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A publicação científica brasileira numa encruzilhada?

Muito já tem sido escrito sobre o fato de que a atividade científica brasileira foi severamente atingida pela crise nos últimos dois ou três anos, mas as consequências desse fato especificamente para a divulgação internacional da ciência produzida no Brasil tem sido menos comentada. No entanto todos sabemos ser ela uma das vitrines de um país no exterior além de um grande valor para a auto-estima desse país. Portanto, para aqueles que fazem ciência, a nossa presente crise torna-se severamente traumática. Visto que as atividades científicas no Brasil são financiadas basicamente pelo poder público as medidas de restrição financeira, seja no corte de verbas governamentais para a execução de projetos de pesquisa, redução de bolsas de pesquisa nos diversos níveis da pós-graduação, ou mesmo a extinção de programas de intercâmbio científico com outros países como por exemplo o Ciência sem Fronteiras foram duros golpes para a comunidade.

Por outro lado é bem sabido que o desenvolvimento da atividade científica está diretamente associada à disseminação das informações dela provenientes, e assim torna-se evidente o possível impacto negativo do problema sobre a publicação internacional do produto da nossa ciência localmente ou do que é aqui produzido em intercâmbios dos nossos pesquisadores com os de outros países.

Aquele crescimento acelerado, a partir do início da década de 1990 até há poucos anos, da nossa publicação científica nas Revistas de impacto (indexadas no Institute of Scientific Information (ISI) - Thomsom Reuters reconhecido como o de mais alto padrão seletivo no mundo), nos trazia uma grande satisfação, não como país do futuro, mas como país do presente. Manter esta condição está se tornando muito difícil. Precisamos ter cuidado agora para que não nos tornemos um país do passado!

De fato um país que em 1980 tinha uma taxa de publicação internacional próxima de zero, rastejando em uma posição das mais baixas no ranking mundial, tenha alcançado três décadas depois (2013) a 13º posição entre mais de cem países nesse cenário, ultrapassando países de maior tradição científica como Holanda, Russia, Suiça, Polônia, Bélgica, Dinamarca ou Escocia11 Folha de São Paulo. Como a Ciência Brasileira avançou: ranking dos 25 países com maior produção (1993-2013). [acesso em 4 ago 2017]. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/11/1541834-em-20-anos-pais-vai-de-24-a-13-em-ranking-de-pesquisa.shtml
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ainda nos causa orgulho. Não podemos deixar de reconhecer o empenho dos nossos órgãos gestores da atividade científica e tecnológica como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) que foram determinantes nesse crescimento acelerado. Num país ainda em desenvolvimento, com pouca tradição de pesquisa, sem a cultura de publicação científica, nada foi fácil nesse campo. E tudo indica que não será mais fácil agora! Ao contrário. Pesquisa e Desenvolvimento, em todos os países estão interligados.22 Guimarães JA. A pesquisa médica e biomédica no Brasil. Comparações com o desempenho científico brasileiro e mundial. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 9 (2): 303-27. E não é diferente no Brasil.22 Guimarães JA. A pesquisa médica e biomédica no Brasil. Comparações com o desempenho científico brasileiro e mundial. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 9 (2): 303-27. Como um exemplo dessa conexão, a publicação científica no nosso país evidenciou, aliás sobejamente, este fato.22 Guimarães JA. A pesquisa médica e biomédica no Brasil. Comparações com o desempenho científico brasileiro e mundial. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 9 (2): 303-27.

Esta explosão da nossa publicação que estava atingindo aquele nível de 13º lugar no mundo em 2013,11 Folha de São Paulo. Como a Ciência Brasileira avançou: ranking dos 25 países com maior produção (1993-2013). [acesso em 4 ago 2017]. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/11/1541834-em-20-anos-pais-vai-de-24-a-13-em-ranking-de-pesquisa.shtml
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,33 Barata G. Em revisão: o impacto da produção científica brasileira para o Brasil. Ciênc Cult. 2015; 64 (4): 6-8. alcançando um patamar de outros países em crescimento acelerado como Coreia do Sul - tínhamos em torno de 43.000 artigos publicados anualmente11 Folha de São Paulo. Como a Ciência Brasileira avançou: ranking dos 25 países com maior produção (1993-2013). [acesso em 4 ago 2017]. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/11/1541834-em-20-anos-pais-vai-de-24-a-13-em-ranking-de-pesquisa.shtml
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- caminhava paralelamente ao crescimento econômico do país. Mas considerando a forte relação entre ciência e desenvolvimento, tememos agora, dadas as implicações da presente crise financeira do Brasil, pela involução da atividade científica e consequentemente pelas nossas publicações e sua visibilidade no mundo. De fato quando observamos a evolução do nosso produto interno bruto, que em 2010 crescia a uma taxa positiva de 7,5%, verificamos que reduziu-se gradativamente até chegar à taxa de -3,6% em 2016.44 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Contas Nacionais Trimestrais Out-Dez 2016. [acesso em 4 ago 2017]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Fasciculo_Indicadores_IBGE/pib-vol-val_201604caderno.pdf
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O nosso futuro científico, pelo menos para os próximos anos, não parece ser promissor. É possível que aquele patamar quantitativo de publicações que estava alto (mas já com indícios de fase estacionária em 2013-2015),33 Barata G. Em revisão: o impacto da produção científica brasileira para o Brasil. Ciênc Cult. 2015; 64 (4): 6-8. venha mesmo a se reduzir. Chama a atenção também a posição do Brasil em termos de publicações nas Revistas consideradas de mais alto impacto conforme avaliação no Nature índex em 2015 onde o país estava muito bem representado (23º lugar entre os 100 países considerados mais proeminentes em publicações científicas do mundo).55 Nature Index Tables. Top 100 countries. Nature. 2015; 522: S34-S44. Disponível em: http://www.nature.com/nature/journal/v522/n7556_supp/fig_tab/522S34a_T1.html?foxtrotcallback=true
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Estávamos pois em ascenção, o que não era pouca coisa. Isso foi mostrado exatamente no momento em que precisávamos mais avançar e esses dados sugeriam que poderíamos faze-lo em termos da qualidade das nossas publicações. Não que nossos artigos fossem de um baixo nível, apenas essa qualidade, avaliada pelo fator de impacto das Revistas - não mostrava um incremento tão intenso quanto o da quantidade publicada. Nossos artigos avançaram em quantidade mas sua qualidade apresentam ainda dois aspectos críticos. Em primeiro lugar o seu impacto relativo é 0,6 quando comparado ao do mundo que é 1,0. Em segundo lugar este impacto tem-se mantido estacionário durante os anos, não mostrando um incremento paralelo ao incremento quantitativo. Portanto foi muito salutar a avaliação da Nature55 Nature Index Tables. Top 100 countries. Nature. 2015; 522: S34-S44. Disponível em: http://www.nature.com/nature/journal/v522/n7556_supp/fig_tab/522S34a_T1.html?foxtrotcallback=true
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visto que realçava uma proeminência recente (2015) da qualidade das publicações brasileiras. Foi um sinal de que nossa estabilidade qualitativa poderia estar melhorando. O problema agora portanto é, como continuar nesta perspectiva?

Tudo indica que nem parece fácil, nem num futuro previsível. Não é improvável que ao invés disso tendamos a decrescer em quantidade e, pior ainda, na qualidade, das nossas publicações. Aliás com as novas políticas de publicação pelas editoras científicas internacionais em que as taxas cobradas para isso são cada vez mais altas, não vemos um panorama muito positivo; Antes, trágico! Mas se este é o nosso momento, a nossa realidade, o que fazer? Alguns cenários parecem plausíveis. O primeiro seria evidentemente a retomada de um crescimento econômico vigoroso pelo país nos próximos anos. Ao lado disso poderia ser implementada um política (ou o que é mais difícil, uma cultura) de apoio das empresas brasileiras, públicas e privadas, à publicação e também à própria atividade de pesquisa. Uma iniciativa talvez mais prática e mais próxima seria a estimulação de maior intercâmbio entre instituições ou grupos de pesquisa bem como do empreendedorismo em todas as áreas de investigação científica com a união de todos os que labutam neste campo. Iniciativas neste sentido tem sido fomentadas por órgãos como FINEP, CNPq, CAPES cujos gestores devem fazer parte desta luta. Sabemos que não tem sido fácil.

Neste último caso, não estaremos sós.

José Eulálio Cabral Filho 1
1 Editor Executivo da Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017
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