Acessibilidade / Reportar erro

Perfil obstétrico dos óbitos perinatais em uma capital do Nordeste Brasileiro

Resumo

Objetivos:

analisar o perfil obstétrico e sociodemográfico dos óbitos perinatais ocorridos em Teresina, capital do Piauí, a partir de dados provenientes dos Sistema de Informação de Mortalidade e Sistema de Informação de Nascidos Vivos.

Métodos:

coorte retrospectiva de óbitos perinatais nascidos de mães residentes em Teresina, entre 2010 e 2014. As variáveis analisadas foram faixa etária e escolaridade da mãe, idade gestacional, tipo de gravidez (única ou múltipla), via de parto (vaginal ou cesáreo), local do óbito (intra ou extra-hospitalar), momento do óbito em relação ao parto (antes, durante ou após), e peso do concepto.

Resultados:

o coeficiente de mortalidade perinatal (CMP) variou entre 17,5 e 19,3 por mil nascidos. Verificaram-se semelhanças quanto ao perfil sociodemográfico e obstétrico dos óbitos fetais e não fetais, ambos com maior incidência em mães com faixa etária entre 20 e 27 anos, em parto vaginal e no tipo de gravidez única. Baixo peso ao nascer se relacionou positivamente com os óbitos neonatais precoces.

Conclusões:

a mortalidade perinatal apresentou correlação estatística com a idade gestacional, o peso ao nascer, e o tipo de parto. O CMP no nosso estudo foi mais elevado do que o de outras capitais brasileiras.

Palavras-chave:
Mortalidade perinatal; Assistência perinatal; Indicadores básicos de saúde; Indicadores de qualidade em assistência à saúde; Gravidez

Abstract

Objectives:

to analyze the obstetric and sociodemographic profile on perinatal deaths in Teresina the capital of Piauí, from data obtained from the Sistema de Informação de Mortalidade e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Brazilian Mortality Information System and Livebirth Information System).

Methods:

this is a retrospective cohort on perinatal deaths of mothers whose babies were born and resided in Teresina between 2010 and 2014. The analyzed variables were age and the mother´s schooling, gestational age, type of pregnancy (singleton or multiple), route of delivery (vaginal or cesarean), place of death (in and out hospital), time of death in relation to the delivery (prior, during or after), and birth weight.

Results:

the perinatal mortality coefficient (PMC) varied from 17.5 to 19.3 per 1,000 births. We found similarities in the sociodemographic profile and in the obstetric fetal and non-fetal deaths, both with a great incidence on 20 to 27 years-old mothers, vaginal delivery and singleton pregnancy. Low birth weight was positively related to early neonatal deaths.

Conclusions:

perinatal mortality presented a statistical correlation in gestational age, birth weight, and type of delivery. The PMC in our study was higher than other Brazilian capitals.

Key words:
Perinatal mortality; Perinatal care; Health status indicators; Quality indicators in healthcare; Pregnancy

Introdução

A mortalidade perinatal é entendida como a somatória de óbitos fetais e neonatais precoces.11 WHO (World Health Organization). Neonatal and perinatal mortality: country, regional and global estimates. Geneve; 2006. Designa-se por taxa de óbitos fetais a razão entre os óbitos ocorridos em fetos acima de 22 semanas de idade gestacional pelo número total de nascimentos de uma determinada região, em um determinado período de tempo.22 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF; 2009.,33 Barfield WD. Standard terminology for fetal, infant, and perinatal deaths. Pediatrics. 2016; 137(5): e1-e5.

A taxa de mortalidade neonatal precoce, por sua vez, corresponde à razão de todos os óbitos ocorridos em recém-nascidos de até sete dias de vida completos pelo número de nascidos vivos de uma determinada região, em um determinado período de tempo. Para fins de padronização, a razão é expressa por mil nascidos vivos, e o recorte temporal usualmente utilizado é de um ano.22 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF; 2009.,33 Barfield WD. Standard terminology for fetal, infant, and perinatal deaths. Pediatrics. 2016; 137(5): e1-e5.

O coeficiente de mortalidade perinatal é o somatório dos óbitos ocorridos da 22ª semana de gestação até sete dias completo de vida dividido pelo número de nascidos vivos somado às perdas fetais. Este coeficiente configura-se como parâmetro relevante para se avaliar a qualidade da saúde pública de um país e, mais especificamente, a qualidade da assistência prestada à gestante e à criança, refletindo ainda, as influências do contexto socioeconômico que ambas, mãe e criança, se inserem.44 Blencowe H, Cousens S. Addressing the challenge of neonatal mortality. Trop Med Int Health. 2013; 18 (3): 303-12.

Aspirando-se à diminuição da mortalidade materno-infantil nas últimas décadas, tem aumentado o interesse pela melhoria da qualidade de atenção a saúde da gestante e recém-nascido. Em 2004, a Presidência da República alicerçou o “Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal”, com o objetivo de envolver e mobilizar atores sociais em torno de uma assistência materno-infantil qualificada.55 Brasil. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: mortalidade perinatal. Brasília, DF; 2012.

O acompanhamento pré-natal deficiente tornou-se um importante fator a ser combatido no controle da mortalidade perinatal. Propõe-se que, com a melhoria da estrutura de assistência pré-natal, um grande percentual de mortes poderia ser evitado. O Ministério da Saúde do Brasil (MS) implementou, em 2011, uma política de saúde, a denominada Rede Cegonha, visando à consolidação de uma rede de atenção à saúde materno-infantil que legitima o acesso e a resolutividade durante o pré-natal, o pré-parto, o parto e o puerpério. O sucesso dessa intervenção apoia-se em dados sociodemográficos atualizados sobre as principais causas de mortalidade perinatal de cada região.66 Santos HG, Andrade SF, Silva AMR, Mathias TAF, Ferrari LL, Mesas AE. Mortes infantis evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde: comparação de duas coortes de nascimentos. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19 (3): 907-16.,77 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno Humanizasus - Humanização do Parto e do Nascimento. Brasília, DF; 2014.

No contexto da Rede Cegonha, e tendo em vista a escassez de trabalhos na nossa região que versam sobre a temática, pretendeu-se, com o presente estudo, avaliar a assistência materno-infantil em Teresina, capital do Piauí, através da caracterização da taxa de mortalidade perinatal no município e dos principais fatores a ela associadas, por meio de dados provenientes das bases de dados eletrônicos dos Sistemas de Informação de Mortalidade (SIM) e de Nascidos Vivos (SINASC).

A pesquisa respeitou a confidencialidade e o anonimato dos sujeitos de acordo com a resolução nº 466/12, tendo sido registrada na Plataforma Brasil do Sistema Nacional de Ética e Pesquisa (SISNEP), e aprovada pelo Comitê de Ética da UFPI de acordo com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE nº 43159815.4.0000.5214.

Métodos

O presente estudo é uma coorte retrospectiva de caráter observacional com base em dados secundários de óbitos fetais a partir de 22 semanas de gestação e óbitos neonatais de zero a sete dias completos de vida, ocorridos em Teresina, Piauí, no período de 01/01/2010 a 31/12/2014.

A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro a dezembro de 2015, sendo efetuada diretamente da base de dados eletrônica do SIM e do SINASC. Foi formulado um instrumento de coleta de dados com as seguintes variáveis: idade materna, escolaridade materna, tipo de gravidez (única ou múltipla), tipo de parto (vaginal ou cesáreo), local do óbito (intra ou extra-hospitalar), momento do óbito em relação ao parto (antes, durante ou após, para os óbitos fetais; na primeira hora de vida, entre a primeira e a vigésima quarta hora de vida, ou entre o primeiro e o sexto dia de vida, para os óbitos neonatais), idade gestacional e peso do concepto.

Os critérios de inclusão foram presença de registro do óbito no SIM para os óbitos fetais, e presença de registro do nascimento no SINASC e de óbito no SIM para os óbitos neonatais precoces. O critérios de exclusão foram ausência de descrição acerca do tipo de parto e da idade gestacional do concepto.

Os dados foram tabulados no programa SPSS para Windows versão 20.0. Os gráficos foram plotados no aplicativo GraphPad Prism versão 5.01. Para a análise univariada fez-se uso de estatística descritiva. Para a análise bivariada, utilizaram-se tabelas de dupla entrada e o teste qui-quadrado. O risco relativo foi calculado com um intervalo de confiança de 95%. Para todos os testes adotou-se o valor p=0,05 como nível de significância estatística.

Resultados

Dentro do período analisado ocorreram 1250 óbitos perinatais, dos quais 686 óbitos fetais a partir de 22 semanas de gestação, e 564 óbitos de nascidos vivos com 0 a 7 dias completos de vida. O coeficiente de mortalidade perinatal (CMP) variou entre 17,5 e 19,3 por mil nascidos. Observou-se que, dentro do período estudado, este coeficiente decresceu, tendo apresentado maior nível em 2010, e se estabilizado em 17,6 em 2014 (Figura 1A).

Figura 1
Perfil materno da mortalidade fetal em Teresina – PI, no período de 2010 a 2014.

Houve significância estatística para as variáveis maternas idade e escolaridade em relação aos óbitos fetais. O maior número de óbitos fetais ocorreu proporcionalmente em mães na faixa etária de 20 a anos (p=0,003): em 2010, foram 46,67%; em 2011, 57,14%; em 2012, 54,29%; em 2013, 51,83%; e em 2014, 60,9% (Figura 1B).

A maior incidência de óbitos fetais se deu em mães cujo nível de escolaridade era de 8 a 11 anos (p=0,015): em 2010, 25,33%; em 2011, 28,57%; em 2012, 27,86%; em 2013, 36,50%; e em 2014, 46,62%. Deve-se notar que, neste quesito, houve um percentual expressivo de dados não preenchidos, fato este com tendência à resolução ao longo dos anos: em 2010, a escolaridade materna foi considerada ignorada pela ausência de dados em 53% dos óbitos; já em 2014, apenas 18% dos óbitos não tiveram essa informação preenchida (Figura 1C).

A duração da gestação na qual ocorreu o maior número de óbitos fetais foi de 22 a 27 semanas de gestação, em 2010 (30,0%), e de 32 a 36 semanas, de 2011 a 2014 (29,37%, 36,43%, 35,77%, e 28,57% respectivamente). Não se observou, entretanto, correlação estatisticamente significativa (p=0,09).

O tipo de gravidez no qual houve maior número de óbitos fetais foi a única: 91,3% em 2010, 96,03% em 2011, 96,43% em 2012, 93,43% em 2013, e 95,49% em 2014 (p=0,21). A via de parto mais frequente foi a vaginal: 70,67% em 2010, 61,90% em 2011, 67,86% em 2012, 67,15% em 2013, e 60,15% em 2014 (p=0,14).

O local onde ocorreu maior quantidade de óbitos fetais foi no ambiente hospitalar: 94% em 2010, 100% em 2011, 99,29% em 2012, 97,81% em 2013, 93,98% em 2014. O momento do óbito foi, na maioria das vezes, anterior ao parto: 100% em 2010, 96,03% em 2011, 99,29% em 2012, 97,08% em 2013, e 96,99% em 2014.

No que tange aos óbitos neonatais precoces, 16,31% ocorreram na primeira hora de vida, 38,83%, entre a primeira e a vigésima quarta hora de vida, e 44,86% entre o primeiro e o sexto dia de vida. A faixa etária da mãe em que ocorreu a maior quantidade de óbitos não fetais foi de 20 a 27 anos.

No total, a maioria dos óbitos ocorreu em neonatos de gestação única (500 óbitos entre 2010 e 2014). Trinta e dois óbitos eram de gestação dupla, e apenas seis eram de gestação tripla. O tipo de gravidez não foi preenchido em 26 óbitos.

Dos oriundos de gestação única, 15,6% morreram na primeira hora de vida, 38,6% entre 1 e 24 horas de vida, e 45,8% entre 1 e 6 dias de vida. Dos procedentes de gestação dupla, 21,88% morreram na primeira hora de vida, 37,5% entre 1 e 24 horas de vida, e 40,63% entre 1 e 6 dias de vida. E dos advindos de gestação tripla, 50% morreram na primeira hora de vida, 33,33% entre 1 e 24 horas de vida, e 16,67% entre 1 e 6 dias de vida.

Ao se tentar associar idade do óbito neonatal precoce com a faixa etária materna ou com o tipo de gravidez, não se observou significância estatística (p=0,887 e p=0,182 respectivamente). Por outro lado, ao se correlacionar idade do óbito neonatal precoce com o tipo de parto, obteve-se associação positiva: 68,18% dos óbitos ocorridos na primeira hora de vida nasceram de parto vaginal, enquanto que 52,08% dos óbitos ocorridos entre o primeiro e o sexto dia de vida nasceram de parto cesáreo (Figuras 2A e 2D).

Figura 2
Perfil obstétrico da mortalidade neonatal precoce em Teresina – PI, no período de 2010 a 2014.

De forma semelhante, houve correlação positiva entre idade do óbito neonatal e a idade gestacional. A maioria dos óbitos que ocorreram tanto na primeira hora como no primeiro dia de vida foram de gestações de duração entre 22 a 27 semanas, com 35,9% e 31,02% respectivamente. Já os óbitos que ocorreram entre o primeiro e o sexto dia de vida ocorreram foram, em sua maior parte, oriundos de gestação com idade entre 28 e 31 semanas, com 28,57% (Figuras 2B e 2D).

A maioria dos óbitos neonatais precoces ocorreu em neonatos com extremo baixo peso (41,13%). Destes, a maioria (41,81%) foi a óbito entre a primeira e a vigésima quarta hora de vida. Para os neonatos em outra categoria de peso ao nascer, os óbitos se deram entre o primeiro e o sexto dia de vida (Figuras 2C e 2D).

Assim, dentre as variáveis obstétricas avaliadas, identificaram-se como fatores de risco para óbito neonatal precoce o tipo de parto vaginal, com risco relativo (RR) de 1,86 (IC de 1,49 a 2,23), a idade gestacional entre 22 e 27 semanas, com RR de 102,25 (IC de 61,36 a 143,14), e o extremo baixo peso ao nascer, com RR de 92,48 (IC de 77,47 a 107,49) (Tabela 1).

Tabela 1
Risco relativo para óbito neonatal precoce em relação ao tipo de parto, idade gestacional, e peso ao nascer, em Teresina – PI, no período de 2010 a 2014.

Discussão

Um expressivo percentual de recém-nascidos morre por doenças evitáveis ou tratáveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, anualmente, em todo o mundo, especialmente nos países em desenvolvimento, quatro milhões de crianças morrem nos período neonatal, sendo o maior risco nas primeiras 24 horas após o nascimento.88 Rocha R, Oliveira C, Silva DKFD, Bonfim C. Mortalidade neonatal e evitabilidade: uma análise do perfil epidemiológico. Rev Enferm UERJ. 2011; 19 (1): 114-120.

A mortalidade entre crianças de 1 a 59 meses de vida decresceu 47% em todo o mundo no período entre 1990 e 2011, prevendo-se atualmente que continue a decrescer numa média de 2,9% ao ano. O declínio da mortalidade neonatal apresenta-se de forma mais lenta: estima-se que tenha reduzido em 32% nesse mesmo período, diminuindo de 32/1.000 nascidos vivos (NV) em 1990 para 22/1.000 NV em 2011, com queda média anual de 1,8%. Nos países em desenvolvimento, em 2011, essa taxa foi de 3,7/1.000 nascidos vivos, sendo que, em alguns países da África e do Sul da Ásia, este índice chega a ser até 10 vezes maior.44 Blencowe H, Cousens S. Addressing the challenge of neonatal mortality. Trop Med Int Health. 2013; 18 (3): 303-12.,99 United Nations Children's Fund. Situação Mundial da Infância 2012. New York: UNICEF; 2012.

Atualmente, ocorrem aproximadamente 7,6 milhões de óbitos perinatais por ano, dos quais 98% acontecem em países em desenvolvimento. Os óbitos fetais respondem por cerca de 57% destas mortes, e sua redução tem sido muito lenta quando comparada da mortalidade neonatal precoce. Este componente da mortalidade perinatal vem apresentando importante e progressiva redução em nível global. Nos países desenvolvidos, em contraste, a mortalidade é decrescente em todas as faixas etárias.1010 Fonseca SC, Coutinho ESF. Pesquisa sobre mortalidade perinatal no Brasil: revisão da metodologia e dos resultados. Cad Saúde Pública. 2004; 20 (Suppl. 1): S7-S19.

Nos Estados Unidos, em 2005, a taxa de mortalidade fetal era de 6,2/1.000 nascidos vivos, se aproximando da taxa de mortalidade infantil (TMI), que, nesse mesmo ano, era de 6,9/1.000 NV. No Brasil, as taxas de mortalidade infantil apresentam-se em níveis comparáveis aos observados nos países desenvolvidos no final dos anos 60, e as causas perinatais revelam-se como primordiais no primeiro ano de vida.44 Blencowe H, Cousens S. Addressing the challenge of neonatal mortality. Trop Med Int Health. 2013; 18 (3): 303-12.,1111 Lansky S, França E, Leal MC. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisão da literatura. Rev Saúde Pública. 2002; 36 (6): 759-72.

Nos últimos dez anos, foram instituídas políticas federais focadas em ações para diminuição da pobreza, alargamento da cobertura da Estratégia Saúde da Família, aumento das taxas de aleitamento materno exclusivo, entre outras, as quais surtiram efeito, reduzindo significativamente a taxa de mortalidade em crianças menores de um ano: a taxa de óbitos foi reduzida de 47,1/1.000 NV em 1990, para 15,6/1.000 NV em 2010.22 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF; 2009.

O nordeste brasileiro seguiu o padrão nacional e apresentou redução importante na taxa de mortalidade infantil, de aproximadamente 5,5% entre 1990 e 2007. As regiões Norte e Nordeste do país continuam, entretanto, com níveis elevados de óbitos entre menores de cinco anos, de 27,2/1.000 NV, ou seja, 2,1 vezes mais alta que na região Sul, e 40% maior que a taxa nacional.22 Brasil. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF; 2009.

No estado do Piauí, a partir do ano 2000, foi observada uma redução da mortalidade infantil de 36,5/1.000 NV, a qual decresceu para 30,4/1.000 NV em 2005, tendo com isso alcançado a 18ª posição no ranking da mortalidade infantil brasileira. O estado, quando confrontado com os demais estados nordestinos, apresenta a menor taxa de mortalidade infantil.1212 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Observações sobre a evolução da mortalidade no Brasil: o passado, o presente e perspectivas. Rio de Janeiro; 2010.

Em Teresina, capital do Piauí, o estudo mais recente sobre o tema conta com dados coletados entre julho e dezembro de 2007, e observou que, nesse período, de um total de 231 nascimentos que requisitaram internação em Unidade de Terapia Intensiva, 72 foram a óbito no período neonatal. Destes, 58,7% eram do sexo masculino, 62,2% nasceram de parto operatório, e 90,3% tinham menos de 37 semanas de idade gestacional, cuja média foi de 31 semanas.1313 Silva CMCD, Gomes KR, Rocha OAMS, Almeida IMLMD, Moita Neto JM. Validity and reliability of data and avoidability of the underlying cause of neonatal deaths in the intensive care unit of the North-Northeast Perinatal Care Network. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (3): 547-56.

Os recém-nascidos que evoluíram para óbito tinham menos de 2.500g em 90,5% dos casos, sendo que 64,1% foram classificados como muito baixo peso - o peso médio ao nascer foi de 1.391g. Três quartos dos recém-nascidos foram a óbito nos primeiros sete dias de vida, tendo ocorrido o óbito nas primeiras 24 horas em 32% dos casos.1313 Silva CMCD, Gomes KR, Rocha OAMS, Almeida IMLMD, Moita Neto JM. Validity and reliability of data and avoidability of the underlying cause of neonatal deaths in the intensive care unit of the North-Northeast Perinatal Care Network. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (3): 547-56.

Em relação ao coeficiente de mortalidade peri-natal em Teresina, segundo o presente estudo, o maior coeficiente dentro do período observado se deu em 2010, com queda significativa no ano de 2011, leve aumento no ano de 2012 e, finalmente, mantendo-se estável nos anos de 2013 e 2014, variando entre 17,5 e 19,3 por mil nascidos. Jacinto et al.1414 Jacinto E, Aquino EML, Mota ELA. Mortalidade perinatal no município de Salvador, Bahia: evolução de 2000 a 2009. Rev Saúde Pública. 2013; 47 (5): 846-53. também verificaram alto coeficiente de mortalidade perinatal na cidade de Salvador, chegando a 20,0/1.000 nascidos no ano de 2009.

Por outro lado, em capitais do Brasil com melhor Índice de Desenvolvimento Humano, observa-se menor coeficiente de morte perinatal, como é o caso da cidade de Curitiba, com 12,9 óbitos por 1.000 nascidos.1515 Sobieray NLEC, Urbanetz AA, Tristão EG. Estudo da mortalidade perinatal do município de Curitiba no período de 2002 a 2005. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015; 60: 47-53. São Paulo capital apresenta coeficiente semelhante, 12,3/1.000.1616 Camargo ABMA. Natimortalidade e a mortalidade perinatal em São Paulo. São Paulo Persp. 2008; 22 (1): 30-47.

Quanto à tendência à redução, é reconhecido que ela é muito mais pronunciada em outras cidades brasileira. Em Montes Claros, no estado de Minas Gerais, o coeficiente de mortalidade perinatal decresceu de 22,3/1.000 nascidos, em 1999, para 10,5/1.000 nascidos, em 2011.1717 Oliveira E, Souto MB, Santos RO, Fonseca RL, Matos FV, Caldeira AP. Mortalidade Infantil Evitável em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 1999-2011. Rev Baiana Saúde Pública. 2015; 39 (2): 397-407.

Sabe-se que a faixa etária da mãe constitui um dado importante para a avaliação do risco de óbitos fetais, visto que os maiores riscos ocorrem entre as mães mais jovens, com menos de 20 anos, atingindo um nadir entre 20 e 35 anos, e aumentando novamente com o crescer da idade. As gestantes com mais de 35 anos já são consideradas, só pela faixa etária, um grupo de risco, requerendo pré-natal diferenciado nos serviços de atendimento.1616 Camargo ABMA. Natimortalidade e a mortalidade perinatal em São Paulo. São Paulo Persp. 2008; 22 (1): 30-47.

Contudo, no presente estudo, os óbitos fetais ocorreram predominantemente na faixa etária de 20 a 33 anos, a qual é tradicionalmente considerada como de baixo risco. Uma possível justificativa para esse fato é que o número de nascimentos também seja maior para as gestantes dessa faixa etária.1414 Jacinto E, Aquino EML, Mota ELA. Mortalidade perinatal no município de Salvador, Bahia: evolução de 2000 a 2009. Rev Saúde Pública. 2013; 47 (5): 846-53.

A escolaridade materna apresenta-se como um forte marcador do perfil cultural, comportamental e socioeconômico da família, e apresenta relação positiva com os cuidados de saúde, sendo um importante determinante de mortalidade.1818 Costa GJ. Mortalidade perinatal, determinantes biológicos, de atenção à saúde materno infantil e socioeconômicos: uma análise das desigualdades entre os bairros do Recife [tese]. Recife (PE): Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz; 2008. Porém, não observamos redução relativa do número de óbitos à medida que o grau de escolaridade materna aumentou, sendo que a faixa de 8 a 11 anos de estudo teve o maior número de óbitos fetais. Isso talvez possa ser atribuído a um viés de desejabilidade social, em que mães com baixo nível de escolaridade omitiram deliberadamente essa informação, contribuindo para a grande proporção de respostas indisponíveis nesse quesito nos formulários.

Com relação à duração da gestação, o maior número de óbitos fetais ocorreu entre 32 a 36 semanas, com exceção do ano de 2010, no qual houve o maior número de óbitos entre 22 a 27 semanas. O aumento do número de óbitos de crianças com duração da gestação e peso adequado pode atuar como um indicador da qualidade da assistência no pré-natal.1919 Martins EF, Rezende EM, Lana FCF, Souza KV. Óbitos perinatais investigados e falhas na assistência hospitalar ao parto. Esc Anna Nery. 2013; 17 (1): 38-45.

Neste tocante, nossos dados estão de acordo com os apresentados no estudo de Camargo et al.,1616 Camargo ABMA. Natimortalidade e a mortalidade perinatal em São Paulo. São Paulo Persp. 2008; 22 (1): 30-47. bem como no de Martins et al.2020 Martins EF, Lana FCF, Maria E. Tendência da mortalidade perinatal em Belo Horizonte, 1984 a 2005. Rev Bras Enferm. 2010; 63 (3): 446-51., que verificou a tendência da mortalidade perinatal de 1985 a 2003 em Belo Horizonte, e demonstrou predomínio da mortalidade em idade gestacional superior a 28 semanas, dado este compatível com o perfil dos países em desenvolvimento.

Sobre o tipo de gravidez, nosso estudo revelou maior número de óbitos em gravidez única, o que pode ter sido devido ao fato da maior quantidade desse tipo de gravidez em relação à múltipla. Quanto ao local do óbito, observou-se que estes se deram predominantemente em ambiente hospitalar. Não foi observada quantidade expressiva de óbitos em outros locais, como em outras unidades de saúde ou no domicílio. O maior número de óbitos fetais ocorreu antes do parto, o que corrobora os resultados de outras pesquisas que verificaram falta de assistência pré-natal apropriada em países em desenvolvimento, contribuindo para maior mortalidade ante e intra-parto.2121 Lansky S, Friche AAL, Silva AAM, Campos D, Bittencourt DAS, Carvalho ML. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (Suppl.): S192-S207.

Em relação ao tipo de parto, verificou-se maior proporção de óbitos fetais em partos normais, que representaram cerca de 40% dos partos realizados. Este dado pode representar um viés de causalidade reversa, já que se tem estabelecido que, salvo exceções pontuais, uma vez detectado o óbito fetal no pré-parto, a via de parto preferencial torna-se a vaginal.2222 Lansky S, França E, César CC, Monteiro Neto LC, Leal MC. Mortes perinatais e avaliação da assistência ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2006, 22 (1): 117-30.

Ressalta-se que a OMS recomenda que o percentual de partos operatórios não ultrapasse 15%, porém os resultados do nosso estudo revelaram valores quatro vezes mais elevados naqueles que evoluíram com óbito, o que pode sugerir que há uma tendência para adotar uma conduta mais agressiva frente a partos com um prognóstico fetal presumidamente reservado.2323 Laurenti R, Siqueira AAF, Jorge MHPM, Gotlieb SLD, Pimentel EC. Mortalidade perinatal em hospitais do estado de São Paulo: aspectos metodológicos e algumas características maternas e do concepto. J Hum Growth Dev. 2013; 13 (3): 261-9.

Considerações finais

Realizamos um estudo bastante compreensivo, isto é, abrangente das principais variáveis relacionadas a óbitos fetais e neonatais precoces em Teresina-PI. O principal ponto que favorece a validade interna de nossa pesquisa é o fato de a amostra ser abrangente, tendo sido incluídos todos os óbitos perinatais computados no SIM em um período de meia década. Ao optarmos por trabalhar com dados já consolidados em uma base de dados unificada, ao invés de nos restringirmos a registros provenientes tão somente de maternidades, conseguimos reduzir substancialmente a chance de possíveis vieses de seleção, já que o SIM inclui dados de todos os estabelecimentos de saúde, e mesmo registros de óbitos ocorridos fora do ambiente médico.

Mesmo que, para fins de cálculo do RR, tenham sido excluídos os registros incompletos, nossa amostra continuou significativamente representativa da população: para as variáveis modo de parto e peso ao nascer, houve uma perda ocasionada pela exclusão, com base em nossos critérios de elegibilidade, de apenas 5,14% e 3,37%, respectivamente.

Quanto à validade externa, sabemos que o CMP reflete intrinsecamente os dados relativos à população estudada, com seu perfil sócio-econômico-demográfico peculiar, de modo que se torna difícil estabelecer generalizações para populações de outros estados. A inexistência de estudos amplos e recentes em outras capitais dificulta ainda mais a realização de comparações.

A principal limitação do nosso trabalho consiste na qualidade das bases de dados empregadas (SIM e SINASC), que dependem de um preenchimento apropriado da Declaração de Óbito e da Declaração de Nascido Vivo para serem alimentadas. Percebeu-se que, a despeito de as informações relativas ao feto serem, de forma geral, devidamente anotadas, o registro de alguns dados maternos sofreu incompletude durante o período avaliado (2010 a 2014), a exemplo da idade e do grau de escolaridade da mãe. Reforça-se a importância da notificação e preenchimento adequados das declarações de óbitos, a fim de se obterem dados completos e corretos sobre as principais causas de mortalidade em uma população, tornar possível identificar os fatores de risco envolvidos, e realizar políticas de promoção e proteção à saúde por meio da assistência de qualidade pré-natal, ao parto e ao neonato. O presente estudo ressalta a relevância de dados estatísticos como ferramentas importantes para os gestores de saúde.

Agradecimentos

Agradecemos ao Prof. João Batista Telles por ter colaborado na execução dos testes estatísticos.

References

  • 1
    WHO (World Health Organization). Neonatal and perinatal mortality: country, regional and global estimates. Geneve; 2006.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF; 2009.
  • 3
    Barfield WD. Standard terminology for fetal, infant, and perinatal deaths. Pediatrics. 2016; 137(5): e1-e5.
  • 4
    Blencowe H, Cousens S. Addressing the challenge of neonatal mortality. Trop Med Int Health. 2013; 18 (3): 303-12.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: mortalidade perinatal. Brasília, DF; 2012.
  • 6
    Santos HG, Andrade SF, Silva AMR, Mathias TAF, Ferrari LL, Mesas AE. Mortes infantis evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde: comparação de duas coortes de nascimentos. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19 (3): 907-16.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Caderno Humanizasus - Humanização do Parto e do Nascimento. Brasília, DF; 2014.
  • 8
    Rocha R, Oliveira C, Silva DKFD, Bonfim C. Mortalidade neonatal e evitabilidade: uma análise do perfil epidemiológico. Rev Enferm UERJ. 2011; 19 (1): 114-120.
  • 9
    United Nations Children's Fund. Situação Mundial da Infância 2012. New York: UNICEF; 2012.
  • 10
    Fonseca SC, Coutinho ESF. Pesquisa sobre mortalidade perinatal no Brasil: revisão da metodologia e dos resultados. Cad Saúde Pública. 2004; 20 (Suppl. 1): S7-S19.
  • 11
    Lansky S, França E, Leal MC. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisão da literatura. Rev Saúde Pública. 2002; 36 (6): 759-72.
  • 12
    IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Observações sobre a evolução da mortalidade no Brasil: o passado, o presente e perspectivas. Rio de Janeiro; 2010.
  • 13
    Silva CMCD, Gomes KR, Rocha OAMS, Almeida IMLMD, Moita Neto JM. Validity and reliability of data and avoidability of the underlying cause of neonatal deaths in the intensive care unit of the North-Northeast Perinatal Care Network. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (3): 547-56.
  • 14
    Jacinto E, Aquino EML, Mota ELA. Mortalidade perinatal no município de Salvador, Bahia: evolução de 2000 a 2009. Rev Saúde Pública. 2013; 47 (5): 846-53.
  • 15
    Sobieray NLEC, Urbanetz AA, Tristão EG. Estudo da mortalidade perinatal do município de Curitiba no período de 2002 a 2005. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015; 60: 47-53.
  • 16
    Camargo ABMA. Natimortalidade e a mortalidade perinatal em São Paulo. São Paulo Persp. 2008; 22 (1): 30-47.
  • 17
    Oliveira E, Souto MB, Santos RO, Fonseca RL, Matos FV, Caldeira AP. Mortalidade Infantil Evitável em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 1999-2011. Rev Baiana Saúde Pública. 2015; 39 (2): 397-407.
  • 18
    Costa GJ. Mortalidade perinatal, determinantes biológicos, de atenção à saúde materno infantil e socioeconômicos: uma análise das desigualdades entre os bairros do Recife [tese]. Recife (PE): Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz; 2008.
  • 19
    Martins EF, Rezende EM, Lana FCF, Souza KV. Óbitos perinatais investigados e falhas na assistência hospitalar ao parto. Esc Anna Nery. 2013; 17 (1): 38-45.
  • 20
    Martins EF, Lana FCF, Maria E. Tendência da mortalidade perinatal em Belo Horizonte, 1984 a 2005. Rev Bras Enferm. 2010; 63 (3): 446-51.
  • 21
    Lansky S, Friche AAL, Silva AAM, Campos D, Bittencourt DAS, Carvalho ML. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (Suppl.): S192-S207.
  • 22
    Lansky S, França E, César CC, Monteiro Neto LC, Leal MC. Mortes perinatais e avaliação da assistência ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2006, 22 (1): 117-30.
  • 23
    Laurenti R, Siqueira AAF, Jorge MHPM, Gotlieb SLD, Pimentel EC. Mortalidade perinatal em hospitais do estado de São Paulo: aspectos metodológicos e algumas características maternas e do concepto. J Hum Growth Dev. 2013; 13 (3): 261-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2017
  • Revisado
    17 Mar 2018
  • Aceito
    18 Jul 2018
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br