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Eficiência neuromuscular dos músculos vasto lateral e bíceps femoral em indivíduos com lesão de ligamento cruzado anterior ☆ Trabalho desenvolvido em conjunto pelo Hospital Universitário do Oeste do Paraná (Huop), Laboratório de Pesquisa do Movimento Humano (Lapemh) e Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus de Cascavel, Cascavel, PR, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

Analisar a força e a integral da eletromiografia (IEMG) para obter a eficiência neuromuscular (ENM) dos músculos vasto lateral (VL) e bíceps femoral (BF) em pacientes com lesão de ligamento cruzado anterior (LCA) nas fases pré-operatória e pós-operatória, comparar o membro lesionado nos dois momentos e usar o membro não cirúrgico como controle.

MÉTODOS:

Foi feita a coleta de dados da EMG e da força de BF e VL durante três contrações isométricas máximas nos movimentos de flexão e extensão do joelho. O protocolo de avaliação foi aplicado nos momentos pré e pós-operatório (dois meses após a cirurgia) e obteve-se a ENM dos músculos VL e BF.

RESULTADOS:

Não foi encontrada diferença na ENM do músculo VL entre os momentos pré e pós-cirúrgico. Por outro lado, houve aumento da ENM do BF no membro não cirúrgico dois meses após a cirurgia.

CONCLUSÕES:

A ENM fornece boa estimativa da função muscular por estar diretamente relacionada à força e à capacidade de ativação dos músculos. Entretanto, os resultados apontam que dois meses após o procedimento de reconstrução do LCA, quando normalmente são iniciadas cargas em cadeia cinética aberta nos protocolos de reabilitação, a eficiência neuromuscular do VL e BF ainda não está restabelecida.

Ligamento cruzado anterior; Fadiga muscular; Biomecânica


OBJECTIVE:

To analyze strength and integrated electromyography (IEMG) data in order to determine the neuromuscular efficiency (NME) of the vastus lateralis (VL) and biceps femoris (BF) muscles in patients with anterior cruciate ligament (ACL) injuries, during the preoperative and postoperative periods; and to compare the injured limb at these two times, using the non-operated limb as a control.

METHODS:

EMG data and BF and VL strength data were collected during three maximum isometric contractions in knee flexion and extension movements. The assessment protocol was applied before the operation and two months after the operation, and the NME of the BF and VL muscles was obtained.

RESULTS:

There was no difference in the NME of the VL muscle from before to after the operation. On the other hand, the NME of the BF in the non-operated limb was found to have increased, two months after the surgery.

CONCLUSIONS:

The NME provides a good estimate of muscle function because it is directly related to muscle strength and capacity for activation. However, the results indicated that two months after the ACL reconstruction procedure, at the time when loading in the open kinetic chain within rehabilitation protocols is usually started, the neuromuscular efficiency of the VL and BF had still not been reestablished.

Anterior cruciate ligament; Muscle fatigue; Biomechanics


Introdução

O ligamento cruzado anterior (LCA) é uma das estruturas mais importantes para a estabilização da articulação do joelho e um dos ligamentos mais frequentemente lesionados durante as atividades esportivas.11. Thiele E, Bittencourt L, Osiecki R, Fornaziero AM, Hernadez SG, Nassif PAM, et al. Protocolo de reabilitac¸ão acelerada ap6s reconstruc¸ão de ligamento cruzado anterior-Dados normativos. Rev Col Bras Cir. 2009;36(6):504-8.Produz grande incapacidade para o membro e também problemas em longo prazo, como a osteoartrite.22. Smith HC, Vacek P, Johnson RJ, Slauterbeck JR, Hashemi J, Shultz S, et al. Risk factors for anterior cruciate ligament injury: a review of the literature - Part 1: neuromuscular and anatomic risk. Sports Health. 2012;4(1):69-78. Mesmo após a reconstrução cirúrgica e a reabilitação, podem permanecer déficits significativos relativos, por exemplo, à força muscular dos extensores e flexores do joelho.33. Konishi Y, Fukubavashi T, Takeshita D. Possible mechanism of quadriceps femoris weakness in patients with ruptured anterior cruciate ligament. Med Sci Sports Exerc. 2002;34(9):1414-8.

A fraqueza muscular após a lesão do LCA gera desequilíbrios entre músculos agonistas e antagonistas durante o movimento de flexoextensão do joelho que, frequentemente, dificultam a reabilitação de indivíduos que passaram pelo procedimento de reconstrução de LCA. Assimetrias persistentes na razão de torque entre extensores e flexores do joelho nessa situação mostram quão relevante é a tentativa de identificar e reverter as causas da fraqueza muscular persistente após lesão e reconstrução do LCA.44. Vasconcelos RA, Bevilaqua-Grossi D, Shimano AC, Paccola CAJ, Salvini TF, Prado CL, et al. Analise da correlac¸ão entre pico de torque, desempenho funcional e frouxidão ligamentar em indivíduos normais e com reconstruc¸ão do ligamento cruzado anterior. Rev Bras Ortop. 2009;44(2):134-42.

Diversos fatores devem ser considerados para a recuperação da força flexoextensora do joelho após a lesão do LCA. As principais estão relacionadas à arquitetura muscular e à integridade da origem e da inserção musculares, além da eficácia da atividade neural que chega à placa motora.55. Brasileiro JS, Pinto OM, Ávila MA, Salvini TF. Functional and morphological changes in the quadriceps muscle induced by eccentric training after ACL reconstruction. Rev Bras Fisioter. 2011;15(4):284-90. and 66. Lee D, Ravichandiran K, Jackson K, Fiume E, Agur A. Robust estimation of physiological cross-sectional area and geometric reconstruction for human skeletal muscle. J Biomech. 2012;45(8):1507-13.

Os fatores neurais, particularmente, estão relacionados com a eficácia da ativação das unidades motoras durante a contração muscular. É sabido que quanto maior o número de unidades motoras recrutadas por um estímulo, maior também será a força muscular resultante por ele gerada.77. Lieber RL. Skeletal muscle structure, function and plasticity. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2002. Biomecanicamente, a eficiência neuromuscular é calculada pela relação entre a quantidade de estímulo neural e a capacidade de geração de força de um músculo.88. Tesch PA, Dudley GA, Duvoisin MR, Hather BM, Force Harris RT. EMG signal patterns during repeated bouts of concentric or eccentric muscle actions. Acta Physiol Scand. 1990;138(3):263-71.

Assim, as relações entre momento de força muscular e a integral do sinal de eletromiografia (IEMG), considerada a melhor variável para descrever a intensidade do efeito neuromuscular durante uma atividade muscular mantida, têm sido usadas para estimar a eficiência neuromuscular (ENM),99. Devries AH. Efficiency of electrical activity as a physiological measure of the functional state of muscle tissue. Am J Phys Med. 1968;47(1):10-22. , 10 10. Häkkinen K, Alen M, Kallinen M, Newton RU, Kraemer WJ. Neuromuscular adaptation during prolonged strength training, detraining and re-strength-training in middle-aged and elderly people. Eur J Appl Physiol. 2000;83(1):51-62. and 1111. Hortobagyi T, Barrier J, Beard D, Braspennincx J, Koens P, Devita P, et al. Greater initial adaptations to submaximal muscle lengthening than maximal shortening. J Appl Physiol. 1996;81(4):1677-82. que pode ser interpretada como a capacidade de um indivíduo gerar momento de força em relação ao seu nível de ativação muscular.88. Tesch PA, Dudley GA, Duvoisin MR, Hather BM, Force Harris RT. EMG signal patterns during repeated bouts of concentric or eccentric muscle actions. Acta Physiol Scand. 1990;138(3):263-71. Não obstante, estudos que envolvem arquitetura muscular e análise eletromiográfica têm demonstrado maior facilidade de medição e, principalmente, melhor reprodutibilidade dos resultados nos músculos vasto lateral (VL) e bíceps femoral (BF) em relação aos seus agonistas,1212. Baroni BM, Geremia JM, Rodrigues R, De Azevedo Franke R, Karamanidis K, Vaz MA. Muscle architecture adaptations to knee extensor eccentric training: rectus femoris vs. vastus lateralis. Muscle Nerve. 2013;48(4):498-506. and 1313. Blazevich AJ, Gill ND, Zhou S. Intra- and intermuscular variation in human quadriceps femoris architecture assessed in vivo. J Anat. 2006;209(3):289-310. que os torna representantes adequados do comportamento dos grupos musculares extensor e flexor do joelho, respectivamente.

O retorno às atividades normais ou esportivas após a reconstrução de LCA normalmente ocorre após o sexto mês de pós-operatório.1414. Fukuda TY, Fingerhut D, Moreira VC, Camarini PMF, Scodeller NF, Duarte A, et al. Open kinetic chain exercises in a restricted range of motion after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized controlled clinical trial. Am J Sports Med. 2013;41(4):788-94.Entretanto, em geral é a partir da sexta semana pós-operatória, em protocolos acelerados, e décima segunda semana pós-operatória, em protocolos conservadores, que os pacientes iniciam cargas em cadeia cinética aberta e submetem o LCA a maiores tensões.1414. Fukuda TY, Fingerhut D, Moreira VC, Camarini PMF, Scodeller NF, Duarte A, et al. Open kinetic chain exercises in a restricted range of motion after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized controlled clinical trial. Am J Sports Med. 2013;41(4):788-94. and 1515. Heijne A, Werner S. Early versus late start of open kinetic chain quadriceps exercises after ACL reconstruction with patellar tendon or hamstring grafts: a prospective randomized outcome study. Knee Surgery Sports Traumatol Arthrosc. 2007;15(4):402-14. Apesar disso, não existem muitos dados sobre o estado da eficiência neuromuscular nesse estágio de reabilitação.

Assim, este estudo buscou analisar a força muscular e a IEMG para obter a eficiência neuromuscular dos músculos vasto lateral (VL) e bíceps femoral (BF) em pacientes com lesão de LCA em dois momentos: 1) na fase pré-operatória e 2) na fase pós-operatória, dois meses após o procedimento de reconstrução cirúrgica do LCA.

Materiais e métodos

A amostra foi composta de 12 indivíduos, do sexo masculino, com média de 29,27 ± 6,90 anos, que apresentavam lesão de LCA unilateral e que, após a avaliação pré-operatória, fizeram procedimento cirúrgico para reconstrução do LCA e tratamento fisioterapêutico. O procedimento cirúrgico foi feito pelo mesmo ortopedista com o uso dos tendões dos músculos semitendíneo e grácil como enxerto, fixados no fêmur pelo sistema de Rigidfix(r) e na tíbia com parafuso de interferência absorvível, para todos os indivíduos. O estudo foi aprovado previamente pelo comitê de ética local, conforme parecer 155/2012-CEP (CAAE 06519712.4.0000.0107).

No período pós-operatório os pacientes foram, desde a alta hospitalar até a reavaliação de dois meses, acompanhados por fisioterapeutas especialistas, com sessões periódicas de 60 minutos, duas vezes por semana.

Protocolo de avaliação

O protocolo de avaliação foi feito na fase pré-operatória e dois meses após o procedimento cirúrgico. A coleta dos dados, referentes à força muscular e eletromiografia (EMG), foi feita bilateralmente.

As avaliações de força ocorreram no Laboratório de Pesquisa do Movimento Humano (Lapemh) do Centro de Reabilitação Física (CRF) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), em uma estrutura própria para esse fim, com o sujeito sentado sobre uma mesa extensora alta com o quadril a 90° de flexão e sem que existisse contato entre a fossa poplítea e a mesa e/ou contato dos membros inferiores com o solo. Após o posicionamento adequado, uma célula de carga de 200 kgf acoplada à parede do laboratório foi ajustada ao tornozelo do paciente por meio de uma tornozeleira inextensível, de forma que o vetor de força foi exercido sempre em 0° em relação ao eixo da célula de carga. Nessa posição, em que havia restrição do movimento do joelho, os pacientes eram instruídos a fazer a série de contrações isométricas voluntárias máximas (CIVM).

Durante a execução das CIVM, em extensão e flexão do joelho, a articulação era posicionada a 60° de flexão (0° = extensão total do joelho). A posição do joelho foi determinada com auxílio de um flexímetro e todos os testes foram gravados em uma câmera de vídeo convencional (Panasonic, NV-GS180), posicionada perpendicularmente a 1,5 m de distância alinhada à fossa intercondilar do joelho, para coletar imagens do membro inferior no plano sagital durante as CIVM.

Para determinação do ângulo articular do joelho nas imagens gravadas, antes da realização das contrações foram fixados três marcadores de 5 mm de diâmetro nos membros inferiores: no trocânter maior do fêmur, na linha interarticular do joelho e no maléolo lateral do tornozelo. Os dados de vídeo foram coletados com 30 Hz pelo software VirtualDub v.0.9.11 e para que se pudesse avaliar com precisão a real posição articular foi usado o softwareKinovea (v.0.8.15).

Foram feitas três repetições de CIVM, em cadeia cinética aberta, com manutenção de 5 s de contração e intervalos de 120 s de repouso, em cada sentido do movimento (extensão e flexão). Sempre nas avaliações os pesquisadores forneciam comando verbal de incentivo para estimular os pacientes durante a contração isométrica.

Os dados analógicos referentes à EMG e à força foram obtidos com um sistema de coleta de dados biológicos de 12 canais (BioEMG 1100, Lynx, Brasil), por meio do programa AqDados (LynxAqDados v. 7.2), que tinha ainda um canal com dados de um sistema de sincronismo de luz que também era coletado pela câmera de vídeo, para identificação do momento em que era atingido o pico de força. Como preparação para a coleta dos dados de EMG, a pele foi tricotomizada e posteriormente limpa com álcool 70. A EMG foi coletada com eletrodos de superfície descartáveis posicionados nos ventres dos músculos vasto lateral (VL) e bíceps femoral (BF) em disposição bipolar.

Análise dos dados

Para obtenção dos dados de EMG limitou-se o intervalo de 0,25 s anterior e posterior ao pico de força. Em seguida os sinais foram retificados e filtrados (passa-banda de 10 a 500 Hz, Butterworth de terceira ordem) para obtenção do valor da integral do sinal EMG (IEMG) no domínio do tempo no intervalo de 0,5 s; dos sinais dos músculos VL e BF, apenas da CIVM em que houve o maior pico de força isométrica, em extensão e em flexão do joelho. O tratamento dos sinais coletados foi feito em ambiente MatLab(r) (Mathworks, EUA).

Os dados obtidos referentes à força muscular foram normalizados, a fim de que se pudesse obter uma projeção matemática mais fiel da força exercida individualmente pelos músculos VL e BF. Para tanto, foi empregado o critério da porcentagem de contribuição equivalente daqueles músculos, em relação ao total da área de secção transversa fisiológica (ASTF) de seus respectivos grupos musculares. Dessa forma, foi usada a proporção de 36% para o VL e de 40% para o BF e adotado como base todo o grupo muscular extensor e flexor do joelho como 100%, respectivamente. Essas porcentagens seguem o padrão descrito em um estudo in vivo no qual os indivíduos da amostra apresentavam idade média, altura e peso similares aos padrões dos pacientes selecionados nesta amostra. 16Posteriormente, a força muscular foi dividida para se obter 50% da CIVM e o cálculo da ENM dos músculos VL e BF foi feito pela razão entre [Força/IEMG], a 50% da contração muscular voluntária máxima. Esse conceito parte do pressuposto de que em contrações submáximas de até 50%, a relação força vs. EMG é constante. 1717. De Luca GC. The use of surface electromyography in biomechanics. J Appl Biomech. 1997;13(2):135-63.

Análise estatística

Para a análise estatística foi usado o teste Shapiro-Wilk para identificação de normalidade das variáveis. O teste t de Student independente foi usado para identificação das diferenças de força, IEMG e ENM entre os membros lesados e não lesados e o teste t de Student pareado para a comparação das variáveis entre os momentos pré e pós-operatório (dois meses após o procedimento cirúrgico). Foi estabelecido como limite de significância p = 0,05.

Resultados

Na avaliação das imagens gravadas durante as CIMV, não foram encontradas diferenças significativas entre os joelhos operados e não operados nos momentos pré e pós-operatórios em relação ao posicionamento durante a realização das CIVM em extensão e em flexão (tabela 1).

Tabela 1 -
Média e desvio padrão do ângulo articular do joelho, gravadas durante as CIVM nas fases pré e pós-cirúrgica. Não foram encontradas diferenças significativas

Quando se tomou como referência o movimento de flexão do joelho, na comparação dos momentos pré e pós-cirúrgico, evidenciou-se que o membro que sofreu a reparação cirúrgica teve diminuição significativa da IEMG e da força muscular do BF (tabela 2 a,b). Por outro lado, no membro não cirúrgico, enquanto a IEMG diminuiu, a magnitude da força do BF foi mantida (tabela 2c).

Tabela 2 -
Médias e desvios padrão da integral da eletromiografia (IEMG) em mV/seg. e da estimativa de força em kgf exercida pelo BF e VL durante a flexão e extensão do joelho, respectivamente

Para o músculo VL, quando comparados os dois momentos, apesar de o membro operado apresentar diminuição da força muscular após a reconstrução do LCA (tabela 2d), a magnitude da IEMG não se alterou. Com relação ao membro não operado, não foram encontradas quaisquer diferenças quando comparados os momentos pré e pós-cirúrgico.

Tanto na fase pré como na pós-operatória, a força dos músculos BF e VL estava diminuída no membro operado na comparação entre os membros (tabela 2e-h).

Foi identificado aumento da ENM do BF do membro não operado na comparação dos momentos pré e pós-cirúrgico (fig. 1). Além disso, foi possível identificar o aumento da ENM do BF do membro não operado comparado ao membro operado na avaliação após dois meses. Entretanto, nenhuma diferença relacionada à ENM do VL foi encontrada.

Figura 1 -
Médias e desvios padrão da eficiência neuromuscular (ENM) dos músculos BF e VL nos dois momentos estudados.Os asteriscos representam as diferenças significativas encontradas (*p < 0,05).

Discussão

A eficiência neuromuscular está relacionada à ativação de fibras musculares e à produção de força, gerada por um determinado músculo. Sendo assim, é considerado mais eficiente aquele indivíduo capaz de produzir a maior força muscular com a menor magnitude de ativação das fibras musculares.1818. Deschenes MR, Giles JA, McCoy RW, Volek JS, Gomez AL, Kraemer WJ. Neural factors account for strength decrements observed after short-term muscle unloading. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2002;28(2):R578-83.Neste estudo buscou-se mensurar a força muscular e a IEMG, para se obter a eficiência neuromuscular dos músculos VL e BF, em pacientes com lesão de LCA, na fase pré-operatória e na fase pós-operatória.

Após o procedimento cirúrgico o paciente pode ter a tendência de proteger o membro operado, restringir o movimento e diminuir a descarga do peso sobre ele. Isso pode levar à atrofia e à fraqueza da musculatura anterior e posterior da coxa. Gerber et al.1919. Gerber JP, Marcus RL, Dibble LE, Greis PE, Burks RT, LaStayo PC. Effects of early progressive eccentric exercise on muscle structure after anterior cruciate ligament reconstruction. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(3):559-70. observaram atrofia e a diminuição de força muscular do quadríceps e do bíceps femoral de 20% e 30%, respectivamente, três meses após a reconstrução do LCA, apesar de os pacientes estarem em processo de reabilitação. Esses dados corroboram os achados do presente estudo, com relação à força e IEMG do músculo BF do membro cirúrgico, pois foi observada a diminuição da força e do recrutamento neural após o procedimento cirúrgico, possivelmente em virtude de que na avaliação pós-operatória, feita dois meses após a reconstrução cirúrgica do ligamento, a articulação, ainda em processo de cicatrização, apresentava fraqueza e inibição muscular.

Para o membro não operado, quando comparados os dados do pré com o pós-operatório, verificou-se que também houve diminuição da atividade elétrica (IEMG) do músculo BF, entretanto sem alteração da força muscular. Apesar de a metodologia empregada não permitir a mensuração direta, supõe-se que esse resultado se deva ao efeito aprendizado causado pela feitura dos testes e também por causa do grande uso do membro contralateral à lesão após o procedimento cirúrgico, uma vez que os pacientes apresentam, em geral, receio de fazer força, descarregar peso e movimentar o membro cirúrgico após o procedimento.2020. Chmielewski TL, Jones D, Day T, Tillman SM, Lentz TA, George SZ. The association of pain and fear of movement/reinjury with function during anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. J Orthop Sports Phys Ther. 2008;38(12):746-53. Além disso, a diminuição da IEMG sem alteração da força foi responsável pelo aumento da ENM do BF. Esse efeito está, provavelmente, relacionado à demanda muscular do membro contralateral gerada pelo excesso de uso.

No entanto, o mesmo não se demonstrou válido para o músculo VL, uma vez que não foram encontradas quaisquer diferenças nas variáveis estudadas. Esse dado, de certa forma, denota que o músculo VL do lado não operado não sofreu grande influência do procedimento cirúrgico e do processo fisioterapêutico de reabilitação.

É importante salientar que o enxerto usado, semitendíneo e grácil, é o mais comumente usado no Brasil. Entretanto, aparentemente não apresenta resultados funcionais diferentes da porção média do tendão patelar.2121. Arliani GG, Astur DC, Kanas M, Kaleka CC, Cohen M. Lesão do ligamento cruzado anterior: tratamento e reabilitac¸ão. Perspectivas e tendências atuais. Rev Bras Ortop. 2012;47(2):191-6.

A produção de força muscular é dependente do ângulo articular conforme a relação força-comprimento. No joelho, especificamente, está bem estabelecido que o ângulo ótimo de produção de força é próximo de 60°.2222. Duffell LD, Dharni H, Strutton PH, McGregor AH. Electromyographic activity of the quadriceps components during the final degrees of knee extension. J Back Musculoskelet Rehabil. 2011;24(4):215-23.A partir das imagens gravadas durante a execução das CIVM, foi possível garantir que não foi detectada diferença significativa entre os ângulos articulares, tanto em relação ao movimento como ao período pré e pós cirúrgico.

Alterações neuromusculares após uma lesão representam um estado clínico complexo, que pode se manifestar com a presença de inibição muscular na musculatura ilesa em torno da articulação comprometida.2323. Palmieri RM, Ingersoll CD, Hoffman MA, Cordova ML, Porter DA, Edwards JE, et al. Arthrogenic muscle response to a simulated ankle joint effusion. Br J Sports Med. 2004;38(1):26-30. Essa resposta neural tem duas grandes finalidades fisiológicas: (1) diminuir a carga em torno da articulação lesionada, para promover uma proteção contra novas lesões,2424. Hurley MV. The effects of joint damage on muscle function, proprioception, and rehabilitation. Man Ther. 1997;2(1):11-7. e (2) fornecer estratégias motoras compensatórias, a fim de manter as funções do membro na presença da inibição muscular.2525. Hopkins JT, Ingersoll CD, Krause BA, Edwards JE, Cordova ML. Effect of knee joint effusion on quadriceps and soleus motoneuron pool excitability. Med Sci Sports Exerc. 2001;33(1):123-6.

Esses argumentos poderiam explicar os dados encontrados no presente estudo com relação à comparação feita entre a fase pré e pós-operatória, no que se refere ao músculo VL do membro operado, que remetem à diminuição de força muscular, sem alterações significativas para a IEMG. Possivelmente esse resultado se deve à presença de inibição muscular, com o objetivo de poupar a articulação e evitar uma lesão recidivante precoce.2626. Rice DA, McNair PJ. Quadriceps arthrogenic muscle inhibition: neural mechanisms and treatment perspectives. Semin Arthritis Rheum. 2010;40(3):250-66.

Igualmente, é notório que a lesão do LCA está associada com o pobre controle neuromuscular, o que leva à diminuição da informação proprioceptiva em função da alteração da eficiência dos mecanoceptores responsáveis pelo controle neuromuscular,2727. Bonsfills N, G6mez-Barrena E, Raygoza JJ, Núñ ez A. Loss of neuromuscular control related to motion in the acutely ACL-injured knee: an experimental study. Eur J Appl Physiol. 2008;104(3):567-77. à perturbação do sistema somatossensorial2828. Courtney C, Rine RM, Kroll P. Central somato sensory changes and altered muscles energies in subjects with anterior cruciate ligament deficiency. Gait Posture. 2005;22(1):69-74. e à diminuição da ativação e da força muscular.2929. Ingersoll CD, Grindstaff TL, Pietrosimone BG, Hart JM. Neuromuscular consequences of anterior cruciate ligament injury. Clin Sports Med. 2008;27(3):383-404. Segundo Hewett et al.,3030. Hewett TE, Di Stasi SL, Myer GD. Current concepts for injury prevention in athletes after anterior cruciate ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2013;41(1):216-24. a coativação coordenada dos isquiotibiais e quadríceps tem um importante papel na diminuição do risco de lesão primária e esse equilíbrio agonista-antagonista pode proteger o joelho contra lesões recidivas do LCA reconstruído. Esses dados são indícios fisiopatológicos que justificariam os achados no presente estudo no que se refere à comparação entre o membro com lesão de LCA e o membro são.

Como o presente estudo só fez a avaliação pós-operatória dois meses após o procedimento cirúrgico, o membro ainda estava em processo de recuperação, o que foi comprovado com a menor força muscular encontrada na comparação entre os membros analisados. A opção pela avaliação dois meses após o procedimento cirúrgico ocorreu no sentido de se obterem indícios do estado de eficiência neuromuscular desses grupos musculares no momento em que a maioria dos protocolos de reabilitação, em média, inicia o procedimento de exercícios em cadeia cinética aberta.1414. Fukuda TY, Fingerhut D, Moreira VC, Camarini PMF, Scodeller NF, Duarte A, et al. Open kinetic chain exercises in a restricted range of motion after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized controlled clinical trial. Am J Sports Med. 2013;41(4):788-94. and 1515. Heijne A, Werner S. Early versus late start of open kinetic chain quadriceps exercises after ACL reconstruction with patellar tendon or hamstring grafts: a prospective randomized outcome study. Knee Surgery Sports Traumatol Arthrosc. 2007;15(4):402-14. Entretanto, uma limitação do estudo é justamente a não avaliação dos sujeitos após seis meses, o que aconteceu por causa da grande evasão ocorrida após dois meses de tratamento. Recomenda-se, contudo, que estudos futuros possam avaliar as condições da ENM após esse período.

Por fim, os resultados descritos reforçam a complexidade do processo de recuperação funcional da articulação do joelho submetida à reconstrução e reabilitação do LCA e a necessidade de se estar atento à recuperação da eficiência neuromuscular dos músculos envolvidos na articulação antes de se retomarem atividades mais vigorosas que possam levar à recidiva da lesão ligamentar.

Conclusão

Houve aumento da ENM do músculo BF no membro não operado, dois meses após a cirurgia. Na comparação entre membros, o BF o lado não operado estava mais eficiente na fase pós-cirúrgica. Não foram encontradas diferenças na ENM do músculo VL.

Os dados força, atividade eletromiográfica e eficiência neuromuscular evidenciam assimetrias entre os membros dois meses após a cirurgia de reconstrução de LCA. Assim, o joelho operado ainda não está apto para as atividades normais ou esportivas. Além disso, vale ressaltar a atenção especial necessária por volta do segundo mês após a cirurgia, durante o processo de reabilitação, no que se refere ao início da fase com cargas em cadeia cinética aberta, uma vez que o membro ainda persiste com diminuída eficiência neuromuscular.

Agradecimentos

À Unioeste e à Fundação Araucária pela bolsa de iniciação científica.

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  • ☆ Trabalho desenvolvido em conjunto pelo Hospital Universitário do Oeste do Paraná (Huop), Laboratório de Pesquisa do Movimento Humano (Lapemh) e Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus de Cascavel, Cascavel, PR, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2013
  • Aceito
    11 Mar 2014
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