Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre bursite trocantérica, osteoartrose e artroplastia total do quadril Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

fazer um estudo epidemiológico da bursite trocantérica no momento da feitura da artroplastia total do quadril (ATQ).

MÉTODOS:

foram avaliados 62 pacientes, sequenciais, submetidos à ATQ por osteoartrose, sem história prévia de bursite trocantérica. As bursas foram coletadas e avaliadas histologicamente.

RESULTADOS:

foram observados 35 pacientes do sexo feminino (56,5%) e 27 do masculino (43,5%), com média de 65 anos (+/-11). A bursite trocantérica foi confirmada histologicamente em nove (14,5%), seis do sexo feminino (66,7%) e três (33,3%) do masculino.

CONCLUSÕES:

das bursas analisadas, 14,5% apresentaram inflamação no momento da feitura da ATQ primária por osteoartrose. A maioria das bursites foi detectada nas pacientes femininas.

Artroplastia de quadril; Osteoartrite; Bursite; Epidemiolgia


OBJECTIVE:

this was an epidemiological study on trochanteric bursitis at the time of performing total hip arthroplasty.

METHODS:

sixty-two sequential patients who underwent total hip arthroplasty due to osteoarthrosis, without any previous history of trochanteric bursitis, were evaluated. The bursas were collected and evaluated histologically.

RESULTS:

there were 35 female patients (56.5%) and 27 male patients (43.5%), with a mean age of 65 years (±11). Trochanteric bursitis was conformed histologically in nine patients (14.5%), of whom six were female (66.7%) and three were male (33.3%).

CONCLUSIONS:

14.5% of the bursas analyzed presented inflammation at the time that the primary total hip arthroplasty due to osteoarthrosis was performed, and the majority of the cases of bursitis were detected in female patients.

Hip arthroplasty; Osteoarthritis; Bursitis; Epidemiology


Introdução

Bursite trocantérica (BT) é o termo usado para descrever dor crônica, intermitente, acompanhada de desconforto à palpação da região lateral do quadril por causa do processo inflamatório das bursas.11. Alvarez-Nemegyei J, Canoso JJ. Evidence-based soft tissue rheumatology: III: Trochanteric bursitis. J Clin Rheumatol. 2004;10(3):123-4. As bursas são bolsas revestidas por sinovial com fluidos em seu interior, responsáveis pela diminuição do atrito entre os tendões e os músculos sobre as proeminências ósseas.22. Stedman TL, editor. Stedman: Dicionário médico. Tradução de Cláudia Lúcia Caetano de Araújo. 25th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. Entre todas as bursas descritas do quadril, a trocantérica é a mais frequentemente acometida por inflamação. A causa mais frequentemente associada à bursite trocantérica é o microtrauma repetitivo causado pelo uso ativo dos músculos que se inserem no grande trocanter, que resulta em mudanças degenerativas dos tendões, dos músculos ou de tecidos fibrosos.33. Dani WS, Azevedo E. Bursite trocantérica. Rev Bras Med. 2006;7(1):2-5.

A artrose do quadril é uma das doenças musculoesqueléticas que podem estar associadas à bursite trocantérica. Tanto em pacientes jovens como em idosos, as indicações da ATQ envolvem pioria progressiva da dor com perda de função e pioria da qualidade de vida decorrente da osteoartrose.44. Shrader MW. Total hip arthroplasty and hip resurfacing arthroplasty in the very young patient. Orthop Clin North Am. 2012;43(3):359-67. A ATQ é o procedimento ortopédico eletivo de maior sucesso e mais feito no mundo.55. Pivec R, Johnson AJ, Mears SC, Mont MA. Hip arthroplasty. Lancet. 2012;380(9855):1768-77. Apesar disso, não existem dados relevantes na literatura atual sobre a incidência de BT em pacientes submetidos a ATQ. Silva et al.66. Silva F, Adams T, Feinstein J, Arroyo RA. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. J Clin Rheumatol. 2008;14(2):82-6. apresentam a única pesquisa de bursite pré-operatória, mas com poucas bursas coletadas e pacientes com artrite reumatoide e osteoartrose.66. Silva F, Adams T, Feinstein J, Arroyo RA. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. J Clin Rheumatol. 2008;14(2):82-6. Entretanto, a incidência de BT no pós-operatório de ATQ é de aproximadamente 4,6%.77. Farmer KW, Jones LC, Brownson KE, Khanuja HS, Hungerford MW. Trochanteric bursitis after total hip arthroplasty: incidence and evaluation of response to treatment. J Arthroplasty. 2010;25(2):208-12. O diagnóstico padrão-ouro para definir a BT é feito pela avaliação anatomopatológica da bursa. Ferrala et al.88. Ferrala P, Carla S, Fortina M, Scipio D, Riva A, Di Giacinlo S. Painful hip arthroplasty: definition. Clin Cases Miner Bone Metab. 2011;8(2):19-22. e Nikolajsen et al.99. Nikolajsen L, Brandsborg B, Lucht U, Jensen TS, Kehlet H. Chronic pain following total hip arthroplasty: a nationwide questionnaire study. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50(4):495-500. referem que em torno de 12% dos pacientes após 12 a 18 meses do procedimento de ATQ ainda se encontravam com dor crônica para suas atividades diárias.8 8. Ferrala P, Carla S, Fortina M, Scipio D, Riva A, Di Giacinlo S. Painful hip arthroplasty: definition. Clin Cases Miner Bone Metab. 2011;8(2):19-22. - 99. Nikolajsen L, Brandsborg B, Lucht U, Jensen TS, Kehlet H. Chronic pain following total hip arthroplasty: a nationwide questionnaire study. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50(4):495-500.

A presente pesquisa visa a avaliar a associação entre a BT e a osteoartrose no momento de feitura da ATQ primária.

Materiais e métodos

Estudo prospectivo com 62 pacientes operados sequencialmente por osteoartrose primária do quadril e submetidos a ATQ. A bursectomia é um procedimento de rotina nas ATQs feitas em nosso serviço.

As bursas foram coletadas durante as cirurgias e enviadas ao Laboratório de Patologia da instituição. Um patologista experiente analisou as bursas e identificou a presença ou não de bursite. As lâminas foram preparadas com cortes de 2,0 a 3,0 micra e coradas pela técnica de hematoxilina-eosina. Foi usado um microscópio óptico da marca Olympus, modelo BX40. O critério considerado para o diagnóstico da bursite foi a presença de espessamento capsular, com proliferação fibroblástica e infiltrado inflamatório linfocitário, histiocitário ou neutrocitário, com hiperplasia sinovial.

Foram excluídos da amostra os pacientes com artrite reumatoide, epifisiólise proximal do fêmur, tumores locais, displasia do desenvolvimento do quadril, doença de Legg-Calvé-Perthes, fraturas prévias do quadril, hemofilia, osteonecrose, sequela de artrite séptica e tuberculose e os que já haviam feito procedimentos prévios do quadril a ser operado ou submetidos a radioterapia. Todas as informações foram coletadas via prontuários e envolveram também dados demográficos, epidemiológicos e clínicos, tais como idade, sexo e apresentações clínicas.

A análise estatística dos dados foi feita com o programa Excel para Windows, considerando-se estatística descritiva e distribuição de frequências.

Resultados

Foram observados 35 (56,5%) pacientes do sexo feminino e 27 (43,5%) do masculino. A idade média foi de 65 anos (desvio-padrão +/-11), variação de 41 a 85.

Em nove pacientes analisados (14,5%), foi confirmado o diagnóstico de bursite trocantérica. Entre esses, seis (66,7%) eram do sexo feminino e três (33,3%) do masculino. A Figura 1 apresenta a histologia de uma bursa normal, com ampliação de 100 × (A) e 200 × (B). Observa-se a presença de delgada membrana fibrosa revestida por células sinoviais. Na Figura 2 é apresentada a histologia de uma bursa com o processo inflamatório (bursite crônica), em aumentos de 100 × (A) e 200 × (B), respectivamente. Nota-se que há espessamento fibroso da cápsula, com infiltrado inflamatório, predominantemente linfocitário, além de hiperplasia sinovial.

Figura 1
Bursa trocantérica normal corada pela técnica HE: (A) aumento de 100 ×; (B) aumento de 200 ×.

Figura 2
Bursite crônica corada pela técnica HE: (A) aumento de 100 ×; (B) aumento de 200 ×.

Discussão

O tratamento da bursite trocantérica geralmente é conservador e inclui medicamentos anti-inflamatórios não esteroides por até seis a oito semanas, além de gelo. Podem ser usados também infiltrações, contraste térmico (gelo e calor), repouso e fisioterapia, com ultrassom no nível do trocanter maior e do triângulo femoral, associado ao alongamento muscular da banda iliotibial e do tendão do iliopsoas.33. Dani WS, Azevedo E. Bursite trocantérica. Rev Bras Med. 2006;7(1):2-5.

4. Shrader MW. Total hip arthroplasty and hip resurfacing arthroplasty in the very young patient. Orthop Clin North Am. 2012;43(3):359-67.

5. Pivec R, Johnson AJ, Mears SC, Mont MA. Hip arthroplasty. Lancet. 2012;380(9855):1768-77.

6. Silva F, Adams T, Feinstein J, Arroyo RA. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. J Clin Rheumatol. 2008;14(2):82-6.

7. Farmer KW, Jones LC, Brownson KE, Khanuja HS, Hungerford MW. Trochanteric bursitis after total hip arthroplasty: incidence and evaluation of response to treatment. J Arthroplasty. 2010;25(2):208-12.

8. Ferrala P, Carla S, Fortina M, Scipio D, Riva A, Di Giacinlo S. Painful hip arthroplasty: definition. Clin Cases Miner Bone Metab. 2011;8(2):19-22.

9. Nikolajsen L, Brandsborg B, Lucht U, Jensen TS, Kehlet H. Chronic pain following total hip arthroplasty: a nationwide questionnaire study. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50(4):495-500.
- 1010. Huber TA, Ortiz J. Bursite trocantérica. Rev Bras Ortop. 1992;27:723-8. Na presente pesquisa, não houve o tratamento conservador de bursite previamente ao procedimento cirúrgico, já que os pacientes apresentavam osteoartrose do quadril sintomática e era indicada a ATQ. Nesse caso, visamos a estudar a epidemiologia da bursite trocantérica no momento de feitura da cirurgia do quadril.

A bursite trocantérica pode ser a manifestação de uma doença secundária, como, por exemplo, a osteoartrose do quadril. No caso da presente pesquisa, encontramos nove (14,5%) pacientes com bursite trocantérica silenciosa no momento de suas artroplastias do quadril, a maioria deles do sexo feminino (seis, 66,7%). Portanto, a grande maioria dos pacientes não apresentou bursite trocantérica no momento da feitura da ATQ primária.

Uma parcela dos cirurgiões de quadril não faz a ressecção da bursa durante o procedimento de ATQ. Isso poderia refletir nos índices de bursite pós-operatória observados na literatura. Farmer et al. avaliaram o tratamento da bursite após a feitura da artroplastia com o uso de corticoesteroides injetáveis. Foram analisadas 689 artroplastias primárias no seu pós-operatório e observou-se uma incidência de 4,6%.77. Farmer KW, Jones LC, Brownson KE, Khanuja HS, Hungerford MW. Trochanteric bursitis after total hip arthroplasty: incidence and evaluation of response to treatment. J Arthroplasty. 2010;25(2):208-12.

Este trabalho apresenta a incidência da bursite trocantérica no momento da ATQ em pacientes com condições específicas - artrose primária. Apesar de não retratar a condição geral da população submetida às artroplastias, uma vez que muitos pacientes apresentam artrose secundária (artrite reumatoide, epifisiólise proximal do fêmur, displasias, osteonecrose etc.), os dados encontrados nesta pesquisa justificam a ressecção das bursas durante o procedimento de artroplastia.

Conclusões

Dos pacientes submetidos à ATQ (9/62) por osteoartrose, 14,5% apresentam bursite trocantérica silenciosa no momento das cirurgias do quadril. Dois terços são do sexo feminino (66,7%).

REFERENCES

  • 1
    Alvarez-Nemegyei J, Canoso JJ. Evidence-based soft tissue rheumatology: III: Trochanteric bursitis. J Clin Rheumatol. 2004;10(3):123-4.
  • 2
    Stedman TL, editor. Stedman: Dicionário médico. Tradução de Cláudia Lúcia Caetano de Araújo. 25th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996.
  • 3
    Dani WS, Azevedo E. Bursite trocantérica. Rev Bras Med. 2006;7(1):2-5.
  • 4
    Shrader MW. Total hip arthroplasty and hip resurfacing arthroplasty in the very young patient. Orthop Clin North Am. 2012;43(3):359-67.
  • 5
    Pivec R, Johnson AJ, Mears SC, Mont MA. Hip arthroplasty. Lancet. 2012;380(9855):1768-77.
  • 6
    Silva F, Adams T, Feinstein J, Arroyo RA. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. J Clin Rheumatol. 2008;14(2):82-6.
  • 7
    Farmer KW, Jones LC, Brownson KE, Khanuja HS, Hungerford MW. Trochanteric bursitis after total hip arthroplasty: incidence and evaluation of response to treatment. J Arthroplasty. 2010;25(2):208-12.
  • 8
    Ferrala P, Carla S, Fortina M, Scipio D, Riva A, Di Giacinlo S. Painful hip arthroplasty: definition. Clin Cases Miner Bone Metab. 2011;8(2):19-22.
  • 9
    Nikolajsen L, Brandsborg B, Lucht U, Jensen TS, Kehlet H. Chronic pain following total hip arthroplasty: a nationwide questionnaire study. Acta Anaesthesiol Scand. 2006;50(4):495-500.
  • 10
    Huber TA, Ortiz J. Bursite trocantérica. Rev Bras Ortop. 1992;27:723-8.
  • Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2013
  • Aceito
    23 Jul 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br