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Reabilitação visual com lentes de contato após transplante de córnea

Resumo

A adaptação de lentes de contato após o transplante de córnea tem sido considerada um desafio na reabilitação visual. Atualmente existe a possibilidade de adaptação de lentes de contato de vários tamanhos, diversos desenhos e com diferentes espessuras e materiais, como por exemplo lentes gelatinosas, lentes corneanas rígidas gás-permeáveis, lentes córneo-esclerais, mini esclerais e esclerais. O objetivo deste estudo foi apresentar uma revisão da literatura atual que possa exemplificar a utilização de alguns dos diferentes tipos de lentes de contato que possam ser usadas após o transplante de córnea. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura médica na língua inglesa, utilizando como base de dados para a pesquisa, Pubmed e Mendeley. Como critério de inclusão, foi estabelecido a relevância do artigo de acordo com a experiência da equipe. Foram selecionados 26 artigos, com ano de publicação entre 2001 e 2018. Dentre os artigos selecionados, cinco possuem como principal assunto o transplante de córnea, nove artigos sobre lentes de contato em geral, e 12 artigos sobre lentes de contato esclerais ou mini esclerais. Devido a maior transmissibilidade de oxigênio para a córnea, o uso das lentes corneanas rígidas gás-permeáveis mostrou-se mais seguro e com probabilidade de uso por um período maior de tempo.

Descritores:
Transplante de córnea; Transplante penetrante; Lentes de contato; Lentes de contato rígidas gás permeáveis; Lentes esclerais; Lentes mini esclerais

Abstract

Contact lens fitting after corneal transplantation has been considered a challenge in visual rehabilitation. There is currently the possibility of adapting contact lenses of various sizes, various designs and with different thicknesses and materials, such as gelatinous lenses, gas-permeable rigid corneal lenses, corneal-scleral lenses, mini-scleral and scleral lenses. The objective of this study was to present a review of current literature that may exemplify the use of some of the different types of contact lenses that can be used after corneal transplantation. An integrative review of the medical literature in the English language, using as a database for the research, Pubmed and Mendeley. Twenty six articles were selected, with year of publication between 2001 and 2018, as inclusion criterion, the relevance of articles according to the authors' experience was used. Five articles were selected that have as main subject corneal transplantation, nine articles on contact lenses in general, and 12 articles on scleral or mini scleral contact lenses. Due to the greater transmissibility of oxygen to the cornea, the use of rigid gas-permeable corneal lenses was shown to be safer and more likely to be used for a longer period of time.

Keywords:
Corneal keratoplasty; Penetrating keratoplasty; Contact lens, Gas permeable rigid contact lenses; Scleral lens, Mini scleral lenses

Introdução

O Transplante de córnea é uma cirurgia realizada há mais de cem anos e tem sido utilizado para promover a restauração visual em uma variedade de distrofias e deformidades corneanas. Dentre as indicações estão as ectasias corneanas, especialmente o ceratocone, cicatrizes corneanas (secundária a trauma ou infecções) várias formas de ceratopatias (ceratite por herpes simples e ceratopatia bolhosa pseudofácica) e opacidades corneanas congênitas como a Anomalia de Peter’s.(11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.)

Os avanços nas técnicas cirúrgicas e nas medicações permitiram que a maioria dos pacientes obtivessem um enxerto opticamente viável e sem opacidades. Entretanto, apesar desse ganho de efetividade, alguns pacientes podem ter uma função visual reduzida devido a problemas refrativos como anisometropia (esférica e astigmática) e astigmatismo irregular. E apesar dos recursos de remoção seletiva das suturas e do uso de cirurgia refrativa pós-transplante de córnea, as lentes de contato possuem um importante papel na melhora da função visual de pacientes com as alterações refracionais citadas anteriormente. (22 Wietharn BE, Driebe WT Jr. Fitting contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2004;30(1):31-3.)

Objetivo

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão bibliográfica integrativa, para exemplificar as possibilidades de utilização de alguns tipos de lentes de contato após o transplante de córnea.

Métodos

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura internacional, em língua inglesa. Não foi considerado como critério de inclusão o nível de evidência científica dos artigos. Não foi estabelecido período de temporalidade. Como critério de inclusão, foi estabelecido a relevância do artigo de acordo com a experiência da equipe. Foram selecionados 26 artigos para este estudo. Foi utilizado como base de dados para a pesquisa, Pubmed e Mendeley. As palavras chaves utilizadas para a pesquisa foram: “Corneal Keratoplasty, Penetrating Keratoplasty, Contact Lens, Gas Permeable Rigid Contact Lenses, Scleral Lenses, Mini-scleral Lenses”.

Resultados

Nesta pesquisa foram encontrados 1.322 artigos relacionados às palavras chaves. Foram escolhidos os artigos que os autores consideraram de maior abrangência e relevância para este estudo (26 artigos), dentre os quais, 5 artigos têm como principal assunto o transplante de córnea, 9 artigos sobre lentes de contato em geral, e 12 artigos sobre lentes de contato esclerais ou mini esclerais (Figuras 1 e 2). A Figura 3 demonstra o nível de evidência científica dos artigos selecionados desta revisão sendo 4 artigos com nível de evidência 2, um artigo com nível de evidência 3, 11 artigos com nível de evidência 4 e 9 artigos com nível de evidência 5. Sendo que um artigo trata-se de um estudo teórico (cálculo matemático) em que não foi possível a classificação.

Figura 1
Artigos distribuídos por ano de publicação

Figura 2
Artigos distribuídos por assunto

Figura 3
Artigos de acordo com o nível de evidência científica

Discussão

Transplante de córnea

No estudo realizado por Wietharn et al. o ceratocone e as distrofias corneanas foram as principais causas de indicação do transplante penetrante de córnea, correspondendo respectivamente a 37.1% e 28.6% das indicações para transplante de córnea.(22 Wietharn BE, Driebe WT Jr. Fitting contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2004;30(1):31-3.)

De acordo com o estudo de Kelly et al. foi observado que enxertos penetrantes por ceratocone obtiveram uma taxa de sobrevivência superior a enxertos por outras indicações nos primeiros 15 anos, após este período a taxa de sobrevivência pareceu ser independente da indicação. A ocorrência de episódios de rejeição em olhos transplantados devido ao ceratocone é um fator de risco significativo para a falência do transplante. Embora a maioria dos episódios de rejeição ocorreram logo após o transplante (90% ocorrem nos primeiros quatro anos do pós-operatório), alguns episódios de rejeição podem ocorrem anos mais tarde, com o período mais longo para a primeira rejeição 21 anos do pós-operatório.(33 Kelly TL, Williams KA, Coster DJ; Australian Corne al Graft Registry. Corne al transplantation for keratoconus: a registry study. Arch Ophthalmol. 2011;129(6):691-7.)

Em olhos transplantados por ceratocone, as falências tardias de enxertos foram mais frequentemente atribuídas a causas inespecíficas, ceratocone recorrente, ou astigmatismo e menos frequentemente devido à rejeição. A localização geográfica (efeito centro) foi considerada um fator de risco para a falência de transplantes com 15 anos ou mais de evolução. Sendo encontrada no pior centro, uma taxa sete vezes maior no risco de falência do transplante do que no melhor centro.(33 Kelly TL, Williams KA, Coster DJ; Australian Corne al Graft Registry. Corne al transplantation for keratoconus: a registry study. Arch Ophthalmol. 2011;129(6):691-7.)

A córnea normal é avascular e o crescimento de novos vasos estimulados pela hipóxia relacionada ao uso de lentes de contato com baixa transmissibilidade de oxigênio, pode aumentar o risco de rejeição do transplante. O tamanho do transplante também tem sido relacionado a taxa de sobrevida do mesmo, geralmente o diâmetro do enxerto está entre 7.5 e 8.5 mm. Tem sido demonstrado que transplantes muito pequenos (menores que 7 mm de diâmetro) ou enxertos grandes ( maiores do que 8.5 mm de diâmetro) possuem uma taxa de sobrevida inferior aos de tamanho intermediário.(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.)

O astigmatismo é um problema particular em transplantes por ceratocone, e pode ser a causa de falência tardia do enxerto. Em pacientes com ceratocone, a acuidade visual pode levar muitos anos para estabilizar, em seu estudo, uma acuidade visual relativamente estável não foi encontrada antes de cinco anos de evolução do transplante.(33 Kelly TL, Williams KA, Coster DJ; Australian Corne al Graft Registry. Corne al transplantation for keratoconus: a registry study. Arch Ophthalmol. 2011;129(6):691-7.)

O retransplante de córnea após a falência de um enxerto realizado para o tratamento de ceratocone tem uma sobrevida menor do que o primeiro transplante penetrante. O segundo transplante e transplantes subsequentes possuem um risco significativamente maior de falência se o transplante de córnea anterior teve uma sobrevida de menos de dez anos, comparados com retransplantes em olhos em que o enxerto anterior sobreviveu por mais de dez anos. A falência do enxerto nos primeiros dez anos está associada com episódios de inflamação e rejeição do enxerto, enquanto que as falências que ocorrerem posteriormente são mais prováveis de serem resultado de condições não inflamatórias.(55 Kelly TL, Coster DJ, Williams KA. Repeat penetrating corneal transplantation in patients with keratoconus. Ophthalmology. 2011;118(8):1538-42.)

Segundo Sari et al. em seu estudo de série de casos prospectivo randomizado, novas técnicas como o DALK (ceratoplastia lamelar anterior profunda) tem ganhado espaço por preservarem o endotélio do receptor, eliminando o risco de rejeição endotelial, e por preservarem a densidade celular endotelial. A principal preocupação com esta técnica está na ocorrência de opacidades e irregularidades da interface hospedeiro-doador. Com a introdução da técnica “big bubble” para separar o estroma da membrana de Descemet, têm-se obtido interfaces transparentes, com melhores resultados visuais no pós-operatório, comparáveis aos obtidos com o transplante penetrante de córnea em termos de acuidade visual, refração, sensibilidade ao contraste e aberrações de alta ordem.(66 Söütlü Sari E, Kubaloglu A, Ünal M, Piñero Llorens D, Koytak A, Ofluoglu AN, et al. Penetrating keratoplasty versus deep anterior lamellar keratoplasty: comparison of optical and visual quality outcomes. Br J Ophthalmol . 2012;96(8):1063-7.) Da mesma forma Reinhart et al. também mencionou resultados semelhantes para o DALK e para o transplante penetrante de córnea em termos de melhor acuidade visual corrigida, e erros refrativos.(77 Reinhart WJ, Musch DC, Jacobs DS, Lee WB, Kaufman SC, Shtein RM. Deep anterior lamellar keratoplasty as an alternative to penetrating keratoplasty a report by the american academy of ophthalmology. Ophthalmology. 2011;118(1):209-18.)

Infelizmente os resultados visuais obtidos com o transplante de córnea não são satisfatórios em uma percentagem significativa de pacientes, é bastante comum ser encontrado quatro dioptrias ou mais de astigmatismo tanto regular como irregular. Alternativas cirúrgicas usadas para melhorar a visão incluem, ressutura, ceratotomia para correção do astigmatismo (manual ou assistida pelo femtosecond laser), anéis corneanos, lentes intra-oculares tóricas e cirurgia refrativa. No entanto, em muitos pacientes estes procedimentos não são efetivos ou aceitáveis (pelo próprio paciente) para o caso em questão.(88 Alipour F, Behrouz MJ, Samet B. Mini-scleral lenses in the visual rehabilitation of patients after penetrating keratoplasty and deep lamellar anterior keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(1):54-8.)

Se o astigmatismo for regular, pode ser prescrito óculos, e a cirurgia refrativa pode ser considerada para reduzir a quantidade do astigmatismo. Caso o astigmatismo seja irregular, é mais provável que se necessite de adaptação de lente de contato rígida gás permeável para otimizar a acuidade visual. Mesmo as lentes gelatinosas tóricas não serão capazes de neutralizar o astigmatismo irregular.(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.)

Lentes de Contato

Lentes Rígidas Gás Permeáveis Corneanas e Lentes Gelatinosas

No estudo realizado por Wietharn et al., todos os pacientes que foram adaptados com lentes de contato pós-transplante de córnea não estavam satisfeitos com a visão conferida apenas pelos óculos. A causa mais comum para adaptação de lentes de contato foram o astigmatismo irregular encontrado em 62.9% dos olhos, seguido da anisometropia esférica encontrada em 57,1% dos olhos (definida como a diferença de três ou mais dioptrias do equivalente esférico entre os dois olhos), a anisometropia astigmática encontrada em 54,3% dos olhos (definida como a diferença de pelo menos duas dioptrias no astigmatismo total entre os dois olhos), e por fim olhos afácicos ocorrendo em 8,6% dos olhos estudados, como um fator contribuinte para a anisometropia.(22 Wietharn BE, Driebe WT Jr. Fitting contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2004;30(1):31-3.)

Nos casos em que ocorre anisometropia as lentes de contato são a correção óptica de escolha pois elas auxiliam na redução da magnificação da imagem, esta magnificação da imagem ocorre frequente com o uso dos óculos. Para acessar a função binocular sem sintomas de aniseiconia, pode ser usada a seguinte regra: 1,5% de magnificação para cada dioptria de diferença entre os dois olhos. Se a diferença na imagem for maior do que 5%, é provável que a aniseiconia seja intolerável, sendo então recomendado o uso de lentes de contato.(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.).

Se o astigmatismo residual estiver abaixo de quatro dioptrias, as lentes rígidas gás permeáveis de grande diâmetro seriam recomendadas, sendo que a lente deve ter diâmetro maior do que o botão do enxerto do doador. Se o astigmatismo estiver abaixo de uma dioptria, lentes de contato gelatinosas poderiam ser uma opção para a correção visual.(99 Ozkurt Y, Atakan M, Gencaga T, Akkaya S. Contact lens visual rehabilitation in keratoconus and corneal keratoplasty. J Ophthalmol. 2012;2012:832070.)

A topografia corneana deve orientar a adaptação das lentes de contato para selecionar o melhor desenho para a superfície posterior da lente de contato. Baseando-se na videoceratoscopia existem cinco tipos clássicos de perfil corneano descritos após ceratoplastia: formato prolado (astigmatismo regular com um padrão de gravata de borboleta vermelha central, que demonstra uma região central mais curva e a periferia mais plana), formato oblado (astigmatismo regular com um padrão de gravata de borboleta azul central, que demonstra uma região central mais plana e uma periferia mais curva), forma mista (astigmatismo regular que se estende pelo mapa topográfico), padrão assimétrico (com dois hemi-meridianos mais curvos não simétricos entre si e/ou fora dos 180°), padrão curva para plana (quando a córnea é mais curva em um lado e torna-se progressivamente mais plana no outro lado).(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.)

De acordo com Lagnado et al. aproximadamente 30% dos olhos após transplante penetrante possuem um formato corneano em platô ou oblado, ou seja, uma córnea plana. (1010 Lagnado R, Rubinstein MP, Maharajan S, Dua HS. Management options for the flat corneal graft. Cont Lens Anterior Eye. 2004;27(1):27-31.)

A abordagem para adaptação de lentes de contato rígida gás permeável (RGP) após transplante de córnea pode envolver o uso de lentes multicurvas e frequentemente lentes com grande diâmetro para melhorar a estabilidade da lente. As lentes multicurvas tradicionais (centro mais apertado com periferia progressivamente mais plana) são improváveis de terem uma boa adaptação em enxertos planos. O resultado é um livramento central excessivo, mesmo que a adaptação periférica possa ser considerada satisfatória. As lentes multicurvas que incorporaram em seu desenho a segunda curva mais íngreme do que a curva central posterior, foram primeiramente descritas para ortoceratologia e mais recentemente também aplicadas para casos pós-cirurgia refrativa, e pós-transplante penetrante de córnea.(1010 Lagnado R, Rubinstein MP, Maharajan S, Dua HS. Management options for the flat corneal graft. Cont Lens Anterior Eye. 2004;27(1):27-31.)

As lentes rígidas de desenho de geometria reversa possuem uma ou mais curvas periféricas que são mais apertadas do que a curva central posterior. Na maioria das lentes de geometria reversa, a segunda curva é a curva mais apertada (possui o raio mais curto). Estas lentes são idealmente adaptadas em córneas obladas (planas centralmente e mais curvas na periferia) semelhantes às córnea submetidas à cirurgia refrativa (como ceratotomia radial, laser in situ ceratomileusis) para redução da miopia.(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.)

Em casos de astigmatismo regular que se estende desde a região central do enxerto até a periferia, a escolha de lentes de desenho com curva posterior tórica ou lentes de desenho bitórico, podem melhorar a adaptação das lentes de contato e também corrigir o astigmatismo residual.(1111 Gruenauer-Kloevekorn C, Kloevekorn-Fischer U, Duncker GI. Contact lenses and special back surface design after penetrating keratoplasty to improve contact lens fit and visual outcome. Br J Ophthalmol . 2005;89(12):1601-8.)

Segundo Phan et al. as lentes RGP com desenho bitórico quando comparadas com as lentes RGP esféricas, podem exigir do profissional um maior tempo e maior cuidado na adaptação. Entretanto, um número maior de complicações está associado às lentes corneanas RGP esféricas quando comparadas com as lentes corneanas RGP bitóricas, possivelmente pelo melhor alinhamento com a córnea promovido pelas lentes RGP bitóricas em situação de pós-transplante. Pacientes com astigmatismo ceratométrico elevado podem ter maior benefício com adaptação das lentes RGP bitóricas.(1212 Phan VA, Kim YH, Yang C, Weissman BA. Bitoric rigid gas permeable contact lenses in the optical management of penetrating keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(1):16-9.)

Consideramos que o mais importante para uma melhor acomodação da lente sobre córnea é a superfície posterior da lente, sendo assim, a face posterior tórica promove um maior conforto e menor índice complicações quando após o transplante a superfície do enxerto apresenta-se consideravelmente tórica. Por outro lado, a necessidade de ter ou não uma superfície anterior tórica, caracterizando uma lente bitórica, vai depender se a sobrerrefração mostrar um astigmatismo residual ou induzido. Nesta última situação, entendemos que a mudança no material, especialmente no que se refere ao seu índice de refração pode ser mais apropriado do que usar uma lente bitórica.

Leal et al. realizou um estudo comparativo entre lentes de contato de material híbrido (MH) com polímeros flexíveis e lentes de contato rígidas gás permeáveis em pacientes com astigmatismo miópico composto e ceratocone. Embora o material híbrido combine as qualidades ópticas do material rígido gás permeável com as qualidades do material gelatinoso, os resultados em termos de desempenho visual e conforto foram semelhantes e não diferiram dos resultados encontrados com lentes de contato rígidas gás permeáveis.(1313 Leal F, Lipener C, Chalita MR, Uras R, Campos M, Höfling-Lima AL. Lente de contato de material híbrido em pacientes com ceratocone e astigmatismo miópico composto. Arq Bras Oftalmol . 2007;70(2):247-54.)

O uso do sistema de “piggyback”, em que se adapta uma lente de contato gelatinosa e sobre a mesma uma lente de contato rígida, pode ser necessário em casos em que a lente de contato rígida possa causar dano à córnea, devido a importante irregularidade corneana pós-transplante vista na topografia. O uso da lente de contato gelatinosa embaixo da lente de contato rígida irá proteger a córnea de toques excessivos e irá minimizar a possibilidade de complicações advindas do uso das lentes rígidas corneanas. O sistema “piggyback” promove boa centralização e conforto. Um material com alta quantidade de água deveria ser usado para a lente de contato gelatinosa e um material altamente gás permeável deveria ser usado na lente rígida para aumentar a transmissibilidade ao oxigênio deste sistema. É importante enfatizar que na adaptação de lentes em situação de pós-transplante, deve-se ter cuidado extra, pois a sensibilidade corneana central está bastante reduzida, desta forma os pacientes podem não perceber o desconforto causado por abrasões corneanas ou outras formas de comprometimento corneano.(44 Szczotka LB, Lindsay RG. Contact lens fitting following corneal graft surgery. Clin Exp Optom. 2003;86(4):244-9.)

O estudo realizado por Giasson et al. sobre o sistema “piggyback”, baseado na medida da percentagem equivalente de oxigênio e na pesquisa de edema corneano relacionado ao uso do sistema “piggyback”, concluiu que combinações selecionadas de lentes corneanas RGP e lentes gelatinosas, não induzem a hipóxia corneana.(1414 Giasson CJ, Perreault N, Brazeau D. Oxygen tension beneath piggyback contact lenses and clinical outcomes of users. CLAO J. 2001;27(3):144-50.)

Em relação às lentes de contato gelatinosas hidrofílicas quando comparadas às lentes rígidas gás permeáveis têm sido associadas com maiores taxas de complicações, e tem sido usadas com frequência menor quando comparadas as lentes RGP. As lentes RGP possuem permeabilidade ao oxigênio mais alta e possuem uma superfície mais rígida e mais resistente a flexão (fornecendo uma correção superior para o astigmatismo), sendo portando adaptadas com frequência maior do que as lentes hidrofílicas.(22 Wietharn BE, Driebe WT Jr. Fitting contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2004;30(1):31-3.) O uso das lentes de hidrogel, quando incorporado na lente a correção para altos astigmatismos ocorre um aumento da espessura da lente, reduzindo a transmissibilidade de oxigênio o que pode levar a isquemia corneana e portanto ao aumento do risco de rejeição do transplante.(11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.)

De acordo com o estudo retrospectivo conduzido por Geerards et al., foi obtido sucesso com a adaptação de lentes de contato RGP tricurvas de grande diâmetro (12 mm) em 90 pacientes (47%) de 190 pacientes transplantados. A adaptação das lentes foi indicada para pacientes com pelo menos três meses de pós-operatório, com acuidade visual pior do que 20/50, mesmo na presença de sutura ou medicação tópica. As lentes de grande diâmetro dividem a pressão exercida sobre a córnea, entre a córnea periférica (córnea receptora) e o enxerto (córnea doadora), aumentado o conforto e a acuidade visual. Para esse autor, as lentes rígidas gás-permeáveis de grande diâmetro e altamente gás-permeáveis (alta permeabilidade ao oxigênio), são uma boa escolha para olhos transplantados e são bem toleradas. As lentes semi-esclerais são a sua segunda opção, considerando o alto custo destas lentes. Em casos de astigmatismos muito elevados esse autor opta pelo uso de lentes esclerais.(1515 Geerards AJ, Vreugdenhil W, Khazen A. Incidence of rigid gas-permeable contact lens wear after keratoplasty for keratoconus. Eye Contact Lens. 2006;32(4):207-10.)

Lentes Esclerais e Mini Esclerais

Quanto à classificação das lentes segundo seu tamanho, pode-se considerar que as lentes mini esclerais possuem um diâmetro entre 15 e 18 mm, e as lentes esclerais são maiores do que 18 mm de diâmetro (mais do que 6 mm tocando a esclera) (1616 Rathi VM, Mandathara PS, Taneja M, Dumpati S, Sangwan VS. Scleral lens for keratoconus: technology update. Clin Ophthalmol . 2015;9:2013-8.).

No estudo realizado por Alipour et al., foram usadas lentes mini esclerais em pacientes que não obtiveram acuidade visual satisfatória nem com o uso de óculos, nem com o uso de lentes de contato RGP (9,3 a 11 mm de diâmetro). As lentes mini esclerais com seu potencial para englobar toda a córnea, possuem a habilidade para corrigir erros refrativos e aberrações de alta ordem resultantes da irregularidade da superfície anterior da córnea, mesmo em situações desafiadoras como pacientes com ceratocone avançado, pacientes com anel corneano ou pós-transplante penetrante. A adaptação destas lentes é relativamente fácil devido ao grande diâmetro (15 a 18 mm), com boa centralização e seu uso geralmente é bem tolerado.(88 Alipour F, Behrouz MJ, Samet B. Mini-scleral lenses in the visual rehabilitation of patients after penetrating keratoplasty and deep lamellar anterior keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(1):54-8.)

Pacientes transplantados que foram adaptados com lentes mini esclerais obtiveram uma acuidade visual corrigida superior a acuidade visual obtida com o uso de óculos, o que pode ser devido ao alto grau de astigmatismo irregular presente nos casos.(88 Alipour F, Behrouz MJ, Samet B. Mini-scleral lenses in the visual rehabilitation of patients after penetrating keratoplasty and deep lamellar anterior keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(1):54-8.)

As lentes esclerais da atualidade também possuem aplicação em pacientes transplantados. Estas lentes começaram a ser utilizadas clinicamente por Fick e Muller em 1880, e eram feitas de vidro. Posteriormente introduziu-se como material o polimetilmetacrilatato (PMMA). Em 1983, Ezekiel evoluiu o uso destas lentes feitas com material gás permeável, tornando o uso dessas lentes mais tolerável e com melhores resultados.(1717 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part II: patient satisfaction. Eye Contact Lens. 2007;33(1):21-5.) A introdução do material gás permeável na fabricação das lentes esclerais permitiu um tempo de uso mais prolongado pela melhor oxigenação corneana, com menor probabilidade de ocorrer o edema corneano, quando comparadas as lentes de PMMA.

O desenvolvimento de material gás permeável aliado às inovações tecnológicas nos desenhos na fabricação das lentes esclerais, abriram novas perspectivas para o uso das mesmas. A partir disto, surgem quatro tipos de lentes esclerais: lente esférica, lente com a superfície anterior tórica, lente com a periferia tórica, e lente com a periferia tórica e superfície anterior tórica simultaneamente.(1818 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part I: clinical features. Eye Contact Lens. 2007;33(1):13-20.)

Em seu estudo Visser et al. realizaram a adaptação de lentes esclerais com diâmetro total entre 18 e 25 mm.(1818 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part I: clinical features. Eye Contact Lens. 2007;33(1):13-20.) As principais indicações para a adaptação das lentes esclerais foram o ceratocone em 143 olhos (50,4%), a ceratoplastia penetrante em 56 olhos (19,7%), astigmatismo irregular primário ou secundário em 36 olhos (12,7%), ceratoconjuntivite sicca em 15 olhos (5,3%), distrofia corneana em dez olhos (3,5%) e múltiplos diagnósticos em 24 olhos (8,5% dos casos). Nesse mesmo estudo, utilizando os quatro desenhos anteriormente citados, foi encontrada uma proporção de 1:1,1 de lentes sem periferia tórica (lentes esféricas e lentes com face anterior tórica) para desenhos de lentes com periferia tórica (lentes com periferia tórica, e lentes com periferia tórica e face anterior tórica simultaneamente).(1717 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part II: patient satisfaction. Eye Contact Lens. 2007;33(1):21-5.) Esta proporção vai ao encontro com a experiência desse autor de que a maioria dos bulbos oculares são tóricos. Infelizmente nesse estudo não foi possível realizar medidas topográficas bulbares.(1818 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part I: clinical features. Eye Contact Lens. 2007;33(1):13-20.)

Segundo Severinsky et al., a acuidade visual obtida com as lentes esclerais foi significativamente melhor do que a obtida com óculos, sendo definida como o ganho de duas ou mais linhas, o que foi observado em 94% dos pacientes. Sendo que 82% dos pacientes obtivera acuidade visual na tabela de Snellen de 0,5 ou acuidade visual superior.(11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.) Barnett et al. em seu estudo sobre lentes esclerais e mini esclerais após transplante penetrante encontrou que a melhor acuidade visual corrigida foi de 20/20 ou melhor, em 39,6% dos olhos. Em cerca de 91,7% dos olhos obtiveram acuidade visual de 20/40 ou melhor.(1919 Barnett M, Lien V, Li JY, Durbin-Johnson B, Mannis MJ. Use of scleral lenses and miniscleral lenses after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2016;42(3):185-9.)

Tempo de uso das Lentes Esclerais e Mini Esclerais

Quanto ao tempo de uso das lentes esclerais, no estudo de Severinsky et al., o tempo médio de uso das lentes esclerais pós-transplante foi de 11,8 horas por dia, sendo preconizado um período de pausa durante o dia. Ao longo do dia a troca lacrimal embaixo da lente também reduz devido ao “selamento” da lente, este fato pode levar a córnea a ser exposta a substâncias tóxicas que ficam entre a lente e a córnea. A estagnação do fluido pré-corneano pode levar a ceratopatia epitelial severa. Enquanto que a aspiração de lágrima sob a borda da lente tem sido associada com um aumento do suporte de oxigênio para a córnea, e tem sido associada com o sucesso de adaptações e aumento do tempo de uso das lentes.(11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.) Alipur et al. em seu estudo com lentes mini esclerais pós-transplante penetrante e pós-DALK, reportou que a média de tempo de uso das lentes foi quase dez horas por dia.(88 Alipour F, Behrouz MJ, Samet B. Mini-scleral lenses in the visual rehabilitation of patients after penetrating keratoplasty and deep lamellar anterior keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(1):54-8.)

De acordo com Visser et al., quase metade dos pacientes (cerca de 48,9%) retiraram e recolocaram as lentes durante o período diário de uso. (1717 Visser ES, Visser R, van Lier HJ, Otten HM. Modern scleral lenses part II: patient satisfaction. Eye Contact Lens. 2007;33(1):21-5.) Da mesma forma, Schornack em 2015, em sua revisão de literatura mencionou que os pacientes que fazem a remoção, enxague, preenchimento e recolocação das lentes periodicamente durante o dia, são estatisticamente mais prováveis de terem sucesso com o uso das lentes esclerais do que os que não fazem estes procedimentos.(2020 Schornack MM. Scleral lenses: a literature review. Eye Contact Lens. 2015;41(1):3-11.)

Complicações e abandono do uso das lentes esclerais e mini esclerais

No estudo de lentes esclerais de Severinsky et al., cerca de dez olhos (30%) dos 31 olhos adaptados apresentaram pelo menos um episódio de rejeição do enxerto, sendo que oito olhos foram tratados clinicamente com sucesso e os outros dois evoluíram para descompensação corneana e a descontinuação do uso das lentes de contato foi recomendada. Cerca de dois pacientes (6%), tiveram episódios de ceratite microbiana provavelmente relacionada ao mau uso das lentes pelo paciente. Cerca de 6% dos pacientes apresentaram episódios recorrentes de edema corneano transitório, o edema tem a tendência a aparecer quando o nível de oxigênio está abaixo do mínimo requerido para a oxigenação corneana normal, esta situação de hipóxia pode ser favorecida pelo uso das lentes durante o dia inteiro (sem pausa). Outras complicações citadas são a erosão e a compressão corneana devido à ectasia recorrente. (11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.)

A frequência da taxa de rejeição de córnea após o transplante penetrante varia na literatura geral de 13 a 35%(1919 Barnett M, Lien V, Li JY, Durbin-Johnson B, Mannis MJ. Use of scleral lenses and miniscleral lenses after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2016;42(3):185-9.). No estudo de Felipe et al. foi encontrada uma taxa de rejeição do transplante de 30%, com 5 a 7% de falência do enxerto. (2121 Felipe AF, Hammersmith KM, Nottage JM, Rapuano CJ, Nagra PK, Cohen EJ, et al. Indications, visual outcome, and ectasia in clear corneal transplants 20 years old or more. Corne a. 2013;32(5):602-7.)

Barnett et al. em seu estudo com lentes esclerais e mini esclerais encontraram que cerca de seis olhos (12,5%) desenvolveram rejeição do transplante, e não ocorreu nenhum caso de ceratite infecciosa. Dos casos de rejeição do transplante, apenas um evoluiu para falência do enxerto, sendo que era um olho com uma história complicada de mau fechamento de defeitos epiteliais, e já havia sido submetido à tarsorrafia após o transplante inicial.(1919 Barnett M, Lien V, Li JY, Durbin-Johnson B, Mannis MJ. Use of scleral lenses and miniscleral lenses after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2016;42(3):185-9.)

Michaud et al. realizaram um estudo em que foi utilizado cálculo teórico para predizer a transmissibilidade de oxigênio no uso das lentes esclerais, baseado nas necessidades corneanas de oxigênio e no uso de diferentes combinações de lentes esclerais / espessura da camada de filme lacrimal. Nesse estudo foi demonstrado que a maior parte das adaptações esclerais realizadas atualmente poderiam estar associadas com algum grau de edema corneano induzido pela hipóxia. Para evitar o edema corneano da córnea central a combinação ideal de lente escleral / camada de filme lacrimal seria: uma lente feita com material com o DK mais alto disponível, desenhada com espessura central máxima de 250 µm, e adaptada de maneira que a camada de filme lacrimal posterior a lente não exceda 200 µm (espaço entre a lente e a córnea). Para a periferia corneana, a espessura da lente poderia estar entre 250 a 350 µm com camada de filme lacrimal posterior a lente entre 10 a 60 µm. No mesmo estudo é mencionado que é preferível o uso de lentes menores (12 a 15 mm de diâmetro) pois elas possuem uma espessura central reduzida e podem ser adaptadas com uma camada de filme lacrimal posterior a lente menor (espaço menor entre a lente e a córnea) do que lentes de maior diâmetro (maior que 15 mm), as lentes menores também podem favorecer uma melhor troca lacrimal embaixo da lente. (2222 Michaud L, van der Worp E, Brazeau D, Warde R, Giasson CJ. Predicting estimates of oxygen transmissibility for scleral lenses. Cont Lens Anterior Eye. 2012;35(6):266-71.)

Nesse mesmo estudo os autores esclarecem que no DK/t, (D) representa o coeficiente de difusão, (K) a solubilidade do oxigênio, e (t) a espessura da lente. Esse autor realizou seu estudo utilizando cálculo teórico para estimar a transmissibilidade de oxigênio nas lentes esclerais. Para o cálculo foram utilizadas espessuras centrais de lentes entre 250 e 500 µm, com vault (liberação corneana) entre 100 e 400 µm, utilizando lentes com DK de 100, 150 e 170. A transmissibilidade de oxigênio encontrada utilizando lentes esclerais com DK de 100 variou entre 10 a 26,7 DK/t, para as lentes com DK de 150 variou entre 12,0 a 34,3 DK/t, e para lentes com DK de 170 variou entre 12,6 a 36,7 DK/t.(2222 Michaud L, van der Worp E, Brazeau D, Warde R, Giasson CJ. Predicting estimates of oxygen transmissibility for scleral lenses. Cont Lens Anterior Eye. 2012;35(6):266-71.)

Bergmanson et al., relataram sobre a importância de existir a mistura do filme lacrimal embaixo da porção escleral, háptica e corneana da lente escleral (mistura de filme lacrimal embaixo da lente), com o objetivo de fornecer quantidade suficiente de oxigênio para a córnea.(2323 Bergmanson JP, Ezekiel DF, van der Worp E. Scleral contact lenses and hypoxia: theory versus practice. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(3):145-7.)

Os benefícios das lentes mini esclerais são inúmeros. Lentes esclerais menores podem ser mais finas, necessitar de um vault (livramento) menor (espaço menor entre a lente e a córnea), e podem evitar a interação com escleras assimétricas. Quanto a espessura da lente, as lentes mini esclerais podem ser feitas mais finas do que as lentes esclerais maiores, porque a rigidez da lente é melhor em diâmetros pequenos. Portanto elas podem propiciar um DK/t superior para a córnea. Em alguns casos, em que o endotélio corneano está comprometido como nas córneas transplantadas, é necessário ter mais oxigênio, e isto seria possível com lentes menores e mais finas (2424 Fadel D. Modern scleral lenses: mini versus large. Cont Lens Anterior Eye. 2017;40(4):200-7.).

Guillon et al., descreveram a ocorrência de rejeição do transplante e edema corneano, mesmo com o uso de lentes mini-escleral com alto DK.(2525 Guillon NC, Godfrey A, Hammond DS. Contact Lens and Anterior Eye Corne al oedema in a unilateral corneal graft patient induced by high Dk mini-scleral contact lens. Cont Lens Anterior Eye. 2018;(5):468-62.)

Consideramos que um alto DK isoladamente não garante uma boa transmissibilidade de oxigênio, pois essa depende ainda da espessura da lente e da camada lacrimal interposta entre a lente e a córnea.

As células limbares possuem um importante papel na renovação e proliferação do epitélio corneano, evitar distúrbios no epitélio limbar é prudente, assim como um toque proeminente nesta região com grande densidade de nervos sensoriais é provável de gerar desconforto.(2626 Walker MK, Bergmanson JP, Miller WL, Marsack JD, Johnson LA. Complications and fitting challenges associated with scleral contact lenses: A review. Cont Lens Anterior Eye. 2016;39(2):88-96.) Fibrose subepitelial tem sido documentada em uma área de toque da lente na interface enxerto/hospedeiro em pacientes transplantados.(11 Severinsky B, Behrman S, Frucht-Pery J, Solomon A. Scleral contact lenses for visual rehabilitation after penetrating keratoplasty: long term outcomes. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(3):196-202.)

Alipur et al., em seu estudo sobre o uso de lentes mini esclerais pós-transplante penetrante e pós-DALK, relatou que menos da metade dos pacientes do estudo fizeram o pedido lente, e uma percentagem ainda menor (25%) continuou o uso das lentes, o que é uma percentagem bem menor do que a relatada em outros centros. As razões para a não efetuação do pedido da lentes foram problemas econômicos (não podiam pagar pelas lentes e as companhias de seguro não cobriam este custo), dificuldade no manuseio das lentes e condições de trabalho (possibilidade de contaminação em áreas insalubres de trabalho).(88 Alipour F, Behrouz MJ, Samet B. Mini-scleral lenses in the visual rehabilitation of patients after penetrating keratoplasty and deep lamellar anterior keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2015;38(1):54-8.)

Segundo o estudo de Barnett et al. com lentes esclerais e mini esclerais pós-transplante penetrante, foi mencionado que a principal causa de abandono do uso das lentes esclerais foi a dificuldade de inserção e remoção das lentes. Outras causas de abandono no uso das lentes foram a insatisfação com a visão, o desconforto relatado com as lentes esclerais, e a rejeição do transplante.(1919 Barnett M, Lien V, Li JY, Durbin-Johnson B, Mannis MJ. Use of scleral lenses and miniscleral lenses after penetrating keratoplasty. Eye Contact Lens. 2016;42(3):185-9.)

As lentes de grande diâmetro como as lentes esclerais podem ser uma opção para adaptações difíceis como nos caso pós-transplante de córnea, entretanto, esta pode não ser a melhor opção para todos os pacientes, como por exemplo, pacientes com baixa contagem endotelial de células ou com história de edema corneano.(1212 Phan VA, Kim YH, Yang C, Weissman BA. Bitoric rigid gas permeable contact lenses in the optical management of penetrating keratoplasty. Cont Lens Anterior Eye. 2014;37(1):16-9.)

Consideramos que por apresentarem maior transmissibilidade de oxigênio, as lentes RGP corneanas são a primeira opção nos casos de pós-transplante, no entanto, em casos de descentralização, intolerância ou toques exagerados que provocam erosões localizadas, essas lentes tornam-se inapropriadas e as lentes mini esclerais ou esclerais, dentro de certos limites de tempo de uso, possuem melhor indicação para reabilitar esses pacientes.

Levando-se em conta as diferentes características nas adaptações de lentes corneanas, córneo-esclerais, e lentes esclerais, bem como a diferença potencial entre as lentes mini esclerais e esclerais, não se pode assumir que todas estas lentes afetam o segmento anterior do olho da mesma forma. A espessura da lente e a espessura do fluido lacrimal posterior à lente escleral podem representar uma importante barreira para a transmissibilidade de oxigênio e podem levar a complicações relacionadas à hipóxia. Para pacientes com poucas opções para o manejo de sua doença, pode-se estar confiante de que o risco da inação ou de uma intervenção cirúrgica supera o risco potencial do uso das lentes esclerais, mas a localização exata das lentes esclerais dentro de toda a estratégia de manejo ainda precisa ser definida.(2020 Schornack MM. Scleral lenses: a literature review. Eye Contact Lens. 2015;41(1):3-11.)

Conclusão

A adaptação de lentes de contato é um recurso visual e terapêutico disponível para a correção dos erros refrativos pós-transplante de córnea, como por exemplo, as anisometropias esféricas e astigmáticas, e os astigmatismos corneanos regulares e irregulares. Deve ser analisado cada caso em particular para a escolha da melhor lente, respeitando a fisiologia ocular e a superfície corneana. De acordo com esta revisão, deve-se preconizar a adaptação de lentes de contato com as seguintes características: alto DK, menor espessura e diâmetro adequado, que no conjunto possibilite uma boa transmissibilidade de oxigênio para a córnea e respeite a superfície corneana.

Atualmente existe a possibilidade de adaptação de lentes de contato de vários tamanhos, diversos desenhos e com diferentes espessuras e materiais. Devido a maior transmissibilidade de oxigênio para a córnea, o uso das lentes corneanas rígidas gás permeáveis mostrou-se mais seguro e com probabilidade de uso por um maior período de tempo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2019
  • Aceito
    10 Jan 2020
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