Acessibilidade / Reportar erro

Uso de microarrays na busca de perfis de expressão gênica: aplicação no estudo de fenótipos complexos

Use of microarrays in the search of gene expression patterns: application to the study of complex phenotypes

Resumos

Com o advento do seqüenciamento de genoma humano, novas tecnologias foram desenvolvidas e despontaram como promissoras ferramentas metodológicas e científicas para o avanço na compreensão dos mecanismos envolvidos em várias doenças complexas. Dentre elas, a técnica de análise em larga escala (conhecida como microarrays ou chips de DNA) é particularmente eficaz em permitir uma visão global na busca de padrões de expressão gênica em amostras biológicas. Por meio da determinação da expressão de milhares de genes simultaneamente, a promissora tecnologia permite que pesquisadores comparem o comportamento molecular de diversos tipos de linhagens celulares e tecidos diferentes, quando expostos a uma determinada condição patológica ou experimental. A aplicação do método pode trazer novas perspectivas de análise de processos fisiológicos e facilitar a identificação de marcadores moleculares para o diagnóstico, prognóstico e para o tratamento farmacológico atual. Nesse artigo, apresentaremos conceitos teóricos e metodológicos que permeiam a tecnologia de microarrays, assim como suas vantagens, perspectivas e direcionamentos futuros. Com o intuito de exemplificar sua aplicabilidade e eficiência no estudo de fenômenos complexos, serão apresentados e também discutidos resultados iniciais sobre padrões de expressão gênica em amostra de cérebros post-mortem de pacientes psiquiátricos e sobre as conseqüências moleculares e funcionais de perturbações no sono, comumente associadas a transtornos psiquiátricos.

Análise de microarrays; Expressão gênica; Psiquiatria; Transtornos mentais; Privação do sono


Sequencing the human genome has prompted the development of new technologies, which have emerged as promising methodological and scientific tools for advancing the current knowledge about the causes and mechanisms involved in various complex disorders. Among those, the high-throughput technique known as microarray is particularly powerful in providing a global view of gene expression patterns in biological samples. By the simultaneous determination of the expression levels of thousands of genes, microarrays allow researchers to compare the molecular behaviour of different types of cells lines or specific tissues that have been exposed to pathological or experimental conditions. The method may provide insights into physiological processes and facilitate the identification of novel biological markers for diagnostic, prognostic and pharmacological treatments for a number of diseases. In this article, we present theoretical and methodological concepts underlying the microarray technology, as well as an overview of its advantages, perspectives and future scientific directions. In an attempt to demonstrate the applicability and efficiency of the method in the study of complex phenotypes, initial results on gene expression studies in post mortem brain samples of psychiatric patients and on the molecular and functional consequences of sleep disturbances, which is strongly associated with psychiatric illness, will be described and discussed.

Microarray analysis; Gene expression; Psychiatry; Mental disorders; Sleep deprivation


ATUALIZAÇÃO

Uso de microarrays na busca de perfis de expressão gênica - aplicação no estudo de fenótipos complexos

Use of microarrays in the search of gene expression patterns - application to the study of complex phenotypes

Camila GuindaliniI, II; Sergio TufikI

IDepartamento de Psicobiologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

IILaboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência Camila Guindalini Departamento de Psicobiologia Universidade Federal de São Paulo Rua Napoleão de Barros, 925 - 3º andar 04024-002 São Paulo, SP, Brasil Tel: (55 11) 2149-0155 - ramal 189

RESUMO

Com o advento do seqüenciamento de genoma humano, novas tecnologias foram desenvolvidas e despontaram como promissoras ferramentas metodológicas e científicas para o avanço na compreensão dos mecanismos envolvidos em várias doenças complexas. Dentre elas, a técnica de análise em larga escala (conhecida como microarrays ou chips de DNA) é particularmente eficaz em permitir uma visão global na busca de padrões de expressão gênica em amostras biológicas. Por meio da determinação da expressão de milhares de genes simultaneamente, a promissora tecnologia permite que pesquisadores comparem o comportamento molecular de diversos tipos de linhagens celulares e tecidos diferentes, quando expostos a uma determinada condição patológica ou experimental. A aplicação do método pode trazer novas perspectivas de análise de processos fisiológicos e facilitar a identificação de marcadores moleculares para o diagnóstico, prognóstico e para o tratamento farmacológico atual. Nesse artigo, apresentaremos conceitos teóricos e metodológicos que permeiam a tecnologia de microarrays, assim como suas vantagens, perspectivas e direcionamentos futuros. Com o intuito de exemplificar sua aplicabilidade e eficiência no estudo de fenômenos complexos, serão apresentados e também discutidos resultados iniciais sobre padrões de expressão gênica em amostra de cérebros post-mortem de pacientes psiquiátricos e sobre as conseqüências moleculares e funcionais de perturbações no sono, comumente associadas a transtornos psiquiátricos.

Descritores: Análise de microarrays; Expressão gênica; Psiquiatria; Transtornos mentais; Privação do sono

ABSTRACT

Sequencing the human genome has prompted the development of new technologies, which have emerged as promising methodological and scientific tools for advancing the current knowledge about the causes and mechanisms involved in various complex disorders. Among those, the high-throughput technique known as microarray is particularly powerful in providing a global view of gene expression patterns in biological samples. By the simultaneous determination of the expression levels of thousands of genes, microarrays allow researchers to compare the molecular behaviour of different types of cells lines or specific tissues that have been exposed to pathological or experimental conditions. The method may provide insights into physiological processes and facilitate the identification of novel biological markers for diagnostic, prognostic and pharmacological treatments for a number of diseases. In this article, we present theoretical and methodological concepts underlying the microarray technology, as well as an overview of its advantages, perspectives and future scientific directions. In an attempt to demonstrate the applicability and efficiency of the method in the study of complex phenotypes, initial results on gene expression studies in post mortem brain samples of psychiatric patients and on the molecular and functional consequences of sleep disturbances, which is strongly associated with psychiatric illness, will be described and discussed.

Descriptors: Microarray analysis; Gene expression; Psychiatry; Mental disorders; Sleep deprivation

Introdução

O seqüenciamento do genoma humano e de outros organismos foi acompanhado de grandes avanços metodológicos e científicos nas tecnologias de biologia e genética molecular.1 Atualmente, na era pós-genômica, espera-se que os dados acumulados durante mais de 15 anos de projeto sejam finalmente traduzidos em aplicações práticas. Esse fato tem gerado um crescente interesse por parte da comunidade científica e uma série de expectativas sobre as futuras aplicações da genética na compreensão e no diagnóstico de doenças complexas, como câncer, diabetes, transtornos psiquiátricos em geral e a maioria dos distúrbios do sono.2

Dentre as novas tecnologias desenvolvidas como um dos desdobramentos do seqüenciamento dos genomas, destaca-se a técnica de microarrays, ou chips de DNA. Esta técnica permite a investigação de milhares de genes de maneira simultânea e promete revolucionar a medicina preditiva, diagnóstica e farmacológica por meio do aumento substancial da capacidade analítica dos processos moleculares.3

Hoje, a disponibilidade desse novo método de investigação tem permitido aos pesquisadores examinar comparativamente a expressão gênica global que ocorre em diferentes tipos celulares ou em um tecido específico, quando submetidos ou expostos a uma determinada condição patológica ou experimental.4,5 É possível, ainda, buscar variações estruturais na seqüência de DNA que possam contribuir para o aumento de susceptibilidade de doenças de uma maneira rápida, econômica e sistemática.6

Assim, em curto prazo, o foco dos estudos sobre a fisiopatologia de doenças complexas tende a mover-se da caracterização de mecanismos e processos individuais para a análise e investigação de sistemas biológicos como um todo, ao integrar dados e trabalhar com uma visão mais abrangente e, conseqüentemente, mais próxima da complexidade de um organismo.5,6

Os conceitos básicos que permeiam essa técnica - assim como os pontos importantes a serem considerados no desenho de um experimento utilizando microarrays -, suas vantagens, perspectivas e direcionamentos científicos futuros serão discutidos nessa revisão. Pretende-se, ainda, exemplificar suas aplicações práticas, apresentando os resultados iniciais provenientes de estudos de expressão gênica utilizando amostras de cérebros post-mortem de pacientes psiquiátricos e sobre as conseqüências moleculares e funcionais de perturbações no ciclo sono-vigília, uma situação comumente presente na manifestação de transtornos psiquiátricos em geral.

Microarrays ou chips de DNA

Os microarrays ou chips de DNA são lâminas de vidro nas quais segmentos de fita-única (denominados aqui de "sondas") são fixados e imobilizados de forma ordenada e em áreas específicas (chamadas de "célula de sonda"). Na lâmina, cada célula de sonda contém milhões de cópias de um determinado transcrito, ou um segmento gênico em particular, que pode posteriormente ser identificado.7 Atualmente, em um chip tradicional pode-se encontrar representações de praticamente todos os genes do genoma de uma série de organismos (para detalhes, veja: www.affymetrix.com), como de humanos, ratos, camundongos e Drosophila melanogaster.

A tecnologia de microarrays pode ser utilizada para a determinação de perfis de expressão gênica, ou para o estudo de genômica funcional.4,5 Nesse tipo de estudo, a molécula de interesse é o RNA mensageiro (RNAm). Aqui, busca-se identificar variações na expressão de determinados genes que possam ocorrer como respostas biológicas naturais devido à presença de uma patologia, ou alguma outra condição experimental, à qual a amostra em estudo foi submetida.7

O princípio da técnica baseia-se principalmente na propriedade de hibridização por complementaridade dos ácidos nucléicos e no fato das sondas no array apresentarem seqüências similares às dos genes de interesse, e complementares às do RNAm ou às do DNAc (DNA complementar), dependendo da tecnologia utilizada.6,7 Um típico experimento consiste na comparação de níveis de expressão gênica entre duas condições de teste, como caso-controle, pré e pós-tratamento, com ou sem determinada manipulação experimental. Mais especificamente, o procedimento utilizando o GeneChip® (Affymetrix Inc., Santa Clara, CA, USA) - a plataforma de microarrays mais utilizada internacionalmente - envolve a conversão do RNA total obtido a partir do tecido de interesse em DNAc dupla-fita por meio de uma reação de transcriptase reversa. Em seguida, o DNAc serve de molde para uma reação de transcrição in vitro na presença de nucleotídeos marcados com fluoróforos, resultando no RNAc (RNA complementar) marcado. Essas moléculas marcadas são hibridizadas à lâmina de microarray e podem se ligar ou não às sondas representadas no mesmo, se ambas as seqüências forem complementares. A lâmina hibridizada é então corada e submetida a um scanner, conectado a um software específico que analisa os dados e quantifica a intensidade da fluorescência em cada ponto. O sinal gerado representa a ligação do RNAc proveniente da amostra em estudo com a sonda no array, e tende a ser proporcional à abundância do RNAc presente, até certa concentração de transcritos. A quantificação do sinal permite que a expressão de milhares de genes seja comparada entre diferentes condições experimentais.4,7

Devido à maior facilidade na aquisição de amostras, a grande maioria dos estudos utilizando microarrays analisa tecidos tumorais. Nos últimos anos, a tecnologia já foi aplicada na demonstração de padrões específicos de expressão gênica que caracterizam diferentes tipos de câncer, predizem prognóstico e até respostas a terapias específicas.8,9 Entretanto, a eficiência e a robustez das análises com microarrays têm sido evidenciadas em áreas tão diversas como: doenças neurológicas,5 asma,10 doenças psiquiátricas11 e doenças cardiovasculares,12 com resultados bastante interessantes e promissores.

A escolha do tecido a ser analisado pela técnica de microarray deve ser baseada na sua relevância à fisiologia da patologia de interesse e/ou na localização dos danos causados pela mesma. Entretanto, quando se pretende estudar padrões de expressão gênica em doenças neuropsiquiátricas, dois importantes fatores devem ser considerados: 1) dificuldade na obtenção e reduzida disponibilidade de tecido cerebral e 2) delimitação da região cerebral a ser investigada.13

Uma alternativa para a utilização de tecido cerebral envolve a coleta de amostras de sangue periférico, principalmente em estudos envolvendo seres humanos. Dados recentes têm demonstrado múltiplos mecanismos neuroanatômicos, hormonais e moleculares, pelos quais o sistema nervoso central comunica-se com o sistema imunológico, em especial com os linfócitos, os quais correspondem a 20% das células brancas circulantes em um indivíduo adulto.14 Perturbações nos principais sistemas de neurotransmissão cerebral são acompanhadas de alterações funcionais e no metabolismo dos linfócitos.14 Assim, além de transpor o fator limitante de disponibilidade de tecido cerebral para estudos neuropsiquiátricos, a utilização de amostras de sangue oferece uma oportunidade única para a investigação e a caracterização do padrão de expressão gênica de uma série de genes na população de linfócitos. Essa abordagem alternativa pode gerar informações importantes quanto ao potencial do uso dessas células na prática clínica.14

O segundo fator a ser considerado está relacionado com o fato de a expressão gênica não ser apenas tecido-específica, mas também célula-específica. Dessa forma, a expressão de certa população de células pode ter seu padrão mascarado ou intensificado se analisada em conjunto com outras populações. Nesse sentido, novas tecnologias, como microdissecção e captura a laser, as quais permitem a extração específica de células individuais, já vêm sendo utilizadas por pesquisadores e avaliadas por diversos grupos de pesquisa. Como conseqüência, a tecnologia de microarrays adapta-se para poder permitir a obtenção de dados altamente específicos e precisos a partir de quantidades cada vez menores de RNA.13

Transtornos psiquiátricos

Os trabalhos utilizando a tecnologia de microarrays para o estudo de transtornos psiquiátricos são poucos e ainda inconclusivos, principalmente em relação a transtorno bipolar, transtornos de humor e autismo (para revisão, ver: Mirnics et al., 2006).11 Esse fato se deve, principalmente, às inúmeras dificuldades encontradas na padronização de técnicas com tecido cerebrais post-mortem e na extensa lista de fatores que podem influenciar a qualidade e a integridade do RNA em estudo, como idade, sexo e forma de falecimento dos doadores, condições e tempo de armazenamento dos cérebros, dentre outros.

Por outro lado, a literatura apresenta um maior número de estudos que buscam padrões de expressão gênica em cérebros de indivíduos esquizofrênicos, com resultados mais consistentes e interessantes. Três estudos independentes demonstraram uma diminuição, ou downregulation, de genes envolvidos na maquinaria sináptica no córtex pré-frontal15,16 e neurônios do córtex entorrinal17 de esquizofrênicos. Esses dados sugerem que diferenças no transcriptoma desses indivíduos podem ser resultado de alterações ou mau-funcionamento da comunicação sináptica. Chama a atenção que uma série de estudos utilizando técnicas convencionais já havia demonstrado uma diminuição na expressão de genes pré-sinápticos na esquizofrênia18,19 e que, dentre outras alterações, cérebros de indivíduos com essa patologia apresentam redução no neuropil interneural20 e na densidade de espinhas dendríticas21 do córtex pré-frontal.

Outros resultados consistentes, evidenciados pela tecnologia de microarrays e que vêm comprovar estudos anteriores, dizem respeito a reduções na expressão de transcritos relacionados aos oligodendrócitos e aos processos de mielinização,22-24 reduções na expressão de genes mitocondriais,25 e de genes cujos produtos estão relacionados ao metabolismo de energia na célula.26,27 Além disso, redução na expressão de genes que compõe o sistema GABAérgico e o sistema glutamatérgico, alguns dos resultados mais replicados em estudos envolvendo pacientes esquizofrênicos,28 foram também demonstrados em uma série de trabalhos de microarrays.15,16,29 Em conjunto, esses dados evidenciam que, apesar da grande complexidade do fenótipo psiquiá-trico e das inúmeras dificuldades em se estudar tecidos cerebrais post-mortem, a nova tecnologia pode ser útil não só na descoberta de novas informações, mas também na confirmação e consolidação de dados pré-existentes.

Privação e restrição de sono

A redução do tempo ou a privação de sono é uma situação cada vez mais freqüente na sociedade moderna. Há anos sabe-se que a falta de sono está associada a uma série de efeitos danosos ao indivíduo, incluindo alterações de humor, na atenção e habilidade de concentração,30,31 fadiga32 e doenças cardiovasculares.33 Recentemente, tem se tornado cada vez mais clara a importante participação do ciclo sono-vigília e ritmos circadianos na fisiopatologia de diversos transtornos psiquiátricos.34 Dados de um estudo conduzido em várias cidades americanas demonstraram que 40% dos indivíduos com queixa de insônia preenchiam também critérios de algum transtorno mental.35

As primeiras aplicações da tecnologia de microarray para o estudo de perfis de expressão gênica em perturbações de sono analisaram o córtex cerebral de ratos, submetidos a oito horas de sono e vigília espontâneos e oito horas de privação de sono.36 Interessantemente, do total de transcritos analisados, os que se mostraram alterados durante a vigília forçada e/ou espontânea em relação ao estado de sono incluem classes de genes semelhantes aos descritos para esquizofrenia, como genes relacionados ao metabolismo de energia, a transporte vesicular e sinapse e, ainda, receptores e transportadores de neurotransmissores. Outras alterações foram observadas na expressão de 1) Immediate Early-Genes (IEG), ou genes de resposta imediata; 2) fatores de transcrição; 3) fatores de crescimento celular; 4) moléculas de adesão; e 5) genes relacionados a situações de estresse.

Com o intuito de investigar mais a fundo os efeitos da privação de sono crônica, um trabalho subseqüente envolveu o estudo de animais privados e/ou restritos de sono por um período de sete dias em comparação com animais mantidos sob vigília espontânea ou sob privação por apenas oito horas.37 Aqui, além dos genes reguladores de transcrição e dos genes relacionados à resposta ao estresse, foi observado um aumento bastante expressivo de genes codificadores das imunoglobulinas de cadeia k, no córtex cerebral desses animais.

No mesmo sentido, um estudo em humanos demonstrou que, quando indivíduos são privados de sono por quatro horas, ocorre um aumento na expressão de genes relacionados à regulação de transcrição, como o Immediate early gene 3 (IER3), e genes de resposta inflamatória, como interleucinas- 8 e 1B (IL8, IL1B), fator de necrose tumoral-a (TNF-a), imunoglobulina CD83 e quimiocina CCL3.38 Além de oferecer evidências para a intrínseca relação entre privação de sono e resposta imunológica,39 a qual vem sendo sistematicamente estudada na última década, alterações na expressão de proteínas inflamatórias são documentadas em uma série de transtornos psiquiátricos, associadas com sintomatologias específicas, padrões de manifestação da doença e de resposta a tratamentos.14

Em conjunto, esses resultados demonstram a aplicabilidade da tecnologia de microarrays no estudo de fenômenos moleculares tão complexos, como os que ocorrem na manifestação de transtornos psiquiátricos e após a privação e/ou restrição de sono em animais e humanos. Fica claro ainda, a especificidade e a eficiência da técnica ao identificar, a partir de milhares de genes e em um único experimento, um conjunto de genes que podem ser considerados representativos de uma determinada condição, formando um padrão ou um perfil de expressão gênica.

A partir dos mesmos princípios, a grande expectativa dos entusiastas da tecnologia é que se encontre um perfil que seja específico para uma doença em particular, para uma fase de seu desenvolvimento ou para padrões diferenciados de resposta a tratamentos, os quais possam ser diretamente aplicados na prática clínica.

Perspectivas futuras

O número de estudos envolvendo a utilização de microarrays para a identificação de novos genes e mecanismos moleculares tem crescido exponencialmente. Estamos nos movendo para um novo patamar científico, no qual os complexos mecanismos fisiopatológicos de uma série de doenças estão mais próximos de serem compreendidos. Espera-se, em um futuro bastante próximo, que marcadores biológicos identificados pelas novas tecnologias sejam interrogados e diretamente incorporados no diagnóstico e até no tratamento de doenças. Além disso, estudos clínicos de novos medicamentos e as condutas terapêuticas poderão beneficiar-se da utilização de microarrays para determinar padrões de resposta, de sensibilidade e toxicidade a determinadas drogas, acelerando a era da medicina personalizada.40

Entretanto, apesar de robusta e conceitualmente simples, a utilização da tecnologia é ainda bastante limitada devido, principalmente, aos altos custos relativos à aquisição de equipamentos, chips e reagentes. Além de um cuidadoso desenho experimental, que envolve desde a obtenção de amostras de qualidade até a escolha da correta e mais adequada plataforma de análise, outro ponto a ser considerado é a necessidade de implementação de ferramentas de bioinformática e análise estatística específicas para o gerenciamento e interpretação da massiva quantidade de dados gerados. Este último parece ser fator determinante para a reprodutibilidade e sucesso dos experimentos.41 Após a captura e obtenção de imagens, os dados obtidos são submetidos a uma série de processos analíticos envolvendo desde a normalização e eliminação de ruídos experimentais até a transformação dos valores de intensidade em medidas de concentração, as quais poderão, então, ser comparadas estatisticamente. Como a probabilidade de identificação de falso-positivos aumenta substancialmente com o aumento do número de testes realizados, correções para múltiplos testes, como o método False Discovery Rate (FDR), devem ser realizadas antes da seleção de genes diferencialmente expressos.41 Além disso, a verificação dos resultados positivos por uma segunda técnica independente, como PCR em tempo real, é algo bem estabelecido entre os usuários de microarrays. Essa replicação de dados é de extrema importância, já que em tecidos como o cerebral, onde efeitos comportamentais dramáticos podem ser causados por alterações sutis nos níveis de expressão de genes e proteínas, pequenas inconsistências em protocolos de pesquisa podem também contribuir para a identificação de falso-positivos e falso-negativos.41

Assim, se utilizada em um contexto apropriado e acompanhada de métodos bioestatísticos de análise adequados, a tecnologia de microarrays pode ser uma importante ferramenta de screening capaz de evidenciar pistas valiosas relacionadas à fisiopatologia de doenças complexas e oferecer condições para o desenvolvimento de novas estratégias de pesquisa. Os próximos anos aguardam novos avanços no desenvolvimento da técnica, tornando-a mais acessível para a comunidade científica e clínicos em geral, tanto em termos financeiros, como nas questões metodológicas e analíticas.

A Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP) acaba de adquirir a plataforma Affymetrix (Affymetrix Inc., Santa Clara, CA, USA) e alocá-la no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. O grupo planeja e já deu início a uma série de experimentos que buscam responder perguntas sobre os processos moleculares envolvidos na privação e outros distúrbios do sono. Acredita-se que, à medida que os custos de reagentes e chips se tornem mais acessíveis, esse novo equipamento poderá ser gradualmente inserido na pesquisa básica e clínica como uma valiosa ferramenta para novas descobertas científicas em diversas áreas do conhecimento.

Submetido: 5 Junho 2007

Aceito: 23 Outubro 2007

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

  • 1. International Human Genome Sequencing Consortium. Finishing the euchromatic sequence of the human genome. Nature 2004;431(7011):931-45.
  • 2. Davis RL, Khoury MJ. A public health approach to pharmacogenomics and gene-based diagnostic tests. Pharmacogenomics 2006;7(3):331-7.
  • 3. Mocellin S, Rossi CR. Principles of gene microarray data analysis. Adv Exp Med Biol 2007;593:19-30.
  • 4. Lockhart DJ, Dong H, Byrne MC, Follettie MT, Gallo MV, Chee MS, Mittmann M, Wang C, Kobayashi M, Horton H, Brown EL. Expression monitoring by hybridization to high-density oligonucleotide arrays. Nat Biotech 1996;14(13):1675-80.
  • 5. Sharp FR, Xu H, Lit L, Walker W, Apperson M, Gilbert DL, Glauser TA, Wong B, Hershey A, Liu DZ, Pinter J, Zhan X, Liu X, Ran R. The future of genomic profiling of neurological diseases using blood. Arch Neurol. 2006;63(11):1529-36.
  • 6. Dalma-Weiszhausz DD, Warrington J, Tanimoto EY, Miyada CG. The affymetrix GeneChip platform: an overview. Methods Enzymol 2006;410:3-28.
  • 7. Cheung VG, Morley M, Aguilar F, Massimi A, Kucherlapati R, Childs G. Making and reading microarrays. Nat Genet 1999;21(1 Suppl):15-9.
  • 8. Staudt LM, Dave S. The biology of human lymphoid malignancies revealed by gene expression profiling. Adv Immunol 2005;87:163-208.
  • 9. Cowell JK, Hawthorn L. The application of microarray technology to the analysis of the cancer genome. Curr Mol Med. 2007;7(1):103-20.
  • 10. Pahl A, Benediktus E, Chialda L. Pharmacogenomics of asthma. Curr Pharm Des 2006;12(25):3195-206.
  • 11. Mirnics K, Levitt P, Lewis DA. Critical appraisal of DNA microarrays in psychiatric genomics. Biol Psychiatry 2006;60(2):163-76.
  • 12. Nanni L, Romualdi C, Maseri A, Lanfranchi G. Differential gene expression profiling in genetic and multifactorial cardiovascular diseases. J Mol Cell Cardiol. 2006;41(6):934-48.
  • 13. Mills JC, Roth KA, Cagan RL, Gordon JI. DNA microarrays and beyond: completing the journey from tissue to cell. Nat Cell Biol 2001;3(8):E175-8.
  • 14. Gladkevich A, Kauffman HF, Korf J. Lymphocytes as a neural probe: potential for studying psychiatric disorders. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry 2004;28(3):559-76.
  • 15. Mirnics K, Middleton FA, Marquez A, Lewis DA, Levitt P. Molecular characterization of schizophrenia viewed by microarray analysis of gene expression in prefrontal cortex. Neuron 2000;28(1):53-67.
  • 16. Vawter MP, Crook JM, Hyde TM, Kleinman JE, Weinberger DR, Becker KG, Freed WJ. Microarray analysis of gene expression in the prefrontal cortex in schizophrenia: a preliminary study. Schizophr Res 2002;58(1):11-20.
  • 17. Hemby SE, Ginsberg SD, Brunk B, Arnold SE, Trojanowski JQ, Eberwine JH. Gene expression profile for schizophrenia: Discrete neuron transcription patterns in the entorhinal cortex. Arch Gen Psychiatry 2002;59(7):631-40.
  • 18. Thompson PM, Egbufoama S, Vawter MP. SNAP-25 reduction in the hippocampus of patients with schizophrenia. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry 2003;27(3):411-7.
  • 19. Vawter MP, Thatcher L, Usen N, Hyde TM, Kleinman JE, Freed WJ. Reduction of synapsin in the hippocampus of patients with bipolardisorder and schizophrenia. Mol Psychiatry 2002;7(6):571-8.
  • 20. Selemon LD, Goldman-Rakic PS. The reduced neuropil hypothesis: a circuit based model of schizophrenia. Biol Psychiatry 1999;45(1):17-25.
  • 21. Glantz LA, Lewis DA. Decreased dendritic spine density on prefrontal cortical pyramidal neurons in schizophrenia. Biol Psychiatry 2000;57(1):65-73.
  • 22. Aston C, Jiang L, Sokolov BP. Microarray analysis of post-mortem temporal cortex from patients with schizophrenia. J Neurosci Res 2004;77(6):858-66.
  • 23. Sugai T, Kawamura M, Iritani S, Araki K, Makifuchi T, Imai C, Nakamura R, Kakita A, Takahashi H, Nawa H. Prefrontal abnormality of schizophrenia revealed by DNA microarray: impact on glial and neurotrophic gene expression. Ann N Y Acad Sci 2004;1025:84-91.
  • 24. Tkachev D, Mimmack ML, Ryan MM, Wayland M, Freeman T, Jones PB, Starkey M, Webster MJ, Yolken RH, Bahn S. Oligodendrocyte dysfunction in schizophrenia and bipolar disorder. Lancet 2003;362(9386):798-805.
  • 25. Iwamoto K, Bundo M, Kato T. Altered expression of mitochondria related genes in postmortem brains of patients with bipolar disorder or schizophrenia, as revealed by large-scale DNA microarray analysis. Hum Mol Genet 2005;14(2):241-53.
  • 26. Middleton FA, Mirnics K, Pierri JN, Lewis DA, Levitt P. Gene expression profiling reveals alterations of specific metabolic pathways in schizophrenia. J Neurosci 2002;22(7):2718-29.
  • 27. Prabakaran S, Swatton JE, Ryan MM, Huffaker SJ, Huang JT, Griffin JL, Wayland M, Freeman T, Dudbridge F, Lilley KS, Karp NA, Hester S, Tkachev D, Mimmack ML, Yolken RH, Webster MJ, Torrey EF, Bahn S. Mitochondrial dysfunction in schizophrenia: evidence for compromised brain metabolism and oxidative stress. Mol Psychiatry. 2004;9(7):684-97, 643.
  • 28. Konradi C, Heckers S. Molecular aspects of glutamate dysregulation: Implications for schizophrenia and its treatment. Pharmacol Ther. 2003;97(2):153-79.
  • 29. Vawter MP, Barrett T, Cheadle C, Sokolov BP, Wood WH 3rd, Donovan DM, Webster M, Freed WJ, Becker KG. Application of cDNA microarrays to examine gene expression differences in schizophrenia. Brain Res Bull. 2001;55(5):641-50.
  • 30. Pilcher JJ, Huffcutt AI. Effects of sleep deprivation on performance: a meta-analysis. Sleep 1996;19(4):318-26.
  • 31. Leonard C, Fanning N, Attwood J, Buckley M. The effect of fatigue, sleep deprivation and onerous working hours on the physical and mental well being of pre-registration house officers. Ir J Med Sci 1998;167(1):22-5.
  • 32. Freidman J, Globus G, Huntley A, Mullaney D, Naitoh P, Johnson L. Performance and mood during and after gradual sleep reduction. Psychophysiology 1977;14(3):245-50.
  • 33. Naitoh P, Kelly TL, Englund C. Health effects of sleep deprivation. Occup Med. 1990;5(2):209-37.
  • 34. Boivin DB. Influence of sleep-wake and circadian rhythm disturbances in psychiatric disorders. J Psychiatry Neurosci 2000;25(5):446-58.
  • 35. Ford DE, Kamerow DB. Epidemiologic study of sleep disturbances and psychiatric disorders. An opportunity for prevention? JAMA. 1989;262(11):1479-84.
  • 36. Cirelli C, Tononi G. Gene expression in the brain across the sleep-waking cycle. Brain Res 2000;885(2):303-21.
  • 37. Cirelli C, Faraguna U, Tononi G. Changes in brain gene expression after long-term sleep deprivation. J Neurochem 2006;98(5):1632-45.
  • 38. Irwin MR, Wang M, Campomayor CO, Collado-Hidalgo A, Cole S. Sleep deprivation and activation of morning levels of cellular and genomic markers of inflammation. Arch Intern Med 2006;166(16):1756-62.
  • 39. Palma BD, Tiba PA, Machado RB, Tufik S, Suchecki D. Immune outcomes of sleep disorders: the hypothalamic-pituitary-adrenal axis as a modulatory factor. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(Suppl 1):S33-8.
  • 40. Debouck C, Goodfellow PN. DNA microarrays in drug discovery and development. Nat Genet 1999;21(1 Suppl):48-50.
  • 41. Dupuy A, Simon RM. Critical review of published microarray studies for cancer outcome and guidelines on statistical analysis and reporting. J Natl Cancer Inst 2007;99(2):147-57.
  • Correspondência
    Camila Guindalini
    Departamento de Psicobiologia
    Universidade Federal de São Paulo
    Rua Napoleão de Barros, 925 - 3º andar
    04024-002 São Paulo, SP, Brasil
    Tel: (55 11) 2149-0155 - ramal 189
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2007
    • Aceito
      23 Out 2007
    Associação Brasileira de Psiquiatria Rua Pedro de Toledo, 967 - casa 1, 04039-032 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5081-6799, Fax: +55 11 3384-6799, Fax: +55 11 5579-6210 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: editorial@abp.org.br