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Morbidade e mortalidade causadas por doenças mentais no Brasil

CARTA AOS EDITORES

Morbidade e mortalidade causadas por doenças mentais no Brasil

Rafael Bernardon Ribeiro, MDI; Débora Luciana Melzer-RibeiroII; Quirino Cordeiro; MD, PhDIII

IMédico Assistente no Serviço de ECT do Centro de Atenção Integral em Saúde Mental, Escola de Medicina da Santa Casa, São Paulo, Brasil

IIMestrando, Médico Assistente do Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Brasil

IIIChefe do Departamento de Psiquiatria, Escola de Medicina da Santa Casa, São Paulo, Brasil

Durante uma pesquisa, algumas informações interessantes emergiram em uma verificação do banco de dados epidemiológicos do Ministério da Saúde do Brasil (DATASUS: www.datasus.gov.br). Os dados a seguir foram recuperados ao se determinar a morbidade e a mortalidade relacionadas a Transtornos Mentais (com base na Organização Mundial da Saúde - Classificação Internacional de Doenças [CID 10]; "Capítulo V - transtornos mentais e de comportamento").

Em uma perspectiva nacional, em 2006, 2007, 2008 e 2009 (mais recentes dados disponíveis) o Brasil teve respectivamente 10.256, 10.948, 11.560 e 11.861 mortes relatadas tendo transtornos mentais como causa principal. Isso representa, respectivamente, 5,49, 5,78, 6,09 e 6,19 mortes a cada 100.000 habitantes. Esses números excluem parte dos suicídios, codificados em outro capítulo da CID-10 (Tabela 1). Os números de admissões a hospitais psiquiátricos no Brasil nesses anos foram, respectivamente, 317.441, 290.079, 304.522 e 275.286 com duração média da estadia entre 45 e 50 dias. A mortalidade hospitalar relacionada a transtornos mentais foi, respectivamente, de 3,95, 4,22, 3,79 e 3,89 mortes a cada 1.000 admissões. Em todo o mundo cerca de 1% das mortes podem ser atribuídas a causas psiquiátricas (aproximadamente 873.000 mortes por suicídio isoladamente).1

Como referência, de 2003-2005 as mortalidades em Taiwan e nos Estados Unidos foram, respectivamente, de 3,6 e 21,9/100.000 (transtornos mentais como causa subjacente à morte). Com o uso de múltiplas causas de morte, incluindo um diagnóstico psiquiátrico, os números respectivos foram de 10,3 e 115,4/100.000.2 Em 2007 outros países tiveram a seguinte mortalidade relacionada a transtornos mentais (por 100.000 habitantes): Chile: 17,3; Finlândia: 23,9; França: 14; Grécia: 0,7; Itália: 6,5; Japão: 1,8; México: 5,1; Holanda: 22,2; Nova Zelândia: 12,3; Noruega: 17,1; Portugal: 1,2; Espanha: 2,6; Reino Unido: 16,2 (Organization for Economic Co-operation and Development - www.oecd.org). As frequências variam significativamente de um país para outro, refletindo particularidades internas no cuidado de saúde, cultura, artefatos de codificação e de relato, e subnotificação. Deve-se, contudo, ter cautela ao interpretar esses números. Os pacientes psiquiátricos apresentam intrinsecamente um risco mais alto de morte por qualquer causa (RR 1,56 para homens e 1,38 para mulheres) em comparação à população geral.3 Nos registros oficiais brasileiros nós encontramos aproximadamente 11.000 mortes a cada ano atribuídas a causas psiquiátricas; 10% dessas mortes foram em enfermarias hospitalares. Os autores especularam quantas dessas mortes poderiam ser evitadas por um tratamento adequado e imediato.

Esse tema importante e de interesse não tem sido explorado pela pesquisa. Uma busca em bancos de dados nacionais e internacionais (Lilacs, Scielo and Pubmed) recuperou apenas um artigo, de Câmara,4 discutindo transtornos mentais como causa de morte e excluindo a relação de transtornos mentais e mortalidade por outras causas.4,5 Nesse artigo o autor relatou um aumento na mortalidade psiquiátrica de 62,3% de 1996 a 2005, enquanto que o número de tratamentos hospitalares diminuiu. É interessante destacar que o risco de mortalidade de pacientes do setor público foi quatro vezes maior do que no setor privado.1 Apesar da dificuldade em se associar diretamente as estratégias nacionais de saúde mental, da não disponibilidade de leitos hospitalares suficientes, clínicas ambulatoriais e ECT no setor público, pesquisas futuras nessa área podem vir a esclarecer a questão. É evidente que muitas dessas mortes poderiam ser evitadas, especialmente aquelas ocorridas em hospitais.4 Esperamos chamar a atenção tanto de pesquisadores como de órgãos públicos para essa questão importante e somos favoráveis a ações concretas - baseadas na ciência e em evidências - visando reduzir esses números no mais curto espaço de tempo possível.

Referências

  • 1. Stewart DE, Ashraf IJ, Munce SE. Women's mental health: a silent cause of mortality and morbidity. Int J Gynaecol Obstet. 2006;94(3):343-9.
  • 2. Lu T-H, Lin J-J. Using multiple-cause-of-death data as a complement of underlying-cause-of-death data in examining mortality differences in psychiatric disorders between countries. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2010;45(8):837-42.
  • 3. Sims AC. Mortality statistics in psychiatry. Br J Psychiatry. [Comment Editorial]. 2001;179:477-8.
  • 4. Câmara FP. Mortalidade por transtornos mentais e comportamentais e a reforma psiquiátrica no Brasil contemporâneo - II: elementos para um debate. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2008;11:470-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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