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O Dilema do Oftalmologista

Na cadeia de decisões em Saúde, o médico vem progressivamente perdendo influência, em favor de executivos, administradores, políticos e mais recentemente investidores. Deixa de ser o cérebro que comanda o sistema, para assumir posição secundária, como parte da equipe de trabalhos.

Nos últimos anos, o mercado financeiro percebeu que investir em Medicina é uma aplicação rentável. Assim, muitos complexos hospitalares estão sendo comprados por fundos de investimento. Na Oftalmologia, as grandes clínicas que tradicionalmente pertenciam e eram dirigidas por oftalmologistas, estão sendo, progressivamente, adquiridas e consolidadas por fundos de investimento.

No outro extremo do espectro mercadológico, grandes clínicas de Oftalmologia, estão sendo compradas por empresas de saúde suplementar, sedimentando a tendência de verticalização dos planos de saúde, que progressivamente passam a possuir rede própria de médicos e serviços de saúde.

Neste cenário em que grandes corporações, com acesso à tecnologia, marketing e ao sinergismo do trabalho multidisciplinar, dominam progressivamente o mercado e em que a fonte pagadora passa a criar e a priorizar sua própria rede assistencial, o oftalmologista individual fica sem poder de reação para preservar sua autonomia, encontrando um ambiente pouco favorável para montar ou para manter sua clínica pessoal, principalmente nas grandes cidades. Assim como os pequenos mercados de alimentos de bairro, que foram substituídos por grandes redes de supermercados, é provável que consultórios individuais também se tornem escassos.

Claro que sempre existirá espaço para consultórios “butiques”, em que um atendimento personalizado é oferecido, mas para isso, faz-se necessário que o profissional possua grande visibilidade na comunidade. Algo possível somente após muito investimento na carreira.

É possível que, no futuro próximo, a maioria dos oftalmologistas, principalmente nos grandes centros urbanos, tenha que optar por trabalhar para um plano de saúde ou para um grupo financeiro. As lideranças da Oftalmologia pouco poderão influenciar nesta dinâmica de mercado, mas podemos, pelo menos, discutir e, eventualmente, implantar mudanças no ensino de nossos especialistas, considerando, entre outros quesitos, este cenário.(11 Kara-Junior N. Oftalmologia 4.0. Rev Bras Oftalmol. 2019; 78(3):157-8.)

Consideramos que um oftalmologista com boa formação clínica geral, treinado para uma modalidade cirúrgica, tem boa chance de ter sucesso como profissional liberal, principalmente no interior do país, pois ele estará preparado para, com pouca tecnologia, solucionar a maior parte dos problemas visuais de seus pacientes. Enquanto que o subespecialista, capacitado predominantemente para uma área específica de atuação, dificilmente conseguirá boas condições de trabalho longe dos grandes centros urbanos e, provavelmente, irá trabalhar para grandes empresas de saúde.(22 Kara-Junior N. Technology, teaching, and the future of ophthalmology and the ophthalmologist. Arq Bras Oftalmol. 2018;81(3): v-vi.,33 Kara-Junior N. A padronização do ensino em oftalmologia. Rev Bras Oftalmol. 2014; 73(4):195-6.)

Atualmente há uma distorção no ensino da especialidade, pois muitos médicos “especializados” em instituições não certificadas pelo Ministério da Educação e/ou pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e, na maior parte das vezes despreparadas para o ensino, procuram realizar uma subespecialização para compensar deficiências clínicas básicas da formação e se aprimorar em pelo menos uma área de atuação. Eventualmente até conseguem ser bons cirurgiões ou executores/interpretadores de exames complementares, mas não têm a formação geral adequada que lhes permita trabalhar fora de um sistema de atendimento em grupo.

O ideal seria criar condições para que a maioria dos médicos recém graduados, que pretendam exercer a Oftalmologia, consigam se especializar em instituições de qualidade reconhecida. Assim como seria desejável que o curso de especialização tivesse um programa de treinamento versátil, para atender as necessidades específicas do futuro especialista, oferecendo boa formação clínica geral para todos e possibilitando a capacitação cirúrgica adequada em uma área de atuação, a ser escolhida pelo aluno. Fica, então, a opção da posterior subespecialização para aqueles que desejarem atuar especificamente em determinada área. Ao jovem médico, restaria a necessidade de amadurecer precocemente e conseguir escolher seu destino profissional já no começo da especialização, para direcionar sua formação, otimizando seu tempo e a infraestrutura da instituição de ensino. Este cenário de ensino seria positivo para o oftalmologista, que ganharia independência para conseguir escolher onde trabalhar e para a Oftalmologia, que contaria com profissionais mais bem preparados tecnicamente.

Referências

  • 1
    Kara-Junior N. Oftalmologia 4.0. Rev Bras Oftalmol. 2019; 78(3):157-8.
  • 2
    Kara-Junior N. Technology, teaching, and the future of ophthalmology and the ophthalmologist. Arq Bras Oftalmol. 2018;81(3): v-vi.
  • 3
    Kara-Junior N. A padronização do ensino em oftalmologia. Rev Bras Oftalmol. 2014; 73(4):195-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020
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