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Os reflexos das disputas platinas em Santa Catarina durante o processo de Independência do Brasil

The Reflections of the Platine Disputes in Santa Catarina during the Brazilian Independence Process

RESUMO

O presente artigo analisa a inserção da capitania/província de Santa Catarina no contexto platino durante o processo de independência do Brasil, marcadamente entre a chegada da família real e a primeira metade da década de 1820. O argumento desenvolvido é o de que existiu um bloco regional de províncias, sustentado por similaridades sociais, econômicas e políticas que interligavam o destino das diferentes unidades políticas provinciais no sul da América portuguesa. Frisa-se que Santa Catarina sentiu os reflexos das contendas luso-americanas ao sul do continente americano, que acabaram por criar uma dinâmica específica de circulação de pessoas e de informações nas áreas quase intermitentemente em disputa. Para isso, foram consultados documentos oficiais, bem como memórias e outros documentos oficiosos que permitem uma abordagem do processo de independência brasileira a partir do viés da História Militar.

Palavras-chave:
Exército; fronteira; Independência; Região Platina; Santa Catarina

ABSTRACT

This article analyzes the insertion of the captaincy/province of Santa Catarina in the Platine context during the Brazilian independence process, notably between the arrival of the royal family and the first half of the 1820s. The argument developed is that a regional block of provinces was supported by social, economic, and political similarities that linked the fate of the different provincial political units in the south of Portuguese America. It should be noted that Santa Catarina felt the reflexes of the Luso-American disputes in the south of the American continent, which created a specific dynamic of the circulation of people and information in the areas almost intermittently in dispute. For this, official documents were consulted, as well as memories and other unofficial documents that allow an approach to the Brazilian independence process from the perspective of Military History.

Keywords:
Army; Border; Independence; Platinum Region; Santa Catarina

1. INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta elementos para argumentar que a capitania/província de Santa Catarina sentiu diretamente os efeitos dos conflitos platinos que ocorreram durante as primeiras décadas do século XIX. Obviamente, a relação dos domínios lusitanos no Sul da América com as possessões lusitanas mais ao Sul não era uma novidade, pois a própria criação da capitania, na década de 1730, serviu para fechar a lacuna1 1 A expressão “fechar a lacuna” se refere a “closing the gap”, utilizada por Dauril Alden para definir o processo pelo qual passou o espaço existente entre Sacramento e Laguna, sendo ocupado por representantes portugueses (Alden, 1968, p. 68). entre as vilas litorâneas e o Rio da Prata, onde Portugal já possuía a Colônia do Sacramento, erguida em 1680. O que se pretende demonstrar aqui é a dinâmica da capitania/província de Santa Catarina durante o período de ruptura institucional que ensejou novos corpos políticos no início do século XIX, o que delegava às províncias vizinhas uma lógica semelhante que parecia unir as expectativas relativas aos seus futuros.

O tema da independência brasileira em Santa Catarina é muito pouco estudado. Ainda menos explorados são os reflexos militares do período e a formação nesta província de uma dinâmica específica derivada do espaço platino2 2 Em geral, o tema é citado en passant nas obras generalistas sobre a província catarinense (Cabral, 1970; Cabral; Reis, 2004; Piazza, 1983; Caldas, 1992). . Portanto, aqui são utilizados os preceitos da História Militar, principalmente daquela denominada Nova História Militar, a qual entende que as instituições militares não eram fechadas em si mesmas e precisam ser compreendidas em constante dialética com a sociedade da qual elas fazem parte (Castro; Izecksohn; Kraay, 2004CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik. Da história militar à “nova” história militar. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (Orgs.). Nova História militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. pp. 11-42., p. 12). No limite, os parâmetros seguidos neste artigo buscam entender a estruturação do estado e a capacidade de poder extrativo que, organizado em diferentes dinâmicas, traçaram as características dos estados modernos (Tilly, 1996TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus: 1990-1992. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP, 1996.; Centeno, 2002CENTENO, Miguel Angel. Blood and Debt: War and the Nation-State in Latin America. University Park, PA: The Pennsylvania State University Press, 2002.).

Para isso, este artigo se inicia com um histórico das duas primeiras décadas do século XIX, principalmente em relação aos conflitos entre as coroas ibéricas na região platina. Em seguida, são trazidos exemplos da circulação de pessoas entre Santa Catarina e a região ao sul desta província, para, ao final, serem analisados os reflexos dos distúrbios de 1822 em Santa Catarina. Como principais fontes, são utilizados documentos trocados entre autoridades militares da província catarinense e da Corte no Rio de Janeiro, salvaguardados pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, pelo Arquivo Público do Estado de Santa Catarina e pelo Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro.

2. UM BREVE HISTÓRICO DOS CONFLITOS DAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO XIX

Após a consumação da transferência real para o Rio de Janeiro - onde os Bragança chegaram em março de 1808, após dois meses de viagem e uma parada na Bahia -, os próximos anos representaram um reenquadramento da lógica de poder bragantino, agora adequado à presença da família real na América, começando-se pelos compromissos estabelecidos com os países com os quais Portugal mantinha boas relações, notadamente a Inglaterra (Slemian; Pimenta, 2008SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo G. A corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil. São Paulo: Alameda , 2008., p. 74). Paripassu, houve a readequação na relação entre Coroa e súditos portugueses americanos, para atender à nova base da administração imperial, reafirmando-se a premiação pelos serviços prestados com privilégios e mercês (Schiavinatto, 2011SCHIAVINATTO, Iara Lis. Entre histórias e historiografias: algumas tramas do governo joanino. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Orgs.). O Brasil Imperial (1808-1831). Vol. I. 2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011. pp. 55-93., p. 74). Neste quadro, além da criação de instituições como a Academia Real Militar, o Conselho Supremo Militar e o próprio Ministério da Guerra (Wehling; Wehling, 2008WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Exército, milícias e ordenanças na Corte Joanina: permanências e modificações. Da Cultura, ano VIII, n. 14, pp. 26-32, 2008., p. 30; Souza, 2014SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça e a interiorização de uma cultura jurídica de Antigo Regime no Rio de Janeiro (1808-1831). Antíteses, v. 7, n. 14, pp. 301-323, jul.-dez. 2014.; Izecksohn, 2014IZECKSOHN, Vitor. Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-brasileiros. In: FRAGOSO, João Luís Ribeiro; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). O Brasil colonial (ca. 1720-ca.1821). Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. pp. 483-521., p. 509), houve também o crescimento no aparato militar como um todo. Este fortalecimento do exército não deixou de ser coerente com o grande número de vezes em que ocorreram conflitos com vizinhos, que também passavam por um momento de ebulição política. No processo de conformação da América lusa como centro do Império, ou de construção e legitimação das expectativas políticas dos anos 1810, o desenrolar da política hispano-americana delegou uma série de experiências que foram, a seu tempo e determinadas por interesses pontuais, utilizadas para legitimar certas posturas das autoridades portuguesas. Essa dinâmica foi central para a projeção e a legitimação política, sendo que, desde 1810, “a nova configuração da política hispano-americana exercerá uma profunda impressão sobre o universo luso-americano, de modo a complexificar as determinações recíprocas entre as duas Américas” (Pimenta, 2015PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2015., p. 95).

Assim, todos os conflitos nos quais os luso-americanos estiveram envolvidos no Prata durante o período joanino devem ser analisados tendo-se em mente que estava em jogo a construção de projetos políticos na maioria das vezes antagônicos, invariavelmente ligados à Banda Oriental. A primeira das incursões ocorreu em 1811, quando a “força pacificadora” enviada por D. João invadiu a Banda Oriental para proteger a realista Montevidéu contra a recalcitrante Buenos Aires (Ferreira, 2006FERREIRA, Gabriela Nunes. O Rio da Prata e a consolidação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2006., p. 54). Neste momento, garantir a segurança e as posses de uma monarquia europeia significava proteger os próprios interesses reais lusitanos com a manutenção do pacto monárquico ibérico; além disso, representava os interesses econômicos dos portugueses que ocupavam a região, os quais buscavam se apossar de terras e gado, bem como enfraquecer a concorrência da pecuária e das charqueadas orientais (Winter, 2018WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade Oriental - (Província Cisplatina - 1821-1828). Porto Alegre: Editora Fi, 2018., pp. 60-62). No ano seguinte, foi assinado um armistício entre as forças portenhas e montevideanas, que marcou o fim do sítio portenho a Montevidéu; os luso-americanos, com a intervenção inglesa, deixaram o território oriental.

Desta invasão resultou o fortalecimento das ligações entre a campanha da Banda Oriental e a sua contraparte sul-rio-grandense, pois um grande número de invasores permaneceu no norte da Banda Oriental, mantendo propriedade sobre um grande número de estâncias. Também na invasão de 1811 foi fortalecida a imagem do caudilho José Gervásio Artigas, que, de aliado portenho responsável pelo sítio a Montevidéu, passou, nos anos posteriores, a representar uma ameaça ao projeto de reunificação do antigo Vice-reino do Rio da Prata (Comiran, 2008COMIRAN, Fernando. Os cenários políticos da intervenção portuguesa na Banda Oriental do Uruguai (1811-1816). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista. Assis, 2008.). Artigas, como “El Protector” da “Liga de los Pueblos Libres”, criada em 1815, defendeu um projeto mais amplo de divisão dos meios de produção (Frega, 2015FREGA, Ana. Los “infelices” y el carácter popular de la revolución artiguista. In: FRADKIN, Raúl O. (Org.). ¿Y el Pueblo donde está?: Contribuciones para una historia popular de la Revolución de Independencia en el Río de la Plata. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2015. pp. 139-162.), porém, sua preocupação com a base econômica e agrária oriental acabou por desagradar tanto portenhos quanto luso-americanos. Para estes últimos, além dos riscos de desapropriação das estâncias era temida a fuga de escravos, que tomavam a decisão de se arriscarem ao encontro das tropas artiguistas, abandonando as fazendas do lado luso-americano da fronteira, no Rio Grande de São Pedro (Aladrén, 2012ALADRÉN, Gabriel. Sem respeitar fé nem tratados: escravidão e guerra na formação histórica da fronteira sul do Brasil (Rio Grande de São Pedro, c. 1777-1835). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012., p. 277; Osório, 2007OSÓRIO, Helen. A revolução artiguista e o Rio Grande do Sul: alguns entrelaçamentos. Cadernos do CHDDD, Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, Ed. Especial, Brasília, 2007., p. 17)3 3 Artigas não assumiu um projeto abolicionista de caráter geral, apesar de facilitar o acesso à terra a negros, índios e mestiços (Osório, 2007, pp. 22-23). .

Foram por estes interesses mais imediatos, e com as atenções cada vez mais voltadas às pretensas fronteiras naturais da América portuguesa (Magnoli, 1997MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Moderna, 1997., p. 145; Pimenta, 2006PIMENTA, João Paulo G. Estado e nação no fim dos Impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec , 2006., pp. 89-90), que os luso-americanos decidiram invadir novamente a Banda Oriental em 1816. A invasão visava dar fim à pretensa ameaça representada por Artigas, e também servia, por um lado, aos interesses buenairenses, visto que os planos artiguistas impossibilitavam a expansão das Províncias Unidas sob o território oriental (Bandeira, 1998BANDEIRA, L. A. Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos estados na bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai - da colonização à Guerra da Tríplice Aliança. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: Editora UnB, 1998., p. 46). Por outro lado, os portenhos não tinham nada a comemorar com a permanência das tropas luso-americanas na Banda Oriental; se Artigas representava uma ameaça “interna” à congregação dos antigos domínios espanhóis, a invasão “externa” por parte do Reino Unido colocava os luso-americanos novamente entre os principais personagens no cenário de ações platino. E, diferentemente do que aconteceu em 1811, quando a ação militar foi rápida e a evacuação, no ano seguinte, deu início a um período de quatro anos sem uma interferência direta nos conflitos platinos, os conflitos contra Artigas se estenderam de 1816 até 18204 4 Em 1820, Artigas se refugiou no Paraguai, de onde nunca mais retornou para o território da Banda Oriental (Comiran, 2008, p. 156). , sem representarem a desocupação do território.

A ofensiva de 1816 já acontecia em uma lógica político-institucional diferente. O fim da guerra na Europa, em 1814, acabava com a legitimidade e a pretensa necessidade da permanência da família real lusitana na América. A opção pela conservação da Corte no Rio de Janeiro e a elevação do Brasil, em 1815, a Reino Unido a Portugal e Algarves, o transformava “na sede de direito do império luso-brasileiro, vivendo o poderoso influxo de sua recém-abertura ao mundo” e com “acesso ao círculo de poder à volta de D. João”. Por sua vez, “a antiga metrópole encontrava-se desgastada pelo virtual domínio inglês, ressentida com a perda de suas anteriores funções e desprovida da proximidade de um soberano, que, nos quadros mentais do Antigo Regime, representava a possibilidade de correção das injustiças” (Neves, 2011NEVES, Lúcia Maria Bastos P. das. Estado e política na independência. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Orgs.). O Brasil Imperial. Vol. I (1808-1831). 2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011. pp. 195-136., p. 113). Como afirma Andréa Slemian, em coerência com o “desencadeamento dos fatos desde 1808”, a criação do Reino Unido significava “o fortalecimento das bases de poder portuguesas na América” (Slemian, 2006SLEMIAN, Andréa. Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec , 2006., p. 45).

Desta forma, a política lusitana foi se desenhando cada vez mais americana, e a proteção das possessões reais na América, conjugada com a expansão legitimada pelas fronteiras naturais, foi se tornando cada vez mais efetiva. Entende-se, deste modo, que “a elevação política do Brasil foi um passo decisivo em direção ao reforço da dimensão expansionista da Corte do Rio de Janeiro”. Esta política americana e expansionista se concretizaria nesta segunda invasão à Banda Oriental, em 1816 (Pimenta, 2015PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2015., p. 238). Como dito, diferente de 1811, a invasão de 1816 foi mais duradoura5 5 Importante ressaltar que a anexação da Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, como Província Cisplatina, em julho de 1821, não fazia necessariamente parte do projeto político lusitano. Esta anexação foi resultado dos desencadeamentos do movimento Vintista do Porto, que forçou a volta de D. João VI à Europa e abriu caminho às ações de Carlos Frederico Lecor (1764-1836), líder militar da expedição à Banda Oriental (Winter, 2018, p. 76). e teve efeitos diretos mais graves no que concernia ao futuro dos corpos políticos operantes ou em formação.

3. CIRCULAÇÃO DE SOLDADOS ENTRE AS DISPUTAS PLATINAS

Durante as campanhas do período joanino, por diversas vezes tropas que eram enviadas do Rio de Janeiro ou das possessões do norte passavam pela capitania de Santa Catarina em direção ao Sul. Além das tropas que passavam e permaneciam por tempo variável na capitania, as tropas de linha de Santa Catarina foram destacadas para as marchas ao sul6 6 A estrutura militar catarinense respeitava a organização em três linhas do exército português. Na década de 1810, estavam organizadas Milícias e Ordenanças na capitania, além de existir o Regimento de Infantaria de Linha, criado como Batalhão em 1739 e elevado a Regimento em 1769 (Cabral, 1970, p. 66). . Em 1811, dez companhias do Regimento de linha da Capitania foram enviadas para o Rio Grande do Sul (Silva, 2007SILVA, José Gonçalves dos Santos. Subsídios para a História da Província de Santa Catarina, compilados, agrupados em épocas e anotados por José Gonçalves da Silva. Vol. 2. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina , 2007., p. 192). Em abril daquele ano, partiram duas companhias de granadeiros e a 2ª, 4ª, 6ª e 8ª de caçadores. Três meses depois, foi a vez da 1ª, 3ª, 5ª e 7ª de caçadores, e dos Estados-maiores e menores (Coelho, 2005COELHO, Manoel Joaquim de Almeida. Memória histórica do Extinto Regimento d’Infantaria de Linha da Província de Santa Catarina, ou Informação dos seus serviços mais notáveis, e dos motivos, e lugares onde os prestou, escrita na cidade do Desterro, em dias do Natal de 1850. In: COELHO, Manoel Joaquim de Almeida. Obra Completa. Florianópolis: IHGSC, 2005. pp. 51-140., p. 78). De Rio Grande, as companhias foram para as proximidades do Forte de Santa Teresa, e depois para Maldonado e Paysandú. Retornaram ao território luso-americano no ano seguinte, chegando a Rio Grande em dezembro de 1812, na conjuntura da retirada formal das tropas lusitanas da Banda Oriental após o acordo entre Buenos Aires e Montevidéu. Os soldados de Santa Catarina permaneceram em diligências em Rio Grande até 1816 (Boiteux, 2006BOITEUX, Henrique. Os barrigas-verdes. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2006., p. 239; Coelho, 2005COELHO, Manoel Joaquim de Almeida. Memória histórica do Extinto Regimento d’Infantaria de Linha da Província de Santa Catarina, ou Informação dos seus serviços mais notáveis, e dos motivos, e lugares onde os prestou, escrita na cidade do Desterro, em dias do Natal de 1850. In: COELHO, Manoel Joaquim de Almeida. Obra Completa. Florianópolis: IHGSC, 2005. pp. 51-140., p. 85).

Neste ano, o início de nova campanha fez com que os membros do Regimento fossem enviados para as Missões sul-rio-grandenses7 7 Paulo Duarte afirma que, em 1817, uma partida de 80 homens do Regimento de Infantaria de Santa Catarina também foi destacada para as margens ocidentais do rio Uruguai para saquear e destruir os povos de Santa Maria, São Xavier e Mártires (Duarte, 1984, p. 298). , sendo que, nos anos que se seguiram, participaram das campanhas contra as tropas artiguistas, principalmente contra o filho adotivo daquele caudilho, Andre Artigas. No fim daquela campanha, foi feita a proposta para a passagem espontânea daqueles que quisessem ter baixa da 1ª linha e se alistar na cavalaria miliciana do Rio Grande do Sul. Segundo Henrique Boiteux, 143 soldados aceitaram a baixa e ficaram na fronteira de Missões em 1820, sendo os demais destacados para Porto Alegre (Boiteux, 2006BOITEUX, Henrique. Os barrigas-verdes. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2006., pp. 376-377).

O retorno a Santa Catariana ocorreu apenas em 13 de junho de 1822, depois de 11 anos de serviço em destacamento. Um dia após a chegada da tropa, o Brigadeiro Pedro da Silva Gomes enviou ao ministro um “Mapa do estado atual do Regimento de Infantaria de Linha da Província de Santa Catariana”, no qual consta que apenas 97 pessoas faziam parte do Regimento, incluídos os oficiais (Correspondência das Autoridades Militares, 1822CORRESPONDÊNCIA DAS AUTORIDADES MILITARES nas Províncias, ao Ministro; ANRJ, SG, IG1 296. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, AN). 14 jun. 1822., fl. 356).

Durante onze anos de andanças, os próprios laços familiares e de amizade eram desfeitos e outros construídos, e a opção pela deserção podia sempre ser cogitada. Assim se explica o fato de apenas 97 militares voltarem a Santa Catarina, uma vez que o próprio mapa da força aponta que o quadro completo seria de 1.600 indivíduos, ou seja, faltavam 1.503. De acordo com o Brigadeiro comandante, a força “na maior parte foi consumida em campanha ativa, sem o menor recrutamento” (Correspondência das Autoridades Militares, 1822CORRESPONDÊNCIA DAS AUTORIDADES MILITARES nas Províncias, ao Ministro; ANRJ, SG, IG1 296. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, AN). 14 jun. 1822., fl. 355).

Era inevitável que os soldados estivessem em trânsito por diversas localidades, tanto nas possessões lusitanas quanto nas espanholas - estas últimas, agora, em alteração de jurisdição. Entretanto, não eram apenas os militares profissionais ou integrantes das tropas de 2ª ou 3ª linhas que eram vistos como um problema. Em um ambiente de fronteira aberta ou em que não havia rigidez no controle sobre as vias marítimas, a circulação de pessoas não necessariamente ligadas às forças armadas era motivo de preocupação, principalmente quando envolvia sujeitos vindos do Prata. Em 1814, o intendente geral de Polícia do Rio de Janeiro dizia saber que existia uma grande rede de propagandistas e informantes espanhóis em Porto Alegre e no Rio Grande. Além de representantes oficiais de Artigas, falava-se sobre a existência de inúmeros agentes deste caudilho no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Mencionava-se igualmente que muitos espanhóis do Prata buscavam refúgio também no Rio de Janeiro, e que poderiam ser “pregadores de um sedutor sermão acerca do ‘estado em que se achavam os portugueses americanos do Rio, Bahia e Santa Catarina’” (Pimenta, 2015PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2015., p. 225)8 8 Para a citação, Pimenta utiliza Archivo General de la Nacion (1964). . Durante a década de 1810, sujeitos de origem platina foram enviados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro sob a suspeita de serem espias, sendo presos e se transformando em uma preocupação à Coroa, que “estava sempre alerta quanto a comportamentos potencialmente suspeitos” (Slemian, 2006SLEMIAN, Andréa. Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec , 2006., p. 87), mesmo que em locais distantes da Corte.

Estes infiltrados poderiam ser responsáveis pela introdução de impressos considerados extremamente subversivos e perigosos, principalmente na região fronteiriça. A ideia do uso dessa tática já estava expressa no Plan de Operaciones dos revolucionários portenhos, de 1810: “Quando as circunstâncias prometam o êxito de um bom resultado, devem ir sendo anunciados pasquins e outros tipos de papéis escritos no idioma português, cheios de mil ditames contra o governo e seu despotismo”9 9 No original: “Cuando las circunstancias prometan el éxito de un buen resultado, ya deben irlo anunciando pasquines y otras clases de papeles escritos en idioma portugués, llenos de mil dicterios contra el gobierno y su despotismo”. (Moreno, 2007MORENO, Mariano. Plan de Operaciones. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2007., p. 328. Traduzimos). Para isso se projetava, inclusive, que se estabelecesse “uma casa de imprensa no dito idioma”10 10 No original: “una casa de imprenta en dicho idioma” (Moreno, 2007, p. 326). português (Moreno, 2007MORENO, Mariano. Plan de Operaciones. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2007., p. 326. Traduzimos).

O temor de que existissem alguns conspiradores entre os emigrados levou o Marquês de Aguiar, então Secretário de Estado dos Negócios do Reino, a proibir, em 1815, que os conhecidamente espanhóis permanecessem no Rio Grande, em Santa Catarina ou em São Paulo, devendo eles “migrar para o Rio de Janeiro ou para qualquer capitania do norte sob as vistas do governo joanino” (Menz, 2019MENZ, Maximiliano M. Entre Impérios: formação do Rio Grande na crise do sistema colonial português (1777-1822). São Paulo: Alameda, 2019., p. 80). Porém, como o ministro de D. Fernando VII demonstrou, no Rio de Janeiro, que, ao permanecerem no sul, os emigrados teriam mais facilidade em retornar ao Prata para seus negócios e casas, o ministro português assentiu que “aí se possam demorar aqueles indivíduos espanhóis que pelo seu caráter, circunstâncias e procedimento não derem motivo de suspeita” (Aguiar, 1816AGUIAR, marquês de. B.013. Porto Alegre (Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, AG), 11 jan. 1816. apud Menz, 2019MENZ, Maximiliano M. Entre Impérios: formação do Rio Grande na crise do sistema colonial português (1777-1822). São Paulo: Alameda, 2019., p. 80).

Na fronteira convulsionada na campanha de 1816, a atuação de infiltrados também fazia cair na mão da tropa os impressos considerados perigosos. Boiteux, relatando as ações e os acontecidos com a tropa catarinense nessa campanha, cita que “corriam gazetas e papéis incendiários entre os vassalos de S. A. Real, procurando ter entrevistas e correspondências com eles; empregando todos os meios possíveis de promessas e aliciações para seduzi-los”. A privação das tropas e o atraso dos soldos sem dúvida também facilitavam “estes manejos, destinados a corromper a vassalagem” (Boiteux, 2006BOITEUX, Henrique. Os barrigas-verdes. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2006., pp. 247-8).

Enfim, existia uma dinâmica interessante de circulação de pessoas e ideias nas fronteiras, entre as posses luso e hispano-americanas, durante o processo que levou à quebra constitucional e à criação de novos corpos políticos que se constituíram em estados nacionais. Esta dinâmica de circulação pode ser percebida empiricamente em outro episódio ocorrido em Santa Catarina no início da década de 1820.

4. DINÂMICA DA PRESENÇA DE PRISIONEIROS DE GUERRA EM SANTA CATARINA

Em 20 de março de 1822, o ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Alvares (1776-1835), enviou uma carta ao Governador de Santa Catarina, Tomás Joaquim Pereira Valente (1790-1849), em termos que informam sobre importantes migrações no extremo sul da América portuguesa naquele momento, envolvendo prisioneiros platinos que se encontravam em Santa Catarina:

O Príncipe Regente, atendendo benignamente a suplica que à Sua Real Presença dirigiram os Espanhóis naturais de Montevidéu que ora se acham na Província de Santa Catarina prisioneiros de Guerra ou nas Fortalezas ou empregados nos trabalhos públicos; Manda pela Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra que o Governador da dita Província de Santa Catarina Thomaz Joaquim Pereira Valente por logo em liberdade para se recolherem à sua pátria; e querendo S. A. R. que mais vivamente sintam os efeitos de Sua Real Clemência e liberalidade, manda outrossim que se lhes facilite os meios de seu regresso, prestando-se-lhes alguns auxílios ou de transporte ou de comedorias (Santa Catarina, 1820-1829SANTA CATARINA (1820-1829); pasta 73. Rio de Janeiro (Arquivo Histórico do Exército, AHEx). 1820-1829., pp. 58-58v; Correspondências do Ministério da Guerra... 1822CORRESPONDÊNCIAS DO MINISTÉRIO DA GUERRA para Junta Governativa Provisória, 1822-1823; 01v., MG JGP, Local 68. Florianópolis (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, APESC). 20 mar. 1822., p. 667).

Não fica explícito no conteúdo do ofício se eram os prisioneiros de guerra que estavam trabalhando “nas fortalezas” e “empregados nos trabalhos públicos”, ou se eram dois grupos distintos de “espanhóis naturais de Montevidéu”. Neste caso, há a possibilidade de que este outro grupo fosse de orientais degredados que, sendo acusados de crimes - possivelmente políticos -, tenham sido remetidos a uma porção mais ao norte das possessões luso-americanas. O que é possível saber ao se atentar ao ofício constante no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, contudo, é que ao menos parte dos prisioneiros se encontrava na Ilha de Santa Catarina, no mínimo, desde agosto do ano anterior, pois, em anexo à documentação recebida da Corte, há uma tabela intitulada “Relação dos nomes e lugares em que se acham os Prisioneiros de Guerra no mês de agosto de 1821”, aparentemente escrita pelas autoridades provinciais e datada do dia 31 daquele mês e ano11 11 Esta Relação encontra-se anexa apenas à documentação do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APESC). A ordem anterior encontra-se tanto neste arquivo quanto, por cópia, no Arquivo Histórico do Exército (AHEx), no Rio de Janeiro. . São 139 nomes, sendo a grande maioria dos sobrenomes grafada de forma típica ao idioma espanhol, como Gonçales, Pati, Guterres e Eribé. Além dos nomes dos 139 prisioneiros, a tabela traz uma “Observação” sobre cada um deles, que dizia respeito ao que cada qual estava fazendo em sua estadia na Ilha. Vários deles estavam “com licença em casa” de diferentes pessoas, entre militares e padres, enquanto outros estavam destacados na Marinha ou em alguma das fortificações que defendiam a Ilha e o continente próximo.

Nestes termos, ficam no ar algumas perguntas. Por que estes prisioneiros estavam em Santa Catarina, sendo que a capitania/província não foi palco direto de nenhuma batalha durante as primeiras décadas do XIX? Sendo prisioneiros de guerra, como era possível que vivessem livres, inclusive estando já a ocupar posições na marinha e na própria defesa das fortificações? Qual a origem deles, ou seja, estavam representando qual chefe quando foram feitos prisioneiros? Por que estavam sendo soltos, e no que interessaria enviá-los de volta para Montevidéu com os maiores préstimos?

Na documentação consultada, em nenhum momento se diz explicitamente em que condições estes indivíduos foram feitos prisioneiros. A principal hipótese, obviamente, é que eles tenham sido soldados das tropas artiguistas batidas pelos invasores na campanha que se iniciou em 1816. O fato de prisioneiros artiguistas serem remetidos a Porto Alegre já era alardeado na imprensa cortesã desde 181812 12 A Gazeta do Rio de Janeiro propagandeou, em março de 1818, que, em 10 de outubro do ano anterior, prisioneiros de guerra feitos pelos exércitos do sul haviam sido enviados a Porto Alegre, entre eles o Coronel Verdun, destacado oficial artiguista. Pimenta indica que este tipo de informe nesse momento buscava reforçar a fidelidade do Rio Grande do Sul após a Revolução Pernambucana de 1817 (Pimenta, 2015, p. 305). , e é sensato imaginar que estes envios aconteceram em mais de uma oportunidade.

Como as tropas regulares de Santa Catarina estavam destacadas para a campanha ao sul, sentia-se a falta de indivíduos para certos serviços e, também buscando diminuir o encargo dos serviços públicos para os civis que permaneceram13 13 Segundo Paulo José Miguel de Brito, “desde que o Regimento de Linha marchou para o Rio Grande, entraram os pobres milicianos em todo o serviço diário que ele fazia, sem excetuar mesmo os destacamentos para guarnecer as fortalezas, que primeiramente se faziam por tempo de trinta dias, e depois se reduziu a quinze; do que tem resultado a eles e suas famílias graves prejuízos, e à agricultura males, que são superiores a toda a expressão, e que não poderão remediar-se em poucos anos, e que nunca tinham suportado; assim como é necessário dar melhor organização aos sobreditos corpos, a fim de que os habitantes possam para o futuro empregar-se livremente na cultura das terras” (Brito, 1829, p. 71). , as autoridades catarinenses agiram para suprir a mão de obra necessária aos trabalhos na província. Assim, ao ter conhecimento de que existiam prisioneiros de guerra no Rio Grande do Sul, o governador catarinense foi quem solicitou que eles fossem remetidos a Santa Catarina. Em 3 de março de 1820, o governador da capitania, João Vieira Tovar e Albuquerque (1793-1858), escreveu ao ministro Vilanova Portugal solicitando que

tanto para os trabalhos com os novos estabelecimentos de que se trata nesta Capitania, como para a abertura da Estrada para a Vila de Lages, e mesmo para os reparos das Fortificações desta Ilha, seria muito conveniente que da Capitania do Rio Grande do Sul, fossem mandados para esta cem, ou cento e cinquenta dos muitos prisioneiros que ali tem, e dos quais assim se poderia tirar considerável vantagem (Ministério da Guerra e Estrangeiros, 1820, fl. 141MINISTÉRIO DA GUERRA E ESTRANGEIROS. Correspondência do Presidente (1820-1822); fl. 141, ANRJ, SG, IG1 59. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 3 mar. 1820.).

A proposta foi aceita pelo ministro, pois em 8 de agosto novamente Tovar escrevia ao ministro dizendo que “Antônio de Menezes ainda não chegou da comissão em que foi a Porto Alegre, mas conto com a chegada dele e dos prisioneiros por estes oito dias” (Ministério da Guerra e Estrangeiros, 1820, fl. 152MINISTÉRIO DA GUERRA E ESTRANGEIROS. Correspondência do Presidente (1820-1822); fl. 152, ANRJ, SG, IG1 59. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 8 ago. 1820.). Portanto, provavelmente foi ainda em 1820 que estes prisioneiros chegaram a Santa Catarina para serem empregados em diferentes serviços.

Como dito, existem evidências que indicam a ida para a Marinha de alguns destes sujeitos, enquanto outros foram para as fortificações. Todavia, nesta última atividade não se indica se eram soldados ou se apenas trabalhavam em reparos. Porém, ao remeter o mapa das forças da capitania em 21 de junho de 1821, o comandante das armas contrabalançava as baixas de alguns soldados que haviam ocorrido com o fato de terem “assentado praça 8 gaúchos espanhóis prisioneiros de guerra e vindos de Porto Alegre, e que se achavam aqui nos trabalhos públicos” (Ministério da Guerra e estrangeiros..., 1821, fl. 229MINISTÉRIO DA GUERRA E ESTRANGEIROS. Correspondência do Comandante das Armas, 1821-1831; ANRJ, SG, IG1 290. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, AN). 21 jun. 1821.)14 14 Há evidências, também, da participação de espanhóis na atividade miliciana. Em novembro de 1822, a Junta Governativa Provisória escreveu ao Comandante das Armas Aureliano dizendo que chegou ao seu conhecimento que Aureliano estava dispensando do serviço miliciano “os espanhóis aqui estabelecidos”, dizendo que esta ordem era da Junta. “E como tal ordem não foi dada pela Junta, sirva-se V. Sa. de a mandar retirar, e ordenar que seja passada em seu nome, se é que V. Sa. fez tal graça aos espanhóis”. Não se esclarece, entretanto, se se tratavam dos mesmos espanhóis ou se de outros que, como apontado, circulavam pela fronteira sul (Registros de Correspondências Recebidas..., 1822, fl. 22v-23). .

Ora, fazer-se uso de prisioneiros em serviços como a abertura de estradas e os reparos nas fortificações era uma coisa. Porém, empregá-los como efetivos nas forças armadas era bem diferente. A explicação para que isso fosse possível não é unívoca. Em primeiro lugar, a campanha contra Artigas já havia encerrado há dois anos, assim, não existiria um receio maior em armar os prisioneiros. Em segundo lugar, estarem armados não significava uma mudança drástica na vida daqueles sujeitos, pois eles já andavam livres por Desterro, estando destacados e com licenças para desempenharem diversos afazeres, para o Estado ou não. Portanto, se eles tivessem intenção de fugir, já teriam tido oportunidades. Além disso, a ideia de permitir a entrada de antigos desafetos no exército já existia. Quando Lecor preparava a expedição para o Sul em 1816, o ministro da Guerra, Marquês de Aguiar, lhe passou instruções que permitiam admitir no seu exército os soldados artiguistas que quisessem sentar praça voluntariamente, sendo que essas ações em direção aos soldados, ou mesmo aos líderes inimigos, serviriam para “dar sempre provas de humanidade nos casos que não prejudicam o serviço público” (Duarte, 1984DUARTE, Paulo de Queiroz. Lecor e a Cisplatina, 1816-1828. Vol. 1. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984., p. 181).

Assim, é possível lançar alguma luz sobre o fato de que tantos prisioneiros pudessem viver fora da prisão. Estarem espalhados em diferentes afazeres - como indicam as observações da tabela em que constam seus nomes - já dificultava qualquer organização que pudesse ser perigosa. Todavia, a existência de “espanhóis” no sul da América lusa não era algo atípico - principalmente como emigrados espontâneos -, e a forma de se lidar com eles indica como se pensava o projeto político português em direção ao Prata. Como indica Paulo Pimenta, muitos sujeitos que inicialmente apoiaram Artigas acabaram por decidir, a partir de 1813, que a proteção da ordem estava mais garantida com D. João do que com o caudilho oriental (2015, p. 254). No contexto do início da década de 1820, com a guerra terminada, fazer com que os prisioneiros vivessem a seu modo, até mesmo permitindo que adentrassem no exército profissional brasileiro, significava criar um laço de confiança entre eles e o governo que ia tomando corpo no Brasil. Isso explica também porque deveriam ser assistidos quando da permissão para que voltassem ao Prata, devendo o governo de Santa Catarina auxiliá-los com transporte e alimentos “para que sintam os efeitos de Sua Real Clemência”15 15 Trecho citado no início deste subitem. .

5. O OLHAR PARA O PRATA NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1820

Durante a escalada das tensões entre o governo instalado no Rio de Janeiro e as Cortes lusitanas reunidas em Lisboa16 16 Como bem apontado por Lúcia Maria Bastos Neves, não houve um projeto unívoco que buscou a independência brasileira em relação a Portugal. A dialética entre as decisões das Cortes lisboetas e as suas interpretações na Corte do Rio de Janeiro foram construindo a ruptura em termos práticos (Neves, 2003, pp. 86-88, 202). , entre os anos de 1821 e 1822, as províncias luso-americanas foram se engendrando no contexto político momentâneo, que permitia a diferentes grupos políticos e sociais vislumbrarem novas possibilidades de construção de projetos futuros. Desta forma, as províncias do norte da América portuguesa foram mais recalcitrantes à ruptura política que evidenciava a centralidade do Rio de Janeiro como novo centro político luso-americano (Barman, 1988BARMAN, Roderick J. Brazil: The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988., pp. 103-104; Kraay, 2011KRAAY, Hendrik. Política racial, Estado e Forças Armadas na época da independência (Bahia, 1790-1850). Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Hucitec Editora, 2011.; Machado, 2006MACHADO, André Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.).

Em 1822, o Decreto de 1º de agosto marcou o ápice das tensões entre as Cortes lusas e o Príncipe Regente, declarando como “inimigas todas e quaisquer tropas, que de Portugal ou de outra qualquer parte forem mandadas ao Brasil, sem prévio consentimento Meu, debaixo de qualquer pretexto que seja”17 17 Decreto de 1º de agosto de 1822, o qual declara inimigas as Tropas mandadas de Portugal (Collecção das Leis do Imperio..., 1887, pp. 36-38). . O Decreto foi recebido em Santa Catarina em 16 de setembro de 1822 e espalhado pelos distritos. A possibilidade de uma invasão portuguesa trouxe temor à população da província, principalmente na Ilha de Santa Catarina, cujos moradores estavam dominados pelas “inquietudes de uma guerra próxima” e preparados a “escapar ao primeiro boato da chegada de uma esquadra portuguesa” (Haro, 1996, p. 252), como relatou o navegador francês Louis Duperrey, que passou pela ilha na segunda quinzena de outubro.

Nas províncias do Sul do nascente corpo político, as atenções se voltavam para o que estava acontecendo na Banda Oriental, ocupada desde a campanha luso-americana de 1816, a qual, desde julho de 1821, havia sido anexada ao Reino Unido - e, em seguida, ao Império brasileiro - sob o nome de Província Cisplatina (Bandeira, 1998BANDEIRA, L. A. Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos estados na bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai - da colonização à Guerra da Tríplice Aliança. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: Editora UnB, 1998., p. 46-47). Em 5 de outubro de 1822, o presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João de Deus Mena Barreto (1769-1849), escreveu à Junta Governativa Provisória de Santa Catarina, por julgar

indispensável do seu dever participar a V. Exças. que o Barão da Laguna, Capitão General do Estado Cisplatino, se retirou da Cidade de Montevidéu, e se acha aquartelado na Vila de São José, distante vinte léguas daquela Cidade, reunindo forças para com elas fazer entrar nos seus deveres ao Conselho Militar da Divisão dos Voluntários Reais d’El Rey, que Sua Alteza Real O Príncipe Regente deste Reino Foi Servido Mandar dissolver, e se acha obstinado na resistência do devido cumprimento das Ordens do Mesmo Augusto Senhor.

V. Exças. na inteligência destes acontecimentos, e de que esse Governo faz marchar cem homens de Cavalaria dos Voluntários do Rio Grande18 18 Foram encaminhados dois esquadrões de milicianos do Rio Grande do Sul, atendendo às requisições do general Frederico Lecor (Miranda, 2013, par. 41). para auxiliar ao sobredito Barão da Laguna, igualmente darão todas as providências necessárias, a bem da causa do Brasil, e do interesse Nacional, para que as Tropas, que saírem de Montevidéu, não achem a V. Exças. desapercebidos, quando intentem invadir essa Província, a qual assim como esta de nenhuma maneira as devem admitir, por serem inimigos do Brasil (Ministério da Guerra e Estrangeiros, 1822, fl. 324MINISTÉRIO DA GUERRA E ESTRANGEIROS. Correspondência do Presidente (1820-1822); fl. 322-322v, ANRJ, SG, IG1 59. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 18 out. 1822.).

O presidente da província de São Pedro estava bem informado sobre as ocorrências da Província Cisplatina. Em setembro de 1822, a Divisão dos Voluntários Reais d’El Rei, estacionada na Cisplatina, se dividiu entre aqueles que, fieis às Cortes lisboetas, se mantiveram em Montevidéu, e aqueles que se retiraram para Canelones e San José com Carlos Frederico Lecor (1764-1836), o Barão da Laguna. Ao buscar manter sua influência na Cisplatina, Lecor acabou estreitando seus laços com D. Pedro, o qual havia aceitado - ao contrário das Cortes e por influência de José Bonifácio - a anexação da Banda Oriental como província do Reino Unido e do corpo político brasileiro. Ao se retirar de Montevidéu, no dia 11 de setembro, Lecor passou a exigir a dissolução do Conselho Militar criado para deliberar as ações da Divisão, que estava agora sob a liderança do Governador das Armas Álvaro da Costa, o qual se negava a seguir ordens do Rio de Janeiro e de Lecor (Ferreira, 2012FERREIRA, Fábio. O General Lecor, os Voluntários Reais e os conflitos pela independência do Brasil na Cisplatina (1822-1824). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012., pp. 132-134). Ao mesmo tempo, Lecor exigia a retirada para Portugal da parte da Divisão que seguia as ordens de Álvaro, chegando a atacar Montevidéu por mar e terra em 1823 (Winter, 2018WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade Oriental - (Província Cisplatina - 1821-1828). Porto Alegre: Editora Fi, 2018., pp. 82-83).

Como demonstrado pela citação acima, estas cizânias na província Cisplatina eram acompanhadas de perto pelas autoridades do sul do Brasil. Os “inimigos do Brasil”, nas palavras do presidente da província do Rio Grande do Sul, Mena Barreto, poderiam tentar invadir as possessões ao norte da Banda Oriental - algo que a Junta de Governo catarinense deveria estar preparada para evitar que ocorresse.

Ao repassar a mensagem do presidente sul-rio-grandense ao ministro da Guerra, a Junta de Santa Catarina relatava as dificuldades em tomar medidas efetivas para a proteção, em razão do estado das finanças na província, mas dizia considerar “necessário e indispensável que haja aqui alguma força de mar para cooperar na defesa, ou ao menos embarcações que possam vigiar as costas vizinhas às barras, para darem aviso de qualquer força que se aproxime, ou intente desembarcar”. Continuava expondo que “este ponto considerado militarmente é importantíssimo, e serão bem empregados quaisquer sacrifícios que se façam para o pôr em estado de não poder ser ocupado por forças inimigas” (Ministério da Guerra e Estrangeiros, 1822, fl. 322-322vMINISTÉRIO DA GUERRA E ESTRANGEIROS. Correspondência do Presidente (1820-1822); fl. 322-322v, ANRJ, SG, IG1 59. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 18 out. 1822.).

Ainda que não tenha sido citada explicitamente neste momento, a experiência da invasão da Ilha de Santa Catarina em 1777 certamente ajudava a criar a percepção da importância da preservação da ilha e suas imediações, principalmente quando havia inimigos concentrados ao Sul. Naquele ano, as forças de uma frota espanhola vingaram a sua expulsão do Rio Grande do Sul e, comandadas por D. Pedro de Ceballos, tomaram a ilha com facilidade, forçando uma retirada portuguesa pelas estradas precárias do interior (Mendes, 2019MENDES, Jeferson dos Santos. Capitulações portuguesas na América Meridional, 1762-1777: histórias, julgamentos e punições das autoridades coloniais. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Lisboa, 2019.), levando à capitulação das tropas lusitanas, o que só não teve efeitos mais trágicos para os domínios portugueses por que o Tratado de Santo Ildefonso, assinado no mesmo ano (Adelman, 2006ADELMAN, Jeremy. Sovereignty and Revolution in the Iberian Atlantic. Princeton: Princeton University Press, 2006., p. 20), devolveu o controle da Ilha aos portugueses já no ano seguinte.

Uma vez que as disputas militares do período de agitação do início da década de 1820 tiveram seu epicentro em diversas províncias do norte - divididas entre tropas ligadas às Cortes e outras que dedicavam fidelidade a D. Pedro (Rodrigues, 2002RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução e contra-revolução - as forças armadas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2002.; Kraay, 2015), ou ainda entre projetos que não se ligavam a nenhuma das duas alternativas19 19 Como demonstrado por André Arruda Machado, além da divisão pragmática dos grupos políticos do Grão-Pará entre um alinhamento com Lisboa ou com o Rio de Janeiro, ainda houve a relevante possibilidade de união do bloco regional do Norte em torno da Confederação do Equador (Machado, 2015, pp. 18-26). -, um historiador catarinense chegou a afirmar que o perigo de invasão à São Francisco - vila catarinense mais ao norte da província - e, consequentemente, à província de Santa Catarina como um todo, estava totalmente fora de cogitação, porque “a meio caminho de Portugal situavam-se portos muitos mais importantes e muito mais indicados para uma invasão” (Cabral; Reis, 2004CABRAL, Oswaldo R.; REIS, Sara Regina Poyares dos (Orgs.). História da Política em Santa Catarina durante o Império. Vol. 1. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004., p. 126). Ou seja, não haveria qualquer risco de invasão à província de Santa Catarina, pois toda incursão de tropas fiéis a Portugal iria se concentrar nas porções setentrionais das antigas posses lusitanas. Esta afirmação não poderia ser mais imprecisa, pois, como se vem demonstrando, para as autoridades da província à época o maior perigo não era representado por tropas que pudessem ser enviadas de Portugal, mas sim por aquelas que já estavam estacionadas nas porções meridionais da América. Como escreveram os representantes da Junta Governativa catarinense em outubro de 1822, era notório que a proteção da província deveria ser feita com atenção aos “negócios em Montevidéu, que é de onde se poderia recear mais próxima invasão” (Registros de Correspondências Recebidas..., 1822, fl. 7-7vREGISTROS DE CORRESPONDÊNCIAS RECEBIDAS pelos Comandantes/Governadores das Armas, 1822-1827; GA, Local 58. Florianópolis (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, APESC). 23 out. 1822.). Neste ponto, Santa Catarina compartilhava o mesmo receio do Rio Grande do Sul, que, ainda mais próximo e historicamente envolvido nas contendas platinas, temia “uma possível interferência desagregadora vinda do Prata, especialmente de Montevidéu, onde se concentravam militares ligados a Álvaro da Costa” (Piccolo, 2005PICCOLO, Helga Iracema L. O processo de independência numa região fronteiriça: o Rio Grande de São Pedro entre duas formações históricas. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2005. pp. 577-616., pp. 595-596), que fazia oposição a Lecor. Nesta medida, Santa Catarina formava um grupo de províncias com o Rio Grande do Sul e a província Cisplatina, e sabia que seu destino estava ligado ao desenrolar dos acontecimentos naquelas províncias, que poderiam colateralmente arrastar a província no desenvolvimento de outros projetos políticos.

Foi em razão de possíveis interferências de forças recalcitrantes na região platina que, em Santa Catarina, se pensou também na utilização de escravos para a proteção da província. No mesmo mês de outubro de 1822, a Junta Governativa instruía o Governador das Armas para que, “no momento preciso”, fossem dadas “ordens, quando se estabelecerem os sinais de alarma, para acudirem os feitores das fazendas com os escravos” (Registros de Correspondências Recebidas..., 1822, fl. 4REGISTROS DE CORRESPONDÊNCIAS RECEBIDAS pelos Comandantes/Governadores das Armas, 1822-1827; GA, Local 58, fl. 4. Florianópolis (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, APESC). 19 out. 1822.). Na verdade, as deliberações sobre a utilização das camadas que formavam a base da sociedade catarinense e brasileira foram bem maiores, e passaram pelo trabalho de recrutamento para um Corpo de Libertos na província, entre outubro de 1822 e janeiro de 1823 (Registros de Correspondências Recebidas..., 1822, fl. 7v-8REGISTROS DE CORRESPONDÊNCIAS RECEBIDAS pelos Comandantes/Governadores das Armas, 1822-1827; GA, Local 58, fl. 49-50. Florianópolis (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, APESC). 18 jan. 1823. ); projeto que foi abortado certamente pela falta de notícias sobre uma iminente invasão vinda do Prata, mas também para evitar as convulsões sociais que poderiam ocorrer em um momento de ampliação das expectativas sociais, a exemplo do que ocorreu na Bahia no mesmo período20 20 Nesta província, o general Pedro Labatut projetou a criação de um Batalhão de Libertos Constitucionais e Independentes do Imperador em 1822, formado por libertos e por escravos que fossem doados de forma voluntária pelos senhores de engenho. O Conselho Interino da província não aceitou a proposta, mas mesmo assim houve um aumento significativo no número de escravos que fugiram para as fileiras que defendiam a independência, obrigando o governo provincial a dar a alforria a todos os que haviam lutado contra os portugueses (Kraay, 2002, p. 114; 2015, p. 195). .

CONCLUSÃO

Os temores em relação ao desenrolar dos acontecimentos no Prata cessaram em fevereiro de 1824. Nos últimos dias deste mês, as tropas de Álvaro da Costa, estacionadas em Montevidéu e sitiadas por Lecor, se retiraram para o Norte em direção a Portugal (Ferreira, 2012FERREIRA, Fábio. O General Lecor, os Voluntários Reais e os conflitos pela independência do Brasil na Cisplatina (1822-1824). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.; Rodrigues, 2002RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução e contra-revolução - as forças armadas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2002., p. 221), abrindo caminho para que a Cisplatina fosse a última província a aderir formalmente ao Império brasileiro (Winter, 2018WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade Oriental - (Província Cisplatina - 1821-1828). Porto Alegre: Editora Fi, 2018., p. 83). Aparentemente, a passagem da tropa comandada por Álvaro da Costa pela Ilha de Santa Catarina não causou grande alvoroço, tendo durado um mês, entre 30 de março e 30 de abril de 1824, período no qual foi permitido que fossem realizados reparos no navio que levava cerca de 450 soldados (Correspondência do presidente da província, 1824CORRESPONDÊNCIA DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA, 1823-1827; fl. 359, ANRJ, SG, IG1 60. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 5 mai. 1824.; Baldin, 1979BALDIN, Nelma. A Intendência da Marinha de Santa Catarina e seu papel na ocupação da Província Cisplatina (1817-1832). Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1979., p. 118; Silva, 2007SILVA, José Gonçalves dos Santos. Subsídios para a História da Província de Santa Catarina, compilados, agrupados em épocas e anotados por José Gonçalves da Silva. Vol. 2. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina , 2007., p. 308).

Assim, é possível dizer que se encerraram as tensões oriundas diretamente das contendas entre os antigos corpos coloniais, que foram aumentadas com a vinda da família real portuguesa em 1808. Porém, o problema da construção territorial do Estado brasileiro estava muito longe de se resolver. O território do estado-nação, que passava cada vez mais a ser associado à contiguidade e menos aos domínios de um soberano, seria melhor definido com a delimitação dos limites das províncias (Pimenta, 2006PIMENTA, João Paulo G. Estado e nação no fim dos Impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec , 2006., p. 205), que formavam o corpo político. No caso de Santa Catarina, os limites da província ficaram ainda por muito tempo associados a uma estreita faixa litorânea e, de fato, só foram totalmente estabelecidos já no século XX. Assim, parece que a ideia de “bloco regional”, desenvolvida por André A. Machado para tratar do Norte do Império, é a mais coerente para se pensar também o Sul do corpo político que estava sendo construído (Machado, 2006MACHADO, André Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006., pp. 87, 91). Da mesma forma como o Grão-Pará, o Maranhão, o Mato Grosso e Goiás tinham relações sociais, econômicas e políticas que fortaleceram a noção de que o destino de uma dessas províncias se relacionava com o das demais, no momento das incertezas políticas desencadeadas pela crise do Antigo Regime na América portuguesa também parece que as expectativas acerca do futuro político da Cisplatina, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina estiveram bastante relacionadas.

REFERÊNCIAS

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  • ARCHIVO GENERAL DE LA NACION. Politica Lusitana en el Río de la Plata: Colección Lavradio. Vol. III, 1812-1815. Buenos Aires: Archivo General de la Nación, 1964.
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  • WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade Oriental - (Província Cisplatina - 1821-1828). Porto Alegre: Editora Fi, 2018.
  • 1
    A expressão “fechar a lacuna” se refere a “closing the gap”, utilizada por Dauril Alden para definir o processo pelo qual passou o espaço existente entre Sacramento e Laguna, sendo ocupado por representantes portugueses (Alden, 1968ALDEN, Dauril. Royal Government in Colonial Brazil, with Special Reference to the Administration of the Marquis of Lavradio, Viceroy, 1769-1779. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1968., p. 68).
  • 2
    Em geral, o tema é citado en passant nas obras generalistas sobre a província catarinense (Cabral, 1970CABRAL, Oswaldo R. História de Santa Catarina. 2. Ed. Florianópolis: Editora Laudes, 1970. ; Cabral; Reis, 2004CABRAL, Oswaldo R.; REIS, Sara Regina Poyares dos (Orgs.). História da Política em Santa Catarina durante o Império. Vol. 1. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004.; Piazza, 1983PIAZZA, Walter F. Santa Catarina: sua história. Florianópolis: Ed. da UFSC; Ed. Lunardelli, 1983.; Caldas, 1992CALDAS, Cândido. História Militar da Ilha de Santa Catarina: notas. Florianópolis: Lunardelli, 1992. ).
  • 3
    Artigas não assumiu um projeto abolicionista de caráter geral, apesar de facilitar o acesso à terra a negros, índios e mestiços (Osório, 2007OSÓRIO, Helen. A revolução artiguista e o Rio Grande do Sul: alguns entrelaçamentos. Cadernos do CHDDD, Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, Ed. Especial, Brasília, 2007., pp. 22-23).
  • 4
    Em 1820, Artigas se refugiou no Paraguai, de onde nunca mais retornou para o território da Banda Oriental (Comiran, 2008COMIRAN, Fernando. Os cenários políticos da intervenção portuguesa na Banda Oriental do Uruguai (1811-1816). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista. Assis, 2008., p. 156).
  • 5
    Importante ressaltar que a anexação da Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, como Província Cisplatina, em julho de 1821, não fazia necessariamente parte do projeto político lusitano. Esta anexação foi resultado dos desencadeamentos do movimento Vintista do Porto, que forçou a volta de D. João VI à Europa e abriu caminho às ações de Carlos Frederico Lecor (1764-1836), líder militar da expedição à Banda Oriental (Winter, 2018WINTER, Murillo Dias. Imprensa periódica e a construção da identidade Oriental - (Província Cisplatina - 1821-1828). Porto Alegre: Editora Fi, 2018., p. 76).
  • 6
    A estrutura militar catarinense respeitava a organização em três linhas do exército português. Na década de 1810, estavam organizadas Milícias e Ordenanças na capitania, além de existir o Regimento de Infantaria de Linha, criado como Batalhão em 1739 e elevado a Regimento em 1769 (Cabral, 1970CABRAL, Oswaldo R. História de Santa Catarina. 2. Ed. Florianópolis: Editora Laudes, 1970. , p. 66).
  • 7
    Paulo Duarte afirma que, em 1817, uma partida de 80 homens do Regimento de Infantaria de Santa Catarina também foi destacada para as margens ocidentais do rio Uruguai para saquear e destruir os povos de Santa Maria, São Xavier e Mártires (Duarte, 1984DUARTE, Paulo de Queiroz. Lecor e a Cisplatina, 1816-1828. Vol. 1. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984., p. 298).
  • 8
    Para a citação, Pimenta utiliza Archivo General de la Nacion (1964ARCHIVO GENERAL DE LA NACION. Politica Lusitana en el Río de la Plata: Colección Lavradio. Vol. III, 1812-1815. Buenos Aires: Archivo General de la Nación, 1964.).
  • 9
    No original: “Cuando las circunstancias prometan el éxito de un buen resultado, ya deben irlo anunciando pasquines y otras clases de papeles escritos en idioma portugués, llenos de mil dicterios contra el gobierno y su despotismo”.
  • 10
    No original: “una casa de imprenta en dicho idioma” (Moreno, 2007MORENO, Mariano. Plan de Operaciones. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2007., p. 326).
  • 11
    Esta Relação encontra-se anexa apenas à documentação do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APESC). A ordem anterior encontra-se tanto neste arquivo quanto, por cópia, no Arquivo Histórico do Exército (AHEx), no Rio de Janeiro.
  • 12
    A Gazeta do Rio de Janeiro propagandeou, em março de 1818, que, em 10 de outubro do ano anterior, prisioneiros de guerra feitos pelos exércitos do sul haviam sido enviados a Porto Alegre, entre eles o Coronel Verdun, destacado oficial artiguista. Pimenta indica que este tipo de informe nesse momento buscava reforçar a fidelidade do Rio Grande do Sul após a Revolução Pernambucana de 1817 (Pimenta, 2015, p. 305).
  • 13
    Segundo Paulo José Miguel de Brito, “desde que o Regimento de Linha marchou para o Rio Grande, entraram os pobres milicianos em todo o serviço diário que ele fazia, sem excetuar mesmo os destacamentos para guarnecer as fortalezas, que primeiramente se faziam por tempo de trinta dias, e depois se reduziu a quinze; do que tem resultado a eles e suas famílias graves prejuízos, e à agricultura males, que são superiores a toda a expressão, e que não poderão remediar-se em poucos anos, e que nunca tinham suportado; assim como é necessário dar melhor organização aos sobreditos corpos, a fim de que os habitantes possam para o futuro empregar-se livremente na cultura das terras” (Brito, 1829BRITO, Paulo José Miguel de. Memoria politica sobre a Capitania de Santa Catharina, escripta no Rio de Janeiro em o ano de 1816. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1829., p. 71).
  • 14
    Há evidências, também, da participação de espanhóis na atividade miliciana. Em novembro de 1822, a Junta Governativa Provisória escreveu ao Comandante das Armas Aureliano dizendo que chegou ao seu conhecimento que Aureliano estava dispensando do serviço miliciano “os espanhóis aqui estabelecidos”, dizendo que esta ordem era da Junta. “E como tal ordem não foi dada pela Junta, sirva-se V. Sa. de a mandar retirar, e ordenar que seja passada em seu nome, se é que V. Sa. fez tal graça aos espanhóis”. Não se esclarece, entretanto, se se tratavam dos mesmos espanhóis ou se de outros que, como apontado, circulavam pela fronteira sul (Registros de Correspondências Recebidas..., 1822, fl. 22v-23REGISTROS DE CORRESPONDÊNCIAS RECEBIDAS pelos Comandantes/Governadores das Armas 1822-1827; GA, Local 58, fl. 22v-23. Florianópolis (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, APESC). 12 nov. 1822.).
  • 15
    Trecho citado no início deste subitem.
  • 16
    Como bem apontado por Lúcia Maria Bastos Neves, não houve um projeto unívoco que buscou a independência brasileira em relação a Portugal. A dialética entre as decisões das Cortes lisboetas e as suas interpretações na Corte do Rio de Janeiro foram construindo a ruptura em termos práticos (Neves, 2003NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Ed. Revan; FAPERJ, 2003., pp. 86-88, 202).
  • 17
    Decreto de 1º de agosto de 1822, o qual declara inimigas as Tropas mandadas de Portugal (Collecção das Leis do Imperio..., 1887COLLECÇÃO DAS LEIS DO IMPERIO do Brazil de 1822. Parte II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887., pp. 36-38).
  • 18
    Foram encaminhados dois esquadrões de milicianos do Rio Grande do Sul, atendendo às requisições do general Frederico Lecor (Miranda, 2013MIRANDA, Marcia Eckert. Ao Sul das Cortes: a Independência na Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, abr. 2013. , par. 41).
  • 19
    Como demonstrado por André Arruda Machado, além da divisão pragmática dos grupos políticos do Grão-Pará entre um alinhamento com Lisboa ou com o Rio de Janeiro, ainda houve a relevante possibilidade de união do bloco regional do Norte em torno da Confederação do Equador (Machado, 2015MACHADO, André Roberto de Arruda. Para além das fronteiras do Grão-Pará: o peso das relações entre as províncias no xadrez da independência (1822-1825). Outros Tempos, v. 12, n. 20, pp. 1-28, 2015., pp. 18-26).
  • 20
    Nesta província, o general Pedro Labatut projetou a criação de um Batalhão de Libertos Constitucionais e Independentes do Imperador em 1822, formado por libertos e por escravos que fossem doados de forma voluntária pelos senhores de engenho. O Conselho Interino da província não aceitou a proposta, mas mesmo assim houve um aumento significativo no número de escravos que fugiram para as fileiras que defendiam a independência, obrigando o governo provincial a dar a alforria a todos os que haviam lutado contra os portugueses (Kraay, 2002KRAAY, Hendrik. Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos: o “recrutamento” de escravos na guerra de independência na Bahia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 43, 2002., p. 114; 2015, p. 195).
  • **
    Esta pesquisa contou com auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico - CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2022
  • Aceito
    25 Jul 2022
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