Acessibilidade / Reportar erro

Perfil de expressão de genes do colágeno na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade traumática anterior do ombro Trabalho desenvolvido na Disciplina de Genética e na Disciplina de Medicina do Exercício e Atividade Física do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Avaliar a expressão dos genes COL1A1, COL1A2, COL3A1 e COL5A1 na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade anterior traumática do ombro.

Métodos:

Foram avaliadas amostras de cápsula glenoumeral de 18 pacientes com instabilidade anterior traumática do ombro. Foram incluídos pacientes masculinos, com teste de apreensão positivo e lesão de Bankart no exame de ressonância magnética. Todos os pacientes sofreram mais de um episódio de luxação do ombro. Foram coletadas amostras da cápsula glenoumeral lesionada (região anteroinferior) e da região macroscopicamente não afetada (região anterossuperior) de cada paciente. A expressão dos genes de colágeno foi avaliada por reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa com análise quantitativa (qRT-PCR).

Resultados:

A expressão de COL1A1, COL1A2 e COL3A1 não diferiu entre as duas regiões da cápsula do ombro. No entanto, foi observado que a expressão de COL5A1 estava significantemente reduzida na região anteroinferior em relação à região anterossuperior (mediana ± intervalo interquartílico: 0,057 ± 0,052 vs 0,155 ± 0,398; p = 0,028) da cápsula glenoumeral.

Conclusão:

A região afetada da cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro apresentou uma expressão reduzida de COL5A1.

Instabilidade do ombro; Cápsula articular; Expressão gênica; Matriz extracelular; Colágeno


Objective:

To evaluate the expression of the genes COL1A1, COL1A2, COL3A1 and COL5A1 in the glenohumeral capsule of patients with traumatic anterior instability of the shoulder.

Methods:

Samples from the glenohumeral capsule of 18 patients with traumatic anterior instability of the shoulder were evaluated. Male patients with a positive grip test and a Bankart lesion seen on magnetic resonance imaging were included. All the patients had suffered more than one episode of shoulder dislocation. Samples were collected from the injured glenohumeral capsule (anteroinferior region) and from the macroscopically unaffected region (anterosuperior region) of each patient. The expression of collagen genes was evaluated using the polymerase chain reaction after reverse transcription with quantitative analysis (qRT-PCR).

Results:

The expression of COL1A1, COL1A2 and COL3A1 did not differ between the two regions of the shoulder capsule. However, it was observed that the expression of COL5A1 was significantly lower in the anteroinferior region than in the anterosuperior region (median ± interquartile range: 0.057 ±0.052 vs. 0.155 ±0.398; p = 0.028) of the glenohumeral capsule.

Conclusion:

The affected region of the glenohumeral capsule in patients with shoulder instability presented reduced expression of COL5A1.

Shoulder instability; Joint capsule; Gene expression; Extracellular matrix; Collagen


Introdução

A grande amplitude de movimento fornecida pela cintura escapular permite que a articulação glenoumeral seja usada como um fulcro estável para a colocação da extremidade superior em diversas posições no espaço. Uma consequência desse grande arco de movimento, no entanto, é a propensão para essa articulação tornar-se instável.11. Bulcholz RW, Court-Brown CM, Heckman JD, Tornetta P, editors. Rockwood and Green's fractures in adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.

Acredita-se que o ombro seja a articulação do corpo humano que mais comumente sofre luxações, com a incidência de 8,2-23,9 por 100.000 pessoas ao ano.22. Owens BD, Duffey ML, Nelson BJ, DeBerardino TM, Taylor DC, Mountcastle SB. The incidence and characteristics of shoulder instability at the United States Military Academy. Am J Sports Med. 2007;35(7):1168–73.,33. Tas M, Canbora MK, Kose O, Egerci OF, Gem M. Demographic and clinical characteristics of traumatic shoulder dislocations in an urban city of Turkey: a retrospective analysis of 208 cases. Acta Orthop Traumatol Turc. 2013;47(3):147–52. Desses casos, 95% são causados por eventos traumáticos e envolvem lesões da cápsula anterior em mais de 90% desses indivíduos.44. Kazar B, Relovszky E. Prognosis of primary dislocation of the shoulder. Acta Orthop Scand. 1969;40(2):216–24.,55. Nordqvist A, Petersson CJ. Incidence and causes of shoulder girdle injuries in an urban population. J Shoulder Elbow Surg. 1995;4(2):107–12. Os episódios de luxação do ombro ocorrem mais frequentemente em indivíduos jovens e masculinos.66. Zacchilli MA, Owens BD. Epidemiology of shoulder dislocations presenting to emergency departments in the United States. J Bone Joint Surg Am. 2010;92(3):542–9. Muitos dos indivíduos afetados praticam esportes competitivos.77. Buss DD, Lynch GP, Meyer CP, Huber SM, Freehill MQ. Nonoperative management for in-season athletes with anterior shoulder instability. Am J Sports Med. 2004;32(6):1430–3. A taxa de recorrência de luxações do ombro é alta e alcança até 100% em jovens atletas.88. Larrain MV, Botto GJ, Montenegro HJ, Mauas DM. Arthroscopic repair of acute traumatic anterior shoulder dislocation in young athletes. Arthroscopy. 2001;17(4):373–7.,99. Te Slaa RL, Wijffels MP, Brand R, Marti RK. The prognosis following acute primary glenohumeral dislocation. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(1):58–64.

A região anteroinferior (AI) da cápsula glenoumeral é o local mais acometido em episódios de luxação traumática do ombro.1010. Wang VM, Flatow EL. Pathomechanics of acquired shoulder instability: a basic science perspective. J Shoulder Elbow Surg. 2005;14 1 Suppl. S:2S–11S. Após o primeiro episódio de luxação do ombro anterior, é comum o paciente apresentar instabilidade do ombro.88. Larrain MV, Botto GJ, Montenegro HJ, Mauas DM. Arthroscopic repair of acute traumatic anterior shoulder dislocation in young athletes. Arthroscopy. 2001;17(4):373–7.,99. Te Slaa RL, Wijffels MP, Brand R, Marti RK. The prognosis following acute primary glenohumeral dislocation. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(1):58–64. Os pacientes com instabilidade do ombro, em geral, apresentam uma deformação plástica da cápsula, o que pode resultar em frouxidão capsular.1010. Wang VM, Flatow EL. Pathomechanics of acquired shoulder instability: a basic science perspective. J Shoulder Elbow Surg. 2005;14 1 Suppl. S:2S–11S.,1111. Hovelius L, Eriksson K, Fredin H, Hagberg G, Hussenius A, Lind B, et al. Recurrences after initial dislocation of the shoulder. Results of a prospective study of treatment. J Bone Joint Surg Am. 1983;65(3):343–9. Estudos anteriores demonstraram que a deformação plástica da cápsula é necessária mesmo na primoluxação.1212. Rodeo SA, Suzuki K, Yamauchi M, Bhargava M, Warren RF. Analysis of collagen and elastic fibers in shoulder capsule in patients with shoulder instability. Am J Sports Med. 1998;26(5):634–43.1414. Bigliani LU, Pollock RG, Soslowsky LJ, Flatow EL, Pawluk RJ, Mow VC. Tensile properties of the inferior glenohumeral ligament. J Orthop Res. 1992;10(2):187–97. Atualmente, pouco se sabe sobre a estrutura de cápsula, especialmente em pacientes com instabilidade do ombro. Uma melhor compreensão da biologia subjacente é importante para orientar o manejo do paciente e desenvolver novas opções terapêuticas complementares à cirurgia.

A cápsula é composta de elementos celulares e fibrosos. O conteúdo de colágeno da cápsula aumenta progressivamente durante o desenvolvimento embrionário e ao nascimento esse tecido geralmente é fibroso.1515. Aboul-Mahasen LM, Sadek SA. Developmental morphological and histological studies on structures of the human fetal shoulder joint. Cells Tissues Organs. 2002;170(1):1–20. Os colágenos fibrilares tipos I, III e V são os mais comuns na cápsula do ombro.1616. Kaltsas DS. Comparative study of the properties of the shoulder joint capsule with those of other joint capsules. Clin Orthop Relat Res. 1983;(173):20–6. As mutações em genes que codificam esses colágenos foram identificadas na maioria das formas de síndrome de Ehlers-Danlos (SED) e osteogênese imperfeita,1717. Van Dijk FS, Cobben JM, Kariminejad A, Maugeri A, Nikkels PG, van Rijn RR, et al. Osteogenesis imperfecta: a review with clinical examples. Mol Syndromol. 2011;2(1):1–20.,1818. Callewaert B, Malfait F, Loeys B, De Paepe A. Ehlers–Danlos syndromes and Marfan syndrome. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2008;22(1):165–89. que apresentam luxações frequentes em diversas articulações, incluindo a do ombro. Dessa forma, alterações nesses genes podem também desempenhar um papel na instabilidade do ombro.

O objetivo deste estudo foi comparar a expressão do RNA mensageiro (mRNA) de COL1A1, COL1A2, COL3A1 e COL5A1 entre uma região lesionada e outra não lesionada da cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade traumática anterior do ombro.

Materiais e métodos

Pacientes

Foram coletadas amostras da cápsula glenoumeral de 18 pacientes com instabilidade anterior traumática do ombro que foram submetidos ao tratamento cirúrgico por artroscopia no Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) entre junho de 2011 e junho de 2013. Durante a propedêutica articular, foi verificada a existência de lesões associadas e em todos os pacientes foi notada a presença de redundância capsular na região anteroinferior. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os pacientes com aprovação do comitê de ética da Unifesp (processo número: 1085/11). A média da idade dos pacientes no momento da cirurgia era de 30 anos (variação de 18 a 42). A média de idade do primeiro episódio de luxação era de 25 anos (variação de 14 a 37). O tempo médio entre a primoluxação e a coleta de amostra foi de cinco anos (variação de quatro meses a 10 anos).

Foram incluídos no estudo somente pacientes com teste de apreensão positivo e lesão de Bankart evidenciada no exame de ressonância magnética. Adicionalmente, todos os pacientes reportaram dois ou mais episódios de luxação do ombro. Para reduzir a heterogeneidade da amostra, somente indivíduos do gênero masculino foram incluídos. Os pacientes foram tratados por pelo menos duas semanas com imobilização do ombro depois do primeiro episódio de deslocamento. Nenhum paciente tinha histórico de cirurgias prévias para lesões do ombro.

Foram excluídos do estudo pacientes com sinais clínicos de instabilidade posterior e/ou multidirecional, assim como com hipermobilidade ou hiperfrouxidão generalizada de articulações segundo a escala de Beighton.1919. Beighton P, Solomon L, Soskolne CL. Articular mobility in an African population. Ann Rheum Dis. 1973;32(5):413–8.

Amostras de tecido

As amostras de tecido foram coletadas de duas regiões da cápsula de cada paciente: uma da região lesionada, região AI; outra da região correspondente macroscopicamente não afetada (controle), região anterossuperior (AS). Todas as amostras foram imediatamente imersas na solução de RNAlater® (Qiagen, Alemanha) e, em seguida, estocadas a −20 °C até o momento da extração do RNA.

Análise da expressão gênica

A extração do RNA foi feita com o minikit RNeasy® (Qiagen, Alemanha). A concentração e a qualidade foram determinadas com o espectrofotômetro NanoDrop® (Kisker, Alemanha) e a integridade foi verificada por eletroforese em gel de agarose 1%. A síntese do DNA complementar (cDNA) foi feita com o kit High-Capacity cDNA Archive (Life Technologies, EUA).

A expressão de COL1A1, COL1A2, COL3A1 e COL5A1 foi avaliada pela reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa com análise quantitativa (qRT-PCR) com o uso do sistema 7500 Fast Real-Time PCR (Life Technologies, EUA). Os genes ACTB e GAPDH foram selecionados como controles internos para normalizar a quantidade inicial de cDNA e corrigir possíveis variações que podem afetar a eficiência das reações de qRT-PCR. Todas as reações de qRT-PCR foram feitas em triplicata para todos os genes alvos (COL1A1: Hs00164004_mL; COL1A2: Hs00164099_mL; COL3A1: Hs00943809_mL; COL5A1: Hs00609088_mL) e para os genes de referência (β-actina, ACTB: 4352935e; gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, GAPDH: Hs99999905_mL) com o uso de iniciadores e sondas comercialmente disponíveis (Life Technologies, EUA).

A expressão gênica foi determinada de acordo com a fórmula: ΔCt (cyclethreshold) = Ct gene alvo (colágeno) - média geométrica dos Ct dos genes de referência.2020. Pfaffl MW. A new mathematical model for relative quantification in real-time RT-PCR. Nucleic Acids Res. 2001;29(9):e45. A quantificação da expressão foi ajustada para a eficiência de amplificação de cada gene (COL1A1 = 92%; COL1A2 = 97%; COL3A1 = 103%; COL5A1 = 94%; ACTB = 91%; GAPDH = 92%).

Análise estatística

O teste de Shapiro-Wilk foi feito para avaliar a normalidade da distribuição dos dados. Como a maioria das variáveis analisadas não apresentou uma distribuição normal, o teste de Wilcoxon (não paramétrico) foi usado para comparar a expressão gênica entre amostras da região anteroinferior e da anterossuperior pareadas. O tamanho do efeito para o teste de Wilcoxon (r) foi calculado de acordo com a fórmula r = Z/√N,2121. Rosenthal R. Meta-analytic procedures for social research. Newbury Park: Sage; 1991. em que r < 0,1 foi considerado um efeito trivial, 0,1 ≤ r < 0,3 pequeno, 0,3 ≤ r ≤ 0,5 moderado e r > 0,5 grande.

Correlação de Spearman foi usada para avaliar se havia correlação entre a expressão dos genes de colágeno e a idade de acometimento, a idade no momento da cirurgia ou o intervalo entre a primoluxação e coleta de amostra.

Os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. As medianas e os intervalos interquartílicos dos dados obtidos são apresentados no presente estudo.

Resultados

A expressão relativa dos genes de COL1A1, COL1A2, COL3A1 e COL5A1 apresentou uma ampla variação entre indivíduos com instabilidade traumática anterior do ombro. Tanto o aumento quanto a redução da expressão de genes de colágeno na região anteroinferior em relação à região anterossuperior foram observados (fig. 1). A expressão de COL1A1, COL1A2 e COL3A1 não diferiu significantemente entre as regiões AI e AS (tabela 1). No entanto, a região AI apresentou reduzida expressão de COL5A1 em relação à região AS da cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro (p = 0,028; r =−0,3665; tabela 1).

Figura 1
Alteração na expressão dos genes de colágeno na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro. Valores de expressão na região anteroinferior em relação aos correspondentes na região anterossuperior da cápsula glenoumeral (fold-change). Linhas horizontais indicam as medianas e os intervalos interquartílicos.
Tabela 1
Expressão dos genes de colágeno na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro

Em qualquer das regiões estudadas não foi observada correlação entre idade de acometimento, idade no momento da cirurgia ou intervalo entre a primoluxação e coleta de amostra e os níveis de expressão dos genes de colágeno (p> 0,05 para todas as análises).

Discussão

Este estudo demonstrou que pacientes com instabilidade anterior do ombro apresentam uma redução de expressão do gene COL5A1 na região da AI da cápsula glenoumeral comparada à região AS. O colágeno tipo V representa 2%-5% do total do colágeno na maior parte dos tecidos.2222. Birk DE. Type V collagen: heterotypic type I/V collagen interactions in the regulation of fibril assembly. Micron. 2001;32(3):223–37. O colágeno tipo V intercala-se com o colágeno tipo I, que é a proteína mais proeminente na cápsula, para formar fibrilas heterotípicas.2323. Chanut-Delalande H, Fichard A, Bernocco S, Garrone R, Hulmes DJ, Ruggiero F. Control of heterotypic fibril formation by collagen V is determined by chain stoichiometry. J Biol Chem. 2001;276(26):24352–9. Apesar de ser o colágeno fibrilar presente em menor quantidade, o colágeno tipo 5 tem um papel central na regulação da fibrilogênese dos tecidos conjuntivos.2424. Wenstrup RJ, Florer JB, Davidson JM, Phillips CL, Pfeiffer BJ, Menezes DW, et al. Murine model of the Ehlers–Danlos syndrome. col5a1 haploinsufficiency disrupts collagen fibril assembly at multiple stages. J Biol Chem. 2006;281(18):12888–95. Na SED, a redução da expressão COL5A1 é descrita em cerca de 25%-30% dos pacientes portadores de mutações nesse gene.2525. Mitchell AL, Schwarze U, Jennings JF, Byers PH. Molecular mechanisms of classical Ehlers–Danlos syndrome (EDS). Hum Mutat. 2009;30(6):995–1002. Nesses pacientes, é observada a formação de fibrilas de colágeno anormais, que são largas e irregulares.2626. Hausser I, Anton-Lamprecht I. Differential ultrastructural aberrations of collagen fibrils in Ehlers–Danlos syndrome types I–IV as a means of diagnostics and classification. Hum Genet. 1994;93(4):394–407. Em modelo animal de SED clássico, a expressão reduzida de COL5A1 foi associada com uma redução no número de fibrilas e com a presença de uma subpopulação muito grande e estruturalmente aberrante de fibrilas com deficiência do colágeno V.2424. Wenstrup RJ, Florer JB, Davidson JM, Phillips CL, Pfeiffer BJ, Menezes DW, et al. Murine model of the Ehlers–Danlos syndrome. col5a1 haploinsufficiency disrupts collagen fibril assembly at multiple stages. J Biol Chem. 2006;281(18):12888–95. A desregulação da expressão de COL5A1 parece ter um papel fundamental em alterações estruturais na cápsula articular tanto em indivíduos com SED quanto em modelos animais para essa síndrome. Dessa forma, hipotetizamos que a reduzida expressão de COL5A1 na região AI da cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro pode resultar em fibrilas de colágeno desorganizadas e, assim, contribuir para o aumento da frouxidão desse tecido nos indivíduos avaliados.1414. Bigliani LU, Pollock RG, Soslowsky LJ, Flatow EL, Pawluk RJ, Mow VC. Tensile properties of the inferior glenohumeral ligament. J Orthop Res. 1992;10(2):187–97.,2727. Thomas SC, Matsen 3rd FA. An approach to the repair of avulsion of the glenohumeral ligaments in the management of traumatic anterior glenohumeral instability. J Bone Joint Surg Am. 1989;71(4):506–13. Por outro lado, a reduzida expressão de COL5A1 na região AI em relação à região AS também pode ser uma característica intrínseca da região AI que contribui para a maior susceptibilidade dessa região à lesão nos pacientes investigados.

A expressão dos genes COL1A1, COL1A2 e COL3A1 não diferiu entre as regiões AI e AS. No entanto, o número de amostras avaliadas foi um fator limitante no presente estudo. Com o número amostral obtido, nossa análise tinha o poder de cerca de 80% de detectar uma variação com tamanho de efeito de 75% (grande tamanho de efeito) para um erro tipo I de 5%. Em nenhuma das análises foi detectado um efeito grande e, com isso, o poder observado foi baixo. Dessa forma, nossas análises têm uma alta probabilidade de não ter detectado uma diferença entre grupos que na realidade existe (falso-negativo). Mais estudos são necessários para se entender o papel de COL1A1, COL1A2 e COL3A1 na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro.

Neste estudo, foram avaliados somente pacientes do gênero masculino que apresentassem mais de um episódio de luxação do ombro. O objetivo dessa seleção foi homogeneizar nossa amostra. Além disso, foram obtidas amostras pareadas de cápsula glenoumeral com e sem lesão (controle) dos mesmos indivíduos para evitar um possível viés causado pela variação biológica interindividual, uma estratégia comumente adotada nos estudos sobre moléculas que buscam entender os processos de carcinogênese.2828. Leal MF, Chung J, Calcagno DQ, Assumpcao PP, Demachki S, da Silva ID, et al. Differential proteomic analysis of noncardia gastric cancer from individuals of northern Brazil. PLoS ONE. 2012;7(7):e42255. Entretanto, os níveis de mRNA de todos os genes de colágenos estudados foram heterogêneos entre pacientes com instabilidade do ombro. Essa heterogeneidade pode ser por causa das diferentes exposições ao meio ambiente, como, por exemplo, variações no número de luxações e no tempo entre os eventos de luxação e a cirurgia. Adicionalmente, como outras lesões agudas de tecidos moles, a instabilidade do ombro é uma doença multifatorial e, portanto, fatores intrínsecos, como, por exemplo, polimorfismos dos genes do colágeno2929. Khoschnau S, Melhus H, Jacobson A, Rahme H, Bengtsson H, Ribom E, et al. Type I collagen alpha1 Sp1 polymorphism and the risk of cruciate ligament ruptures or shoulder dislocations. Am J Sports Med. 2008;36(12):2432–6.,3030. Collins M, Posthumus M, Schwellnus MP. The COL1A1 gene and acute soft tissue ruptures. Br J Sports Med. 2010;44(14):1063–4. ou dos genes que codificam proteínas envolvidas na regulação da sua expressão, também podem contribuir para a heterogeneidade entre os pacientes, assim como para um maior risco para a doença.

Como somente foram estudadas amostras de tecido coletadas durante o tratamento cirúrgico, não foi possível avaliar a dinâmica de regulação da expressão gênica. Deve-se, contudo, notar que este estudo, ao nosso conhecimento, é o primeiro a avaliar a expressão gênica na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro e contribuir, assim, para a compreensão dessa condição.

Conclusões

A região lesionada da cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro apresentou uma reduzida expressão de COL5A1. O estudo de expressão gênica na cápsula glenoumeral de pacientes com instabilidade do ombro é original na literatura e abre novas perspectivas de pesquisa nessa afecção. A avaliação da expressão gênica pode contribuir para uma maior compreensão da biologia dessa lesão e, com isso, para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - 2011/10033-8) pelo apoio dado ao desenvolvimento deste trabalho.

  • Trabalho desenvolvido na Disciplina de Genética e na Disciplina de Medicina do Exercício e Atividade Física do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

References

  • 1
    Bulcholz RW, Court-Brown CM, Heckman JD, Tornetta P, editors. Rockwood and Green's fractures in adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.
  • 2
    Owens BD, Duffey ML, Nelson BJ, DeBerardino TM, Taylor DC, Mountcastle SB. The incidence and characteristics of shoulder instability at the United States Military Academy. Am J Sports Med. 2007;35(7):1168–73.
  • 3
    Tas M, Canbora MK, Kose O, Egerci OF, Gem M. Demographic and clinical characteristics of traumatic shoulder dislocations in an urban city of Turkey: a retrospective analysis of 208 cases. Acta Orthop Traumatol Turc. 2013;47(3):147–52.
  • 4
    Kazar B, Relovszky E. Prognosis of primary dislocation of the shoulder. Acta Orthop Scand. 1969;40(2):216–24.
  • 5
    Nordqvist A, Petersson CJ. Incidence and causes of shoulder girdle injuries in an urban population. J Shoulder Elbow Surg. 1995;4(2):107–12.
  • 6
    Zacchilli MA, Owens BD. Epidemiology of shoulder dislocations presenting to emergency departments in the United States. J Bone Joint Surg Am. 2010;92(3):542–9.
  • 7
    Buss DD, Lynch GP, Meyer CP, Huber SM, Freehill MQ. Nonoperative management for in-season athletes with anterior shoulder instability. Am J Sports Med. 2004;32(6):1430–3.
  • 8
    Larrain MV, Botto GJ, Montenegro HJ, Mauas DM. Arthroscopic repair of acute traumatic anterior shoulder dislocation in young athletes. Arthroscopy. 2001;17(4):373–7.
  • 9
    Te Slaa RL, Wijffels MP, Brand R, Marti RK. The prognosis following acute primary glenohumeral dislocation. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(1):58–64.
  • 10
    Wang VM, Flatow EL. Pathomechanics of acquired shoulder instability: a basic science perspective. J Shoulder Elbow Surg. 2005;14 1 Suppl. S:2S–11S.
  • 11
    Hovelius L, Eriksson K, Fredin H, Hagberg G, Hussenius A, Lind B, et al. Recurrences after initial dislocation of the shoulder. Results of a prospective study of treatment. J Bone Joint Surg Am. 1983;65(3):343–9.
  • 12
    Rodeo SA, Suzuki K, Yamauchi M, Bhargava M, Warren RF. Analysis of collagen and elastic fibers in shoulder capsule in patients with shoulder instability. Am J Sports Med. 1998;26(5):634–43.
  • 13
    Speer KP, Deng X, Borrero S, Torzilli PA, Altchek DA, Warren RF. Biomechanical evaluation of a simulated Bankart lesion. J Bone Joint Surg Am. 1994;76(12):1819–26.
  • 14
    Bigliani LU, Pollock RG, Soslowsky LJ, Flatow EL, Pawluk RJ, Mow VC. Tensile properties of the inferior glenohumeral ligament. J Orthop Res. 1992;10(2):187–97.
  • 15
    Aboul-Mahasen LM, Sadek SA. Developmental morphological and histological studies on structures of the human fetal shoulder joint. Cells Tissues Organs. 2002;170(1):1–20.
  • 16
    Kaltsas DS. Comparative study of the properties of the shoulder joint capsule with those of other joint capsules. Clin Orthop Relat Res. 1983;(173):20–6.
  • 17
    Van Dijk FS, Cobben JM, Kariminejad A, Maugeri A, Nikkels PG, van Rijn RR, et al. Osteogenesis imperfecta: a review with clinical examples. Mol Syndromol. 2011;2(1):1–20.
  • 18
    Callewaert B, Malfait F, Loeys B, De Paepe A. Ehlers–Danlos syndromes and Marfan syndrome. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2008;22(1):165–89.
  • 19
    Beighton P, Solomon L, Soskolne CL. Articular mobility in an African population. Ann Rheum Dis. 1973;32(5):413–8.
  • 20
    Pfaffl MW. A new mathematical model for relative quantification in real-time RT-PCR. Nucleic Acids Res. 2001;29(9):e45.
  • 21
    Rosenthal R. Meta-analytic procedures for social research. Newbury Park: Sage; 1991.
  • 22
    Birk DE. Type V collagen: heterotypic type I/V collagen interactions in the regulation of fibril assembly. Micron. 2001;32(3):223–37.
  • 23
    Chanut-Delalande H, Fichard A, Bernocco S, Garrone R, Hulmes DJ, Ruggiero F. Control of heterotypic fibril formation by collagen V is determined by chain stoichiometry. J Biol Chem. 2001;276(26):24352–9.
  • 24
    Wenstrup RJ, Florer JB, Davidson JM, Phillips CL, Pfeiffer BJ, Menezes DW, et al. Murine model of the Ehlers–Danlos syndrome. col5a1 haploinsufficiency disrupts collagen fibril assembly at multiple stages. J Biol Chem. 2006;281(18):12888–95.
  • 25
    Mitchell AL, Schwarze U, Jennings JF, Byers PH. Molecular mechanisms of classical Ehlers–Danlos syndrome (EDS). Hum Mutat. 2009;30(6):995–1002.
  • 26
    Hausser I, Anton-Lamprecht I. Differential ultrastructural aberrations of collagen fibrils in Ehlers–Danlos syndrome types I–IV as a means of diagnostics and classification. Hum Genet. 1994;93(4):394–407.
  • 27
    Thomas SC, Matsen 3rd FA. An approach to the repair of avulsion of the glenohumeral ligaments in the management of traumatic anterior glenohumeral instability. J Bone Joint Surg Am. 1989;71(4):506–13.
  • 28
    Leal MF, Chung J, Calcagno DQ, Assumpcao PP, Demachki S, da Silva ID, et al. Differential proteomic analysis of noncardia gastric cancer from individuals of northern Brazil. PLoS ONE. 2012;7(7):e42255.
  • 29
    Khoschnau S, Melhus H, Jacobson A, Rahme H, Bengtsson H, Ribom E, et al. Type I collagen alpha1 Sp1 polymorphism and the risk of cruciate ligament ruptures or shoulder dislocations. Am J Sports Med. 2008;36(12):2432–6.
  • 30
    Collins M, Posthumus M, Schwellnus MP. The COL1A1 gene and acute soft tissue ruptures. Br J Sports Med. 2010;44(14):1063–4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2013
  • Aceito
    21 Out 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br