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Eficácia do sururu (Mytella falcata) na recuperação de crianças desnutridas, moradoras de favelas de Maceió, Alagoas

Resumo

Objetivos:

avaliar a eficácia do sururu (Mytella falcata) na recuperação de crianças desnutridas.

Métodos:

foram acompanhadas por 12 meses 64 crianças desnutridas crônicas atendidas no Centro Recuperação e Educação Nutricional. As crianças foram pareadas por idade e grau de desnutrição formando 3 grupos, os quais receberam dieta balanceada para a recuperação nutricional diferindo apenas na fonte de proteína. Foi ofertada ao grupo (1) preparação de carne bovina, ao grupo (2) preparação de sururu e ao grupo (3) uma preparação de sururu com leite de coco.

Resultados:

a avaliação antropométrica revelou que as crianças obtiveram um incremento médio em escore Z no índice A-I de 0,70 para o grupo da carne, 0,62 no grupo que recebeu sururu e 0,57 no grupo que recebeu sururu com leite de coco (pD0,05). Constatou-se ainda redução da prevalência da anemia nos grupos com percentual de redução de 22,8% (p=0,002), 27,8% (p=0,007) e 42,4% (pD0,001) nos grupos 1, 2 e 3, respectivamente.

Conclusões:

a preparação sururu com ou sem leite de coco pode ser um substituto eficaz da carne bovina no combate a desnutrição infantil e da anemia, podendo ser incluída no cardápio de instituições infantis e em programas que visem à recuperação nutricional de crianças.

Palavras-chave
Anemia; Crescimento; Crianças; Desnutrição; Sururu; Leite de coco

Abstract

Objectives:

to assess the efficacy of mussels (Mytella falcata) in malnourished children’s recovery.

Methods:

64 chronically malnourished children were accompanied for 12 months and attended at the Centro Recuperação e Educação Nutricional (Recovery Center and Educational Nutrition). The children were paired by age and malnutrition level forming three groups, which they received a balanced diet for nutritional recovery differing only on protein source. The group was offered (1) preparation of red meat, group (2) preparation of mussels and group (3) preparation of mussels in coconut milk.

Results:

the anthropometric assessment revealed that the children obtained a mean increase in the Z score in A-I indice of 0.70 for the group who red meat, 0.62 for the group who had mussels and 0.57 the group who had mussels cooked in coconut milk (p<0,05). An observation was made on a reduction in the prevalence of anemia with 22,8% (p=0,002), 27.8% (p=0.,007) and 42.4% (p 0.001) in groups 1, 2 and 3, respectively.

Conclusion:

the preparation of mussels cooked in or not in coconut milk can be an effective substitution for meat in combating child malnutrition and anemia and may be included in the children's institutions menus and in the programs that aim for children’s nutritional recovery.

Key words
Anemia; Growth; Children; Malnutrition; Mussels; Coconut Milk

Introdução

A desnutrição na infância, consistindo no déficit estatural ainda é um problema de saúde pública principalmente quando associado à anemia.11 Rocha D da S, Lamounier JA, Capanema FD, Franceschini IS do CC, Norton R de C, Costa ABP, Rodrigues MTG, Mariana Rodrigues de Carvalho, Chaves TS. Estado nutricional e prevalência de anemia em crianças que freqüentam creches em Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Paul Pediatr. 2008; 26 (1): 6-13.,22 Monteiro CA, Benício MAD, Konno SC, Silva ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública. 2009; 43 (1): 3543. Entre crianças menores de 5 anos o binômio anemia-desnutrição é responsável por implicações graves no crescimento e desenvolvimento.33 World Health Organization, United Nations Childrens Fund, United Nations University. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control. A guide for programme managers. Geneva: World Health Organization; 2001.

Além destas implicações, a desnutrição, está associada ao aumento da morbidade e mortalidade infantil.44 Black RE, Allen LH, Bhutta ZA, Caulfield LE, de Onis M, Ezzati M, Mathers C, Rivera J. Maternal and child under-nutrition: global and regional exposures and health consequences. Lancet. 2008; 371 (9608): 243-60.,55 Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal PC, Martorell R, Richter L, Sachdev HS. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet. 2008; 371 (9609): 340-57.

Apesar da prevalência de desnutrição energético-proteica (DEP) ter diminuído no Brasil22 Monteiro CA, Benício MAD, Konno SC, Silva ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública. 2009; 43 (1): 3543. e principalmente no Nordeste,66 Lima ALL, Silva ACF, Konno SC, Conde WL, Benicio MHD, Monteiro CA. Causas do declínio acelerado da desnutrição infantil no Nordeste do Brasil (1986-19962006). Rev Saúde Pública. 2010; 44 (1): 17-27. observa-se que, devido às diferenças sociais, tal agravo ainda continua relevante, especialmente em alguns bolsões de pobreza localizados nas periferias das grandes cidades.66 Lima ALL, Silva ACF, Konno SC, Conde WL, Benicio MHD, Monteiro CA. Causas do declínio acelerado da desnutrição infantil no Nordeste do Brasil (1986-19962006). Rev Saúde Pública. 2010; 44 (1): 17-27.

7 Florêncio TM de MT, Ferreira HS, França APT, Cavalcante JC, Sawaya AL. Obesity and undernutrition in very-low-income population in the city of Maceió, Northeast Brazil. Br J Nutr. 2001; 86: 277-83.

8 Sawaya AL. Desnutrição: conseqüências em longo prazo e efeitos da recuperação nutricional. Estud Av. 2006; 20 (58): 147-58.

9 Silveira KBR, Alves JFR, Ferreira HS, Sawaya AL, Florêncio TM de MT. Association between malnutrition in children living in favelas, maternal nutritional status, and environmental factors. J Pediatr (Rio J). 2010; 86 (3): 21520.
-1010 Cabral MJ, Vieira KA, Sawaya AL, Florêncio TM de MT. Perfil socioeconômico, nutricional e de ingestão alimentar de beneficiários do Programa Bolsa Família. Estud Av. 2013; 27 (78): 71-87.

Com o objetivo de contribuir para a redução dos índices de desnutrição, foi criado em São Paulo o programa denominado Centros de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) uma organização sem fins lucrativos, que desde 1993 atua no combate e prevenção à má nutrição infanto-juvenil. O CREN realiza busca ativa dos casos de desnutrição nas comunidades e que conta com ações integradas que valorizam as iniciativas locais bem-sucedidas, respeitando culturas regionais e, principalmente, aproveitando o patrimônio de cada pessoa, família e comunidade.1111 Sawaya AL, Solymos GMB, Florêncio TM de MT, Martins PA. Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros. Estud Av. 2003; 17 (48).

No município de Maceió, Estado de Alagoas, o CREN está localizado na 7ª região administrativa aquela de menor índice de desenvolvimento humano da cidade, que tem 24 favelas, onde a prevalência de desnutrição crônica na população infantil é de aproximadamente 10% chegando a 30% em casos extremos.99 Silveira KBR, Alves JFR, Ferreira HS, Sawaya AL, Florêncio TM de MT. Association between malnutrition in children living in favelas, maternal nutritional status, and environmental factors. J Pediatr (Rio J). 2010; 86 (3): 21520.,1010 Cabral MJ, Vieira KA, Sawaya AL, Florêncio TM de MT. Perfil socioeconômico, nutricional e de ingestão alimentar de beneficiários do Programa Bolsa Família. Estud Av. 2013; 27 (78): 71-87. No CREN as crianças recebem assistência pedagógica continuada, cuidados de saúde, combate às infecções e cinco refeições diárias equilibradas com alimentos regionais de baixo custo e de elevada densidade nutricional.88 Sawaya AL. Desnutrição: conseqüências em longo prazo e efeitos da recuperação nutricional. Estud Av. 2006; 20 (58): 147-58.,1111 Sawaya AL, Solymos GMB, Florêncio TM de MT, Martins PA. Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros. Estud Av. 2003; 17 (48).

O Brasil caracteriza-se por grandes diferenças culturais entre os seus estados e territórios que se refletem na diversidade alimentar. No Estado de Alagoas, o molusco denominado sururu (Mytella falcata) com leite de coco constitui uma preparação alimentar amplamente conhecida e apreciada, cujo consumo é ligado à própria cultura. O sururu apresenta grande importância econômica, social e nutricional. A composição da preparação sururu com leite de coco, apresenta em 100g: 12,0 g de proteínas, 7,1 g de lipídeos, - dos quais 44,5% representados pelo ácido láurico, - 4,7g de carboidratos e 3,1 g de cinzas.1212 Lira GM, Filho JM, Santana LS, Torres RP, Oliveira AC, Omena CMB, Silva Neta ML. Perfil de ácidos graxos, composição centesimal e valor calórico de moluscos crus e cozidos em leite de coco da cidade de Maceió-AL. Rev Bras Ciênc Farm. 2004; 40 (4): 529-37. Apresenta ainda teor de ferro superior ao da carne bovina, tanto na preparação de sururu isoladamente (17,56 mg/kg), como na preparação de sururu com leite de coco (13,8mg/kg). A forma química do ferro encontrada em moluscos é semelhante a existente em produtos à base de carne bovina, o heme, que tem características químicas e metabólicas de alta biodisponibilidade.1313 Santos TM de M, Sawaya AL, Da Silva MCD, Dos Santos AF, Neto JAB, Florêncio TM de MT. Avaliação microbiológica e da concentração de vitamina A, ferro e zinco em preparações do molusco sururu (Mytella falcata). Demetra. 2014; 9 (3); 811-22.

Entretanto, inexistem dados na literatura sobre a presença desses alimentos no cardápio infantil local.

Por sua vez, o coco (Cocos nucifera), um produto bastante difundido no nordeste brasileiro, principalmente no Estado de Alagoas, é rico em triglicerídeos de cadeia média (TCM) sendo o seu extrato bastante utilizado pelas indústrias alimentícias e bem aceito para uso dietético domiciliar.1414 Assunção ML, Ferreira HS, Dos Santos AF, Cabral CR, Florêncio TM de M. "Effects of Dietary Coconut Oil on the Biochemical and Anthropometric Profiles of Women Presenting Abdominal Obesity". Lipids. 2009; 44 (7): 593601.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia do sururu com leite de coco e sururu sem leite de coco, em comparação com carne bovina na recuperação de crianças desnutridas atendidas no Centro de Recuperação e Educação Nutricional de Maceió.

Métodos

Estudo longitudinal, de natureza experimental com crianças desnutridas moderada e grave semi-internas no CREN/Maceió. A investigação foi conduzida durante um período de 12 meses de setembro de 2010 a agosto de 2011 com três grupos de estudo. Todas as crianças receberam dieta balanceada para a recuperação nutricional diferindo apenas na oferta da fonte proteica. Foi ofertada ao grupo 1 (carne) preparação de carne bovina, ao grupo 2 (sururu sem leite de coco - SSLC) preparação de sururu sem leite de coco e ao grupo 3 (sururu com leite de coco -SCLC) preparação de sururu com leite de coco.

Os grupos foram formados por 21, 22 e 21 crianças respectivamente, totalizando 64 participantes com idades variando entre 12 e 71 meses. Os dados sobre peso corporal, estatura, sexo, faixa etária e hábitos alimentares foram coletadas por nutricionistas do próprio centro. Para diagnóstico de anemia foi realizado hemograma completo para análise dos valores de hemoglobina no início e no fim do estudo.

Foi definido como critério de seleção que todas as crianças do estudo fossem semi-internas no CREN. Neste Centro as crianças semi-internas permanecem a maior parte do dia (8:00 às 17:00 de segunda a sexta-feira) onde a ingesta foi controlada. Durante esta pesquisa, nos horários em que estavam na própria residência os familiares eram orientados quanto ao que deveriam oferecer às crianças e todas as segundas-feiras as famílias eram entrevistadas para que os mesmos relatassem o que foi ingerido.

Nas residências, os responsáveis pelas crianças eram orientados a ofertar alimentos que faziam parte do hábito alimentar regular das famílias: arroz, feijão, farinha, pão, margarina, ovo. A única restrição era o consumo de carne bovina e vísceras. Tal orientação foi decidida pela equipe do projeto em reunião anterior ao início do projeto e reforços foram feitos nos encontros semanais para coleta dos dados do dia alimentar habitual de final de semana. Foram excluídos da amostra os portadores de qualquer tipo de patologia que pudesse interferir no processo normal de crescimento e desenvolvimento. As crianças foram avaliadas por uma equipe multidisciplinar para o diagnóstico de saúde antes do início da intervenção, mensalmente e ao final do estudo.

As crianças selecionadas foram pareadas por idade e grau de desnutrição formando os 3 grupos, que permaneceram de 8hs as 17hs no Centro, de segunda a sexta, onde recebiam alimentação equilibrada com 90-100kcal/kg/dia e 3g/kg/dia de proteína, sendo liberadas ao final da tarde para as suas residências.

As crianças recebiam cinco refeições/dia. No almoço era ofertado aos grupos o alimento em estudo na porção de 30g de carne para o grupo 1(carne); 60g de sururu o grupo 2 (SSLC) e 60g para o grupo 3 (SCLC). No jantar era ofertado aos grupos a mesma preparação de frango ou peixe. É importante salientar que a diferença na porção ofertada de carne versus sururu se deve a quantidade proteica do produto, isto é 30g de carne e 60g de sururu tem a mesma quantidade de proteína. Vale ressaltar que durante todo o período do experimento as crianças dos grupos que receberam sururu não fizeram uso de carne bovina. No CREN o padrão do cardápio oferecido era composto por arroz, feijão, guarnição, porção protéica, frutas, verduras, legumes, raízes, pão, leite e ovos.

Para o diagnóstico e classificação de desnutrição foi usada a medida do comprimento ou estatura do índice altura para idade (A/I), segundo a faixa etária e o sexo. Para a medição do comprimento dos menores de 2 anos foi utilizado um infantômetro dotado de fita métrica inextensível com 105 cm de comprimento e 0,1cm de precisão; para medição da estatura dos maiores de 2 anos, foi utilizado um estadiômetro dotado de fita métrica inextensível com 2 m de comprimento e precisão de 0,1 cm. Os procedimentos adotados para as medidas de peso e altura foram homogêneos e conforme aos recomendados por Frisancho.1515 Frisancho AR. Anthropometric standards for the assessment of growth and nutritional status. Ann Arbor: The University of Michigan Press. 1990: 48-53.

O padrão de referência para avaliação do estado nutricional das crianças foi o da WHO.1616 World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva; 2006. A partir dos dados foi composto o índice A/I, através da utilização do programa Anthro versão 2007. Para os maiores de 60 meses, foi utilizada a tabela publicada pela WHO1717 Woiski JR. Nutrição e Dietética em Pediatria. Ed. Atheneu. Rio de Janeio, 1988; 155-65. e aplicada à fórmula para obtenção do desvio-padrão (DP) do índice destas crianças. Foi atribuído o diagnóstico de normalidade às crianças compreendidas entre +2 e -2 DP. A determinação de desnutrição moderada foi definida pelo ponto de corte escore Z < -2 e a desnutrição grave pelo ponto de corte escore Z ≤ -3 para o índice A/I.

O padrão alimentar das crianças foi avaliado através da alimentação oferecida no CREN. Para isso foi calculada a média da ingestão semanal das crianças de cada grupo com o auxílio do programa AVANUTRI®. Foi observado o atendimento das recomendações de macro e micronutrientes.1717 Woiski JR. Nutrição e Dietética em Pediatria. Ed. Atheneu. Rio de Janeio, 1988; 155-65.,1818 DRI's -Dietary Reference Intakes for Energy, Macronutrients and Micronutrients. Institute of Medicine (IOM). Washington: National Academy Press, 2002; 107-264. (Tabela 1)

Tabela 1
Dieta ofertada às crianças atendidas em regime de semi-internato no CREN/AL - 2009-2010.

Para realização dos exames laboratoriais, as coletas de sangue eram realizadas no CREN entre os meses de junho e julho de 2010, com todas as crianças do estudo, sendo repetidas no fim do estudo no mês de setembro de 2011. Foram obtidas amostras de 10 mL de sangue em jejum de 12 horas e imediatamente encaminhadas para dosagens bioquímicas em laboratório de análises clínicas credenciado.

O hemograma foi realizado com o objetivo de detectar a anemia ferropriva. A classificação utilizada para o diagnóstico de anemia foi a recomendada pela WHO33 World Health Organization, United Nations Childrens Fund, United Nations University. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control. A guide for programme managers. Geneva: World Health Organization; 2001.: carência de ferro crianças de idade até cinco anos com níveis de hemoglobina < 11 g/dL, e crianças com idade entre 5 e 6 anos com hemoglobina < 11,5g/dL. Cabe ressaltar que as crianças com diagnóstico de anemia foram tratadas, antes do início do estudo no mês de setembro de 2010.

As crianças que não permaneceram ao longo de 12 meses no estudo foram consideradas "perdas", (ocasionadas principalmente pela mudança de endereço das famílias). Destas "perdas" 2 crianças foram no grupo 1 (carne), 4 no grupo 2 (SSLC) e 2 no grupo 3 (SCLC). Das 64 crianças selecionadas inicialmente, 56 foram incluídas no julgamento final das intervenções alimentares.

Na análise estatística as variáveis atenderam aos pressupostos de normalidade (teste de Lilliefors) e de homogeneidade das variâncias dos resíduos (teste de Levene). A comparação das médias das variáveis contínuas entre os grupos foi feita por meio de ANOVA com teste post-hoc de Tukey-HSD. A comparação entre variáveis categóricas foi feita por meio do teste qui-quadrado. Foi adotado um valor de 5% de probabilidade para rejeição da hipótese nula.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (Nº. 9580/2007-26), e obedeceu ao disposto na Resolução nº 196 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os responsáveis dos participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na amostra.

Resultados

Das 64 crianças estudadas, 50 eram desnutridas moderadas e 14 desnutridas graves e tinham idade média de 41,2 ± 15,8 meses. As características gerais dos participantes de cada grupo (Tabela 2) mostram que no período pré-intervenção o índice A/I e o percentual de anemia, não tiveram diferença entre os 3 grupos demonstrando a homogeneidade dos mesmos antes da intervenção nutricional.

Tabela 2
Características gerais dos grupos no período pré-intervenção quanto ao déficit de estatura e prevalência de anemia das crianças atendidas em regime de semi-internato no CREN/AL - 2009.

A avaliação antropométrica ao final do estudo revelou que as crianças obtiveram um incremento médio em escore Z no índice A/I de 0,70 para o grupo da carne, 0,62 no grupo SSLC e 0,57 para o grupo que recebeu SCLC, não sendo observadas diferenças estatísticas entre os grupos (Tabela 3).

Tabela 3
Variação do índice altura para idade após 12 meses de intervenção segundo estado nutricional das crianças atendidas em regime de semi-internato no CREN/AL - 2009-2010.

Quando observadas as médias de A/I inicial e final intragrupos, os resultados mostram uma evolução da estatura estatisticamente significante em todos os grupos, quando comparados os valores no início e após 12 meses de intervenção.

Os resultados do hemograma demonstraram redução da prevalência de anemia em todos os grupos estudados quando comparados os valores iniciais com os finais, resultando numa diminuição de 22,8% (p=0,002), 27,8% (p=0,007) e 42,4% (p 0,001) nos grupos da carne, SSLC e SCLC respectivamente. Entretanto não houve diferença estatística entre os grupos (Tabela 4).

Tabela 4
Frequência de anemia e concentração média de hemoglobina nos grupos, após 12 meses de intervenção nas crianças atendidas em regime de semi-internato no CREN/AL - 2009-2010.

Discussão

No presente estudo fica evidente que o tratamento nutricional oferecido às crianças do CREN foi eficaz na melhoria do seu estado nutricional independentemente do tipo da proteína utilizada (carne bovina ou sururu). Neste sentido, é sabido que intervenções efetivas para recuperação do estado nutricional são uma necessidade visto que o retardo do crescimento e a anemia são problemas de saúde pública grave que interferem no desenvolvimento em longo prazo.1919 Bwibo NO, Neuman CG. The Need for Animal Source Foods by Kenyan Children. In: Animal Source Foods to Improve Micronutrient Nutrition and Human Function in Developing Countries. J Nutr. 2003; 133: 3936S-3940S.

20 Grillenberger M, Neumann CG, Murphy SP, Bwibo NO, Weiss RE, Jiang L, Hautvast JGAJ, West CE. Intake of micronutrients high in animal-source foods is associated with better growth in rural Kenyan school children. Brit J Nutr. 2006; 95: 379-90.
-2121 Darapheak C, Takano T, Kizuki M, Nakamura K, Seino K. Consumption of animal source foods and dietary diversity reduce stunting in children in Cambodia. Int Arch Med. 2013; 6: 29. Quando o consumo de energia e de nutrientes está abaixo das necessidades, essa inadequação interfere no processo de crescimento da criança, sendo esse fator determinante no surgimento de várias manifestações clínicas que repercutirão na vida adulta.88 Sawaya AL. Desnutrição: conseqüências em longo prazo e efeitos da recuperação nutricional. Estud Av. 2006; 20 (58): 147-58.

Estudo conduzido por Grillenberger et al.2020 Grillenberger M, Neumann CG, Murphy SP, Bwibo NO, Weiss RE, Jiang L, Hautvast JGAJ, West CE. Intake of micronutrients high in animal-source foods is associated with better growth in rural Kenyan school children. Brit J Nutr. 2006; 95: 379-90. com escolares em zona rural do Quênia demonstrou que a inclusão diária de 200mL de leite ou de 60mg de carne na alimentação das crianças estiveram associados com a melhoria do estado nutricional e do crescimento. De acordo com os autores, esse resultado deve-se a quantidades elevadas de aminoácidos biodisponíveis naqueles alimentos.

Em estudo2121 Darapheak C, Takano T, Kizuki M, Nakamura K, Seino K. Consumption of animal source foods and dietary diversity reduce stunting in children in Cambodia. Int Arch Med. 2013; 6: 29. no Camboja, com crianças entre 12 a 59 meses de idade foi mostrado que o consumo de uma dieta variada esteve associado à redução do nanismo. O estudo examinou o consumo alimentar nas últimas 24 horas anteriores à pesquisa. Os alimentos foram agrupados em 7 grupos de acordo com a WHO, e dentre os grupos de alimentos avaliados o menor risco de baixa estatura esteve associado ao grupo que ingeriu alimentos de origem animal.

Outro estudo realizado no Estado de São Paulo, com crianças desnutridas participantes de um programa interdisciplinar que ofertava um litro de leite/dia durante aproximadamente um ano, apontou redução de 22,6% na prevalência de desnutrição crônica.2222 Tonete VLP, Carvalhaes MABL, Trezza EMC. Evolução nutricional de crianças carentes atendidas por programa de suplementação alimentar. Pediatr (São Paulo). 2003; 25 (3): 101-9. Este resultado é inferior ao encontrado na presente pesquisa, a qual observou uma redução do déficit estatural em 46,4% das crianças após o período de intervenção. No presente estudo, foi notável o impacto positivo na recuperação estatural entre todos os grupos com incremento médio em escore Z no índice A/I de 0,65.

A alta prevalência de anemia encontrada no inicio do estudo (43,6%), foi semelhante à encontrada entre crianças no mesmo grupo etário em creches municipais de outros Estados brasileiros: do Rio de Janeiro (41,9%)2323 Bagni UV; Baião MR; Santos MMAS; Luiz RR; Veiga GV. Efeito da fortificação semanal do arroz com ferro quelato sobre a freqüência de anemia e concentração de hemoglobina em crianças de creches municipais do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009; 25 (2): 291-302. e entre crianças de 6 a 59 meses no Estado de Pernambuco.2424 Oliveira MAA, Osório MM, Raposo III MCF. Concentração de hemoglobina e anemia em crianças no Estado de Pernambuco, Brasil: fatores sócio-econômicos e de consumo alimentar associados. Cad Saúde Pública. 2006; 22 (10): 2169-78. Em relação ao percentual de crianças que ao final da intervenção deixaram de apresentar anemia (31%), observou-se ter sido maior do que o observado em estudo numa creche do Rio de Janeiro (14,5%), que utilizou arroz fortificado com ferro2323 Bagni UV; Baião MR; Santos MMAS; Luiz RR; Veiga GV. Efeito da fortificação semanal do arroz com ferro quelato sobre a freqüência de anemia e concentração de hemoglobina em crianças de creches municipais do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009; 25 (2): 291-302.; e em estudo realizado em Manaus, Estado do Amazonas (14%), com crianças que consumiram farinha de mandioca fortificada com ferro.2525 Tuma RB, Yuyama LKO, Aguiar JPL, Marques HO. Impacto da farinha de mandioca fortificada com ferro aminoácido quelato no nível de hemoglobina de pré-escolares. Rev Nutr. Campinas. 2003; 16 (1): 29-39.

Os nossos resultados apontam para o efeito positivo da utilização do sururu na diminuição da anemia numa escala superior aos alimentos fortificados. Isso poderia ser explicado pelo fato de o SCLC conter ferro de maior biodisponibilidade.

Em estudo1919 Bwibo NO, Neuman CG. The Need for Animal Source Foods by Kenyan Children. In: Animal Source Foods to Improve Micronutrient Nutrition and Human Function in Developing Countries. J Nutr. 2003; 133: 3936S-3940S. realizado no Quênia, em crianças com anemia por deficiência de ferro, foi sugerida necessidade urgente de aumento do consumo de proteína animal na sua dieta como estratégia de prevenção e controle da anemia. O presente estudo revelou portanto que o consumo de alimentos de origem animal como a carne e as preparações de sururu contribuem para a recuperação do estado nutricional de crianças desnutridas, particularmente na diminuição do déficit estatural e na redução da prevalência de anemia.

Conforme os presentes resultados a preparação de sururu com ou sem leite de coco pode ser um substituto eficaz da carne bovina no combate a desnutrição infantil e anemia, visto que as crianças que receberam essas preparações tiveram incremento e evolução de crescimento semelhante ao grupo de crianças que consumiu carne.

Associado ao ganho em estatura foi possível observar a diminuição da anemia em todos os grupos concluindo-se que as preparações de sururu com ou sem leite de coco são ricas em ferro e podem ser inserida na alimentação de crianças desnutridas crônicas e anêmicas como parte do tratamento destas deficiências nutricionais.

Desta forma podemos sugerir que, estas preparações regionais podem ser inseridas no cardápio de instituições infantis (creches, escolas) e em programas que visem à recuperação nutricional de crianças.

Entre as limitações do estudo figura o tamanho reduzido da amostra, e assim sendo, os presentes resultados devem ser considerados com cautela e novos trabalhos devem ser realizados dada a importância do assunto para essas populações.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2016
  • Aceito
    31 Jan 2018
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