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A literatura como lugar de memória: uma análise de Muito longe de casa, de Ishmael beah

Literature as a place of memory: an analysis of A Long Way Gone, by Ishmael Beah

RESUMO

O artigo propõe uma reflexão sobre a relação entre memória e arquivo a partir da análise da obra Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado, de Ishmael Beah (2015), em que o autor narra a sua trajetória desde o assassinato de sua família durante a Guerra Civil de Serra Leoa até a sua fuga para os Estados Unidos, depois de ter sido forçado a atuar como soldado no conflito. A partir de perspectivas teóricas de Heloísa Bellotto e Terry Cook acerca da natureza do arquivo e de Márcio Seligmann-Silva, Walter Benjamin, Paulo Ricoeur, Michael Pollak e Diego Antonello em relação às operações da memória no testemunho do trauma, examinaremos a narrativa de Beah considerando a literatura como um lugar de memória (NORA, 1993).

PALAVRAS-CHAVE:
memória; arquivo; crianças-soldado; literatura; Ishmael Beah

ABSTRACT:

The article proposes a reflection on the relationship between memory and archive from an analysis of the work A long way gone: the true story of a child soldier, by Ishmael Beah (2015), in which the author narrates his trajectory since the murder of his family during Sierra Leone's Civil War until he fled to the United States after being forced to act as a soldier in the conflict. Based on the theoretical perspectives of Heloísa Bellotto and Terry Cook on the nature of the archive and on the theories developed by Márcio Seligmann-Silva, Walter Benjamin, Paulo Ricoeur, Michael Pollak and Diego Antonello on the mnemonic operations in the testimony of trauma, we will examine Beah's narrative considering literature as a place of memory (NORA, 1993).

KEYWORDS:
memory; archive; child soldiers; literature; Ishmael Beah

A memória recolhe os incontáveis fenômenos de nossa existência em um todo unitário; não fosse a força unificadora da memória, nossa consciência se estilhaçaria em tantos fragmentos quantos os segundos já vividos.

Ewald Hering

A memória, o arquivo e a literatura

A memória e o arquivo são indissociáveis, muito embora sejam distintos, pois “não há arquivo sem exterior” (DERRIDA, 2001DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.) e a concepção contemporânea de memória remete ao “estoque material daquilo que nos é impossível lembrar” (NORA, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.Tradução Yara Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, jul./dez. 1993., p. 15).

O conceito de arquivo está submisso a orientações e interesses segundo campos específicos de investigação, como a Arquivística, a História, a Filologia, dentre outros. No âmbito da Arquivística, por exemplo, os arquivos são concebidos como

Conjuntos orgânicos de documentos produzidos / recebidos / acumulados por um órgão público, uma organização privada ou uma pessoa, no curso de suas atividades, independentemente de seu suporte, e que, passada sua utilização ligada às razões pelas quais foram criados, podem ser preservados, por seu valor informativo, para fins de pesquisa científica ou testemunho sociocultural. (BELLOTTO, 2002BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivística: objeto, princípios e rumos. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 2002., p. 18.).

Como atesta Bellotto (2002BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivística: objeto, princípios e rumos. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 2002.), os primeiros arquivos não eram destinados ao acesso público, porém, após a Revolução Francesa, com a criação do Arquivo Nacional em Paris, houve uma abertura gradativa aos cidadãos, a par do uso continuar a ser jurídico. Ainda hoje, o acesso ao arquivo se limita a um público específico, constituído por pesquisadores, em sua maioria.

O papel do arquivista foi igualmente se modificando com o passar do tempo, deixando de ser o do guardião que preserva os documentos para assumir o de partícipe de um processo histórico, cuja função é “reintegrar o subjetivo (isto é, a mente, o processo, a função) com o objetivo (isto é, a matéria, o produto documentado, o sistema de informações) em seus constructos teóricos e em suas metodologias estratégicas” (COOK, 1998COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 129-150, jul. 1998. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2062/1201 . Acesso em: 18 nov. 2021.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 143).

Segundo Meira e Almeida,

O documento, em si, visto individualmente, sem a apresentação do contexto em que foi produzido, sem analisar as condições de preservação e permanência ou as transformações de seus significados em cada tempo e lugar, refletidas diretamente em sua recepção e análise, não abarcaria a amplitude das relações históricas; estaria também de forma lacunar o estudo histórico, sem que os documentos pudessem com eles dialogar ou representá-los. É no movimento entre eles, entre a objetivação e a subjetivação dos documentos, incluindo entre estes os de criação literária, que o arquivo se faz útil e presente. (MEIRA; ALMEIDA, 2016MEIRA, Esmeralda Guimarães; ALMEIDA, José Rubens Mascarenhas de. História e memória no arquivo pessoal de Camillo de Jesus Lima (O arquivo, o arquivista, o arconte). Manuscrítica - Revista de Crítica Genética, São Paulo, n. 31, p. 43-57, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/177882 . Acesso em: 20 out. 2021.
https://www.revistas.usp.br/manuscritica...
, p. 45).

A socióloga Harriet Bradley (1999BRADLEY, Harriet. The seductions of the archive: voices lost and found. History of the Human Sciences, London, v. 1, n. 2, p. 107-122, 1999.) expande o conceito ao afirmar que o arquivo, sancionado ou não, é um repositório de memórias individuais e coletivas, oficiais ou não oficiais, legitimadoras ou subversivas. O arquivo pode, então, ser compreendido como um sistema de informação social que pode se materializar de diversas formas. Interessa-nos, entretanto, neste estudo, investigar a contribuição da literatura para o arquivo, tendo em foco as narrativas memorialísticas, que, a despeito do fato de que nenhum resquício da memória corresponde à totalidade do acontecimento empírico, fornecem dados que ampliam o alcance do conhecimento sobre os eventos históricos. “A narrativa de uma vida faz parte de um conjunto de narrativas que se interligam, está incrustada na história dos grupos a partir dos quais os indivíduos adquirem a sua identidade” (CONNERTON, 1999CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. 2. ed. Tradução Maria Manuela Rocha. Oeiras: Celta Editora, 1999., p. 24).

Propomos, assim, a análise da obra Muito longe de casa: memórias de um menino soldado, de Ishmael Beah, em que o autor narra os anos em que lutou na guerra civil de Serra Leoa. Se o arquivo documental sobre a guerra tem o acesso restrito a investigadores, o relato de sobreviventes do conflito armado sob a forma de memoir está ao alcance do público no mundo inteiro, trazendo à luz aspectos tenebrosos dessa guerra. As fronteiras fluidas entre os processos mnemônicos e as representações literárias de acontecimentos empíricos propiciam reflexões sobre a literatura como lugar de memória.

Quando a vítima se torna algoz

[...] there is often some sort of thought of strange imprint of inescapable fate on the face of a man who would die in a few hour’s time, so much so that to an experienced eye it is hard to mistake.

Mikhail Lermontov

Em A memória, a história, o esquecimento, Paul Ricoeur (2007RICOEUR, Paul. Da memória e da reminiscência. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução Alain François. Campinas: Editora Unicamp, 2007. p. 25-142.) afirma que a operação testemunhal depende de certos fatores, como o nível de confiabilidade, visto que há uma dependência dos processos mnemônicos, a reafirmação da presença da testemunha no local da experiência, como um modo de assegurar a plenitude da fala, e a afirmação do testemunho em sua ipseidade, visto que a “testemunha confiável é aquela que pode manter seu testemunho no tempo” (RICOEUR, 2007RICOEUR, Paul. Da memória e da reminiscência. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução Alain François. Campinas: Editora Unicamp, 2007. p. 25-142., p. 174). Os sobreviventes de guerra são, portanto, testemunhas cujo relato, se repetido inúmeras vezes, pode transformar-se em arquivo e ser lido em uma perspectiva historiográfica. Assim foi com alguns sobreviventes dos campos de concentração, que, de uma forma ou de outra, conseguiram narrar “o indizível”. Entretanto, como abordar um relato em que o narrador ocupa simultaneamente a posição de vítima e de algoz?

Em “Experiência e pobreza”, Walter Benjamin (1994BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet, prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119.) reporta-se ao fato de que os combatentes que sobreviveram à guerra voltavam silenciosos, porque suas experiências, permeadas pela violência, eram incomunicáveis. Havia, assim, um declínio da experiência, pela impossibilidade de transmissão, e a narração tradicional era obliterada pelo trauma. Michael Pollak (1989POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento e silêncio ”. Tradução de Dora Rocha Flaksman. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.) acrescenta que, em alguns casos, principalmente quando o sobrevivente é obrigado a colaborar com o inimigo, há um silêncio provocado pelo sentimento de culpa.

Em muitos países, crianças têm sido recrutadas à força para ingressarem em milícias (INZA, 2015INZA, Blanca Palacián de. El creciente uso de los niños soldados. Instituto Español de Estudios Estratégicos, Madrid, n. 12, p. 1-17, 24 fev. 2015. Disponível em: https://www.ieee.es/Galerias/fichero/docs_analisis/2015/DIEEEA12-2015_NinosSoldado_BPI.pdf . Acesso em: 5 dez. 2021.
https://www.ieee.es/Galerias/fichero/doc...
; DENOV, 2010DENOV, Myriam. Child soldiers: Sierra Leone’s revolutionary united front. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. ) e as que sobrevivem nem sempre têm coragem de se expor. Em Muito longe de casa: memórias de um menino soldado, Ishmael Beah narra a sua trajetória desde o fatídico dia de 1993 em que, junto ao irmão, Junior, e alguns amigos, se dirigiu a Mattru Jong, uma vila a aproximadamente 26 km de distância de sua residência, para assistir a um show de talentos, e, no trajeto, foi alcançado pela guerra.

O conflito ocorrido em Serra Leoa entre 1991 e 2002 fez parte do contexto do pós-colonialismo europeu no continente africano. Como muitas ex-colônias, após a independência do país, em 1961, os problemas decorrentes da era colonial persistiram e não houve por parte do governo um esforço no sentido de unificar os grupos sociais em prol do bem comum. Pelo contrário, alguns antagonismos se exacerbaram, contribuindo para a piora das condições sociais, econômicas e políticas, além de favorecer o surgimento da Força Revolucionária Unida (Revolutionary United Front ou RUF), grupo insurgente que aspirava a derrubada do governo e a ascensão ao poder. Com o apoio de lideranças políticas corruptas de outros Estados vizinhos, especialmente a Libéria1 1 Em 26 de abril de 2012, Charles Taylor, o ex-presidente da Libéria, se tornou o primeiro ex-chefe de estado desde Nuremberg a ser condenado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade por um tribunal internacional ou híbrido. Taylor tornou-se presidente da Libéria em 1997, após anos de guerra civil. Como presidente, ele foi implicado em atrocidades no conflito na vizinha Serra Leoa por meio de seu apoio a um grupo rebelde brutal conhecido por matar, estuprar e cortar os membros de milhares de civis, além de recrutar à força milhares de crianças-soldados. O julgamento e a condenação de Taylor enviaram a mensagem de que mesmo ex-líderes do governo podem ser responsabilizados criminalmente por seu papel na prática de crimes internacionais graves (Tradução nossa). https://www.hrw.org/topic/international-justice/charles-taylor , a RUF conseguiu armar-se. Os rebeldes eram liderados por Foday Sankoh, um ex-militar que prometia ao povo igualdade na distribuição das rendas provenientes da venda de diamantes, principal riqueza do país. Quando a guerra começou, a RUF controlava o interior, enquanto as forças do governo estavam centradas nas zonas urbanas. Como as jazidas se encontravam nos territórios controlados pela RUF, as cidades entraram em colapso e o governo, por ineficácia, foi deposto em um golpe de estado em 1992, quando o capitão Valentine Strasser assumiu o poder. Em 1993, o Reino Unido suspendeu a ajuda econômica ao país de modo a pressionar Strasser a convocar eleições diretas. Mesmo com a eleição de Ahmad Kabbah, a guerra continuou entre as forças do governo e a RUF.

Durante a guerra civil em Serra Leoa, os revolucionários agiram com uma violência extrema contra a população civil, o que gerou um grande número de deslocados e refugiados. Em 1993, a milícia de Sankoh foi acusada de cometer crimes de guerra, dentre eles o engajamento forçado de crianças e adolescentes no front. Segundo Correa,

A organização que deu início à violência, a Revolutionary United Front, contava com crianças que constituíam 80% dos seus soldados, muitas das quais haviam sido raptadas, com idades entre os sete e os catorze anos. Esta utilização deu-se desde o início do conflito e não foi pela falta de soldados adultos. Todavia, A RUF não foi a única a recorrer a crianças para fazerem parte de combates, também o governo e outras milícias seguiram esse mau exemplo. Foram utilizadas perto de dez mil crianças-soldado, um número que corresponde à maioria do total de participantes no conflito. (CORREA, 2013CORREA, Ana Catarina. Crianças-soldado: o problema do Caso de Darfur. 2013. 206 f. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Escola de Direito, Universidade do Minho, Braga, 2013., p. 21).

A guerra civil de Serra Leoa, em que o autor se viu involuntariamente envolvido, durou 11 anos e resultou em aproximadamente 70 mil mortos, 10 mil amputados e 2 milhões de pessoas que tiveram de deixar sua terra natal. Beah foi resgatado em 1996, por uma coalizão entre ONGs e a UNICEF, e passou por um difícil processo de reabilitação. A Unicef o ajudou a localizar um membro sobrevivente de sua família, com quem passou a viver. Beah voltou a estudar e foi convidado a falar na ONU. Quando as forças rebeldes tomaram a cidade de Freetown, em 1997, ele contatou Laura Simmons, que viria a ser sua mãe adotiva, e migrou para os Estados Unidos. Beah tinha dezessete anos na época. Atualmente, ele é embaixador da Unicef, membro do Humans Rights Watch e presidente da Fundação Ishmael Beah.

Quando a Guerra Civil o alcançou em Serra Leoa, Ishmael Beah era uma criança como qualquer outra. Os rumores da guerra chegavam até o local onde vivia, mas nenhum dos moradores tinha real consciência do que representavam:

Ouvíamos tantos tipos de histórias sobre a guerra que ela parecia estar acontecendo numa terra distante e desconhecida. Só quando os refugiados passaram a cruzar nossa cidade começamos a perceber que a guerra estava mesmo ocorrendo em nosso país. Famílias que haviam caminhado centenas de quilômetros relataram como seus parentes foram mortos e suas casas, queimadas (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 6).

Os refugiados que acolheram eram pessoas assustadas, ensimesmadas, como se tivessem receio de narrar algo que os atormentava, evocando a incomunicabilidade descrita por Benjamin (1994BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet, prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119.).

À época da guerra, os pais de Beah estavam separados. Ele e o irmão tiveram de deixar a escola e se dividiam entre duas casas, pois sua mãe vivia em outra localidade com o filho caçula. No dia do ataque, o narrador e seu irmão saíram, como de costume, sem informar aonde iam, porque pensavam em retornar no dia seguinte. Ao fazerem uma parada em Kabati, onde a avó do narrador vivia, foram surpreendidos com a notícia de que sua aldeia, Mogbwemo, havia sido atacada e que Mattru Jong seria o próximo alvo dos rebeldes.

Assustados, foram para o cais esperar notícias por parte daqueles que conseguiram escapar. A preocupação com o pai, a mãe e o irmão menor fez com que decidissem retornar à aldeia natal, na esperança de encontrá-los com vida, mas só encontraram os rastros da destruição causada pelos rebeldes:

A última tragédia que vimos naquela noite foi uma mulher que carregava um bebê nas costas. Corria sangue pelo seu vestido, deixando um rastro atrás dela. Sua criança havia sido morta por tiros enquanto ela fugia. Para sua sorte, a bala não tinha atravessado o corpo do bebê. Quando parou onde nós estávamos, ela sentou e pegou a criança. Era uma menina, e seus olhos ainda se encontravam abertos, com um sorriso inocente no rosto. As balas podiam ser vistas saindo um pouco do corpo da criança, que começava a inchar e endurecer. A mãe agarrou a criança e a ninou. Ela estava sofrendo demais, e em tal estado de choque que não conseguia derramar uma lágrima. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 14).

As imagens aterradoras desnortearam os jovens que, embora pobres, nunca haviam sido expostos à violência. Ocasionalmente, ouviam os adultos conversando e mais de uma vez o pai dissera que, desde a independência, instalara-se no país uma política corrupta, monopartidária, que deveria ser combatida, porém aos olhos do narrador tudo parecia incompreensível:

Ouvi alguns adultos dizerem que aquela era uma guerra revolucionária, a liberdade para o povo preso a um governo corrupto. Mas que tipo de guerra atira em civis inocentes, em crianças, naquela garotinha? Não havia ninguém para responder essas perguntas, e minha cabeça pesava com as imagens que eu levava comigo. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 15).

O relato de Beah encontra eco nos de outros sobreviventes do conflito. No Brasil, por exemplo, o arquivo da Gestão de Documentos Memoria da Justica Federal na Paraiba2 2 Relativo ao Processo nº 0001205-63.1999.4.05.8200 Disponível em: http://portalascom.jfpb.jus.br/institucional/gestaodocumental/wp-content/uploads/sites/19/2021/03/gestao-de-documentos-memoria-da-justica-federal-na-paraiba.pdf. Acesso em: 28 dez. 2021. contém o relato de oito refugiados de Serra Leoa, dentre eles o de Stephen Grang, sobre quem se registra a passagem a seguir:

As forças rebeldes invadiram a sua casa e mataram seus pais e certamente fariam o mesmo consigo tão logo retornasse. Durante a noite teve sua fazenda invadida, tendo seus pais mortos a tiros, conseguindo ele escapar, graças à agilidade física (DECLARAÇÕES DE STEPHEN GRANG, fls. 63 apudPODER JUDICIÁRIO, 2013PODER JUDICIÁRIO. Gestão de documentos: memórias da Justiça Federal na Paraíba. Assis: Storbem, 2013. 196 p. Disponível em: http://portalascom.jfpb.jus.br/institucional/gestaodocumental/wp-content/uploads/sites/19/2021/03/gestao-de-documentos-memoria-da-justica-federal-na-paraiba.pdf . Acesso em: 28 dez. 2021.
http://portalascom.jfpb.jus.br/instituci...
, p. 37).

Os refugiados são indivíduos sem Estado, reduzidos à condição que Michel Agier, via Zygmunt Bauman (2005BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. ), chamou de hors du nomos, ou “fora da lei”, no sentido de transitarem em espaços em que as leis de proteção, características das relações de pertencimento, não mais existem. São “náufragos liminares”, que não sabem se sua “condição é transitória ou permanente” (BAUMAN, 2005BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. , p. 96).

O trauma acompanha os sobreviventes de guerra. Derivado da palavra gregaτραυμα, que significa “ferida”, no âmbito da Psicologia, o trauma é definido como algo que tem origem em um acontecimento externo que repercute em nível interno, ou seja, no funcionamento psíquico. Evidencia-se no comportamento humano pela sensação de medo, de terror que desperta e por uma tensão entre aquilo que resulta do acontecimento e o que resulta da experiência subjetiva do indivíduo. Na passagem a seguir, é possível verificar, na narrativa, os sintomas do trauma:

Na minha cabeça eu via fagulhas de chamas, partes de cenas que tinha testemunhado. As vozes agonizantes de crianças e mulheres se tornavam vivas na minha mente. Eu chorava baixinho enquanto minha cabeça pulsava como o badalo de um sino. Às vezes, quando a enxaqueca parava, eu conseguia dormir por pouco tempo, para ser acordado pelos pesadelos. Certa noite sonhei que levava um tiro na cabeça. Eu estava deitado em meu próprio sangue e as pessoas passavam correndo por cima de mim. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 102-103).

Um dos sintomas mais evidentes é a sensação de reviver continuamente o evento que o causou. Esses flashbacks, bem como os pesadelos, fazem com que o indivíduo vá, aos poucos, tendo dificuldades de interagir com outras pessoas e busque o isolamento.

Em seu relato, Beah relata como ele e seus amigos foram recrutados pelo exército para lutar contra os rebeldes. Muitas daquelas crianças tinham visto seus pais serem assassinados, as irmãs estupradas e suas aldeias queimadas. Algumas ainda tinham a esperança de encontrar familiares vivos. Depois de passarem meses vagando de vila em vila tentando obter notícias, em uma aldeia, o narrador descobre que sua família sobrevivera ao ataque e o grupo de meninos segue na direção que lhes é dada. Ao encontrar Ngor Gasemu, um conterrâneo, as informações são confirmadas e Beah se alegra com a possibilidade do reencontro. Entretanto, a aldeia onde seus parentes estão abrigados é atacada e todos os habitantes são mortos. Quando, ainda desnorteados, tentam encontrar um lugar que lhes fora indicado por Gasemu antes de ele morrer, as crianças deparam com soldados que os levam a Yele, o local onde estão baseados. A imagem da violência está em toda parte:

[...] havia quatro homens deitados no chão, seus uniformes encharcados de sangue. Um deles estava deitado de barriga para o chão, e seus olhos estavam bem abertos e parados; suas tripas se espalhavam pela terra. Eu me virei, e meus olhos se depararam com a cabeça esmagada de outro homem. Algo dentro da cabeça dele ainda pulsava e ele estava respirando. Senti náuseas. Tudo começou a girar à minha volta. Um dos soldados me observava, mastigando alguma coisa e sorrindo. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 100).

Após algum tempo, cada uma das crianças recebe um fuzil AK-47 e elas são submetidas a um treinamento impulsionado pela memória da violência de que elas mesmas tinham sido vítimas:

Fomos levados a uma plantação de bananas nas proximidades, onde praticamos ataques às bananeiras usando baionetas. “Visualizem a bananeira como o inimigo, os rebeldes que mataram seus pais, sua família, e aqueles responsáveis por tudo que aconteceu a vocês”, o cabo gritou. “É assim que você vai apunhalar alguém que matou sua família?”, ele perguntou. “É assim que se faz.” (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 112).

A fragilidade e o temor das crianças foram vencidos não apenas por meio da pressão psicológica, mas também pelo uso de drogas, como a maconha, a cocaína, anfetaminas e o brown-brown3 3 Brown-browné uma mistura de cocaína e pólvora sem fumaça. A pólvora tem o objetivo de criar uma vasodilatação e permitir que a cocaína circule de forma mais intensa pela corrente sanguínea. , das quais os soldados eram usuários. Aos poucos, suas identidades vão sendo transformadas e o medo, que, no início do treinamento, fazia suas mãos tremerem, é substituído pela absoluta insensibilidade:

Meu pelotão era minha família, minha arma era meu provedor e protetor, e minha lei era matar ou ser morto. Meus pensamentos não iam muito além disso. Estávamos lutando havia mais de dois anos, e a matança se tornara uma atividade diária. Eu não sentia pena de ninguém. Minha infância tinha passado sem que eu soubesse, e parecia que meu coração havia congelado. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 126).

Em meio àquele cenário de terror, o tenente Jabati passa a ser uma espécie de modelo para Beah por sua bravura e seu gosto pelas obras de Shakespeare, que o narrador, quando criança, costumava recitar em festividades. Algum tempo depois, Jabati é contatado por uma ONG que, com o auxílio da UNICEF, faz o resgate de crianças envolvidas na guerra e escolhe Beah, dentre outras, para serem reabilitadas e ressocializadas.

A princípio sem entender porque fora escolhido para deixar o local do conflito, Beah passa por momentos de revolta. O relato do período de reabilitação dá a dimensão do efeito do trauma. Reunidos em um mesmo local, garotos que haviam lutado junto com os rebeldes se engalfinhavam com os que serviram ao exército:

[...] garotos rebeldes sacaram algumas baionetas que tinham escondidas e avançaram em nossa direção. Era a guerra outra vez. É possível que os estrangeiros tenham sido bastante ingênuos a ponto de pensar que, nos tirando da guerra, nos livrariam do ódio que sentíamos pelos rebeldes do RUF. Não havia passado pela cabeça deles que uma mudança de ambiente não poderia imediatamente nos transformar em garotos normais; éramos perigosos, e tínhamos recebido uma lavagem cerebral que nos havia tornado assassinos. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 135).

A síndrome de abstinência das drogas, que no período da guerra os tornava insensíveis à dor própria e à alheia, induz os meninos-soldado a um comportamento violento no centro de reabilitação. Dois meses depois, quando os sintomas começam a desaparecer, o tormento da memória ocupa o seu lugar. As lembranças que os afligiam durante do dia tornam-se pesadelos à noite e os acompanham por muitos meses:

[...] no meio da noite alguns de nós acordavam com pesadelos, suando, gritando e dando socos na própria cabeça para afastar as imagens que continuavam a nos atormentar mesmo quando não estávamos mais dormindo. Outros meninos acordavam, atacavam e começavam a enforcar quem estivesse na cama ao lado [...] Eu acordava suando e socando o ar. Corria para fora, até o meio do campo de futebol, e ficava balançando meu corpo para a frente e para trás, meus braços envolvendo as pernas. Tentava desesperadamente pensar na minha infância, mas não conseguia. As reminiscências da guerra tinham formado uma barreira que eu precisava quebrar para que conseguisse me lembrar de qualquer momento de minha vida anterior à guerra. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 149-150).

Em Trauma, memória e escrita: uma articulação entre a literatura de testemunho e a psicanálise, Diego Frichs Antonello afirma que o relato testemunhal não é uma mera reprodução do traumático, mas resulta da capacidade do eu em fazer frente à força destrutiva do trauma, usando a repetição em uma dimensão criativa: “o eu ainda consegue extrair forças no interior da própria desgraça, transformando-a em linguagem” (ANTONELLO, 2016, p. 19). Assim, as memórias de Beah emergem dessa tentativa de superação.

Em outra perspectiva, há também que levar em consideração a relação aparentemente dialética entre dois conceitos importantes relativos aos processos mnemônicos: o esquecimento e o silêncio. Michael Pollak afirma que “a memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado” (POLLAK, 1989POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento e silêncio ”. Tradução de Dora Rocha Flaksman. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989., p. 203), ou seja, algumas lembranças são excluídas de maneira voluntária ou involuntária. Ao contrário do que normalmente se pensa, a memória e o esquecimento não são conceitos opostos, mas complementares, pois ambos se processam simultaneamente. Em muitos casos, a negação da experiência traumática se dá por meio do esquecimento, como uma possibilidade de superação do sofrimento.

Maria Letícia M. Ferreira, em seu artigo “Políticas da memória e políticas do esquecimento”, afirma que o direito à memória encontra simetria no direito ao esquecimento, pois este “pode ser parte da negociação de identidade estabelecida pelo sujeito em relação a seu passado” (FERREIRA, 2011, p. 110-111).

Na narrativa de Beah, há um dado digno de nota: seja devido a uma má atitude dos garotos, seja como uma reação a um relato sobre a violência por eles praticado no passado, as pessoas repetem sucessivamente “Não é sua culpa”. Essa repetição, provavelmente associada a um desejo de proporcionar alívio aos meninos-soldado, causa profunda irritação no narrador, porque, intimamente, ele não isenta a si mesmo de tudo o que aconteceu.

A amizade com a enfermeira Esther, que busca aproximar-se dele por meio da música, a grande paixão do jovem, atenua a solidão de Beah e a ausência do sentido de pertencimento.

Quando representantes de várias entidades visitam o Lar, o narrador tem a oportunidade de apresentar um esquete de hip hop que havia escrito sobre a redenção de um ex-menino-soldado e acaba sendo convidado pelo diretor a dar depoimentos públicos. Embora desejoso de esquecer a própria experiência, o narrador descobre que suas falas podem lançar luz ao drama que viveu e atrair a atenção das pessoas para a condição trágica dos meninos-soldado.

Como parte do processo de ressocialização, o centro de reabilitação busca inserir os garotos em lares de adoção. No caso de Beah, inesperadamente, um tio por parte de pai é localizado, o que lhe dá novamente a sensação de ter uma família, apesar do difícil processo de adaptação.

A memória como espaço de ressignificação

In the end, what we hear is not, perhaps, the lost alterity; above all, what we find in the archive is ourselves.

Harriet Bradley (1999BRADLEY, Harriet. The seductions of the archive: voices lost and found. History of the Human Sciences, London, v. 1, n. 2, p. 107-122, 1999., p. 119)

Os primeiros contatos de Beah com a família do tio ocorreram depois de um acordo em que este lhe propôs não revelar aos seus filhos adotivos a participação do narrador na guerra. Quando, finalmente, fica decidido que passará a viver com eles, Beah se preocupa com a sua reinserção na sociedade:

Duas semanas antes, Leslie tinha me contado que eu seria “repatriado” e reinserido na sociedade comum. Eu viveria com meu tio. Aquelas duas semanas pareceram mais longas que os oito meses que tinha passado no Lar Benin. Eu estava preocupado com a vida nova ao lado de uma família. Tinha vivido sozinho por anos e tomado conta de mim sem a orientação de ninguém. Temia que pudesse parecer ingrato aos olhos do meu tio, que não era obrigado a me acolher, se eu me distanciasse da unidade familiar. Estava preocupado a respeito do que faria quando meus pesadelos e minhas enxaquecas se apoderassem de mim. Como eu explicaria para minha família, especialmente para as crianças, a minha tristeza, que não tenho como esconder quando toma meu rosto? Não tinha respostas para aquelas perguntas. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 180).

Alguns meses antes, ele havia dito à enfermeira Esther que não tinha motivo para continuar vivo, pois perdera todas as pessoas da sua família. Subitamente, se vê novamente com um vínculo familiar, porém teme que as memórias do trauma o impeçam de ter uma vida normal, como todo jovem da sua idade. Paralelamente à lembrança dos atos de violência que cometera, há a culpa por permanecer vivo quando todos os que amara haviam morrido: “Deitei na minha cama noite após noite, encarando o teto e pensando: Por que eu sobrevivi à guerra? Por que fui a última pessoa em meu núcleo familiar mais próximo a permanecer viva? Eu não sabia.” (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 180).

Ao ser novamente indicado pelo diretor do centro de reabilitação para dar depoimentos sobre os meninos-soldado, desta vez em outro país, nos Estados Unidos, as lembranças do que fizera, das pessoas inocentes que matara, da vida normal de que fora privado: “Essas coisas me faziam querer voltar ao começo e mudar tudo” (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 191).

Em Nova Iorque, ele conhece Laura Simms, que se apresenta como uma “contadora de histórias”, que estava ali para ajudá-los a narrar suas experiências de um modo mais envolvente:

Às vezes Laura falava conosco a respeito de histórias que eu tinha ouvido quando era bem criança. Eu estava maravilhado pelo fato de uma mulher branca, do outro lado do oceano Atlântico, que nunca havia estado em meu país, conhecer histórias tão específicas da minha infância e da minha tribo. Quando ela se tornou minha mãe, anos depois, ela e eu sempre discutíamos se aquilo tinha sido o destino ou uma mera coincidência, o fato de que eu havia partido de uma cultura em que contar histórias era tão importante, para viver com uma mãe que era contadora de histórias em Nova York. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 198).

No último dia de conferência, uma criança de cada país falou brevemente na câmara do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) sobre seu país e suas experiências. Beah havia recebido um discurso que havia sido escrito para ele em Freetown, mas, no momento em que teve a oportunidade de falar, decidiu que o faria de improviso:

Comecei dizendo: “Sou de Serra Leoa, e o problema que afeta a nós, crianças, é que a guerra nos força a fugir de nossas casas, a perder nossas famílias e a vagar sem rumo pelas florestas. O resultado disso é que acabamos envolvidos no conflito como soldados, transportando cargas e fazendo muitas outras tarefas difíceis. Tudo por causa da fome, da perda das nossas famílias e da necessidade de nos sentirmos seguros e parte de alguma coisa, quando tudo mais está destruído. Entrei para o exército, na verdade, por causa do assassinato da minha família. Eu também tinha que conseguir comida para sobreviver, e o único jeito era integrar um pelotão. Não era fácil ser soldado, mas tínhamos que fazer aquilo. Estou reabilitado agora, então não tenham medo de mim. Não sou mais um soldado; sou uma criança. Somos todos irmãos e irmãs. [...] Entrei para o exército para vingar a morte da minha família e para sobreviver, mas aprendi que, se vou me vingar, durante o processo vou matar outra pessoa que tem uma família, que também vai querer se vingar; e se vingar, se vingar, se vingar, até que a vingança nunca chegue ao fim. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 200).

Ao se despedir das crianças e adultos com quem tivera contato durante todos aqueles dias, Beah se recorda de ter pensado que estava feliz por ter conhecido pessoas de fora de Serra Leoa, porque, se fosse assassinado depois de voltar para casa, sabia que uma memória da sua existência continuaria viva em algum lugar do mundo.

No retorno, ao começar a estudar no St. Edward’s Secondary School, Beah passa pela experiência da exclusão. Sua participação na guerra se tornara pública e levava ao afastamento dos outros estudantes. O novo vínculo familiar, a esperança que começara a sentir de ter uma vida melhor exigiam que o passado fosse silenciado: “Sabia que nunca conseguiria esquecer meu passado, mas queria parar de falar sobre ele para que pudesse estar totalmente no presente em minha nova vida” (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 204).

Em 25 de maio de 1997, Johnny Paul Koroma, o líder do Armed Forces Revolutionary Council (AFRC, Conselho das Forças Armadas Revolucionárias), formado por um grupamento de oficiais do Sierra Leone Army (SLA), comandou o levante que depôs o presidente eleito democraticamente, Ahmad Kabbah. Quando rebeldes e soldados vindos dos campos de batalha tomaram conta da cidade, Beah temeu pela própria vida. Durante cinco meses atiradores percorreram Freetown saqueando, estuprando e matando pessoas. Mesmo receoso de ser reconhecido por algum dos rebeldes, Beah se aventurava a sair de casa para conseguir comida para a família. Em meio ao conflito, seu tio adoeceu e morreu. Ao perceber que poderia novamente ser obrigado a lutar, ele decidiu pedir ajuda a Laura Simms e partir:

Eu tinha que ir embora porque temia que, se ficasse em Freetown por mais tempo, acabaria voltando a ser soldado ou, caso me recusasse, meus antigos companheiros de exército me matariam. Alguns amigos que tinham passado pela reabilitação comigo já tinham voltado ao exército. Deixei Freetown numa manhã bem cedo, sete dias depois que meu tio faleceu. Não falei a ninguém que estava indo embora, exceto para Mohamed, que deveria contar a respeito da minha fuga a minha tia depois que ela tivesse se recuperado da morte do marido. Ela havia se desligado do mundo e de todos após a morte do marido. (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 211).

O relato de Beah reflete o receio de todos os ex-meninos-soldados. De acordo com a postagem de 31 de maio de 2000 no site Human Rights Watch4 4 Cf. https://www.hrw.org/news/2000/05/31/sierra-leone-rebels-forcefully-recruit-child-soldiers. Acesso em: 28 dez. 2021. , a RUF ia aos campos de reabilitação e pressionava as crianças para retornarem ao front, ora sob ameaça de invadir o campo e matar todos os que ali estavam, ora afirmando que haviam encontrado seus familiares e que poderiam se reunir a eles.

Fustigado pela sensação repetida de perda, o narrador questiona a si mesmo diversas vezes: “Por que todos sempre morrem, menos eu?” (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 213). Parte com uma sacola suja, com poucas roupas, o que sobrara do dinheiro que Laura enviava de vez em quando e um saco de arroz cru para se alimentar. O trajeto é complicado. Precisa ir por um caminho alternativo e pegar um ônibus que o levará à Guiné. Na saída da cidade, o ônibus em que está é revistado e as barreiras evocam lembranças traumáticas: “Quando aos poucos começamos a nos mover, vi a barreira desaparecer e me lembrei de quando eu atacava barreiras como aquela. Afastei aquele pensamento antes que fosse transportado de novo àqueles tempos”. (BEAH, 2015, p. 214).

Sem dinheiro, usa de subterfúgios para escapar à extorsão dos soldados na fronteira e consegue entrar ilegalmente na Guiné. Apesar das dificuldades com o idioma, consegue chegar à embaixada de Serra Leoa. O relato termina com o narrador acomodado com mais cinquenta refugiados em uma área aberta:

A visão de toda aquela gente me lembrou algumas aldeias por onde eu havia passado enquanto fugia da guerra. Eu estava assustado e preocupado com o tormento que o dia seguinte poderia trazer. De qualquer maneira, estava feliz por ter conseguido sair de Freetown, de ter escapado da possibilidade de voltar a ser soldado. Isso me deu algum conforto (BEAH, 2015BEAH, Ishmael. Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado. Tradução Cecilia Giannetti. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015., p. 219).

Nos agradecimentos, Ishmael Beah fala de sua vida atual como sua segunda existência. Ao narrar sua história pessoal, ele deu um rosto às muitas crianças anônimas que lutaram na Guerra Civil de Serra Leoa. Os oito meses passados no Lar Benin, apoiado pela ONG Children Associated With the War e pela UNICEF foram uma zona de fronteira entre a vida e a morte. Se, nos primeiros meses, a memória da guerra não apenas lhe trazia a dimensão da perda da infância e dos familiares, mas também da culpa, por ter se tornado um assassino, após a reabilitação e a acolhida da família do tio, essas memórias são ressignificadas, apontando para aquilo que ele não desejava mais para si.

A relação dialética entre o lembrar e o esquecer que acompanha todo evento traumático, encontra um equilíbrio no ato de narrar. Segundo Tania Maria Cemin Wagner,

Uma obra literária pode representar uma forma de reorganização psíquica ou mesmo de reparação de um trauma vivido. Uma construção literária dessa experiência, a partir de uma apresentação em linguagem, pode servir como elo de compreensão da dimensão desse sofrimento, propiciando, ao sujeito, uma tentativa de ressignificar a situação traumática. (WAGNER, 2016WAGNER, Tania Maria Cemin. A representação simbólica da ressignificação de um trauma. Nonada: Letras em Revista, Porto Alegre, v. 2, n. 27, p. 120-129, set. 2016. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5124/512454260011.pdf . Acesso em: 12 dez. 2021
https://www.redalyc.org/pdf/5124/5124542...
, p. 120).

Conforme explicita nos agradecimentos, Ishmael Beah teve a oportunidade de encontrar testemunhas solidárias, pessoas dispostas a ouvir a narração insuportável de sua história, mas ainda assim, quis deixar registrada a sua experiência não apenas para mostrar àqueles que passaram por situações similares que existe uma luz ao fim do túnel, mas também para atrair a atenção de leitores de todo o mundo para o que se passa nos países da África que enfrentam conflitos internos.

À guisa de conclusão

Na sua oitava tese, Benjamin afirmava que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade”. (BENJAMIN, 1994BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet, prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119.. p. 226). Se as histórias pessoais de indivíduos oprimidos estão inseridas na história dos povos, a rememoração (Eingedenken) não pode ser desprezada, visto que, em sua condição de fragmento, junto a outros tantos, adquire um caráter suplementar que colabora para a dimensão de totalidade da história.

Recentemente, a veracidade dos fatos narrados no romance de Beah foi contestada no periódico Australian5 5 Cf. https://slate.com/culture/2008/03/the-feud-over-ishmael-beah-s-child-soldier-memoir-a-long-way-gone.html , com base em uma investigação suscitada quando o engenheiro de minas Bob Lloyd alegou que o pai do autor estava vivo e trabalhando nas minas em Sierra Rutile. Embora, a informação fosse inverídica, o jornal continuou investigando os eventos narrados e encontrou algumas discrepâncias em relação às datas mencionadas por Beah, levantando a suspeita de que alguns dos relatos foram propositalmente exagerados.

Neste artigo, acatamos o caráter memorialístico da narrativa, sem evidentemente ignorar que a memória tem seus limites e que mesmo os relatos autobiográficos têm suas lacunas preenchidas, senão por impressões posteriores de seus narradores, por possíveis elaborações do que ficou cristalizado na memória coletiva, além de que as condições traumáticas da experiência vivida podem resultar em certo descompasso com os registros da historiografia. Como Ricoeur (2007RICOEUR, Paul. Da memória e da reminiscência. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução Alain François. Campinas: Editora Unicamp, 2007. p. 25-142.) nos faz lembrar, não há como retratar fielmente algo que já aconteceu, pois, ao tentar reconstruir a imagem de uma lembrança, ela contará com a imaginação para complementar os traços que foram apagados pelo tempo. A propósito das operações da memória, Primo Levi afirmou que

A memória humana é um instrumento maravilhoso, mas falaz. [...] Conhecem-se alguns mecanismos que falsificam a memória em condições particulares: os traumas, não apenas os cerebrais: a interferência de outras recordações “concorrentes”; estados anormais da consciência; repressões; recalques. Todavia, mesmo em condições normais desenrola-se uma lenta degradação, um ofuscamento dos contornos, um esquecimento por assim dizer natural, a que poucas recordações resistem. (LEVI, 2004LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. Tradução Luiz Sérgio Henriques. São Paulo: Paz e Terra, 2004., p. 19).

Assim como as fontes orais têm relevância documental para as narrativas de memória e são incorporadas ao Arquivo por meio da metodologia da História Oral, as escritas de si, seja no formato de testemunho ou de memoir, podem igualmente fornecer “versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais” (DELGADO, 2006DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006., p. 15). Se o testemunho se narra no entrelugar entre a verdade e o engano (MAY, 1979MAY, Georges. L’ autobiographie. Paris: PUF, 1979.) e é, portanto, passível de autocensura, o mesmo ocorre com as fontes orais.

Em relação à narrativa de Beah, buscamos, em particular, demonstrar que o ato de narrar o trauma (SELIGMANN-SILVA, 2008SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma - a questão dos testemunhos de catástrofes históricas. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 65-82, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000100005 . Acesso em: 2 out. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0103-5665200800...
), estendido aqui não apenas à condição de vítima, mas também à situação forçada de algoz, constitui uma das feições da relação entre a memória e o arquivo, da qual a literatura é mediadora.

Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado faz de cada leitor uma testemunha solidária e, assim, a obra cumpre o seu papel de registro das atrocidades cometidas durante a guerra civil em Serra Leoa, evitando o esquecimento. Paralelamente, como receptores do relato, assumimos também o papel de intérpretes (DERRIDA, 2001DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.), de arcontes, que não devem apenas repeti-lo para que, assim, seja incorporado ao arquivo, mas devemos também lançá-lo em direção ao futuro, de modo que, como vestígio, possa fomentar algum tipo de mudança nas práticas sociais. Para Beah, a escrita do memoir resultou de uma necessidade psicológica e de uma obrigação moral de representar por meio de palavras situações que ultrapassam o limite da compreensão humana.

REFERÊNCIAS

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  • BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política Tradução Sérgio Paulo Rouanet, prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119.
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  • CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam 2. ed. Tradução Maria Manuela Rocha. Oeiras: Celta Editora, 1999.
  • COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 129-150, jul. 1998. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2062/1201 Acesso em: 18 nov. 2021.
    » https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2062/1201
  • CORREA, Ana Catarina. Crianças-soldado: o problema do Caso de Darfur. 2013. 206 f. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Escola de Direito, Universidade do Minho, Braga, 2013.
  • DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • DENOV, Myriam. Child soldiers: Sierra Leone’s revolutionary united front. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
  • DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
  • INZA, Blanca Palacián de. El creciente uso de los niños soldados. Instituto Español de Estudios Estratégicos, Madrid, n. 12, p. 1-17, 24 fev. 2015. Disponível em: https://www.ieee.es/Galerias/fichero/docs_analisis/2015/DIEEEA12-2015_NinosSoldado_BPI.pdf Acesso em: 5 dez. 2021.
    » https://www.ieee.es/Galerias/fichero/docs_analisis/2015/DIEEEA12-2015_NinosSoldado_BPI.pdf
  • LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes Tradução Luiz Sérgio Henriques. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
  • MAY, Georges. L’ autobiographie Paris: PUF, 1979.
  • MEIRA, Esmeralda Guimarães; ALMEIDA, José Rubens Mascarenhas de. História e memória no arquivo pessoal de Camillo de Jesus Lima (O arquivo, o arquivista, o arconte). Manuscrítica - Revista de Crítica Genética, São Paulo, n. 31, p. 43-57, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/177882 Acesso em: 20 out. 2021.
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  • NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.Tradução Yara Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, jul./dez. 1993.
  • PODER JUDICIÁRIO. Gestão de documentos: memórias da Justiça Federal na Paraíba. Assis: Storbem, 2013. 196 p. Disponível em: http://portalascom.jfpb.jus.br/institucional/gestaodocumental/wp-content/uploads/sites/19/2021/03/gestao-de-documentos-memoria-da-justica-federal-na-paraiba.pdf Acesso em: 28 dez. 2021.
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  • POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento e silêncio ”. Tradução de Dora Rocha Flaksman. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
  • RICOEUR, Paul. Da memória e da reminiscência. In: RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento Tradução Alain François. Campinas: Editora Unicamp, 2007. p. 25-142.
  • SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma - a questão dos testemunhos de catástrofes históricas. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 65-82, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000100005 Acesso em: 2 out. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-56652008000100005
  • WAGNER, Tania Maria Cemin. A representação simbólica da ressignificação de um trauma. Nonada: Letras em Revista, Porto Alegre, v. 2, n. 27, p. 120-129, set. 2016. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/5124/512454260011.pdf Acesso em: 12 dez. 2021
    » https://www.redalyc.org/pdf/5124/512454260011.pdf
  • 1
    Em 26 de abril de 2012, Charles Taylor, o ex-presidente da Libéria, se tornou o primeiro ex-chefe de estado desde Nuremberg a ser condenado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade por um tribunal internacional ou híbrido. Taylor tornou-se presidente da Libéria em 1997, após anos de guerra civil. Como presidente, ele foi implicado em atrocidades no conflito na vizinha Serra Leoa por meio de seu apoio a um grupo rebelde brutal conhecido por matar, estuprar e cortar os membros de milhares de civis, além de recrutar à força milhares de crianças-soldados. O julgamento e a condenação de Taylor enviaram a mensagem de que mesmo ex-líderes do governo podem ser responsabilizados criminalmente por seu papel na prática de crimes internacionais graves (Tradução nossa). https://www.hrw.org/topic/international-justice/charles-taylor
  • 2
    Relativo ao Processo nº 0001205-63.1999.4.05.8200 Disponível em: http://portalascom.jfpb.jus.br/institucional/gestaodocumental/wp-content/uploads/sites/19/2021/03/gestao-de-documentos-memoria-da-justica-federal-na-paraiba.pdf. Acesso em: 28 dez. 2021.
  • 3
    Brown-browné uma mistura de cocaína e pólvora sem fumaça. A pólvora tem o objetivo de criar uma vasodilatação e permitir que a cocaína circule de forma mais intensa pela corrente sanguínea.
  • 4
    Cf. https://www.hrw.org/news/2000/05/31/sierra-leone-rebels-forcefully-recruit-child-soldiers. Acesso em: 28 dez. 2021.
  • 5
    Cf. https://slate.com/culture/2008/03/the-feud-over-ishmael-beah-s-child-soldier-memoir-a-long-way-gone.html
  • Nota de financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq (Bolsa de Produtividade em Pesquisa) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro- FAPERJ (Auxílio Básico à Pesquisa e Prociência UERJ/FAPERJ).

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2021
  • Aceito
    14 Mar 2022
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