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Lipoma arborescens do cotovelo: um caso com características de tumor de alto grau Trabalho desenvolvido no A. C. Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

O lipoma arborescens (LA) é uma doença não neoplásica incomum que pode afetar quase todas as articulações, principalmente o joelho. O LA é muito raro no cotovelo e há apenas alguns casos relatados na literatura. O objetivo deste estudo é descrever um caso de LA no cotovelo que apresentava características de tumor de alto grau. Os autores relatam o caso de um homem de 51 anos que se apresentou à instituição com dor e inchaço no cotovelo esquerdo. O paciente tinha sete anos de história de investigação com diagnóstico inconclusivo. As características da ressonância magnética (RM) mostraram uma massa expansiva com agressividade local. Devido a essas características, não foi possível descartar sarcoma de tecido mole no diagnóstico diferencial. Após a biópsia e uma reunião de equipe multidisciplinar, optou-se pela ressecção cirúrgica. O resultado anatomopatológico final confirmou o diagnóstico de LA. Mesmo que não seja uma neoplasia verdadeira, o LA pode causar muitos sintomas com comprometimento funcional da articulação afetada. É importante ter em mente esse diagnóstico quando qualquer massa expansiva em torno de uma articulação for observada.

Palavras-chave:
Lipoma; Articulação do cotovelo; Imagem por ressonância magnética

ABSTRACT

Lipoma arborescens (LA) is an uncommon non-neoplastic disorder that may affect almost any joint, mainly the knee. LA is very rare in the elbow, and there are only a few cases reported in the literature. This study aimed to describe a case of LA in the elbow, presenting with features of a high-grade tumor. The authors report the case of a 51-years-old male who presented to this institution with pain and swelling on the left elbow. The patient had a seven-year history of investigation, with inconclusive diagnosis. Magnetic resonance imaging (MRI) showed an expansive mass with local aggressiveness. Due to these characteristics, it was not possible to discard soft tissue sarcoma at the differential diagnosis. After biopsy and a multidisciplinary team meeting, the authors opted for surgical resection. The final anatomopathological result confirmed the diagnosis of LA. Despite not being a true neoplasm, LA can cause many symptoms and functional impairment of the affected joint. It is important to keep this diagnosis in mind when any expansive mass surrounding a joint is observed.

Keywords:
Lipoma; Elbow joint; Magnetic resonance imaging

Introdução

O lipoma arborescens (LA) é um raro processo proliferativo não infeccioso das articulações sinoviais, bursas e bainhas tendinosas. Ele é caracterizado por uma proliferação hiperplástica de células adiposas maduras, que dá origem a uma proliferação sinovial vilosa. O termo “arborescens” deriva do fato de que tais células de gordura substituem as camadas subsinoviais, dão à sinóvia um aspecto parecido com uma árvore ou folhagem. A etiologia exata do LA ainda não foi descoberta, mas é provável que seja uma resposta inespecífica à lesão articular e inflamação sinovial, e não uma neoplasia.11 Van Landeghem A, Arys B, Heyse C, Peters N, Huysse W. Lipoma arborescens. JBR-BTR. 2013;96(4):254-5.,22 Sanamandra SK, Ong KO. Lipoma arborescens. Singapore Med J. 2014;55(1):5-10.

O LA geralmente é monoarticular e ocorre com maior frequência no joelho, particularmente no recesso suprapatelar. Ele raramente afeta o cotovelo; apenas alguns casos foram relatados na literatura.33 Le Corroller T, Gaubert JY, Champsaur P, Gravier R, Airaudi S, Argenson JN. Lipoma arborescens in the bicipitoradial bursa of the elbow: sonographic findings. J Ultrasound Med. 2011;30(1):116-8.

4 Ranganath K, Rao GB. Lipoma arborescens of the elbow. Indian J Radiol Imaging. 2010;20(1):50-2.

5 Doyle AJ, Miller MV, French JG. Lipoma arborescens in the bicipital bursa of the elbow: MRI findings in two cases. Skeletal Radiol. 2002;31(11):656-60.

6 Levadoux M, Gadea J, Flandrin P, Carlos E, Aswad R, Panuel M. Lipoma arborescens of the elbow: a case report. J Hand Surg Am. 2000;25(3):580-4.
-77 Dinauer P, Bojescul JA, Kaplan KJ, Litts C. Bilateral lipoma arborescens of the bicipitoradial bursa. Skeletal Radiol. 2002;31(11):661-5. Observa-se uma prevalência ligeiramente maior em homens e pode ocorrer em qualquer idade, embora seja mais comum após os 40 anos.44 Ranganath K, Rao GB. Lipoma arborescens of the elbow. Indian J Radiol Imaging. 2010;20(1):50-2. Pode envolver localizações extra-articulares, tais como bainhas tendinosas sinoviais e as bursas bicipitoradial e subdeltoide.

O estudo teve como objetivo descrever um caso de LA no cotovelo que apresentou características de um tumor de alto grau.

Relato de caso

Um homem de 51 anos, com queixa de inchaço do cotovelo esquerdo e antebraço por quase sete anos, reportou dor progressiva e déficit motor no bíceps, nos flexores digitais e no punho. O paciente não tinha antecedentes de trauma ou problemas nas articulações. O exame físico revelou inchaço do terço proximal do antebraço esquerdo, com edema discreto na mão esquerda. A palpação do inchaço foi dolorosa.

As radiografias-padrão estavam normais. A ressonância magnética do cotovelo esquerdo indicou massa sólida expansiva na fossa antecubital. As margens foram parcialmente definidas, com proliferação de gordura em T1WI, alta intensidade de sinal em T2WI/STIR e aumento heterogêneo após injeção de gadolínio (fig. 1). A massa envolvia os músculos supinador e pronador, estava diretamente relacionada à bainha tendinosa do bíceps e aos vasos braquiais; ela se localizava próxima aos nervos medianos e radiais. Ela se estendia em direção à tuberosidade radial, mostrava irregularidades corticais e alta intensidade de sinal intramedular.

Figura 1
Ressonância magnética do cotovelo que indicando massa mal definida na porção distal do tendão bicipital associada à proliferação de gordura na bursa bicipitoradial e erosão da tuberosidade radial com edema sutil da medula óssea. (A) Imagem axial em FSE T1; (B) imagem axial em T2 SPAIR; (C) imagem axial em T1 após contraste; (D) imagem coronal em T1; (E) imagem coronal em T2 SPAIR.

Ao longo desses sete anos, o paciente foi submetido a duas biópsias, com resultados inconclusivos. Portanto, foi feita uma biópsia percutânea de agulha grossa guiada por ultrassom. A avaliação histológica revelou um processo lipomatoso benigno e maduro que cobria o tecido conjuntivo subsinovial, coberto focalmente por células sinoviais. Observaram-se focos dispersos de células inflamatórias crônicas que levaram ao diagnóstico de LA (fig. 2).

Figura 2
(A) Histologicamente, a biópsia apresentou nódulos bem definidos de tecido adiposo maduro que se expandia em direção à sinóvia; (B) a superfície dos nódulos era vilosa e coberta por sinoviócitos.

Devido a esses achados discordantes (agressividade local na ressonância magnética e lesão benigna no exame patológico), o caso foi discutido por uma equipe multidisciplinar; optou-se por ressecção cirúrgica para esclarecimento do diagnóstico.

Na cirurgia, a lesão apresentou-se como uma massa mole com contornos mal definidos, fibrose e com adesão aos feixes neuromusculares (fig. 3). Para ressecar o tumor, foi necessário fazer neurólise dos nervos radiais e medianos e sutura de alguns ramos braquiais, sem déficit funcional.

Figura 3
Imagens intraoperatórias antes (A) e após (B) a dissecção do tumor. 1, nervo radial; 2, artéria braquial; 3, músculo supinador; 4, tendão do bíceps braquial; 5, tumor; 6, leito tumoral após ressecção.

Histologicamente, a amostra apresentou tecido sinovial com uma arquitetura vilosa. O estroma havia sido substituído por vários nódulos de tecido adiposo maduro e agregados linfoides nodulares e fibrose dispersos. O diagnóstico de LA foi confirmado (fig. 4).

Figura 4
(A) O exame microscópico do espécime cirúrgico revelou lesão multilobulada composta de nódulos de tecido adiposo em combinação com fibrose focal e inflamação crônica; (B) os sinoviócitos na superfície dos nódulos permitiram a identificação de uma lesão sinovial proliferativa repleta de adipócitos típicos dentro do estroma, o que confirmou o diagnóstico de lipoma arborescens.

Discussão

O LA também é conhecido como proliferação lipomatosa vilosa da membrana sinovial, o que destaca sua natureza não neoplásica.77 Dinauer P, Bojescul JA, Kaplan KJ, Litts C. Bilateral lipoma arborescens of the bicipitoradial bursa. Skeletal Radiol. 2002;31(11):661-5. Não há relato de células malignas nos tecidos adiposo ou sinovial de pacientes com LA.

O diagnóstico é desafiador, uma vez que pode imitar outras massas articulares (por exemplo, lesões proliferativas sinoviais não infecciosas, doenças granulomatosas infecciosas, doenças deposicionais das articulações ou massas articulares de origem neoplásica e vascular). Osteocondromatose sinovial, sinovite vilonodular pigmentada (SVNP), artrite reumatoide, artrite tuberculosa e artropatia causada pela gota são os diagnósticos diferenciais mais comuns.22 Sanamandra SK, Ong KO. Lipoma arborescens. Singapore Med J. 2014;55(1):5-10.

Existem poucos relatos sobre as características imagiológicas do LA. Uma vez que as imagens se correlacionam com a histopatologia, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada podem ajudar a estabelecer um diagnóstico conclusivo. O revestimento sinovial de uma articulação ou bursa afetada apresenta múltiplas vilosidades de gordura na ressonância magnética e na tomografia computadorizada. Essas vilosidades de gordura estendem-se em direção ao derrame associado da bursa ou das articulações.77 Dinauer P, Bojescul JA, Kaplan KJ, Litts C. Bilateral lipoma arborescens of the bicipitoradial bursa. Skeletal Radiol. 2002;31(11):661-5. A ressonância magnética é a modalidade de escolha para o diagnóstico, que indica uma massa sinovial vilosa com arquitetura semelhante a árvores, hiperintensiva em T1WI e T2WI, sem aumento significativo. Na ressonância magnética, um artefato de desvio químico potencial pode ser observado na interface das vilosidades adiposas e do fluido adjacente.

No caso apresentado, a lesão do paciente apresentou sinais de agressividade local, tais como destruição cortical e infiltração aparente das estruturas adjacentes, o que dificultou a diferenciação da malignidade. Como a avaliação patológica do espécime cirúrgico não evidenciou células malignas, os autores sugerem um processo degenerativo mecânico como justificativa para esses achados.

O LA é tipicamente observado no revestimento sinovial; entretanto, bursas adjacentes a uma articulação também podem ser afetadas. Por exemplo, o envolvimento da bursa subacromial-subdeltoide do ombro foi relatado em associação com ruptura e bursite do manguito rotador.88 Benegas E, Ferreira Neto AA, Teodoro DS, Silva MVM, Oliveira AM, Filippi RZ, et al. Lipoma arborescens: rare case of rotator cuff tear associated with the presence of lipoma arborescens in the subacromial-subdeltoid and glenohumeral bursa. Rev Bras Ortop. 2012;(47):517-20.

Embora a osteoartrite não seja uma causa para o desenvolvimento de LA, muitos estudos correlacionam essa enfermidade com osteoartrite precoce da articulação afetada. Tais estudos sugerem que lesões mecânicas repetidas causam derrame e espessamento da sinóvia proliferada, o que pode causar osteoartrite. A depender da duração dos sintomas, as alterações degenerativas podem ser mais graves; portanto, alguns autores recomendam tratamento cirúrgico em todos os casos, com o objetivo de evitar essa complicação.99 Natera L, Gelber PE, Erquicia JI, Monllau JC. Primary lipoma arborescens of the knee may involve the development of early osteoarthritis if prompt synovectomy is not performed. J Orthop Traumatol. 2015;(16):47-53.

O tratamento do LA depende das manifestações clínicas. É uma doença não dolorosa que não requer tratamento agressivo. O tratamento padrão é intervenção aberta ou artroscópica com sinovectomia e a recorrência é pouco comum. A cirurgia geralmente proporciona um alívio adequado da dor e do inchaço.11 Van Landeghem A, Arys B, Heyse C, Peters N, Huysse W. Lipoma arborescens. JBR-BTR. 2013;96(4):254-5. Alguns estudos relatam o uso de injeção local de radionuclídeos, a chamada sinovectomia de radiação. Três radionuclídeos podem ser usados: Ítrio-90 (silicato/citrato Y-90), Rhenium-186 (Re-186 sulfureto) e Erbium-169 (citrato Er-169). O Y-90 é frequentemente o radionuclídeo de escolha e tem uma penetração ideal na sinóvia.1010 O'Doherty J, Clauss R, Scuffham J, Khan A. Lipoma arborescens successfully treated with (90)Y synovectomy. Clin Nucl Med. 2014;(39):e187-9.

Conclusão: embora o LA seja incomum, ele deve ser levado em consideração durante o diagnóstico diferencial de massas sinoviais, mesmo que haja sinal de agressividade local. A ressonância magnética ajuda a diferenciar o LA de outras lesões articulares. Radiologistas e cirurgiões ortopedistas devem estar cientes de suas características radiológicas para identificar essa enfermidade e evitar erros de diagnóstico.

  • Trabalho desenvolvido no A. C. Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2016
  • Aceito
    3 Mar 2017
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