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Tratamento da esclerose sistêmica com rituximabe: uma série de 10 casos em centro único

Resumo

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença autoimune crônica de alta morbimortalidade. Ainda que a ciclofosfamida seja eficaz, para casos graves e refratários há demanda para novos tratamentos. A terapia biológica com depleção de células B com rituximabe (RTX) demonstrou eficácia para tal demanda em estudos abertos.

Objetivo

Avaliar retrospectivamente todos os pacientes que fizeram uso do RTX para tratamento de ES em nosso centro.

Pacientes e métodos

Foram avaliados retrospectivamente todos os prontuários de pacientes com ES que fizeram uso de RTX para tratamento da ES de janeiro de 2009 a janeiro de 2015. Dados de acometimento sistêmico, cutâneo, pulmonar e laboratoriais antes e seis meses após a primeira infusão de RTX foram coletados.

Resultados

Dez pacientes receberam o tratamento no período de estudo e foram incluídos na presente série de casos. Todos os pacientes tinham a forma difusa da doença. Cinco pacientes tinham formas iniciais (tempo de doença menor ou igual a quatro anos) e rapidamente progressiva da doença e cinco receberam o RTX em fases tardias da doença. Houve estabilização do quadro pulmonar em ambos os grupos de pacientes e redução no escore cutâneo nos pacientes com formas iniciais da doença.

Discussão

Similar ao encontrado em estudos prévios, o RTX foi eficaz no tratamento de formas iniciais e rapidamente progressivas da ES. Verificamos também benefício em pacientes com longa duração da doença.

Palavras-chave
Esclerose sistêmica; Rituximabe; Fibrose pulmonar; Escore cutâneo modificado de Rodnan

Abstract

Systemic sclerosis (SSc) is a chronic autoimmune disease with a high morbidity and mortality. Although cyclophosphamide is effective for severe and refractory cases, there is demand for new treatments. The biological treatment with B-cell depletion with rituximab (RTX) has demonstrated efficacy for this demand in open-label studies.

Objective

This study was conducted with the aim to retrospectively evaluate all patients who used RTX for the treatment of SSc in our center.

Patients and methods

We retrospectively evaluated medical records of all patients with SSc who used RTX to treat this disease from January 2009 to January 2015. Systemic, cutaneous, and pulmonary involvement data and laboratory results before and six months after the first infusion of RTX were collected.

Results

Ten patients received treatment during the study period and were included in this series. All patients had a diffuse form of the disease. Five patients suffered from an early (duration of disease shorter or equal to four years), rapidly progressive disease, and another five received RTX at late stages of the disease. In both groups of patients, stabilization of the pulmonary picture was observed, with a fall in the skin score in those patients with early forms of the disease.

Discussion

Similar to findings in previous studies, RTX was effective in treating early and rapidly progressive forms of SSc. We also found that patients with long-term illness may benefit from the treatment.

Keywords
Systemic sclerosis; Rituximab; Pulmonary fibrosis; Modified Rodnan skin score

Introdução

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença autoimune sistêmica crônica caracterizada por fibrose, vasculopatia generalizada e autoimunidade. A vasculopatia se caracteriza por fenômeno de Raynaud e hipertensão arterial pulmonar. A fibrose ocorre principalmente na pele, causa esclerodactilia e espessamento cutâneo e nos pulmões produz pneumopatia intersticial pulmonar progressiva e irreversível.11 van den Hogen F, Khanna D, Fransen J, Johnson SR, Baron M, Tyndall A, et al. 2013 Classification criteria for systemic sclerosis. Arthritis Rheum. 2013;65, 2737047.,22 Gabrielli A, Avvedimento EV, Krieg T. Mechanisms of disease: escleroderma. N Engl J Med. 2009;360:1989-2003.

A fibrose pulmonar continua a ser a principal causa de mortalidade na ES. Ainda que o tratamento convencional com ciclofosfamida tenha se mostrado eficaz, não houve redução da mortalidade em cinco e dez anos e formas mais graves da doença podem não responder a esse tratamento.33 Elhai M, Meune C, Avouac J, Kahan A, Allanore Y. Trends in mortality in patients with systemic sclerosis over 40 years: a systematic review and meta-analysis of cohort studies. Rheumatology. 2012;51:1017-26.55 Bérezne D, Valeyre D, Ranque B, Guillevin L, Mouthon L. Interstitial lung disease associated with systemic sclerosis. What is the evidence for efficacy of cyclophosphamide?. Ann N Y Acad Sci. 2007;1110:271-84. Também foram relatadas melhorias no acometimento cutâneo avaliado pelo Modified Rodnan Skin Score (escore cutâneo modificado de Rodnan – mRSS). No entanto, há tendência para a recorrência do quadro quando a terapia é interrompida.55 Bérezne D, Valeyre D, Ranque B, Guillevin L, Mouthon L. Interstitial lung disease associated with systemic sclerosis. What is the evidence for efficacy of cyclophosphamide?. Ann N Y Acad Sci. 2007;1110:271-84. A ciclofosfamida é uma droga de alta toxicidade e não deve ser usada acima de dose cumulativa de 18 g. Assim, há necessidade de novas terapias para formas graves da ES, principalmente quando há acometimento cutâneo e pulmonar extensos.

A terapia biológica revolucionou o tratamento de outras doenças autoimunes, como a artrite reumatoide, e, mais recentemente, tem se mostrado eficaz em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Na artrite reumatoide, a terapia biológica, que inclui os agentes anti-TNF, depleção de células B e agentes anti-IL-6, foi eficaz no controle da atividade da doença e na redução de progressão radiográfica.66 Emery P, Fleischmann R, Filipowicz-Sosnowska A, Schechtmann J, Szczepanski L, Racewicz AJ, et al. The efficacy and safety of rituximab in patients with active rheumatoid arthritis despite metothrexate therapy: results of a phase IIB, randomized, double-blind, placebo-controlled dose ranging study. Arhtritis Rheum. 2006;54:1390-400. Na poliangeíte com granulomatose, a terapia com depleção de células B com rituximabe (RTX) foi eficaz na indução de remissão da doença com menos efeitos colaterais do que a terapia convencional com ciclofosfamida.77 Stone JH, Merkel PA, Spiera R, Seo P, Langford CA, Hoffman GS, et al. Rituximab versus cyclophosphamide for ANCA associated vasculitis. N Engl J Med. 2010;363:221-32. Entre os agentes imunobiológicos, o RTX tem sido o mais usado em outras doenças autoimunes além da artrite reumatoide.

A possibilidade do uso do RTX no tratamento de formas graves da ES foi considerada após evidências de que os linfócitos B têm papel patogênico na ES. Linfócitos B ativos foram isolados de biópsias pulmonares e cutâneas de pacientes com ES.88 Lafyatis R, O’Hara C, Feghali-Bostwick CA, Matteson EB. B cell infiltration is systemic sclerosis-associated interstitial lung disease. Arthritis Rheum. 2007;56:3167-8.,99 Fleischmajer R, Perlish JS, West WP. Ultrastructure of cutaneous cellular infiltrates in scleroderma. Arch Dermatol. 1977;113:1661-6. Lafyatis et al. demonstraram a redução de infiltrados cutâneos de células B em pacientes com ES tratados com RTX.1010 Lafyatis R, Kissin E, York M, Farina G, Viger K, Fritzler MJ, et al. B cell depletion with rituximab in patients with diffuse cutaneous systemic sclerosis. Arthritis Rheum. 2009;60:578-83.

Diante de evidências biológicas de eficácia e da necessidade de terapias sistêmicas superiores à ciclofosfamida, o uso do RTX foi testado em séries abertas de pacientes com formas graves e iniciais de ES. Smith et al. estudaram prospectivamente oito pacientes com menos de dois anos de duração de forma difusa de ES tratados com duas infusões de 1 g de RTX.1111 Smith VP, Van Praet JT, Vandooren BR, Vander Cruyssen B, Naeyart JM, Decuman S, et al. Rituximab in diffuse cutaneous systemic sclerosis: an open-label clinical and histopathologic study. Ann Rheum Dis. 2010;69:193-7.,1212 Smith VP, Piette Y, Van Praet JT, Decuman S, Deschepper E, Elewaut D, et al. Two years results of an open pilot study of a 2-treatment course with rituximab in patients with early systemic sclerosis with diffuse cutaneous involvement. Ann Rheum Dis. 2013;40:52-7. Houve redução no escore modificado de Rodnan, escores de atividade de doença e não houve progressão do quadro de pneumopatia intersticial difusa. Bosello et al. estudaram duas séries abertas de pacientes com a forma difusa da doença com menos de três anos de duração e evidenciaram resultados semelhantes.1313 Bosello S, De Santis M, Lama G, Spano C, Angelucci C, Tolusso B, et al. B cell depletion in diffuse progressive systemic sclerosis: safety, skin socre modification and IL-6 modulation in an up to thirty-six months follow-up open label trial. Arthritis Res Ther. 2010;12:1-10. R54.,1414 Bosello S, De Luca G, Rucco M, Berardi G, Falcione M, Danza FM, et al. Long-term efficacy of B cell depletion therapy on lung and skin involvement in diffuse systemic sclerosis. Semin Rheum Arhtritis. 2015;44:428-36. Na série de 10 casos de Giuggioli et al. houve redução significativa do mRSS na maioria dos pacientes.1515 Giuggioli D, Lummeti F, Colaci M, Fallahi P, Antoneli A, Ferri C, et al. Rituximab in the treatment of patients with systemic sclerosis. Our experience and review of the literature. Autoimmun Rev. 2015;14:1072-8. Em um estudo de prova de conceito, o RTX foi superior ao tratamento convencional em oito pacientes.1616 Daoussis D, Liossis SN, Tsamandas AC, Kalogeropoulou C, Kazantzi A, Sirinian C, et al. Experience with rituximab in scleroderma: results from a 1-year, proof-of-principle study. Rheumatology. 2010;49:271-80. No banco de dados do Scleroderma Trials and Research (EUSTAR), o rituximabe foi superior ao tratamento convencional.1717 Jordan S, Distler JHW, Mauer B, Hoscher D, Van Laar JM, Allanore Y, et al. Effects and safety of rituximab in systemic sclerosis: an annals from the European Scleroderma Trial and Research (EUSTAR) group. Ann Rheum Dis. 2015;74:1188-94. Atualmente, um estudo prospectivo feito pelo EUSTAR, encontra-se em andamento. Trata-se do Rituximab in Systemic Sclerosis Trial, o RECOVER.1818 Avouac J. Rituximab in systemic sclerosis. Available from: www.clinicaltrials.gov, Clinical Trials NCT01748084.
www.clinicaltrials.gov...

Diante das evidências, o RTX parece ser uma opção para o tratamento de formas graves de ES. Os dados do estudo RECOVER provavelmente ajudarão a guiar essa terapia no futuro.

O presente estudo feito com o objetivo de avaliar retrospectivamente uma série de pacientes com formas difusas e acometimento cutâneo e/ou orgânico grave que foram tratados com RTX em nosso centro desde 2009 até a presente data. Foram estudados pacientes que receberam RTX indicado pela gravidade do acometimento, independentemente do tempo de doença.

Pacientes e métodos

Foram revistos retrospectivamente todos os prontuários de pacientes com ES que fizeram tratamento com RTX com primeira infusão de janeiro de 2009 a janeiro de 2015. Foram incluídos pacientes independentemente da indicação do RTX e da forma da doença. Foram excluídos pacientes com superposição com outras doenças autoimunes sistêmicas. Os desfechos primários avaliados foram a segurança e a eficácia do RTX no tratamento da ES em nossa série. O protocolo de tratamento foi de RTX 1 g intravenoso seguido de segunda infusão após 15 dias. Foram revisados os dados de antes e após seis meses das duas infusões.

Foram buscados dados demográficos, clínicos, laboratoriais e imunológicos que incluíram a positividade, o título e o padrão do fator antinuclear (FAN) e a presença de anticorpos específicos de ES. O motivo de indicação do RTX, uso prévio de imunossupressores e dose cumulativa de ciclofosfamida foram avaliados. Dados laboratoriais (velocidade de hemossedimentação – VHS), de atividade cutânea e funcional pulmonar foram registrados antes e seis meses após a infusão do RTX. Como rotina do centro de infusões do ambulatório de reumatologia, os pacientes são observados em relação a parâmetros de segurança do medicamento. Foi observado se houve reações infusionais (alérgicas ou outras durante a infusão), outras reações e ou ocorrência de infecções de quaisquer origens.

Em relação à eficácia do medicamento, os parâmetros avaliados foram o mRSS e a função pulmonar, avaliada pelas provas de função respiratória (PFR) antes e após a infusão do medicamento. A atividade cutânea foi avaliada por meio do mRSS em 17 áreas corporais. Foi feito antes e seis meses após o RTX, sempre pela mesma examinadora. Embora o mRSS tenha sido feito de maneira não cega, a avaliação foi feita com intervalo de seis meses e a examinadora não teve acesso ao resultado anterior. Foi demonstrado que a reprodutibilidade intraexaminador do mRSS feito por examinador experiente é boa, porém a interexaminador não foi comprovada.1919 Clements P, Lachenbruch PA, Seibold JR, White B, Weiner R, Martin R, et al. Inter and intraobserver of total skin score (modified Rodnan TSS) in systemic sclerosis. J Rheum. 1995;22:1281-5. Nesse contexto, consideramos possível a confiabilidade do mRSS por apenas uma examinadora experiente. A atividade pulmonar foi avaliada antes e após o RTX por meio de PFR e tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). Na PFR foram avaliadas a capacidade vital forçada (CVF) e a capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLco) antes e após o RTX. Foram revisados os laudos de TCAR antes e seis meses após o RTX com um escore qualitativo. A seguinte pontuação foi atribuída: 1. Normal; 2. Presença de padrão em vidro fosco; 3. Presença de padrão em vidro fosco e bronquiectasias; 4. Presença de vidro fosco, bronquiectasias e bronquiolectasias; 5. Presença de áreas de consolidação; 6. Presença de áreas de faveolamento ou fibrose pulmonar.2020 Ichikado K, Suga M, Sakamoto N, Hara S, Kakugawa T, Tsubamoto M, et al. Prediction of prognosis for acute respiratory distress syndrome with thin section CT: validation in 44 cases. Radiology. 2006;238:321-9. A estabilização da função pulmonar, de acordo com outros estudos que avaliaram tratamento da fibrose pulmonar associada à ES, foi considerada como resposta satisfatória ao tratamento.55 Bérezne D, Valeyre D, Ranque B, Guillevin L, Mouthon L. Interstitial lung disease associated with systemic sclerosis. What is the evidence for efficacy of cyclophosphamide?. Ann N Y Acad Sci. 2007;1110:271-84.,1717 Jordan S, Distler JHW, Mauer B, Hoscher D, Van Laar JM, Allanore Y, et al. Effects and safety of rituximab in systemic sclerosis: an annals from the European Scleroderma Trial and Research (EUSTAR) group. Ann Rheum Dis. 2015;74:1188-94. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas de nosso hospital.

Análise estatística

Para a análise das variáveis contínuas (com distribuição normal) de valores de CVF e mRSS foi usado o teste t de Student. Foram considerados estatisticamente significativos os valores de p < 0,05.

Resultados

Dez pacientes, todos com forma difusa da doença, nove mulheres e um homem, receberam RTX para tratamento de manifestações graves da ES no período estudado. A tabela 1 sintetiza o perfil clínico e imunológico, a indicação do RTX e os dados de atividade laboratorial, cutânea e pulmonar antes e seis meses após o tratamento com RTX. A média de idade foi de 38,3 anos, com desvio padrão (DP) de 12; tempo de doença 6,6 anos (DP 4,3) e dose cumulativa média de ciclofosfamida de 12,9 g (DP 5,2). Todos os pacientes faziam uso concomitante de imunossupressor; oito pacientes usavam azatioprina 2 mg/kg/dia e dois usavam micofenolato de mofetila 2 g/dia. Nenhum paciente encontrava-se em uso de corticosteroide. Com relação ao desfecho de segurança, nenhum paciente apresentou evento adverso nos seis meses após o uso de RTX.

Tabela 1
Tempo de diagnóstico, indicações, doses cumulativas de ciclofosfamida e dados da função pulmonar e laboratoriais antes e depois do tratamento com rituximabe

Identificamos pacientes com dois tipos de perfil; o primeiro foi o de pacientes com tempo de doença menor ou igual a quatro anos e rápido acometimento pulmonar e/ou cutâneo (pacientes 1 a 5). Todos os pacientes desse grupo apresentavam quadro clínico rapidamente progressivo e refratário ao tratamento com ciclofosfamida. Quatro apresentavam FAN nucleolar em títulos altos e três apresentavam também antitopoisomerase I (anti-Scl-70) positivo, o que caracteriza perfil imunológico prognóstico de maior gravidade na maioria dos casos. As pacientes 1 a 3 apresentavam quadro cutâneo grave (todas com mRSS maior do que 14) e refratário à terapia prévia com ciclofosfamida. Em relação ao quadro pulmonar, verificamos que embora essas três pacientes não apresentassem síndrome restritiva grave, todas desenvolveram pneumopatia intersticial em vigência do tratamento com ciclofosfamida. Segundo os registros de prontuário, a paciente 1 apresentava histórico de redução da CVF de 90 para 71, as pacientes 2 e 3 apresentavam histórico de pioria no escore de TCAR de 1 para 4, todas durante o tratamento com ciclofosfamida no ano anterior. A paciente 4 apresentava síndrome restritiva grave, escore de TCAR máximo e mRSS de 51 mesmo após a terapia com ciclofosfamida. A paciente 5 apresentava pioria de 10 pontos no mRSS sem acometimento pulmonar grave; no entanto, apresentava miopatia com fraqueza muscular e elevação de enzimas musculares. Após a terapia com RTX, as pacientes 1 a 4 apresentaram redução importante no mRSS. A paciente 1 apresentou melhoria nas lesões cutâneas de leucomelanodermia. A paciente 5 apresentou redução discreta no mRSS (de 18 para 16) e melhoria na miopatia, com recuperação de força e normalização de enzimas musculares. Todas as pacientes apresentaram estabilização do quadro pulmonar seis meses da infusão do RTX no protocolo descrito no estudo (tabela 1).

Nos pacientes do segundo grupo (6 a 10), a indicação de RTX foi em virtude de pioria acentuada do quadro pulmonar ou cutâneo após mais de quatro anos de doença. Esses pacientes tinham perfil imunológico de FAN com padrão nucleolar em todos e presença de anti-scl-70 em quatro. No entanto, apresentavam longa evolução de doença e aparentemente com predomínio de fibrose irreversível (escores de TCAR de 6 nos pacientes 6 a 9). Os valores de CVF% e DLco% encontravam-se acentuadamente reduzidos nos pacientes 6, 7, 9 e 10. O paciente 8 apresentava história de redução rápida na CVF% (de 80 para 71%) no último ano, mesmo em uso de micofenolato de mofetila e dose cumulativa de ciclofosfamida de 18 g. O mRSS encontrava-se acima de 14 em apenas duas pacientes, indicava também menor atividade de doença cutânea. Esses pacientes apresentaram, no entanto, boa resposta ao tratamento, com melhoria no mRSS e relato de melhoria na capacidade ao exercício. Não houve elevação nos valores de CVF% e DLco%, porém todos os pacientes relataram melhoria na dispneia e uma paciente deixou de fazer uso de oxigenioterapia suplementar.

Considerando o grupo completo de pacientes, houve melhoria estatisticamente significante no mRSS. Não houve melhoria significativa na CVF, no entanto houve estabilização da função pulmonar. A tabela 2 sintetiza os valores de CVF e mRSS antes e após o tratamento nos 10 pacientes.

Tabela 2
Valores de CVF e mRSS antes e seis meses após a infusão do rituximabe

Discussão

Nossos resultados sugerem que, de acordo com estudos prévios, o RTX é uma terapia segura e eficaz para tratamento de formas graves da ES. Não verificamos melhoria em valores de CVF, DLco ou TCAR, no entanto houve estabilização da doença pulmonar. Houve melhoria significativa no quadro cutâneo avaliado pelo mRSS. Considerando que todos os pacientes tinham dose cumulativa alta de ciclofosfamida, o RTX foi uma opção para a continuidade do tratamento. Não houve reações infusionais ou infecções no período de seis meses após a primeira infusão. Nesse contexto, a segurança do tratamento com RTX na ES é um dos principais resultados de nosso estudo.

O primeiro grupo de pacientes de nosso estudo tem perfil semelhante aos pacientes dos estudos de Smith et al., Bosello et al., Daoussis et al. e Giuggioli et al.1111 Smith VP, Van Praet JT, Vandooren BR, Vander Cruyssen B, Naeyart JM, Decuman S, et al. Rituximab in diffuse cutaneous systemic sclerosis: an open-label clinical and histopathologic study. Ann Rheum Dis. 2010;69:193-7.1515 Giuggioli D, Lummeti F, Colaci M, Fallahi P, Antoneli A, Ferri C, et al. Rituximab in the treatment of patients with systemic sclerosis. Our experience and review of the literature. Autoimmun Rev. 2015;14:1072-8. Esses estudos iniciais avaliaram de forma aberta séries de 10 a 20 pacientes. Trata-se de pacientes com curta duração de doença, com formas rapidamente progressivas, caracterizadas por acometimento cutâneo extenso (mRSS > 14), doença pulmonar de incipiente e refratários ao tratamento convencional com ciclofosfamida. Smith et al. reportaram também a segurança e a eficácia sustentadas em seguimento após dois anos.1212 Smith VP, Piette Y, Van Praet JT, Decuman S, Deschepper E, Elewaut D, et al. Two years results of an open pilot study of a 2-treatment course with rituximab in patients with early systemic sclerosis with diffuse cutaneous involvement. Ann Rheum Dis. 2013;40:52-7. Também de acordo com a literatura, nosso grupo de pacientes com esse perfil apresentou boa resposta ao tratamento com RTX, com queda significativa do mRSS na maioria dos pacientes e estabilização da função pulmonar em todas as pacientes. É possível que nessa população de pacientes com formas iniciais o RTX tenha benefício em longo prazo como modificador de doença.

Giuggioli et al. reportaram uma melhoria em outras manifestações da ES, como leucomelanodermia e calcinose.1515 Giuggioli D, Lummeti F, Colaci M, Fallahi P, Antoneli A, Ferri C, et al. Rituximab in the treatment of patients with systemic sclerosis. Our experience and review of the literature. Autoimmun Rev. 2015;14:1072-8. Também verificamos que uma de nossas pacientes apresentou melhoria na leucomelanodermia e outra melhorou um quadro de miopatia. Esse resultado, embora descrito em casos isolados, é digno de nota, uma vez que essas manifestações são tradicionalmente refratárias a todos os tratamentos. Embora não representem risco de vida ou dano orgânico grave, geram grande impacto estético, funcional e em qualidade de vida para os pacientes.

Em uma revisão, McQueen e Solanki comentaram que embora o RTX não tenha uma indicação em bula para o tratamento da ES, os resultados dos estudos abertos são animadores.2121 McQueen F, Solanki K. Rituximab in diffuse systemic sclerosis: should we be using it today?. Rheumatology. 2015;54:757-67. Os autores argumentam que diante da evidência pode não ser apropriado aguardar os resultados dos estudos controlados para indicar o tratamento com RTX nos pacientes com perfil de maior gravidade. Em nosso estudo, incluímos pacientes com formas graves da doença e com alto risco de mortalidade. De acordo com a revisão, especulamos que a mortalidade em nossos pacientes seja reduzida com a introdução do RTX antes da publicação dos estudos prospectivos controlados.

Mais recentemente foi publicado o resultado do banco de dados do EUSTAR que avaliou retrospectivamente pacientes com ES tratados com rituximabe.1717 Jordan S, Distler JHW, Mauer B, Hoscher D, Van Laar JM, Allanore Y, et al. Effects and safety of rituximab in systemic sclerosis: an annals from the European Scleroderma Trial and Research (EUSTAR) group. Ann Rheum Dis. 2015;74:1188-94. Foi incluído um número maior de pacientes (63 em 42 centros) e um grupo controle de pacientes com mesmo perfil e que recebeu apenas tratamento imunossupressor convencional. Houve melhoria absoluta de 25% no mRSS no grupo de pacientes tratados com RTX. Semelhantemente aos nossos resultados, houve melhoria também no grupo de pacientes com longa duração de doença. Esses dados sugerem que os benefícios não são exclusivos para formas iniciais da doença. Houve melhoria também em casos de duração maior do que três anos. Nos pacientes do EUSTAR tratados com RTX houve estabilização da função pulmonar avaliada pelas provas de função pulmonar. No grupo controle, houve pioria significativa nos valores de CVF. Em nosso estudo não há controles, porém o resultado do EUSTAR corrobora nossa impressão de que nesses pacientes a estabilização da função pulmonar corrobora eficácia. Esses resultados sugerem que o RTX pode ser usado também em pacientes com formas de maior duração e com maior dano orgânico.

Argumenta-se que nos primeiros anos de doença possa ocorrer melhoria espontânea, é difícil atribuir os resultados ao medicamento. No entanto, nos estudos prévios os pacientes já haviam sido refratários ao tratamento no primeiro ano de doença com ciclofosfamida. Esse resultado, somado à evidência do EUSTAR e do estudo de prova de conceito de Daoussis, sugere que a melhoria não deve ser atribuída à história natural da doença, e sim ao tratamento medicamentoso. Essa questão deve ser respondida com os resultados do trial RECOVER, que inclui de forma prospectiva um grupo de tratamento com rituximabe e um grupo controle.1818 Avouac J. Rituximab in systemic sclerosis. Available from: www.clinicaltrials.gov, Clinical Trials NCT01748084.
www.clinicaltrials.gov...

Nosso estudo tem, no entanto, limitações. Trata-se de desenho retrospectivo, com a possibilidade de perda de dados. Também não houve grupo controle, não foi possível assegurar que a melhoria haveria ocorrido mesmo em pacientes não tratados. Não foi possível fazer avaliação quantitativa volumétrica das alterações na TCAR. O tempo de acompanhamento também foi relativamente curto, não permitiu avaliar se haveria melhores resultados em prazo maior.

Novos estudos com a inibição de células B como terapia para ES em estágios mais precoces da doença e com indicações precisas são necessários e podem mudar o curso dessa enfermidade com alto grau de morbidade e mortalidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2015
  • Aceito
    4 Abr 2016
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