Acessibilidade / Reportar erro

Imatinibe mesilato no Brasil

Imatinibe mesylate in Brazil

EDITORIAL EDITORIAL

Imatinibe mesilato no Brasil

Imatinibe mesylate in Brazil

Marcos Lima

Correspondence to Correspondence to: Marcos de Lima Department of Blood and Marrow Transplantation 1515 Holcombe blvd, unit 423 M D Anderson Cancer Center Houston, Texas 77033 USA

It was the best of times, it was the worst of times,

it was the age of wisdom, it was the age of foolishness,

it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity,

it was the season of Light, it was the season of Darkness,

it was the spring of hope, it was the winter of despair,

we had everything before us, we had nothing before us,

we were all going direct to heaven, we were all doing direct the other way ..."

Charles Dickens, A Tale of Two Cities.

O tratamento da leucemia mielóide crônica (LMC) passou por uma revolução nos últimos anos, para o benefício de nossos pacientes e desespero das contas do sistema de saúde. O desenvolvimento do inibidor específico da Bcr-Abl tyrosine kinase, imatinib mesylate, marcou o início do que se espera será uma mudanca drástica na maneira pela qual nós tratamos as neoplasias em geral, e as leucemias em particular.1 A incorporação de novas medicações no contexto dos cânceres hematológicos está progredindo com uma rapidez cada vez maior, e o clínico é confrontado com decisões difíceis em termos de quando e onde usar os novos recursos disponíveis.

Aqueles médicos que, como eu, lidam com o transplante de medula óssea, sentem diretamente o efeito destas revoluções no dia a dia, exemplificadas aqui pelo processo das decisões terapêuticas no contexto da LMC. Neste volume da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, a Dra. Vaneuza Funke e colaboradores, em Curitiba, reportam um estudo prospectivo investigando o uso do imatinib mesylate para pacientes com LMC. O artigo de Funke et al mostra que, apesar de todas as barreiras que a realidade brasileira impõe, é possível conduzir estudos prospectivos de alta qualidade no Brasil.

A experiência com o tratamento da fase crônica inicial com imatinibe tem mostrado altas taxas de remissão cito-genética completa, enquanto a taxa anual de progressão de doença é de aproximadamente 3%, com uma mortalidade de 2%. Os mecanismos de resistência à droga são, em geral, ligados ao Bcr-Abl, tais como point mutations no kinase domain, amplificação ou overexpression do Bcr-Abl, mas podem também ser independentes do Bcr-Abl (por exemplo, overexpression das Src kinases).

Imatinibe é, em geral, bem tolerado, e diversos grupos reportaram em estudos de fase II uma correlação entre a dose e a resposta terapêutica, com remissões citogenéticas completas em até 90% dos casos em pacientes recebendo 800 mg diários upfront. A eficácia destas altas doses, no entanto, ainda não foi comparada com a dose standard de 400 mg diários em estudos controlados.2

Novas questões são levantadas também em relação aos pacientes que atingem uma remissão molecular com o tratamento com imatinibe. Estarão estes pacientes perto de uma 'cura' da doenca? Recaídas depois da suspensão da medicação, em alguns casos selecionados, parecem indicar que este não é o caso, infelizmente.3 Faz sentido coletar e congelar células progenitoras hematopoiéticas de pacientes em remissão molecular, para possível uso no futuro (transplante autólogo) em caso de recaída? Existe algum lugar na terapêutica dos pacientes em remissão molecular com tratamentos imunológicos? E possível que o interferon tenha (de novo!) um papel em potencial neste cenário?

As vacinas podem vir a ser uma parte importante neste contexto de doenca residual mínima. Jeffrey Molldrem et al estão conduzindo um ensaio clínico investigando o uso do peptídeo PR-1 (que não é específico da LMC), derivado da proteinase 3 e da proteína elastase (e apresentado por HLA-A2, sendo restrito aos pacientes que expressam este tipo de HLA). Outras vacinas em investigação são baseadas em antígenos que são específicos da LMC, usando seqüências de aminoácidos formadas pela fusão de Bcr com Abl, ou estão relacionadas a heat shock protein. Heat shock proteins participam do metabolismo e degradação de diversas proteínas intracelulares, incluindo vários peptídeos que podem agir como antígenos ligados à doenca.

O surgimento de resistência ao imatinibe é um incentivo a mais ao desenvolvimento de novas medicações com atividade cada vez maior em LMC. Modificações na molécula do imatinibe levaram ao desenvolvimento de AMN107, o qual é um inibidor muito potente da kinase Bcr-Abl, com atividade várias vezes mais forte que o composto do qual foi derivado. A dose máxima é provavelmente 600 mg duas vezes ao dia, e estudos que estão sendo conduzidos em diversos centros mostram atividade clínica em todas as fases da doença. Dasatinib é um inibidor da Src kinase e da Abl kinase, que também parece ser até 100 vezes mais potente que o imatinibe. O papel destas medicações em relação ao transplante de medula óssea depois da perda de resposta ao imatinibe não está definido ainda, mas a eficácia destas drogas vai adicionar ainda mais complexidade ao cenário clínico do tratamento da LMC.4

Hoje, para o paciente com o diagnóstico de LMC em fase crônica inicial com acesso ao imatinib mesylate, parece razoável propor um ano de tratamento; para aqueles que não atingem uma resposta citogenética completa neste intervalo de tempo, o transplante alogeneico de células hematopoiéticas é provavelmente a opção terapêutica seguinte, já que é a única modalidade terapêutica comprovadamente curativa. E importante lembrar que o risco inerente ao transplante tem que ser considerado. Por exemplo, um paciente jovem, com um doador compatível na família, tem uma expectativa de mortalidade e morbidade secundária ao transplante que é certamente muito menor que a de um paciente, digamos, de 60 anos, com um doador não aparentado. O número de transplantes de medula óssea para LMC em fase crônica caiu dramaticamente tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, indicando que, apesar de qualquer consideração teórico-estatística da comunidade médica, os pacientes estão claramente optando pelo tratamento com imatinib, quando a opção existe em função do sistema de saúde, investimento governamental e poder aquisitivo e de pressão da sociedade.

O artigo de Funke et al5 ilustra vários aspectos do tratamento com imatinibe na realidade brasileira, mas o mais importante são as similaridades com a experiência internacional, em termos de resposta e tolerância à medicação. Apesar de algumas diferenças no espectro de efeitos colaterais, a mensagem 'subliminar' deste artigo é clara: pesquisa clínica é importante e fundamental para o desenvolvimento tecnológico e humano de uma nação. Investigação clínica pode (e deve!) ser realizada como uma parceria do governo, indústria farmacêutica e a universidade, uma associação que garanta a ética da pesquisa, clareza dos resultados e, acima de tudo, beneficie nossos pacientes.

References

1. Druker BJ, Talpaz M, Resta DJ et al. Efficacy and safety of a specific inhibitor of the BCR-ABL tyrosine kinase in chronic myeloid leukemia. N Engl J Med 2001;344:1031-1037.

2. Kantarjian HM, Talpaz M, O'Brien S et al. Dose escalation of imatinib mesylate can overcome resistance to standard-dose therapy in patients with chronic myelogenous leukemia. Blood 2003; 101: 473-475.

3. Cortes J, O'Brien S, Kantarjian H. Discontinuation of imatinib therapy after achieving a molecular response. Blood 2004;104: 2.204-2.205.

4. Cortes J, Faderl S, Estey E et al. Phase I study of BMS-214662, a farnesyl transferase inhibitor in patients with acute leukemias and high-risk myelodysplastic syndromes. J Clin Oncol 2005;23: 2.805-2.812.

5. Funke VAM et al. Therapy of chronic myeloid leukemia with imatinib mesylate in brazil: A study of 98 cases. Rev bras hematol hemoter 2005; 27(3):159-165.

  • Correspondence to:

    Marcos de Lima
    Department of Blood and Marrow Transplantation
    1515 Holcombe blvd, unit 423
    M D Anderson Cancer Center
    Houston, Texas 77033
    USA
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org