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Análise da qualidade de vida de pacientes osteoartrósicos submetidos à artroplastia total do quadril

Resumos

OBJETIVO: O objetivo do estudo foi a avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes afetados por osteoartrose do quadril e tratados por artroplastia total do quadril. MÉTODOS: Estudou-se, prospectivamente, uma coorte de 38 pacientes operados em hospital universitário de referência regional pelo mesmo cirurgião no ano de 2010 e acompanhados durante, no mínimo, seis meses até atingirem reabilitação satisfatória. Cada paciente respondeu ao formulário SF-36 e teve o Harris Hip Score estabelecido imediatamente antes da operação e aos seis meses de seguimento. Os resultados dos testes pré e pós-operatórios foram analisados e comparados com a literatura. RESULTADOS: Os resultados pré e pós-operatórios do SF-36 foram: capacidade funcional - 13,4-53,7; limitação por aspectos físicos - 9,21-48,0; dor - 23,1-62,6; estado geral de saúde - 54,2-71,3; vitalidade - 40,3-69,9; aspectos sociais - 40,8-74,3; limitação por aspectos emocionais - 23,7-64,9; saúde mental - 52,6-80,4. O Harris Hip Score variou de 36,1 a 92,1, em média. Todos os resultados foram estatisticamente significantes (p < 0,001). CONCLUSÕES: A combinação de duas escalas mostrou-se valiosa na identificação de vieses e conferiu maior confiabilidade na compreensão das diversas variáveis. O estudo demonstra uma significativa melhora na qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes afetados por osteoartrose de diferentes etiologias e que foram submetidos à artroplastia total do quadril. A avaliação da qualidade de vida não substitui a avaliação clínica provida por instrumentos específicos e pela experiência do cirurgião, mas pode adicionar dados importantes ao valorizar o conjunto de expectativas do paciente perante um tratamento médico e ser considerada um instrumento eficiente na análise de resultados da artroplastia total do quadril.

Quadril; Osteoartrose; Artroplastia de Quadril; Qualidade de Vida


OBJECTIVE: The aim of the study was to evaluate the health-related quality of life among patients affected by hip osteoarthrosis who were treated by means of total hip arthroplasty. METHODS: A cohort of 38 patients operated by a single surgeon in a regional referential teaching hospital during the year 2010 was prospectively studied and followed up for at least six months until they had achieved satisfactory rehabilitation. Each patient gave responses to the SF-36 form immediately before the operation and six months later and the Harris Hip Score was obtained at the same time. The pre and postoperative results were analyzed and compared with the literature. RESULTS: The pre and postoperative SF-36 results were as follows: physical function: 13.4-53.7; role physical: 9.21-48.0; body pain: 23.1-62.6; general health: 54.2-71.3; vitality: 40.3-69.9; social function: 40.8-74.3; role emotional: 23.7-64.9; and mental health: 52.6-80.4. The Harris Hip Score went from 36.1 to 92.1, on average. All the results were statistically significant (p < 0.001). CONCLUSIONS: The combination of two scales was shown to be valuable in identifying bias and gave greater reliability for understanding the different variables. The study showed that there was a significant improvement in health-related quality of life among patients affected by osteoarthrosis of different etiologies who underwent total hip arthroplasty. Health-related quality of life evaluations cannot replace clinical evaluations provided by specific instruments and physicians' experience but can add important data through giving value to patients' sets of expectations regarding medical treatment. Moreover, such evaluations can be considered to be an efficient tool for analyzing the outcomes from total hip arthroplasty.

Hip; Osteoarthritis; Arthroplasty, Replacement, Hip; Quality of Life


ARTIGO ORIGINAL

Análise da qualidade de vida de pacientes osteoartrósicos submetidos à artroplastia total do quadril

Elmano de Araújo LouresI; Isabel Cristina Gonçalves LeiteII

IMestre, Médico Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF) – Juiz de Fora, MG, Brasil

IIProfessora Adjunta-Doutora, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora, MG, Brasil

Correspondência Correspondência: Av. Olegário Maciel, 297/1.101, Santa Helena 36015-350 – Juiz de Fora, MG. E-mail: loures.elmano@oi.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo do estudo foi a avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes afetados por osteoartrose do quadril e tratados por artroplastia total do quadril.

MÉTODOS: Estudou-se, prospectivamente, uma coorte de 38 pacientes operados em hospital universitário de referência regional pelo mesmo cirurgião no ano de 2010 e acompanhados durante, no mínimo, seis meses até atingirem reabilitação satisfatória. Cada paciente respondeu ao formulário SF-36 e teve o Harris Hip Score estabelecido imediatamente antes da operação e aos seis meses de seguimento. Os resultados dos testes pré e pós-operatórios foram analisados e comparados com a literatura.

RESULTADOS: Os resultados pré e pós-operatórios do SF-36 foram: capacidade funcional – 13,4-53,7; limitação por aspectos físicos – 9,21-48,0; dor – 23,1-62,6; estado geral de saúde – 54,2-71,3; vitalidade – 40,3-69,9; aspectos sociais – 40,8-74,3; limitação por aspectos emocionais – 23,7-64,9; saúde mental – 52,6-80,4. O Harris Hip Score variou de 36,1 a 92,1, em média. Todos os resultados foram estatisticamente significantes (p < 0,001).

CONCLUSÕES: A combinação de duas escalas mostrou-se valiosa na identificação de vieses e conferiu maior confiabilidade na compreensão das diversas variáveis. O estudo demonstra uma significativa melhora na qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes afetados por osteoartrose de diferentes etiologias e que foram submetidos à artroplastia total do quadril. A avaliação da qualidade de vida não substitui a avaliação clínica provida por instrumentos específicos e pela experiência do cirurgião, mas pode adicionar dados importantes ao valorizar o conjunto de expectativas do paciente perante um tratamento médico e ser considerada um instrumento eficiente na análise de resultados da artroplastia total do quadril.

Descritores – Quadril; Osteoartrose; Artroplastia de Quadril; Qualidade de Vida

INTRODUÇÃO

A substituição total do quadril é um procedimento cirúrgico amplamente empregado nas últimas décadas. É uma intervenção que provoca dramática melhora no estado funcional e também na qualidade de vida do indivíduo, especialmente em casos de artrite degenerativa severa. Existem, no entanto, importantes variações nas decisões clínicas em diferentes ambientes e circunstâncias, na interpretação de resultados, na análise de custos assistenciais e na identificação do excesso ou da subindicação de procedimentos como a substituição articular(1).

Qualidade de vida relacionada com saúde foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um modelo multidimensional que inclui bem-estar físico, material, social e emocional, bem como o desenvolvimento individual e atividades diárias(2). Trata-se de um conceito complexo e que exige instrumentos especialmente elaborados para a avaliação das variações na qualidade de vida ocorridas após um tratamento médico. As características físicas e funcionais de cada indivíduo tratado por substituição total do quadril necessitam medidas efetivas e por instrumentos validados, capazes de fornecer dados confiáveis ao observador.

Obter os resultados precisos de pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas é uma tarefa considerada difícil e, tradicionalmente, até a última década os desfechos das substituições articulares eram avaliados unicamente pela análise das taxas de morbidade, mortalidade, desgaste dos implantes e de complicações operatórias. A abordagem moderna dos resultados das cirurgias ortopédicas de substituição articular não é mais baseada apenas em sucesso ou falha do implante e o foco está direcionado para a satisfação do paciente e o nível de qualidade de vida atingido, devendo levar em consideração as comorbidades e associar medidas específicas para a articulação considerada aos componentes genéricos que analisem o status geral do indivíduo(3). Portanto, tornou-se claro que para um procedimento que visa, em última instância, melhorar a qualidade de vida do indivíduo, medir estes índices se tornou necessário para uma completa compreensão dos efeitos desta intervenção(4).

À medida que a expectativa de vida da população cresce, o número de substituições articulares segue a mesma tendência, e, apesar de seu alto custo, estão entre os procedimentos mais efetivos em termos de benefícios. Apesar deste conhecimento, parâmetros fidedignos que ofereçam diretrizes clínicas nas indicações e que estabeleçam critérios seguros no momento da avaliação de resultados são cada vez mais valorizados, especialmente ao serem aplicados a uma grande população(5). A literatura mais recente delineia um crescente movimento valorizando a coleta de resultados autorrelatados pelos pacientes submetidos à substituição total do quadril e uma busca pelo(s) método(s) de melhor aplicabilidade e confiabilidade(6).

Diversas variáveis influenciam os escores de qualidade de vida relacionados com a saúde e também as expectativas dos indivíduos quanto ao procedimento médico e seus resultados. Estudo de Ackerman et al(7) identificou que na população australiana o grupo do sexo feminino de menor nível socioeconômico e com tempo de espera prolongado por uma cirurgia está mais propenso a baixos escores, associado ao estresse psicológico elevado, à redução abrupta no nível funcional e, ainda, a um potencial índice de morbidade elevado. Nesses indivíduos, tanto a medida objetiva dos resultados quanto a percepção individual dos efeitos pós-cirúrgicos são claramente afetados(7). Este conjunto de dados somente pode ser quantificado corretamente por meio de medidas da qualidade de vida, destacando-se, em vários estudos, a sua importância e aplicabilidade como indicadores clínicos confiáveis e úteis na definição de estratégias de manejo da doença(5,7).

O objetivo primário do presente estudo é conhecer as variações na qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes osteoartrósicos submetidos à substituição total do quadril usando um instrumento geral e um indicador específico para a articulação do quadril e comparar os resultados com a literatura.

MATERIAL E MÉTODOS

A aprovação para o estudo foi obtida no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o número CEP 0161/2009 e todos os pacientes deram consentimento em sua participação no presente estudo, previamente ao procedimento cirúrgico.

Entre janeiro e dezembro de 2010, de uma amostra inicial de 40 indivíduos, foram selecionados 38 pacientes operados consecutivamente pelo mesmo cirurgião, os quais tiveram acompanhamento mínimo de seis meses e completaram o protocolo de reabilitação num estudo clínico aplicado, observacional, do tipo coorte prospectivo. Os dois indivíduos excluídos manifestaram intercorrências clínicas desfavoráveis (coronariopatia) durante o período de preparo e de espera pela intervenção. Trinta e cinco deles receberam implante híbrido com componente acetabular MD-4®, com revestimento de titânio plasma spray e haste cimentada polida, ambos de fabricação nacional. Apenas três pacientes osteopênicos receberam componentes acetabulares cimentados. Todos os componentes acetabulares utilizados possuíam reborda elevada em 10º. Em todos os indivíduos foram utilizadas cabeças de 28mm, com exceção de um caso de displasia de desenvolvimento do quadril que recebeu cabeça intercambiável de 22mm em decorrência de utilização de cúpula de pequeno diâmetro. O acesso cirúrgico utilizado foi o lateral direto em todos os casos.

Os critérios de inclusão foram: osteoartrose radiológica severa do quadril (graus III e IV), segundo a classificação de Kellgren e Lawrence(8); Harris Hip Score-HHS(9) abaixo de 60 pontos (dor e incapacidade importantes); faixa etária acima de 21 anos de idade; indicação de cirurgia unilateral com sintomatologia monoarticular; não ter sido submetido a nenhum outro procedimento de substituição articular previamente; e condições clínicas satisfatórias com risco cirúrgico baixo ou intermediário, significando comorbidades compensadas ao momento da admissão hospitalar.

Os critérios de exclusão foram: pacientes com déficits neurológicos, cognitivos e/ou alterações psíquicas de monta e que impossibilitassem a compreensão e resposta aos questionários, bem como a condução adequada do processo terapêutico e da reabilitação física ulterior; obesidade mórbida e qualquer infecção ativa local, à distancia ou sistêmica; sobrevida inferior a seis meses após a intervenção; reoperação por falha precoce do implante em período inferior a seis meses após a intervenção por qualquer motivo; e cirurgia de revisão de artroplastia total do quadril.

O perfil da amostra estudada quanto à etiologia e faixa etária está descrito nas Figuras 1 e 2.



Os pacientes responderam ao questionário Medical Outcomes Study SF-36(10,11), que é uma medida genérica de qualidade de vida validada para o Brasil por Ciconelli et al(10). Consiste em uma escala de oito domínios de saúde funcional e bem-estar assim como medidas psicométricas sumárias de saúde física e mental. O SF-36 é frequentemente usado como ponto de referência para outros testes(12,13). O escore final é proporcional ao bem-estar individual(14,15).

O Harris Hip Score (HHS) é um instrumento de avaliação específico idealizado para avaliar o estado funcional da articulação coxofemoral. É uma escala objetiva mundialmente utilizada. Tem o ponto máximo em 100 pontos e avalia dor, função, deformidade e amplitude de movimentos, sendo que dor e função têm um maior peso. É um sistema com comprovada reprodutibilidade(9).

O questionário SF-36 foi submetido aos pacientes selecionados juntamente com a determinação do HHS pré-operatoriamente e aos seis meses de evolução, quando o período de reabilitação básica se completou. Todos os resultados foram comparados com a literatura.

O desvio padrão foi calculado para cada item pesquisado pré e pós-operatoriamente. O teste de Mann-Whitney foi usado para comparações pareadas quando os dados estavam normalmente distribuídos e o teste de Wilcoxon foi utilizado para dados não paramétricos. O índice de significância foi estabelecido como p < 0,05. A análise de dados foi desenvolvida usando-se o SPSS – Statistical Package for the Social Sciences – versão 15.0 (Chicago, IL, EUA).

A medida da satisfação individual com o procedimento realizado foi cega, sendo obtida por observadores independentes capacitados, não integrantes da equipe de assistência médica, oferecendo-se ao paciente a opção por quatro níveis de satisfação pessoal.

RESULTADOS

Não foram registrados casos de infecção, fraturas intraoperatórias, trombose venosa profunda ou complicações clínicas locais ou gerais relevantes no pós-operatório. A única complicação foi um caso de neuropraxia do ramo fibular do nervo ciático em paciente com displasia de desenvolvimento do quadril e alongamento de 3cm, tendo ocorrido recuperação parcial aos seis meses de evolução e subtotal aos nove meses. Observou-se, no controle radiográfico pós-operatório aos 45 dias, destacamento de pequeno fragmento do grande trocanter em dois casos osteopênicos, sendo que ambos evoluíram para consolidação óssea, sem repercussão clínica. Foi verificado ângulo de inclinação elevado (> 55º) do componente acetabular em três casos (56º, 59º e 60º), sem comprometimento da estabilidade da articulação. Nenhum caso de luxação foi verificado nesta série. Todos os implantes foram considerados fixos na avaliação radiológica final.

Resultados do SF-36 e do HHS são demonstrados na Tabela 1.

Resultados da avaliação de satisfação pessoal com a intervenção estão demonstrados na Tabela 2.

Variáveis associadas à qualidade de vida no escore inicial e final do Harris Hip Score, valores médios e significância estatística estão demonstrados nas Tabelas 3 e 4.

Características da amostra segundo variáveis independentes estão demonstradas na Tabela 5.

Variáveis associadas à qualidade de vida nos nove escores iniciais e finais do SF-36, valores médios e significância estatística estão demonstradas nas Tabelas 6 e 7.

DISCUSSÃO

No presente estudo, 100% dos itens constantes do questionário SF-36 foram obtidos, o que deve ser comparado com a literatura, que mostra até 5,3% de todas as respostas prejudicadas e/ou não respondidas por motivos diversos(16,17). A assistência provida aos pacientes durante o processo de resposta pode explicar o alto índice de aproveitamento obtido.

A medida do grau de satisfação dos pacientes com o procedimento foi feita de forma cega por observador independente e visou atenuar o viés de informação.

A maioria dos pacientes selecionados para artroplastia de substituição total do quadril foi diagnosticada como osteoartrose primária (Figura 1).

Estudo de Tellini et al(18) indicou que uma menor idade média e consequente menor prevalência de comorbidades estão associadas a um valor mais alto para os índices pós-operatórios medidos pelo SF-36(18,19). Entretanto, esses mesmos indivíduos demonstraram valores mais baixos no escore de saúde mental pré-operatória, inferindo numa menor capacidade deste grupo mais jovem em lidar com limitações funcionais quando comparados com pacientes mais idosos. Os mesmos autores identificaram um viés de informação (recall bias) ao observar que pacientes recentemente reabilitados tendem a superestimar seu estado físico atual, comparado com o estado pré-operatório, quando a situação clínica e seus efeitos psicológicos estavam presumivelmente em seu pior nível, haja vista que esses pacientes apresentaram um resultado do SF-36 melhor que um grupo-controle sadio, exceto na escala de limitação física. Desta forma, ao se considerar uma população mais jovem, a avaliação do aspecto social e da saúde mental é crítica, tendo sido observado por alguns autores que pessoas do sexo feminino com menos de 65 anos de idade e afetadas por doenças crônicas sofrem mais de distúrbios psicológicos que as do sexo masculino(20). Laupacis et al(21) demonstraram, em estudo clínico randomizado envolvendo 188 pacientes seguidos por três meses e 179 por seis meses, uma significante evolução na qualidade de vida relacionada com a saúde atingida, de forma substancial já no terceiro mês de seguimento, em especial na função física, interação social e saúde geral. Apesar da marcante melhoria em todos os aspectos considerados, não se verificou associação equivalente no que tange ao retorno ao trabalho. Fatores como idade, nível educacional, profissão e outros não identificados teriam forte influência neste aspecto específico. No grupo presentemente estudado, dos sete indivíduos com presumível capacidade laborativa restabelecida, somente três indivíduos retornaram ao trabalho anterior de forma plena. Destes últimos, todos se manifestaram "muito satisfeitos", atingiram Harris Hip Score "excelente", eram ativos, possuíam nível de escolaridade mais elevado, estavam entre os mais jovens e possuíam altas expectativas previamente à cirurgia.

Observamos, em nossa coorte, que quatro indivíduos (10,5%) mostraram nítida contradição entre os resultados do SF-36, a avaliação clínico-radiográfica, os índices do HHS e a percepção individual manifesta através do grau de satisfação com o procedimento. Este subgrupo era composto por indivíduos do sexo masculino em idade produtiva e se caracterizava por uma aparente busca de compensação previdenciária e/ou caracterização de uma situação irreal de incapacidade laborativa, a despeito do nível de reabilitação satisfatório e de parâmetros clínicos e radiológicos em padrão semelhante aos demais pacientes avaliados. Este dado paradoxal foi rotulado de "viés da compensação previdenciária", evidenciado na comparação entre os bons resultados da avaliação clínico-radiográfica específica e escores elevados do HHS com as respostas ao questionário estruturado de qualidade de vida registradas em seus limites inferiores, ao contrario dos demais indivíduos em condições semelhantes. O fato constituiu-se em uma variável imprevista com aparente motivação pecuniária e social que, possivelmente, exerce forte influência no momento da medida de resultados, os quais podem se alterar substancialmente dependendo do perfil da população sob análise, confundindo o observador. O uso de ferramentas múltiplas na avaliação possibilitou a identificação deste grupo e melhor compreensão e interpretação de resultados em nosso estudo.

A literatura internacional aponta que o uso de indicadores de qualidade de vida associados aos instrumentos tradicionais de avaliação clínica tem uso crescente(20,22) e os cirurgiões ortopédicos atualmente tendem a incluir em seu processo de decisão terapêutica não apenas os achados clínicos e radiológicos, mas também o contexto da qualidade de vida relacionada com a saúde, valorizando os desfechos qualidade de vida geral e por domínios, capacidade funcional, dor e satisfação pessoal(9). Estes instrumentos de avaliação têm se mostrado valorosos na determinação não apenas da situação real de saúde e das manifestações da doença sobre o indivíduo, como também do melhor momento de uma operação que pode ser adiada até que aspectos sociais ou psicológicos sejam primeiramente atendidos e equacionados, proporcionando, consequentemente, condição cirúrgica mais apropriada ou, pelo contrário, priorizada em outras situações particularmente relevantes. Ayers e Ring(23) destacaram que pacientes com saúde emocional prejudicada podem e devem ser identificados pré-operatoriamente através da aplicação de instrumentos como o SF-36, e que este grupo tende a não atingir o grau de satisfação e de evolução funcional esperado e, por isto, estes indivíduos se beneficiariam de uma estratégia especial de suporte. Ayers e Ring(23) enfatizaram que os resultados dos procedimentos cirúrgicos são nitidamente melhores quando os indivíduos recebem suporte emocional e social e que pacientes desejam ser vistos como pessoas e não como doenças, destacando que o aspecto complementar destes instrumentos fica evidente, não substituindo nenhuma avaliação clínica ou radiográfica ou os escores funcionais específicos, mas sim interagindo com eles(19). A medida da qualidade de vida relacionada com a saúde pode ainda auxiliar na determinação da motivação e das expectativas do paciente em relação a uma substituição articular total e para o acompanhamento e medida da satisfação do paciente, tanto isoladamente quanto associada a outros tipos de questionários e pesquisas(24-26). Em que pese a homogeneidade da coorte com relação às diversas variáveis analisadas, deve-se considerar as limitações do estudo ligadas ao tamanho da amostra. Os resultados da coorte estudada, entretanto, se comparam aos de estudos multicêntricos com grande número de indivíduos no que tange a significância estatística da evolução obtida nos domínios do SF-36 e nos indicadores clínico-funcionais específicos apurados pelo HHS(5).

Não se atingiu ainda um consenso ou um padrão de utilização com relação à escala mais adequada para medir a qualidade de vida relacionada com a saúde e constitui-se num desafio compreender a literatura, face aos diferentes métodos propostos, às variações nas pontuações e apresentações dos mesmos, bem como na forma de interpretá-los e, especialmente, ao eleger-se o escore mais adequado a cada estudo ou população. Deve-se, ainda, levar em consideração que a própria cooperação do paciente nas longas avaliações e questionários pode ser problemática(27). Na coorte estudada, este último aspecto foi priorizado em face do baixo nível de escolaridade (10,5% analfabetos), refletindo a realidade da população brasileira em geral, sendo necessária, em muitos casos, assistência e suporte técnico no preenchimento dos questionários.

CONCLUSÕES

O estudo demonstra uma significativa melhora na qualidade de vida relacionada com a saúde em pacientes afetados por osteoartrose de diferentes etiologias e que foram submetidos à artroplastia total do quadril, no seguimento de curto prazo.

Os resultados obtidos indicam que o SF-36 é útil como método complementar de avaliação dos pacientes submetidos à artroplastia de substituição total do quadril, em especial nos aspectos social e psicológico. A utilização deste método, em conjunto com instrumentos específicos como o HHS e a avaliação clínico-radiográfica tradicional, mostrou-se valorosa na aferição mais precisa do nível de satisfação pós-cirúrgico dos indivíduos, das alterações observadas na saúde física e mental obtidas pela intervenção médica, bem como na identificação de vieses e fatores que influenciam a manifestação ou percepção tanto objetiva quanto subjetiva dos indivíduos acerca de sua condição pré e pós-operatória.

Trabalho recebido para publicação: 26/05/2011, aceito para publicação: 20/07/2011.

Os autores declaram inexistência de conflito de interesses na realização deste trabalho

Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF).

Este artigo está disponível online nas versões Português e Inglês nos sites: www.rbo.org.br e www.scielo.br/rbort

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    Av. Olegário Maciel, 297/1.101, Santa Helena
    36015-350 – Juiz de Fora, MG.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Maio 2011
    • Aceito
      20 Jul 2011
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