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O que nos leva a aceitar essa forma de trabalhar? Talvez o prazer de exercer a medicina!

A nossa atividade profissional tem um lado de satisfação e prazer, que é o exercício da nossa especialidade: operar, fazer diagnóstico, avaliar resultados. A ortopedia é uma especialidade de diagnósticos objetivos e tratamentos que, em geral, trazem resultados favoráveis na análise dos pacientes.

A remuneração do nosso trabalho é o nosso grande problema, somos muito mal remunerados quando comparados a outros profissionais e assumimos uma responsabilidade que não tem par em qualquer outra atividade. A desvalorização do ato médico é absurda em todos os sentidos, é até estranho que a sociedade aceite essa situação.

Perante os pacientes há certa aura de dignidade na atividade do médico que torna a remuneração algo questionável. Sempre surge a pergunta: "Mas se não tiver dinheiro a pessoa fica com a doença?"

A maioria das profissões liberais tem sua remuneração relacionada ao custo do trabalho; assim trabalham arquitetos, engenheiros e advogados, que cobram seus honorários baseados em percentuais do custo do trabalho a ser executado. Se o médico recebesse um percentual da conta hospitalar, essa atitude seria considerada indigna.

O que nos leva a aceitar essa forma de trabalhar? Talvez o prazer de exercer a medicina.

Paralela a essa atividade complexa de atender pacientes, tratá-los e ser remunerado de forma inadequada, temos a de educação continuada nos congressos, nas jornadas, leituras e hoje transmissões via internet, que sem dúvida alguma é uma atividade intensa, que consome muito tempo, mas agradável.

Nessa atividade a nossa vocação de trabalhar por pouco dinheiro ou pagar para aprender atinge o seu ápice.

Fazer cursos, estágios, assistir a congressos, fazer uma apresentação, participar de um exame, escrever ou revisar um trabalho, gravar um vídeo são atividades muito desgastantes e, em alguns casos, dispendiosas, feitas sem remuneração e muito disputadas em certas ocasiões.

O Exame de Obtenção do Título de Especialista em Ortopedia e Traumatologia (TEOT) tem mais de 300 examinadores,

que se deslocam para Campinas e por três dias avaliam os possíveis novos colegas. Nem considerei os organizadores e os membros e ex-membros da Comissão de Ensino e Treinamento (CET), que passam o ano na montagem do exame.

No Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia (CBOT) temos 300 a 400 participantes que dão aulas, organizam salas, orientam trabalhos. Mais uma vez não considerei os organizadores, colegas da cidade que recebe o congresso e da CEC, que passam anos na organização do encontro.

Se considerarmos os congressos regionais e das especialidades, esse número de colegas que trabalham sem remuneração e com algum prejuízo duplica ou mesmo triplica.

A RBO, a partir dos últimos cinco anos, teve mais de 900 trabalhos analisados, sem contar os rejeitados. Se considerarmos três autores por trabalho e dois avaliadores, tivemos mais de 4.500 colegas envolvidos em nossas publicações, só na RBO, sem considerar as outras revistas.

Sem dúvida há um número expressivo de colegas que fazem várias dessas atividades de forma simultânea, mas mesmo assim, se considerarmos por atividade não remunerada, o número chama a atenção.

A maioria dos sócios da SBOT tem grande satisfação ao fazer essas tarefas, as quais, além de não ser pagas, geram despesas.

O que nos leva a aceitar essa forma de trabalhar? Talvez o prazer de exercer a medicina.

Em certos casos a atividade de educação médica é financiada por algum dos fornecedores de material ou mesmo pela indústria farmacêutica, o que minimiza o prejuízo do custo do aprimoramento profissional. Inscrições em congressos, viagens de aperfeiçoamento, auxílio a publicações, patrocínio de fóruns de discussão científica e de congressos são contribuições sem as quais essas atividades não seriam viáveis para um grande número de colegas.

O New England Journal of Medicine publica na sua edição de maio de 2013 um artigo chamado "The Sunshine Act-effects on Physicians", no qual comenta uma nova lei americana que obriga o médico a expor em um site público qualquer tipo de auxílio que supere 10 dólares. A lei sugere fortemente que esses auxílios, seja para o que for, são desonestos. O médico será considerado indigno e deverá expor publicamente o valor de sua indignidade.

Essa é a análise e a avaliação de uma sociedade que coloca o consumo acima de qualquer regra, mas condena a subvenção da educação médica, sem falar na remuneração do médico pelos serviços de consultoria às empresas que militam na área da saúde. Até o povo, que vive dos descontos, das liquidações fantásticas, que venera o dinheiro acima de qualquer valor, vê o médico como um profissional que deve viver sem auxílio para as suas atividades acadêmicas de atualização.

Segundo essa visão, devemos nos aprimorar sempre, pois somos julgados severamente quando erramos, mas nunca aceitar qualquer forma de auxílio financeiro a esse nosso programa de aperfeiçoamento.

A esse conjunto de regras, formado pela baixíssima remuneração do ato médico, pelo baixíssimo salário e pela abdicação de qualquer auxílio externo, chamam de dignidade do médico.

O que nos leva a aceitar essa forma de trabalhar? Talvez o prazer de exercer a medicina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Aceito
    04 Abr 2014
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