ao paulista o que ele reivindicou. Alexandre de Gusmão, o Provincial da Ordem no Estado do Brasil, torna-se, à época, partidário paulista, e seus assessores diretos são os que visitam, a seu pedido, São Paulo de Piratininga para ouvir aos reivindicantes. Roland é, a nosso ver, um desses acólitos, e sua presença em terras paulistas inspira-o (ainda em nosso entendimento) a produzir um documento de defesa do paulista como administrador. O escrito, na sintonia da ocasião, não sem razão de ser chamar-se-á, em título reduzido, Apologia pro paulistis — testemunho teológico e jurídico a defender, na indução do grupo a que está associado Jacob, a legitimidade da reivindicação do paulista que, no documento, ao contrário do que reza a lenda negra, é prestador de importantes serviços à Coroa e, na extensão, à Igreja; é fiel vassalo.

Assim e por isso, a recuperação de Roland e de seu escrito pareceram-nos procedimento de alguma necessidade, na medida em que neles — personagem e documento — somos remetidos a episódio importante da história da Companhia na América Portuguesa e da história da Capitania meridional, cujas ações muito se fazem sentir nesses fins de século XVII, posto que a liberdade de escravização plena do índio é o trampolim, em nossa leitura, para a mudança do ciclo econômico com os achamentos auríferos e o verdadeiro atrelamento do interior da colônia ou sua anexação ao domínio português.

O resgate da figura de Roland, contudo, se é fato que se faz necessário, pede, sempre em nossa indução, seu desatrelamento de certa interpretação contida na História da Companhia de Jesus no Brasil, de Serafim Leite — jesuíta e historiador que, no registro das atividades da Ordem no Brasil, torna-se tendencioso quanto a Roland e a seu grupo, procedimento que revela o compromisso ideológico de sua obra (ou ao menos de parte dela) que vê nos gestos de Vieira o grandioso e o correto e, por esta medida, mensura o todo mais, mormente os jesuítas que lhe fizeram a oposição referida. Roland, com isto, passa a ser apresentado à sombra de Vieira e como ser decaído, fato do qual suspeitamos, pois tendenciosamente conduzido, nesta aproximação que tentamos efetuar da figura do jesuíta flamengo.

1.

Jacob Roland é, em nossa indução, personagem cujo resgate na história da Companhia de Jesus no Brasil está sendo solicitado. Os informes, porém, que temos sobre sua vida e práticas são, parece-nos, insuficientes e mesmo tendenciosos. A fonte que se nos abre para que o conheçamos é Serafim Leite,

Em nossa opinião, as posturas de Serafim Leite seriam, salvo engano, as da exaltação de um Portugal imperialista, cuja superioridade manifestou-se na ação de seus filhos, entre eles os membros da Companhia saídos da freguesia de Portugal para o espraiamento da fé, baluarte da colonização.

2.

Na pequena biografia que de Roland ele apresenta na História da Companhia de Jesus no Brasil, temos notícias de que o jesuíta nasceu em Amsterdã e (agora em inferência nossa) no ano de 1643. Em 1658, entra para a Ordem e, em 1664, temo-lo em Lisboa,13 13 A estadia em Lisboa, sabemo-la obrigatória para todo o pretendente a missionário em terras coloniais. Quando se trata de trabalho missionário na América Portuguesa, a estadia é para aprendizagem da língua geral. embarcando para a Bahia, onde completa seu curso de Teologia (três anos) e profere seus votos solenes em 1675. Em Salvador, ocupou-se nos cargos de ministro do Colégio e auxiliar de Provincial por dois anos e meio. No sertão baiano, desenvolveu trabalho missionário junto aos Tapuias, cuja língua — o Quiriri — aprendeu. Ao fim de sua apresentação, Serafim Leite di-lo "homem de zelo, mas um tanto versátil e aferrado ao próprio juízo". Nesses dizeres, lemos muito da ironia com pitadas de mordacidade que o historiador dispensa ao jesuíta, pois o que, com precisão, se pode apreender do adjetivo "versátil" e, ainda, da sentença "e aferrado ao próprio juízo", se conhecemos os fatos, a história?

Em seqüência, para ainda caracterizar Roland, o historiador lança mão de um qualificativo que a ele deitou Vieira, na aludida carta, a citada em parágrafo anterior: alioquin santo, expressão que, traduzida, equivale a "outro santo", "mais um santo" e não apenas, pois, no contexto em que fora empregada, pulsa o fel da amarga ironia que é, na situação, a arma do Vieira que fala ao mestre de cânones do Colégio de Santo Antão — padre Manuel Luís —, sabendo-o pessoa douta e, em possibilidade, uma voz que poderia ser ouvida por D. Pedro, apesar de seu veredito favorável (mas, na circunstância, não o final) à solicitação paulista, já também por duas vezes aprovada por Provincial da Companhia em visita a São Paulo.14 14 O Provincial nas duas ocasiões (1685 e 1694) é Alexandre de Gusmão, membro do grupo de opositores a Vieira. Para cf., busque-se: Ata de 08.03.1685 (CMSP — Atas 7, p.275-6) e Ata de 27.01.1694 (CMSP — Atas 8, p.447-54). Na circunstância da carta, então, o "mais um santo" estaria para "mais um inimigo", "mais um enganador", porque "mais um desvinculado do ideário da missão", até mesmo porque gente que não sabe língua de índio, como é o caso de Benci. O contundente da expressão de Vieira, contudo, não resolve a refrega a seu favor. Por cartas régias,15 15 No caso, trata-se de duas que são respectivamente de 26.01 e 19.02.1696. o rei ratifica a vitória paulista na apregoada solicitação. Entretanto, se ela não convence a província brasílica, a congregação metropolitana e, por extensão, ao rei, traz, no século XX, para o seu grêmio um partidário — Serafim Leite — que faz do qualificativo de Vieira sua última palavra biográfica acerca de Roland: alioquin santo.

Esta tentativa de redescoberta de Roland ficaria, entretanto, reduzida, em meio ao que já é parquíssimo a seu respeito, se não nos referíssemos ao missionário que também foi o jesuíta flamengo. A este seu aspecto dedicar-nos-emos na parte seguinte.

3.

O missionário Roland16 16 Os dados que, desta nota à seguinte, mencionamos estão relacionados à leitura de Serafim Leite. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-4. inicia seus trabalhos no sertão baiano ainda na primeira metade de 1666. Nessa atividade, terá como companheiro e apoio o irmão teólogo João de Barros, cuja imagem de missionário exemplar Serafim Leite veiculará como contraponto à figura de Roland que, se a princípio se destaca por seu apego ao trabalho, da lide missionária no interior da Bahia depois se desvincula (final da década de 1660), dando sempre mostras, segundo o historiador, de insatisfação quanto à permanência no Brasil. Assim, no contraponto anunciado, João de Barros será o "apóstolo dos Quiriris" e aquele de quem, na década de 1670, o Padre Visitador José de Seixas escreverá: in primis modestus, pius, zelo salutis Indorum fervens et disciplinae domesticae observans, sentença que por si se explica, já que muito próxima da Língua Portuguesa. Ainda para reforço da distância entre os dois espíritos missionários, Serafim Leite dirá de João de Barros que, à época da visitação de José de Seixas, pedirá ele — o missionário — "as Missões do Maranhão e Pará, por serem consideradas mais difíceis" que aquelas em que, obviamente, ele e Roland estão, cujo sítio é o cáustico sertão baiano, às margens do São Francisco, nas dimensões da atual Jacobina.

No didático e piedoso processo de estabelecer, no caso, as distinções ou diferenças entre uma verve missionária e outra, de Roland, na construção do contraponto, será dito que sobre ele também se expressa o mesmo Visitador (1677), dizendo que "é um fervor a necessitar de freio e condução, mas para ele não houve de bom grado quem o fizesse ou censurasse" (eius ardor fraeno indiget et monitore quem non libenter audit); a sentença, por sua vez, exprime com exatidão o caráter de Roland, segundo Serafim Leite, que ainda sugere, na extensão, estar nesta perspectiva "tão bem captada por José de Seixas", o que explicaria no futuro a variação de posições: se agora Roland está para o índio e contra o curraleiro, adiante estará pro paulistis. O que não nos convence, porém, é que se pudesse explicar a mudança de postura — constatação com a qual concordamos — apenas com a idéia de que tudo se deve a um caráter que oscila ou, noutra expressão, caráter que não tem verve ou fibra suficiente para manter-se aferrado ao ideário da missão, a grande e maior verdade, segundo a opção de Serafim Leite ao reavaliar e contar as questões desse passado, em um presente de narrativa que é o século XX. No texto do eminente historiador, faltam a vez e a voz não apenas para todo o grupo que, segundo o mesmo Serafim, posicionou-se, no contato com o paulista, contrário ao projeto das missões, já em andamento à época por mais de um século em toda a América Portuguesa e projeto a que Vieira quererá por todo o modo dar alento, dizendo-o, no seu retorno definitivo ao Brasil (1681), o distintivo da Companhia. Assim, mesmo compreendendo a filiação espiritual do historiador, falta-lhe a já apregoada isenção, pois motivos históricos deve haver para que Roland mudasse de postura. A questão que o rodeia não se explica apenas pelo termo "oscilação de caráter". Mesmo que a isto a princípio aceitássemos, viria em seqüência a indagação indubitável do porquê de tal mudança. Os caminhos que levam a essa justificativa, Serafim Leite, salvo engano em nossa leitura, não os trilha, mormente no caso de Roland. Mesmo que aqui se arbitrasse com o argumento de ser o padre um estrangeiro e estrangeiro advindo de país não colonizador à moda de Portugal, isto não seria, pensamos, justificativa que plenamente aclarasse toda a abrangência do procedimento de Roland, visto que sua ação missionária de fato existiu e com fortes graus de envolvimento, como a nosso ver revela sua correspondência, ao menos aquela elencada pelo próprio Serafim Leite como sua e, nesta discriminação, mormente aquela que se explicita da letra B à letra K.17 17 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-4. Também por essa circunstância, fica para nós explícito que não se pudesse associar a Roland as justificativas que outros autores associarão a outros membros do grupo dos estrangeiros, para justificar-lhes a aversão ao trabalho das missões. A Roland, parece-nos, não se coadunaria a hipótese de ser, para exemplo, homem de vida mais contemplativa, de gosto pelo sedentário e, por extensão, gosto por vida em colégios, como se sugere para homens como Benci, Andreoni e Gusmão.

Ainda quanto a Roland dele sabemos, na interpretação de Hoornaert,25 25 Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. 11/1, p.71-5. que vem, devido obviamente a seu envolvimento com o trabalho nas missões da Jacobina a encargo de jesuítas (Santo Inácio, São Francisco Xavier, Santa Cruz, para exemplo, que viu destruídas pela guerrilha dos Ávila e onde, antes, missionara) um dos questionamentos centrais da ação missionária na América Portuguesa: em que espaço o trabalho catequético deve se realizar? O índio deve ser levado ou não ao litoral para ser iniciado nos mistérios cristãos? Este seu questionamento faz-se presente na sua missiva de 15 de janeiro de 1667, cujo título em latim é — Quaestio: Ultrum Tapuiae et Mediterraeis propius littora adducendi sint ut christianis inicientur sacris, an non?,26 26 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102. No que tange a essa carta, temos a dizer ainda que ela é a expressão de jesuíta que escreve a jesuítas. O seu próprio título o revela. Por seu intermédio, lembramo-nos do modelo jesuítico de ensino que é o resultado da fusão de dois outros: o método escolástico e o parisiense, os quais dividiam a aula em dois momentos a saber — a lectio e a questio, consistindo esta segunda divisão nas perguntas do professor aos alunos e destes ao mestre. Assim, parece-nos, agiu Roland nessa carta de 15.01.1667 a seus pares. e nela o seu parecer de que a catequese se faça no sertão27 27 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102: "É de parecer que se catequizem no sertão". é o fato que se revela em sintonia com uma consciência já há muito estruturada em meio a grupos de jesuítas missionários: a proximidade entre aldeias e centros coloniais leva o trabalho catequético ao fracasso, uma vez que aguça a cobiça dos colonos por mão-de-obra. Assim, em tese, a distância e o isolamento seriam as possibilidades para o sucesso e esta preceptiva ainda está em Roland e, com isto, em nossa percepção, o espaço missionário é, ao menos em parte da ótica jesuítica desse momento e, na seqüência de uma tradição, o geograficamente de difícil acesso, o protegido, fato que permitirá a construção, em leitura de pósteros, da idéia de que o aldeamento é o espaço da utopia,

4.

De algumas referências a impressão que nos fica é a de que Roland teve seus primeiros contatos com paulistas ainda na região da Jacobina que, apesar de espaço de curraleiros e índios missionados, foi zona também trilhada por forasteiros em busca de metais e pedras preciosas. Se bem correlacionados os fatos, veremos que, por algumas décadas do século XVII, as margens do São Francisco e outras partes do Nordeste sertanejo foram com constância visitadas por bandeiras paulistas e também baianas à procura de ouro, pois, mesmo com as práticas agrícolas e o gado, o ouro é, de fato, o elemento cobiçado.32 32 Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.74. Essa busca do metal é certamente, antes do criatório de gado, a justificativa para a instalação de ramificações do clã dos Ávila e, como já o dissemos, um processo que precede os missionários jesuítas na região.33 33 Ibidem, p.74. De São Paulo, por sua vez, acorreram diversas bandeiras, buscando o São Francisco e provavelmente aportando à Jacobina que acabou por ficar com alguma fama de região aurífera, mas de produção, na realidade, pequenina.34 34 Ibidem, p.74. A hipótese da prata também foi intuito perseguido ali por exploradores.

5.

A Apologia pro paulistis é importante documento ligado à história da Companhia de Jesus na América Portuguesa e, neste circuito, sua razão de ser está intimamente vinculada a um contexto já mencionado: o pedido paulista de administração direta do índio. A partir desta explicitação, que no caso desse documento é a de maior peso, outras, em correlação, surgem e ajudam a explicar a mesma Apologia. A primeira delas é, em nosso julgamento, o anúncio do poder e abrangência da articulação paulista, nessa segunda metade do século XVII. Ela — a articulação — é resposta concreta e consciente de um grupo que observa e conhece a realidade que o circunda, ao ponto de perceber que, nessa segunda metade do XVII, a Companhia de Jesus — em tese o grande rival ante sua solicitação — não é grupo uníssono, coeso, e, em outros termos, nem todos os seus membros são os mais acirrados partidários da tópica da missão (e, por conseguinte, tutela exclusiva do índio) como justificativa para o existir da Ordem. Em nossa indução, já se faz sentir em meio a esses dissidentes o sentimento de que vão longe os tempos em que o surgimento do Protestantismo provocara tão grande comoção que levara muitos a se integrarem às hostes do Catolicismo e lançarem as idéias de criação de uma Cristandade nova, obediente ao papa e isenta das marcas de uma Europa maculada pela heresia, pelas fontes luterana e calvinista da corrupção. Um desses engajados será o fundador da Ordem — Inácio de Loyola — cuja proposição é trazer todo o gentio para o rebanho de Cristo e seu Evangelho e garantir a empresa da fé como baluarte de toda a colonização e a prática distintiva da Companhia. Em oposição ao grupo jesuíta dissidente há, na mesma contingência, o de Vieira que, na figura do, já à época, grande orador, representa o ideal da fundação, sua defesa e, obviamente, o repúdio à reivindicação paulista nesse último quartel de século. Assim, se tomarmos por base que o dissidente é o atualizado, ele — Vieira — representa, então e também, o antigo e, pelo visto e mesma sintonia, o anacrônico, pois os tempos são comprovadamente os de mercantilização, fato que apenas o braço escravo pode garantir e, no caso paulista, esse braço é o índio. Em meio a essa circunstância, porém, há ainda outros aspectos ligados à significação da Apologia?

Ela é uma representação do grupo jesuíta de dissidência ao de Vieira e é, por conseguinte, uma expressão em termos teológicos de defesa dos interesses paulistas. Já o seu título, em sua existência contraída, o declara: louvor ou defesa dos paulistas (Apologia pro paulistis).

Ainda quanto à Apologia, nela está que, em São Paulo, os recursos para a compra dos negros são escassos, declinando por isto em dignidade e nobreza o habitante local, se não lançar mão do recurso ao índio, mesmo que seja, em casos raros, para apoio ao braço etíope.49 49 Ibidem, p.210. Desse modo, apesar das poucas e rápidas menções ao conteúdo do documento, não nos parece de modo algum que estivesse incorreto dele inferir-se que se trata de documento único, de defesa dos interesses do paulista e aceitação de suas práticas e representações, conhecidas pelo autor, ao que tudo indica, por observação direta.50 50 Ibidem, p.106.

NOTAS

Artigo recebido em 12/2003. Aprovado em 10/2005

  • 1 O presente artigo está associado ao sentido de pesquisa maior já encerrada: AMBIRES, J. D. Os jesuítas e a administração dos índios por particulares em São Paulo, no último quartel do século XVII Dissertação de mestrado, FFLCH/USP, 2000.
  • 3 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.). História da Companhia de Jesus no Brasil (v.V, VI e IX). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional/INL, 1945 (v.V e VI) e 1947 (v.IX).
  • 4 Quanto aos intuitos que teriam norteado a feitura da obra de Serafim Leite, busquem-se: AMBIRES, J D., 2000, cit., p.6-7; HANSEN, J. A. Serafim Leite. História da Companhia de Jesus no Brasil (resenha). In: MOTA, L. D. (Org.) Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico (v.II). São Paulo: Ed. Senac, 2001, p.43-73.
  • 8 Para cf., busque-se: BOSI, A. Dialética da colonização São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.150.
  • 9 Para cf., busque-se: AZEVEDO, J. L. Cartas de Pe. Antônio Vieira (t. III). Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928, p.665-70.
  • 18 Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.) História da Igreja no Brasil (tomo II/1). Rio de Janeiro: Vozes/Paulinas, 1992, p.52.
  • 21 Acerca do papel histórico da Casa da Torre na formação e exploração do território interiorano nordestino, remetemos o leitor a Pedro Calmon. Alertamos, contudo, para o tom apologético das ações dos representantes da Casa da Torre no escrito do historiador. Para cf., busque-se: CALMON, P. História da Casa da Torre Rio de Janeiro: J. Olympio, 1939, 210p.
  • 28 Os temas "utopia" e "catequese indígena" são assuntos proficuamente entrelaçados pela professora Cristina Pompa em seu artigo "O lugar da utopia: os jesuítas e a catequese indígena" (Revista Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.64, nov. 2002, p.83-95).
  • 31 A idéia do irreconciliável que aqui se explicita, recuperamo-la em Darcy Ribeiro. Para cf., busque-se: RIBEIRO, D. O povo brasileiro São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.66.
  • 35 Para cf., busque-se: CALMON, P. História da Casa da Torre Rio de Janeiro: J. Olympio, 1939, p.84.
  • 40 "Apologia pro paulistis in qua probatur D. Pauli et adiacentium oppidorum incolas etiamsi non desistant ab Indorum Brasiliensium invasivne, neque restituta iisdem indiis mancipiis suis libertate, esse nihilominus sacramentalis confessionis et absolutionis capaces." ("Apologia a favor dos Paulistis, na qual se prova que os habitantes de São Paulo e das cidades adjacentes ainda que não desistam da invasão dos Índios Brasileiros nem restituam aos mesmos Índios a liberdade todavia estão aptos a receber a confissão sacramental e absolvição.") O texto que aqui se apresenta em título completo e em latim e português é um dos escritos centrais da contenda a envolver paulistas e jesuítas, quanto à administração do índio no planalto. Dele recebemos cópia da Biblioteca Vittorio Emanuele, de Roma (Jacob Roland, S.J. "Apologia pro paulistis", s.d., 1249/3 Fondo Gesuìtico).
  • 44 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.). As raças do Brasil perante a ordem teológica, moral e jurídica portuguesa nos séculos XVI a XVIII. Revista Brotéria, Lisboa, v.75, 1962, p.550.
  • 45 Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.130. Vieira também fará menção ao paulista escravizador de cristãos em seu Voto.. Para cf., busque-se: CIDADE, H. e SÉRGIO, A. (Org., Pref. e Notas). Pe. Antônio Vieira. Obras escolhidas (v.V). Lisboa: Sá da Costa, 1951, p.340-58.
  • 3
    historiador que, ao relatar-nos os episódios que constituem a contenda entre os dois grupos jesuítas anteriormente referidos, posiciona-se favorável ao vieirista ou grupo (em termos nossos) pró-missão. A ausência de isenção do historiador, em nossa leitura, torna-o, assim e na contrapartida, um infenso ao grupo de opositores a Vieira e entre os membros desse grupo — também chamado "alexandrista" ou "dos estrangeiros" — Roland será (salvo erro em nossa interpretação) o mais visado ou, noutros termos, o mais exposto à mordacidade do vieirista do século XX. Com esse procedimento, o autor como que estende até os seus dias ou tempo de pesquisa — as décadas de 1930 e 1940 — a contenda e indiretamente dá a conhecer um pouco do projeto ou intenção que estruturou a feitura de sua obra.
  • 4
    Os membros da Ordem que virão para o Brasil, saídos doutras partes da Europa, não serão vistos ou apreciados do mesmo modo como foram os membros portugueses. Isto se expressa, para exemplo, no preterimento à figura de Anchieta — missionário vindo das Canárias — e no seu contraponto que é Nóbrega — missionário português.
    5 5 Em 1.07.1998, em entrevista no Colégio São Luís, Pe. Hélio Abranches Viotti (S.J.) contou-nos farpas que entre si — ele e Serafim Leite — trocaram, a propósito do preterimento e mesmo menosprezo que o jesuíta historiador imputou à figura de Anchieta, no volume I de sua História da Companhia de Jesus no Brasil, na contrapartida do tom apologético a Nóbrega. O mesmo ocorrerá em relação a Roland, cuja origem é flamenga, e sua cidade de procedência, Amsterdã. Neste aspecto, o procedimento de Serafim Leite parece ser o de Vieira ante o grupo que lhe faz oposição, no episódio de pedido, pelo paulista, de administração direta do índio. Para Vieira, o grupo de opositores à sua bandeira — a do missionarismo — assim procede justamente por não ser português e, por conseguinte, não estar apto a entender as relações estreitas e diretas da grandeza do trabalho missionário com o destino e a razão do Estado português. Assim, as implicâncias do grande sermonista passam a ser as de Serafim Leite e, no caso de Roland, isto se expressa de modo mais intenso, em nossa leitura, porque, ao contrário dos outros estrangeiros, ele — Roland — foi missionário e, segundo o que se depreende, missionário de ao menos algum zelo apostólico.
    6 6 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V., p.281-6. Nesta sintonia, então, a animosidade de Vieira ao estrangeiro que mudou de partido
    7 7 O próprio Roland faz menção à sua mudança de partido, em sua Apologia, passando de opositor a apoio dos paulistas em sua reivindicação: "Alguém admirar-se-á de que eu tenha combatido ardorosamente — ante aos altares e os lares — a favor da liberdade dos Brasileiros, contra os Paulistas ... Mudada a opinião anterior (o destaque é nosso), penso que é muito mais do que provável que os Paulistas podem e devem ser absolvidos... Eu não duvido que atrairei críticas contra minhas novas posições". Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.208. ganhará um discípulo tardio que porá Roland — o jesuíta de nosso interesse — na condição de traidor, fato que se repete com a figura de Antonil, mas na escrita de Alfredo Bosi.
  • 8
    A participação de Roland na contenda é fato, então, nuclear para que o conheçamos em sua ação jesuítica. Vieira, em carta de 21 de julho de 1695
  • 9
    — onze anos após a
    Apologia, fará menção direta a ele, citando-lhe o nome, mas para o negar na qualidade de missionário e, por conseguinte, para o negar na qualidade de parecer válido a favor dos paulistas, na disputa pela posse ou administração direta do índio. Quanto ao escrito — a
    Apologia — Vieira, na mesma missiva, também o mencionará, dizendo-a documento favorável ao paulista que, por ordens do Geral, foi queimado, em espécie de castigo exemplar (inferência nossa), fato, entretanto, que não se consuma. A partir da ótica dessa carta, algumas vezes se expressa Serafim Leite acerca de Roland. Outro personagem do grupo de oposição também nela mencionado é, em nosso entendimento, George Benci que, ao que tudo indica, ouviu, antes da vinda do Provincial Alexandre de Gusmão à Vila de São Paulo em 1685, ao paulista em argumentações para sua reivindicação. Pelo que ainda apreendemos da carta referida, nessa audição Benci — à época secretário ou sócio do Provincial — fazia-se acompanhar de Roland.
    10 10 Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.106. Essa histórica audição, contudo e obviamente, deu-se, sem sombra de dúvida, antes de 1685 — ano da vinda do Provincial à Vila para o selamento do acerto favorável ao paulista — e mesmo, pode-se pensar, anteriormente a 1684, que é o ano de escrita da
    Apologia, sua apresentação e circulação e, ainda, ano da morte do jesuíta flamengo em São Tomé, na África, para onde o transferiram um pouco às pressas, ainda em nossa interpretação.
    11 11 Nesta circunstância, achamos de alguma conveniência lembrar que, em 1684, é Provincial Antônio de Oliveira, partidário de Vieira na contenda aludida. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.VI, p.311. Para que continuemos, entretanto, a pensar Roland e sua significação é preciso que fatos sejam retomados, e Serafim Leite ainda permanece como a referência.
    12 12 Os dados que constarão nos dois próximos parágrafos encontram-se em: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102.
  • 18
    Também, acreditamos, não esteja vinculada a ele a idéia de homem que se viu marcado em sua formação pela objetividade dos estudos de Contabilidade e Direito, o que é sugestão a envolver Benci e Andreoni.
    19 19 Alfredo Bosi faz alusão ao fato. Para cf., busque-se: BOSI, A., 1992, cit., p.152. Ainda quanto a Roland, não nos parece, por fim, que a ele ainda se vinculasse o anseio de ascensão por cargos na hierarquia da Ordem ou a condição de conselheiro e confessor de autoridades, circunstâncias e práticas nas quais se destacou um Andreoni.
    20 20 Ibidem, p.149-50. Se suas posições fossem estas, permanecer na Bahia, parece-nos, ser-lhe-ia remédio ou melhor opção que a carreira de África, pela qual ele anseia, conforme o relato do mesmo Serafim. Dessa maneira, pensadas as hipóteses, o que fica a acenar-nos, em nossa indução, como possibilidade que supostamente explicasse o afastamento de Roland das práticas missionárias seria a consciência de que não há poder de luta ou autoridade contrária à ação açambarcadora do latifúndio que, em sua estadia nas missões, ele — Roland — viu representada pelos Ávila, da Casa da Torre.
  • 21
    Nas missões, contra estes e a ação de seus bandeirantes ele se insurgiu, não conseguindo, em nossa interpretação, o apoio que buscava para o combate à ação de corso dos requerentes de sesmarias de gado. Mesmo não conhecendo sua correspondência, as sinopses que de cada carta temos em Serafim Leite
    22 22 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-3. deixam clara sua indignação contra as atividades dos curraleiros da Casa da Torre e seus mamelucos, na região da Jacobina, onde o missionário assistiu a atrocidades como destruição de igrejas, apresamento e extermínio de índios já submetidos e a ação de apoio religioso — padre Antônio Pereira,
    23 23 Em verdade, o padre Antônio Pereira é um Ávila, pertence por sangue ao clã da Casa da Torre. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.V, p.284. secular ligado aos Ávila — aos fazendeiros. No mesmo espaço, sentiu Roland o descaso das autoridades a seus apelos que vão desde pedido de ajuda ao Geral da Ordem até solicitação às autoridades locais de demarcações das terras indígenas, para a realização da esfera missionária e sustento dos índios, atitude que à época muito estremunhou os Ávila.
    24 24 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.V, p.284. Desse modo, ante quadro tão infenso, por que referenciar Roland (e negativamente), por questões reputadas de caráter, sem atentar às pressões que o social verdadeiramente exerceu? Que Vieira o fizesse parece-nos possível entender. Já quanto a Serafim Leite — o cientista, o historiador — nem tanto.
  • 28
    sempre ameaçada pela questão mercantil — a segunda empresa. O pensamento do Roland missionário ainda nos remeteria, cremos, a tal circunstância. No seu caso, o interessante é, parece-nos, o querer garantir o espaço na legalidade da doação de terra aos índios
    29 29 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.281. com os quais trabalha e às margens do Rio São Francisco, outra peculiaridade que o põe na sintonia de pensamento, ainda segundo Hoornaert, da estratégia de sua época que é a dos aldeamentos às margens dos grandes rios (Amazonas, os rios maranhenses, Uruguai, Paraguai, Paraná e São Francisco).
    30 30 Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.72. Roland sofrerá, contudo, como já o vimos, um forte revés, pois ao chegar à sua geografia de ação lá já encontrou, nos representantes da Casa da Torre, a empresa colonial instalada e, na extensão, a dizer do irreconciliável que é a existência concomitante da empresa da fé — a missão — e a empresa mercantil, representada pela agricultura ou, no espaço em questão, pelo gado,
  • 31
    cujo avanço afirmou o Roland missionário que, em nossa leitura, Serafim Leite amesquinhou, não havendo, contudo, discordância quanto ao impacto que causa a aproximação entre o inaciano e o paulista. A causa desta junção, perseguimo-la ainda. Serafim Leite a ela não se refere, a não ser, é claro, com a sugestão de abandono da parte de Roland do ideal missionário, por conta das já aludidas questões de caráter. Surgiram-nos, entretanto, algumas hipóteses que explicitaremos, alertando sempre, contudo, que as fontes — neste caso os argumentos de autoridade — ainda não as encontramos definitivas.
  • 35
    Entre os que saíram de São Paulo rumo à região, dois nomes se destacam: Dom Rodrigo de Castelo Branco e o propriamente paulista Fernão Dias Paes.
    36 36 Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.74. Ainda quanto a essa mesma presença paulista no sítio, há incitamento até por parte da Coroa, justificando expedição. Um desses incentivos é, para exemplo, a carta de D. Afonso VI, datada de 27 de setembro de 1667,
    37 37 Ibidem, p.73. que é, como apreciamos, o segundo ano da estadia de Roland na Jacobina. Essa proximidade, então, é o que pode haver ocasionado, em nossas induções, os primeiros contatos entre o missionário e o bandeirante do sul. Outro fato que nos desperta a atenção é o texto de Serafim: ele faz referência à indisposição de Roland aos bandeirantes da Casa da Torre
    38 38 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.284. e não a outros. Roland, inimigo dos primeiros, pode ter assistido a litígios entre as facções sobre, para exemplo, posse
    39 39 Os paulistas apreadores de índios no sertão baiano são conhecidos de Vieira. Desse trabalho do bandeirante do sul e das repercussões do seu sucesso junto às autoridades coloniais, ele dá conta, para exemplo, em carta de 8.08.1673, datada de Roma, para Duarte Ribeiro de Macedo. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.279. de índio ou espaços de mineração, circunstância que o pode haver envolvido, de alguma forma, com os interesses, tanto na Jacobina quanto em São Paulo, da segunda facção. Se, porventura, houver sido o paulista que o haja buscado como apoio, isto para nós seria ao menos alguma prova do prestígio do jesuíta como missionário e catequizador e não o inverso.
  • 40
    Se seu intuito, então, é a apologia, de imediato, devido a outras referências que a cercam e já mencionadas, podemos filiá-la ao conjunto dos documentos que dão conta da ambigüidade que cerca o paulista ou, ainda, dão conta da oposição e da concomitante admiração que o paulista vai despertando, na segunda metade do século XVII, pois o documento é de 1684,
    41 41 Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.104. A data de 1684, confirma-a em Roma pessoalmente o historiador, em 1947. Acreditamos que a guerra o tenha inibido de antes o fazer. Em momento anterior de seu extraordinário trabalho, Serafim Leite afirma ter dúvidas quanto à data e autoria do documento. Levanta a hipótese de a Apologia estar vinculada a Domingos Ramos e ao ano de 1694, quando o episódio da "Administração de índios por particulares" é selado e a favor do paulista. Sua presença em Roma já citada dirime-lhe as dúvidas. Ao fim de sua obra — v. IX —, o documento é, em sua afirmação, da autoria de Jacob Roland e de 1684. Quanto às dúvidas sobre a autoria do documento em referência, busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.VI, p.343. e, em sua proposição, predispõe-se à defesa do parecer de que estão os paulistas e os habitantes das cidades adjacentes à vila de São Paulo aptos a receber a confissão sacramental e a absolvição, mesmo sendo apreadores e suas propriedades, cativeiros de índios. Esse fato em sua essência remete-nos à circunstância que, em nossa apreensão, acreditamos seja o argumento propalado por Vieira, seu grupo de apoio e outros jesuítas que os antecederam: cativeiro lícito de índio é somente aquele que se justifica por uma de três formas, a saber: guerra justa, escravidão voluntária, resgate de índio de corda.
    42 42 Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.71-2. Em assim não o sendo, qualquer forma de escravidão é ilícita e o infrator deve ficar suspenso da possibilidade de participar da Igreja pela ação dos sacramentos. O parecer favorável, para exemplo, de se receber o apreador em confissão muito escandalizava Vieira.
    43 43 Ibidem, p.109. Segundo práticas à época apregoadas, "se os títulos não fossem justos, os fiéis detentores de escravos não poderiam ser absolvidos na confissão, a menos que restituíssem seus servos de escravidão não justificada à liberdade".
  • 44
    Apegar-se a essa circunstância foi uma das armas de Vieira no combate aos que apreavam índios e, no caso dos paulistas, índios já cristãos, porque muitos deles trazidos no passado das missões jesuíticas paraguaias e vários ainda no tempo contemporâneo e mesmo posterior à
    Apologia.
  • 45
    À ocasião da escrita do documento, como forma de defesa à investida jesuítica, sabe-se que, na Vila de São Paulo, poucos são os colonizadores que buscam o confessionário da Ordem em sua igreja. Outras autoridades religiosas que lhe sejam mais concessivas são as que contam com apelo e freqüência.
    46 46 Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.112, 194-5. A escrita e a circulação da
    Apologia, nessa circunstância, acabam por ser modo de contrabalançar o embargo do grupo vieirista. Em paralelo, as promessas dos paulistas de abandonarem as práticas do descimento, se recebessem apoio para a administração direta do índio, estas não se cumpriam, fato que não implica dizer que os jesuítas, os que lhes deram apoio, nelas, ao que tudo indica, acreditassem.
    47 47 O fato mais cabal acerca disto talvez seja a adoção da escravatura índia nos colégios da Ordem, após a morte de Vieira e por influência de Andreoni, um dos membros de oposição aos vieiristas. Para cf., busque-se: BOSI, A., 1992, cit., p.154. Doutra forma, a mesma significação também se expressa, quando lemos na
    Apologia que os mesmos paulistas "devem ser absolvidos por nossos Padres" (por jesuítas, leia-se), "com a condição de que dêem aos índios a liberdade em suas propriedades",
    48 48 Para cf., busque-se AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.208. fato que nunca se concretizou, como provam estudos de testamentos da época, nos quais se encontra sempre o índio elencado como propriedade, como bem a ser legado e herdado. Haveria casos, para exemplo de nossa indução, no livro de Alcântara Machado — o
    Vida e morte do bandeirante — obra sempre a pedir leitura.
  • 2
    Doutorando em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo; professor de Língua e Literatura Portuguesas no Centro Universitário Fundação Santo André;
  • 5
    Em 1.07.1998, em entrevista no Colégio São Luís, Pe. Hélio Abranches Viotti (S.J.) contou-nos farpas que entre si — ele e Serafim Leite — trocaram, a propósito do preterimento e mesmo menosprezo que o jesuíta historiador imputou à figura de Anchieta, no volume I de sua
    História da Companhia de Jesus no Brasil, na contrapartida do tom apologético a Nóbrega.
  • 6
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V., p.281-6.
  • 7
    O próprio Roland faz menção à sua mudança de partido, em sua
    Apologia, passando de opositor a apoio dos paulistas em sua reivindicação: "Alguém admirar-se-á de que eu tenha combatido ardorosamente — ante aos altares e os lares — a favor da liberdade dos Brasileiros, contra os Paulistas ...
    Mudada a opinião anterior (o destaque é nosso), penso que é muito mais do que provável que os Paulistas podem e devem ser absolvidos... Eu não duvido que atrairei críticas contra minhas novas posições". Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.208.
  • 10
    Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.106.
  • 11
    Nesta circunstância, achamos de alguma conveniência lembrar que, em 1684, é Provincial Antônio de Oliveira, partidário de Vieira na contenda aludida. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.VI, p.311.
  • 12
    Os dados que constarão nos dois próximos parágrafos encontram-se em: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102.
  • 13
    A estadia em Lisboa, sabemo-la obrigatória para todo o pretendente a missionário em terras coloniais. Quando se trata de trabalho missionário na América Portuguesa, a estadia é para aprendizagem da língua geral.
  • 14
    O Provincial nas duas ocasiões (1685 e 1694) é Alexandre de Gusmão, membro do grupo de opositores a Vieira. Para cf., busque-se: Ata de 08.03.1685 (CMSP — Atas 7, p.275-6) e Ata de 27.01.1694 (CMSP — Atas 8, p.447-54).
  • 15
    No caso, trata-se de duas que são respectivamente de 26.01 e 19.02.1696.
  • 16
    Os dados que, desta nota à seguinte, mencionamos estão relacionados à leitura de Serafim Leite. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-4.
  • 17
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-4.
  • 19
    Alfredo Bosi faz alusão ao fato. Para cf., busque-se: BOSI, A., 1992, cit., p.152.
  • 20
    Ibidem, p.149-50.
  • 22
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102-3.
  • 23
    Em verdade, o padre Antônio Pereira é um Ávila, pertence por sangue ao clã da Casa da Torre. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.V, p.284.
  • 24
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.V, p.284.
  • 25
    Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. 11/1, p.71-5.
  • 26
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102. No que tange a essa carta, temos a dizer ainda que ela é a expressão de jesuíta que escreve a jesuítas. O seu próprio título o revela. Por seu intermédio, lembramo-nos do modelo jesuítico de ensino que é o resultado da fusão de dois outros: o método escolástico e o parisiense, os quais dividiam a aula em dois momentos a saber — a
    lectio e a
    questio, consistindo esta segunda divisão nas perguntas do professor aos alunos e destes ao mestre. Assim, parece-nos, agiu Roland nessa carta de 15.01.1667 a seus pares.
  • 27
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.102: "É de parecer que se catequizem no sertão".
  • 29
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.281.
  • 30
    Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.72.
  • 32
    Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.74.
  • 33
    Ibidem, p.74.
  • 34
    Ibidem, p.74.
  • 36
    Para cf., busque-se: HOORNAERT, E. (Coord.), 1992, cit., t. II/1, p.74.
  • 37
    Ibidem, p.73.
  • 38
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.284.
  • 39
    Os paulistas apreadores de índios no sertão baiano são conhecidos de Vieira. Desse trabalho do bandeirante do sul e das repercussões do seu sucesso junto às autoridades coloniais, ele dá conta, para exemplo, em carta de 8.08.1673, datada de Roma, para Duarte Ribeiro de Macedo. Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.V, p.279.
  • 41
    Para cf., busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1947, cit., v.IX, p.104. A data de 1684, confirma-a em Roma pessoalmente o historiador, em 1947. Acreditamos que a guerra o tenha inibido de antes o fazer. Em momento anterior de seu extraordinário trabalho, Serafim Leite afirma ter dúvidas quanto à data e autoria do documento. Levanta a hipótese de a
    Apologia estar vinculada a Domingos Ramos e ao ano de 1694, quando o episódio da "Administração de índios por particulares" é selado e a favor do paulista. Sua presença em Roma já citada dirime-lhe as dúvidas. Ao fim de sua obra — v. IX —, o documento é, em sua afirmação, da autoria de Jacob Roland e de 1684. Quanto às dúvidas sobre a autoria do documento em referência, busque-se: LEITE, S. (S.J.), 1945, cit., v.VI, p.343.
  • 42
    Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.71-2.
  • 43
    Ibidem, p.109.
  • 46
    Para cf., busque-se: AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.112, 194-5.
  • 47
    O fato mais cabal acerca disto talvez seja a adoção da escravatura índia nos colégios da Ordem, após a morte de Vieira e por influência de Andreoni, um dos membros de oposição aos vieiristas. Para cf., busque-se: BOSI, A., 1992, cit., p.154.
  • 48
    Para cf., busque-se AMBIRES, J. D., 2000, cit., p.208.
  • 49
    Ibidem, p.210.
  • 50
    Ibidem, p.106.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      Dez 2003
    • Aceito
      Out 2005
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