Acessibilidade / Reportar erro

Responsabilização médica e a diminuição de transfusões

Medical responsibility and decreased number of transfusions

CARTA AO EDITOR LETTER TO EDITOR

Responsabilização médica e a diminuição de transfusões

Medical responsibility and decreased number of transfusions

Tiago DaltoéI; João Pedro Marques-PereiraII

IMédico hemoterapeuta do Banco de Sangue de Caxias do Sul - RS

IIProfessor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre-RS

Correspondência Correspondência: Tiago Daltoé Av. São Leopoldo 205/502 95097-350 - Caxias do Sul-RS E-mail: tdaltoe@gmail.com

ABSTRACT

This study describes the impact of the implantation of a document of responsibility that should be followed by doctors who do not comply with the guidelines of Hospital de Clínicas when prescribing packed red blood cells. Data analysis shows that the compulsory nature of the responsibility terms significantly decreases the number of packed red blood cells transfused in opposition to the Institution guidelines (p < 0.001).

Key words: Blood transfusion; platelet transfusion; erythrocyte transfusion.

Senhor Editor

Desde o século XVII, quando o médico francês Jean Baptiste Denis realizou a primeira transfusão, muito se aprendeu sobre o assunto. Com as descobertas dos sistemas ABO, Rh e da estocagem do sangue com anticoagulante, viveu-se uma época em que a transfusão de hemocomponentes era vista como livre de riscos e, por isso, com ampla liberalidade de indicações. Porém, uma importante mudança de comportamento foi vista nas décadas de 70 e 80 com a crescente preocupação em relação à transmissão de doenças, através das transfusões, em especial hepatites e SIDA.1

Com a intenção de orientar as indicações de transfusão de hemocomponentes, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) possui um Comitê Transfusional que elaborou um Protocolo Assistencial para Transfusão de Hemocomponentes (PATH). Na busca do cumprimento do PATH, é sistematicamente realizada auditoria prospectiva pelo médico hemoterapeuta de plantão, sempre que há prescrição de concentrados de hemácias (CHs) em desacordo com o PATH. Esta auditoria, ao longo de sua atuação, considerou a estratégia do uso de um termo de responsabilidade de transfusão de hemocomponentes (TRTH) firmado pelo médico solicitante para as situações de exceção ao PATH. Assim, descrevemos o impacto da implantação do referido TRTH nas transfusões de CH.

Todos os pedidos de transfusão de hemácias que chegam ao Banco de Sangue e que, após a avaliação da equipe de enfermagem, são classificados como em desacordo com o PATH, são avaliados pelo hemoterapeuta de plantão de forma prospectiva (antes da realização da transfusão). O hemoterapeuta entra em contato com o médico assistente para discutir a indicação da transfusão. Se o médico assistente e o hemoterapeuta não entram em acordo a transfusão é liberada mediante o preenchimento do TRTH.

O TRTH foi implantado em setembro de 2005, para solicitações em não conformidade com o protocolo da Instituição. A partir de então, as prescrições não conformes com o protocolo e bloqueadas pela auditoria prospectiva, somente seriam infundidas mediante preenchimento desse termo. No preenchimento deste termo, o médico deveria explicitar a razão da transfusão em desacordo com o PATH e responsabilizar-se pela mesma. O PATH está descrito na tabela 1.

No TRTH é solicitado ao médico o preenchimento dos seguintes dados:

• Nome do paciente;

• Número de prontuário;

• Diagnóstico;

• Exames hematológicos atuais

• Justificativa da transfusão fora das indicações do PATH.

Os dados aqui apresentados foram coletados a partir dos registros da equipe transfusional que administra todas os CH que são prescritos no HCPA, excetuando-se as transfusões efetuadas no bloco cirúrgico, UTIs e emergência. Nessas áreas as transfusões são administradas por equipes próprias. Foram avaliados de forma retrospectiva os registros de todas as prescrições que não estavam de acordo com as determinações do PATH em 8 meses do ano de 2003, 7 meses do ano de 2004 e 4 meses do ano de 2005 (préimplantação do TRTH). De forma prospectiva, foram avaliadas as prescrições entre os meses de setembro de 2005 e agosto de 2006 (pós-implantação do TRTH). A amostra prévia ao TRTH coletada de forma retrospectiva foi escolhida pela disponibilidade dos dados (os dados eram sistematicamente coletados entre maio de 2003 e julho de 2004). Entre maio e agosto de 2005 os dados voltaram a ser coletados antes da implantação do TRTH, pois este foi o período necessário para discussão e elaboração do termo. Após a implantação do mesmo os dados foram coletados durante um ano continuamente.

As variáveis estudadas foram o número de CHs prescritos em conformidade ou não com o PATH, antes e após a implantação do TRTH e foram calculados os intervalos de confiança e o teste do qui quadrado de proporções.

No período analisado, o corpo clínico do hospital solicitou 9.620 unidades de CH. No período anterior à implantação do TRTH foram solicitados ao Banco de Sangue 4.560 CHs, desses, 206 estavam em desacordo com o PATH. Já no período posterior à implantação do termo de responsabilidade em questão, dos 5.060 CHs solicitados, 115 estavam em desacordo com o PATH.

A diferença observada foi, portanto, de 4,5% para 2,2% (p<0,001) tabela 2.

Sabemos que o avanço das técnicas de triagem sorológica tornou as transfusões seguras, porém não livre de riscos. Entretanto, a despeito dos esforços empreendidos pelos diversos comitês de autoridades e sociedades, a indicação de transfusão de CHs permanece uma prática não consensual.2 Dados mostram que as transfusões são um fator de risco para infecções,3,4 e que podem aumentar a morbidade e a mortalidade de doentes críticos.5 Havendo evidências de que as indicações para transfusões de CH variam amplamente,6 torna-se necessária a tentativa de racionalização do seu uso. Há crescente literatura evidenciando a necessidade de diminuirmos quantidade transfusões e assim , torna-se necessária a implantação de políticas de controle do uso de hemocomponentes.7

Os dados mostrados indicam que, mesmo com o PATH, embasado em dados da melhor literatura, e de uma auditoria prospectiva, o impacto do TRTH, minimizou significativamente (p <0,001) o uso de CHs, diminuindo os riscos aos quais os pacientes poderiam estar expostos.

Recebido: 18/03/2008

Aceito após modificações: 08/05/2008

Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Serviço de Hemoterapia

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Corwin HL, Surgenor SD, Gettinger A. Transfusion practice in the critically ill. Crit Care Med. 2003;31(12 Suppl):S668-S671.
  • 2. Goodnough LT, Brecher ME, Kanter MH, AuBuchon JP. Transfusion medicine. First of two parts--blood transfusion. N Engl J Med. 1999;340(6):438-47.
  • 3. Hill GE, Frawley WH, Griffith KE, Forestner JE, Minei JP. Allogeneic blood transfusion increases the risk of postoperative bacterial infection: a meta-analysis. J Trauma. 2003;54(5):908-14.
  • 4. Taylor RW, Manganaro L, OBrien J, Trottier SJ, Parkar N, Veremakis C. Impact of allogenic packed red blood cell transfusion on nosocomial infection rates in the critically ill patient. Crit Care Med. 2002;30(10):2249-54.
  • 5. Corwin HL. Anemia and red blood cell transfusion in the critically ill. Semin Dial. 2006;19(6):513-6.
  • 6. Use of blood products for elective surgery in 43 European hospitals. The Sanguis Study Group. Transfus Med. 1994;4(4):251-68.
  • 7. Gajic O, Gropper MA, Hubmayr RD. Pulmonary edema after transfusion: how to differentiate transfusion-associated circulatory overload from transfusion-related acute lung injury. Crit Care Med. 2006;34(5 Suppl):S109-S113.
  • Correspondência:
    Tiago Daltoé
    Av. São Leopoldo 205/502
    95097-350 - Caxias do Sul-RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org