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Déficit proprioceptivo em pacientes com ruptura total do ligamento cruzado anterior Trabalho desenvolvido na Divisão de Pesquisa do Laboratório de Pesquisa Neuromuscular, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Investigar, por meio do teste de reprodução da força, a existência de déficits proprioceptivos entre o membro lesionado e o não lesionado (i.e., contralateral normal) em indivíduos que tenham sofrido ruptura total de LCA.

Métodos:

Participaram do estudo 16 pacientes com ruptura total do LCA. Foi feito o teste de força voluntária máxima isométrica (FVIM) e reprodução da força muscular no membro com ruptura total do LCA e contralateral saudável, com joelho a 60° de flexão. Foi usada a intensidade-meta para o procedimento de 20% da FVMI. O desempenho proprioceptivo foi determinado por meio dos valores de erro absoluto (EA), erro variável (EV) e erro constante (EC).

Resultados:

Diferenças significativas foram encontradas entre os grupos controle e LCA para as variáveis erro absoluto (p = 0,05) e erro constante (p = 0,01). Não foi encontrada diferença para o erro variável (p = 0,83).

Conclusão:

Nossos dados corroboram a hipótese de existência de déficit proprioceptivo em sujeitos com ruptura total de LCA em um membro lesionado quando comparado com o não lesionado durante a avaliação do senso da força. Esse déficit pode ser explicado por uma perda total ou parcial dos mecanorreceptores do LCA.

Ligamento cruzado anterior; Propriocepção; Joelho


Objective:

To investigate the existence of proprioceptive deficits between the injured limb and the uninjured (i.e. contralateral normal) limb, in individuals who suffered complete tearing of the anterior cruciate ligament (ACL), using a strength reproduction test.

Methods:

Sixteen patients with complete tearing of the ACL participated in the study. A voluntary maximum isometric strength test was performed, with reproduction of the muscle strength in the limb with complete tearing of the ACL and the healthy contralateral limb, with the knee flexed at 60°. The meta-intensity was used for the procedure of 20% of the voluntary maximum isometric strength. The proprioceptive performance was determined by means of absolute error, variable error and constant error values.

Results:

Significant differences were found between the control group and ACL group for the variables of absolute error (p = 0.05) and constant error (p = 0.01). No difference was found in relation to variable error (p = 0.83).

Conclusion:

Our data corroborate the hypothesis that there is a proprioceptive deficit in subjects with complete tearing of the ACL in an injured limb, in comparison with the uninjured limb, during evaluation of the sense of strength. This deficit can be explained in terms of partial or total loss of the mechanoreceptors of the ACL.

Anterior cruciate ligament; Proprioception; Knee


Introdução

A propriocepção é definida como a capacidade consciente de perceber a posição, o movimento e as forças impostas e produzidas pelos seguimentos corporais11. Lephart SM, Pincivero DM, Rozzi SL. Proprioception of the ankle and knee. Sports Med. 1998;25(3):149–55. e tem papel crucial na estabilidade articular e nos controles postural e motor.22. Riemann BL, Lephart SM. The sensorimotor system, part I: the physiologic basis of functional joint stability. J Athl Train. 2002;37(1):71–9.,33. Riemann BL, Lephart SM. The sensorimotor system, part II: the role of proprioception in motor controland functional joint stability. J Athl Train. 2002;37(1):80–4. Portanto, é essencial para o funcionamento adequado das estruturas articulares durante as atividades do cotidiano e a prática de esportes.44. Safran MR, Borsa PA, Lephart SC, Fu FH, Warner JJ. Shoulder proprioception in baseball pitchers. J Shoulder Elbow Surg. 2001;10(5):438–43. As principais formas de avaliação da propriocepção são o teste do senso de posição articular (SPA),55. Riemann BL, Myers JB, Lephart SM. Sensorimotor system measurement techniques. J Athl Train. 2002;37(1):85–98. o limiar de percepção do movimento passivo55. Riemann BL, Myers JB, Lephart SM. Sensorimotor system measurement techniques. J Athl Train. 2002;37(1):85–98.77. Salles JI, Alves H, Amaral MV, Cagy M, Cunha-Cruz V, Piedade R, et al. Study of proprioceptive function in professional volleyball athletes with atrophy of the infraspinatus. Br J Sports Med. 2011;45:535. e o senso da força.88. Costello JT, Algar LA, Donnelly AE. Effects of whole-body cryotherapy (−110 °C) on proprioception and indices of muscle damage. Scand J Med Sci Sports. 2011;22(2):1–9.,99. Simon AM, Ferris DP. Lower limb force production and bilateral force asymmetries are based on sense of effort. Exp Brain Res. 2008;187(1):129–38.

No que se refere à articulação do joelho, a ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA) é a lesão mais comum, cuja incidência tem aumentado ao longo dos anos.1010. Pap G, Machner A, Nebelung W, Awiszus F. Detailed analysis of proprioception in normal and ACL-deficient knees. J Bone Joint Surg Br. 1999;81(5):764–8. Estima-se que nos Estados Unidos 95 mil pessoas por ano sofram com lesões nesse ligamento.1111. Miyasaka KC, Daniel DM, Stone ML, Hirshman P. The incidence of knee ligament injuries in the general population. Am J Knee Surg. 1991;4(1):3–8.

O LCA funciona juntamente com outras estruturas anatômicas em torno do joelho, para manter o equilíbrio estático e dinâmico, e tem um importante papel no seguimento proprioceptivo dos mecanorreceptores, como corpúsculos de Pacini e terminações de Ruffini.1212. Barrack RL, Skinner HB, Buckley SL. Proprioception in the anterior cruciate deficient knee. Am J Sports Med. 1989;17(1):1–6.1515. Adachi N, Ochi M, Uchio Y, Iwasa J, Ryoke K, Kuriwaka M. Mechanoreceptors in the anterior cruciate ligament contribute to the joint position sense. Acta Orthop Scand. 2002;73(3):330–4.

Muitos estudos indicam déficits proprioceptivos em sujeitos com ruptura parcial de LCA.1515. Adachi N, Ochi M, Uchio Y, Iwasa J, Ryoke K, Kuriwaka M. Mechanoreceptors in the anterior cruciate ligament contribute to the joint position sense. Acta Orthop Scand. 2002;73(3):330–4.1818. Héroux ME, Tremblay F. Weight discrimination after anterior cruciate ligament injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(7):1362–8. Tais déficits podem ser considerados como fatores predisponentes para a instabilidade do joelho,1717. Carter ND, Jenkinson TR, Wilson D, Jones DW, Torode AS. Joint position sense and rehabilitation in the anterior cruciate ligament deficient knee. Br J Sports Med. 1997;31(3):209–12. afetam adversamente a atividade, o equilíbrio e a força do quadríceps e aumentam o risco de nova lesão ao joelho.1919. Gokeler A, Benjaminse A, Hewett TE, Lephart SM, Engebretsen L, Ageberg E, et al. Proprioceptive deficits after ACL injury: are they clinically relevant? Br J Sports Med. 2012;46(3):180–92.

Os níveis funcionais e proprioceptivos do joelho em sujeitos com ruptura parcial de LCA já foram medidos e a maioria dos estudos usou teste de SPA ou de limiar de detecção do movimento passivo.1313. Barrett DS. Proprioception and function after anterior cruciate reconstruction. J Bone Joint Surg Br. 1991;73(5):833–7.,2020. Fridén T, Roberts D, Zätterström R, Lindstrand A, Moritz U. Proprioception after an acute knee ligament injury: a longitudinal study on 16 consecutive patients. J Orthop Res. 1997;15(5):637–44. Todos encontraram déficits no membro lesionado quando comparado com o não lesionado.1414. Corrigan JP, Cashman WF, Brady MP. Proprioception in the cruciate deficient knee. J Bone Joint Surg Br. 1992;74(2):247–50.,2121. Reider B, Arcand MA, Diehl LH, Mroczek K, Abulencia A, Stroud CC, et al. Proprioception of the knee before and after anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2003;19(1):2–12.,2222. Fischer-Rasmussen T, Jensen PE. Proprioceptive sensitivity and performance in anterior cruciate ligament-deficient knee joints. Scand J Med Sci Sports. 2000;10(1):85–9. O senso da força tem recebido mais atenção recentemente na literatura, mas poucos dados estão disponíveis em relação a esse paradigma de avaliação da propriocepção na articulação do joelho, uma vez que não há estudos que tenham avaliado pacientes com ruptura total de LCA.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi investigar, por meio do teste de reprodução da força, a existência de déficits proprioceptivos entre o membro lesionado e o não lesionado (i.e., contralateral normal) em indivíduos que tenham sofrido ruptura total de LCA. Nesse sentido, nossa hipótese de estudo é que indivíduos com ruptura total de LCA apresentariam déficits proprioceptivos no membro lesionado quando comparado com o não lesionado.

Materiais e métodos

Sujeitos

Participaram do estudo 16 voluntários (ambos os sexos) entre 18 e 40 anos (idade, 27,6 ±2,9; estatura, 172,2 ±6,7; peso, 74,4 ±12,9), todos com ruptura total do LCA em um dos membros. Foram excluídos da amostra os voluntários que já tivessem sido submetidos a cirurgia no membro com ruptura do LCA; qualquer outro tipo de lesão no membro; degeneração articular (caracterizada por crepitação articular em qualquer um dos compartimentos do joelho); lesão condral diagnosticada no exame de ressonância magnética e/ou sinais de osteoartrose na radiografia do joelho. Todos foram avaliados clinicamente pelo mesmo ortopedista e assinaram termo de consentimento, no qual foram descritos, em detalhes, os objetivos e as condições do experimento, aprovado pelo comitê de ética da instituição conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde

Procedimento e tarefa experimental

Foi usado um dinamômetro isocinético (CSMI, Humac Norm) e antes de cada teste o equipamento foi devidamente calibrado. Os sujeitos foram posicionados sentados de forma confortável, com o côndilo lateral do fêmur alinhado ao eixo de rotação do aparelho e o tornozelo fixado à haste do acessório de avaliação do joelho por uma tira de velcro (fig. 1).

Figura 1
Foto do indivíduo posicionado no dinamômetro.

Foram feitos os seguintes testes:

  1. Os testes de força muscular e reprodução da força foram feitos em 60° de extensão do joelho. Para o teste de força voluntária máxima isométrica (FVMI) foram feitos aquecimento e familiarização com o equipamento por meio de cinco repetições, sem resistência imposta pelo aparelho, desempenhadas no arco de movimento articular completo do sujeito. Após a familiarização, os sujeitos fizeram aquecimento específico com três contrações isométricas submáximas (com esforço subjetivo de 20%, 40% e 60% da força máxima) e com intervalo de um minuto entre elas. O FVMI foi conduzido após três minutos de intervalo, quando foram feitas três tentativas com intervalo de três minutos. O maior torque instantâneo encontrado foi considerado 100% da FVMI. Cada contração isométrica durou seis segundos. O membro não lesionado foi avaliado primeiro.

  2. O teste de reprodução da força ipsilateral dos extensores do joelho foi conduzido após 10 minutos de intervalo do teste de FVMI. Foi usada a intensidade-meta para o procedimento de 20% da FVMI. O procedimento consistiu na feitura de uma contração de referência, na qual foi usado feedback visual do nível de torque produzido. Os sujeitos foram instruídos a manter o nível de força desejada. Imediatamente após a contração de referência, os sujeitos tentaram reproduzir com a maior precisão possível a força produzida anteriormente sem feedback visual. Foram feitas três tentativas com intervalo de três minutos. Cada contração isométrica durou seis segundos.

Variáveis dependentes

O valor de erro individual para cada tentativa foi determinado pela diferença entre a força reproduzida e a força vivenciada. O desempenho proprioceptivo foi determinado por meio dos valores de erro absoluto (EA), erro variável (EV) e erro constante (EC). Schmidt e Lee2323. Schmidt R, Lee T. Motor control and learning: a behavioral emphasis. 5th ed. Champaign: Human Kinetics; 2011. descreveram em detalhes os cálculos de cada variável. Brevemente, o EA é obtido pela média aritmética dos erros individuais em módulo e determina a acurácia do individuo de reproduzir a força; o EV é o desvio padrão dos erros individuais e determina a consistência nas reproduções feitas; e o EC é a média aritmética dos erros individuais com os sinais e determina a tendência de reproduzir a força acima ou abaixo da meta (viés ou bias). Apenas o período de dois a seis segundos das curvas de torque foi usado para a determinação dos EA, EC e EV. Testes-piloto demonstraram que esse seria o período necessário para os sujeitos estabilizarem a intensidade de contração, além de sofrer menos efeitos da fadiga durante a sustentação da força.

Análise estatística

Foi usada estatística descritiva (média ± DP) para descrição dos dados. As variáveis dependentes foram os EA, EV e EC. Os dados foram submetidos ao teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Comparações foram feitas entre o membro lesionado e o não lesionado. Os valores determinados para 20% da FVIM foram comparados com teste t para medidas pareadas. Os cálculos foram feitos no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc. Chigago, IL, EUA). A significância estatística estabelecida foi de p ≤ 0,05.

Resultados

Tempo e causa da lesão e lesões associadas

O tempo médio de lesão até a coleta dos dados era de 3,2 ± 1,6 anos. As lesões ocorreram na maioria durante a prática de futebol recreativo, todas sem contato (68,75%). Outros casos foram surf (6,25%), quedas (6,25%), handebol (6,25%), basquetebol (6,25%) e acidente de moto (6,25%).

Exames clínicos

Estão dispostos na tabela 1.

Tabela 1
Exames clmicos

Valores de erro absoluto (EA), erro variável (EV) e erro constante (EC)

Após a coleta dos dados, os valores de força foram normatizados pelo peso corporal. Essa medida foi adotada para possibilitar a comparação entre os nossos sujeitos. As FVIM calculadas para o membro não lesionado foram 3,2 ± 1,0 N/kg e para o lesionado foram 3,0 ± 1,1 N/kg. Para a FVIM não foi encontrada uma diferença estatística significativa (p = 0,059). O teste t demonstrou uma diferença significativa entre os membros para as variáveis EA (p = 0,05) e EC (p = 0,01) (fig. 2). Não foi encontrada diferença para EV (p = 0,83). As médias e os desvios padrão para os erros individuais relativos à força estão demonstrados na tabela 2.

Figura 2
Representação gráfica dos resultados do EA (A) e do EC (B).
Tabele 2
EA, EV e EC determinados para 20% FVIM (média ± DP)

Discussão

O presente estudo teve como objetivo determinar se pacientes com ruptura total de LCA apresentam déficits proprioceptivos no membro lesionado durante a avaliação do senso da força. Para tal, os testes de força muscular e reprodução da força foram feitos no membro lesionado e no não lesionado. Nesse contexto, trabalhamos com a hipótese de que indivíduos com ruptura total de LCA apresentariam déficits proprioceptivos no membro lesionado quando comparado com o não lesionado. Nossa hipótese está de acordo com o estudo de Héroux e Tremblay,1818. Héroux ME, Tremblay F. Weight discrimination after anterior cruciate ligament injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(7):1362–8. que identificaram déficits na propriocepção nessa mesma população com o teste de discriminação do peso.

Em especial, foi avaliado o senso da força em 16 pacientes com ruptura total unilateral do LCA, com o uso de 20% da sua FVIM. Foram encontradas diferenças significativas no teste de reprodução da força entre o membro lesionado e o não lesionado. Os resultados do EA demonstram que o membro lesionado foi menos capaz de reproduzir a força de forma acurada, já os resultados do EC demonstram que ambos os membros tenderam a superestimar a meta, porém o membro lesionado superestimou muito mais. No que diz respeito ao EV, não encontramos diferença estatística, o que mostra que os indivíduos foram consistentes nos erros.

Lee et al.1616. Lee HM, Cheng CK, Liau JJ. Correlation between proprioception, muscle strength, knee laxity, and dynamic standing balance in patients with chronic anterior cruciate ligament deficiency. Knee. 2009;16(5):387–91. e Carter et al.,1717. Carter ND, Jenkinson TR, Wilson D, Jones DW, Torode AS. Joint position sense and rehabilitation in the anterior cruciate ligament deficient knee. Br J Sports Med. 1997;31(3):209–12. com o teste de SPA, encontraram valores de EA significativamente diferentes entre membro lesionado e não lesionado. Já Héroux e Tremblay1818. Héroux ME, Tremblay F. Weight discrimination after anterior cruciate ligament injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(7):1362–8. fizeram um estudo de senso da força com o teste de discriminação do peso e também obtiveram resultados que indicam uma menor acuidade no lado lesionado. Os resultados de nossa pesquisa corroboram os resultados desses três experimentos. Poucos estudos sobre o senso da força usaram o teste reprodução da força, o que dificulta a comparação dos resultados.

Assim, uma explicação provável para uma baixa acurácia do lado lesionado de reproduzir a força pode ser por uma falha parcial do processo de calibração dos comandos motores descendentes por causa de uma avaliação prejudicada dos sinais de força resultantes da contração muscular. Essa possibilidade levanta a questão de qual fonte de informação aferente é suscetível de ser afetada por lesões do LCA.

Entre os receptores, o órgão tendinoso de Golgi (OTG) é considerado a principal fonte de inputs aferentes provenientes de uma região periférica relacionada à força/tensão muscular.2424. Jami L. Golgi tendon organs in mammalian skeletal muscle: functional properties and central actions. Physiol Rev. 1992;72(3):623–66.2626. Gandevia SC, McCloskey DI. Interpretation of perceived motor commands by reference to afferent signals. J Physiol. 1978;283:193–9. Porém, por estar localizado na área miotendínea, o OTG não deve ser afetado por lesões do LCA. Assim, um envolvimento do OTG na baixa acuidade de nossos sujeitos parece muito improvável.

Existem evidências de que a estimulação aferente do LCA pode influenciar a atividade dos extensores e flexores do joelho durante contrações voluntárias2727. Hultborn H. State-dependent modulation of sensory feedback. J Physiol. 2001;533(1):5–13. e que a inervação sensorial das articulações raramente se recupera após lesão.2828. Hogervorst T, Brand RA. Mechanoreceptors in joint function. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(8):1365–78. A dificuldade dos nossos sujeitos de reproduzir a força pode ser atribuída a uma perda da inervação dos mecanorreceptores do LCA, o que reduz, assim, a quantidade de informações sensoriais relacionadas à tensão/força durante o teste.

Também é possível que alguns mecanorreceptores que foram poupados pela lesão, localizados na cápsula articular, possam ter sido alterados. Khalsa e Grigg2929. Khalsa PS, Grigg P. Responses of mechanoreceptor neurons in the cat knee joint capsule before and after anterior cruciate ligament transection. J Orthop Res. 1996;14(1):114–22. investigaram essa possibilidade em modelo animal e concluíram que a capacidade de respostas aferentes da cápsula articular não foi significativamente afetada após transecção completa do LCA. Sendo assim, acreditamos que exista alguma inervação residual no joelho lesionado juntamente com os inputs do OTG, que se mantiveram intactos no quadríceps, Isso explicaria a variabilidade interindividual observada. Isso também pode explicar a razão pela qual a capacidade de reproduzir a força, embora reduzida em comparação com a perna não lesionada, foi ainda relativamente bem conservada em nossos sujeitos.

Em relação à FVMI, nossos resultados não encontram valores significativamente diferentes, 3,2 ± l.ON.kg-1 para o não lesionado e 3,0 ± l.lN.kg-1 para o lesionado, diferentemente do encontrado por Héroux e Tremblay.1818. Héroux ME, Tremblay F. Weight discrimination after anterior cruciate ligament injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(7):1362–8. Atribuímos essa diferença de resultados ao fato de nossos sujeitos serem em sua maioria praticantes de atividade física. Porém, nossos valores de FVMI são muito maiores do que os encontrados no estudo de Héroux e Tremblay,1818. Héroux ME, Tremblay F. Weight discrimination after anterior cruciate ligament injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(7):1362–8. que também usaram dinamômetro isocinético, só que em 45° de extensão do joelho, provavelmente por termos usado a angulação de 60°, de maior eficiência mecânica do quadríceps, na qual é capaz de alcançar um maior peak torque, segundo banco de dados de nosso laboratório (dados não publicados). Isso faz com que a comparação direta dos resultados seja impossível, pois usamos valores de força normatizados pelo peso.

Dessa forma, nossos dados corroboram a hipótese de existência de déficit proprioceptivo em sujeitos com ruptura total de LCA em um membro lesionado quando comparado com o não lesionado durante a avaliação do senso da força. Esse déficit proprioceptivo parece ser mais bem explicado pelo trabalho de Hogesvorst e Brand,2828. Hogervorst T, Brand RA. Mechanoreceptors in joint function. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(8):1365–78. juntamente com o de Khalsa e Grigg,2929. Khalsa PS, Grigg P. Responses of mechanoreceptor neurons in the cat knee joint capsule before and after anterior cruciate ligament transection. J Orthop Res. 1996;14(1):114–22. que atribuem a capacidade de reproduzir a força a uma perda ou que ainda exista alguma inervação residual dos mecanorreceptores do LCA, juntamente com os inputs do OTG, que se mantiveram intactos no quadriceps e reduziram a quantidade de informações sensórias.

Nesse sentido, por causa da ausência de estudos a respeitos dessa problemática, sugerimos novas pesquisas, com o objetivo de ampliar o conhecimento desse assunto e possibilitar a comparação dos resultados.

  • Trabalho desenvolvido na Divisão de Pesquisa do Laboratório de Pesquisa Neuromuscular, Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2013
  • Aceito
    05 Ago 2013
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