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O Processo de Regionalização no Brasil: influência das dimensões Política, Estrutura e Organização

Resumo

Objetivos:

analisar a influência e o desempenho das dimensões Política, Estrutura e Organização no processo de regionalização em cinco regiões de saúde no Brasil.

Métodos:

estudo quantitativo, transversal com uso de dados primários de 217 entrevistas realizadas com gestores, prestadores e representantes da sociedade em cinco regiões de saúde do Brasil. Cálculo do Índice de Influência que mede o grau de contribuição das três dimensões na regionalização.

Resultados:

ao analisarmos as três dimensões que influenciam o processo de regionalização separadamente, é preciso assinalar que há um melhor desempenho da dimensão Política frente às demais; por outro lado, a dimensão Estrutura se mostra a mais débil, configurando um verdadeiro obstáculo para o avanço do processo de regionalização; a dimensão Organização ocupa um lugar intermediário, em todas as regiões do estudo. A disponibilidade insuficiente de recursos físicos, humanos e financeiros entrava o avanço da regionalização e a consecução de seus objetivos maiores, que são a integração dos serviços e a coordenação do cuidado.

Conclusões:

regionalização segue um caminho incerto e sem diretriz clara de seus objetivos, metas e instrumentos de implementação. O planejamento regional, no caso da saúde, ainda é um exercício de teórico.

Palavras-chave:
Política de saúde; Planejamento regional

Abstract

Objectives:

to analyze the influence and performance on Policy, Structure and Organization dimensions in the regionalization process in five health regions in Brazil.

Methods:

a quantitative, cross-sectional study using primary data from 217 fulfilled interviews with managers, service providers and representatives of society in five health regions in Brazil. Calculation on the Influence Index that measures the contribution level of three dimensions in regionalization.

Results:

after analyzing the three dimensions that influence the regionalization process separately, it is necessary to point out that there is a better performance on the Policy dimension in front of all the others; on the other hand, Structure dimension shows itself to be feeble, configuring a real obstacle to progress the regionalization process; Organization occupies an intermediate place in all the regions of the study. The insufficient availability of physical, human and financial resources impedes to advance the regionalization and the achievement of its major objectives, which are the integration of services and coordination care.

Conclusions:

regionalization follows an uncertain path and without clear direction of its objectives, goals and deployed instruments. The Regional planning, in the case of health, is still a theoretical exercise.

Key words
Health policy; Regional planning

Introdução

Os condicionantes dos processos de regionalização, que respondem por transformações territoriais no mundo e no Brasil, distribuem-se sob quatro áreas de estudo: demográfica, econômica, política e social.11 Arretche M. Trajetórias da Desigualdade: Como o Brasil Mudou Nos Últimos 50 Anos. Editora Unesp; 2015.

Marcado pela globalização e pelo incremento das desigualdades entre classes sociais, territórios e nações, o momento atual testemunha mudanças nos fluxos de pessoas e de mercadorias, no mercado de trabalho, na geração e na disponibilidade de conhecimento. Esse contexto desafia o complexo sistema de políticas públicas, alterando as relações mercado-estado.

Para mitigar determinadas tendências, as políticas públicas devem estar inseridas nos processos de alavancagem das economias regionais com o propósito de induzir uma dinâmica de desenvolvimento centralizada nas pessoas capaz de aplacar desigualdades socioespaciais.

Em 2008, estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre as redes urbanas no Brasil já apontava a formação de aglomerados populacionais para além das fronteiras municipais. O órgão atribuía uma nova escala de importância a essas movimentações demográficas, expondo o quão profundas eram a desigualdade econômica e a oferta de serviços no território nacional.

Estudo mais recente sobre a evolução da desigualdade no país confirma que, apesar de avanços em alguns indicadores, a face territorial das desigualdades ainda é a marca do Brasil.11 Arretche M. Trajetórias da Desigualdade: Como o Brasil Mudou Nos Últimos 50 Anos. Editora Unesp; 2015. Ambos os estudos mostram que populações de algumas regiões do Brasil necessitam de mais recursos do que outras e que as redes urbanas carecem de políticas de ordenamento. Uma das medidas fundamentais para a melhoria das condições de vida e redução das desigualdades é a formulação de planejamento regional que combine incentivos econômicos com investimentos em políticas sociais.

É partindo desse ponto que o presente artigo busca discutir alguns dos resultados da pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil, com o objetivo de analisar a influência e o desempenho das dimensões Política, Estrutura e Organização no processo de regionalização em cinco regiões de saúde no Brasil. Inicialmente, faz-se uma breve descrição e problematização das políticas regionais recentes. Em seguida discutem-se as especificidades da área da saúde e, por fim, trazem-se algumas reflexões a fim de contribuir para a discussão acerca do processo de regionalização em curso.

Políticas públicas de desenvolvimento regional no Brasil em anos recentes

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) lançou em 2017 um estudo apresentando vertentes de pensamento que advogam ações de políticas regionais para pessoas e para territórios à luz do desenvolvimento regional recente. Essas iniciativas produzem resultados diversos sobre o desenvolvimento das regiões. Enquanto políticas sociais impactam a demanda de consumo local e regional assim como as políticas de investimento produtivo a oferta regional e local de bens e serviços.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

Acompanhando o debate internacional sobre a relevância da adoção de políticas voltadas para o território, como proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou para pessoas, como defendidas pelo Banco Mundial, uma avaliação do período pode oferecer uma interpretação singular desta controvérsia, com base nos avanços e nos recuos revelados em recortes de políticas públicas próprias da realidade brasileira.33 Moreira MR, Ribeiro JM, Ouverney AM. Obstáculos políticos à regionalização do SUS: percepções dos secretários municipais de Saúde com assento nas Comissões Intergestores Bipartites. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (4): 1097-108.

As duas proposições colocam frente a frente as experiências europeias (OCDE) e a norte-americana (Banco Mundial). Esta última propõe, no documento “Reshaping Economic Geography: World Development Report”,44 World Bank. Reshaping economic geography- World Development Report. Washington; 2009. a abordagem de não intervenção no território (place-neutral approach), cuja tese se baseia na ideia de que os mais potentes instrumentos para a integração [regional] são as melhorias naquelas instituições que trabalham com objetivos espacialmente ‘cegos’, isto é, nas instituições que se ocupam da provisão de serviços essenciais como educação, saúde e segurança pública.55 Gill I. Regional development policies: place-based or people-centred? VOX CEPR 's Policy Portal; 2010.

A abordagem que advoga a intervenção no território (place-based approach) é proposta pela OCDE em How Regions Grow: trend and analysis e Regions Matter.66 OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). How regions grow: trend and analysis. Paris; 2009a.,77 OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Regions matter: economic recovery, innovation and sustainable growth. Paris; 2009b. Tais estudos são influenciados pela experiência europeia de desenvolvimento e defendem explicitamente a política regional, sobretudo, para aumentar a competitividade das regiões no cenário internacional e fortalecer estratégias de desenvolvimento endógeno em regiões deprimidas ou de baixo crescimento.

Dados os bons resultados gerados pela política social nas regiões de mais baixo nível de desenvolvimento, conforme o estudo do IPEA, surge a necessidade de se repensar e fortalecer a dimensão produtiva, de competitividade territorial e/ou de mudança estrutural. Em outras palavras, a política social deu contribuições em termos de alocação de recursos, criação de poder aquisitivo e bem-estar, mas essa dimensão ainda não foi devidamente percebida pelos gestores das políticas regionais.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

O desequilíbrio do desenvolvimento regional no país vem implicando movimentos pouco coerentes, com fluxos migratórios diversificados e com ocupação territorial ora concentrada, ora desconcentrada ou seletiva. Apesar dessa diversificação estar resultando em novos centros regionais expressivos, ainda persiste a lógica do século passado de concentração de imigrantes e emigrantes nos grandes centros em busca de ascensão social.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

Dadas as transformações socioeconômicas pelas quais passou o Brasil e os impactos territoriais que se seguiram, o IPEA traçou uma tipologia definida por modalidades de inversões privadas e governamentais associadas a tipos preferenciais de territórios predominantemente impactados e redefinidos pela potência das forças em atuação.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

De acordo com essa análise, os investimentos tendem a se concentrar nas regiões conglomeradas. É ali que estão presentes as interações espaciais, as economias de escalas, de urbanização, entre outros. No Brasil, essas aglomerações metropolitanas mais estruturadas estendem-se ao longo do litoral (Sul, Sudeste, Nordeste). Nesses núcleos urbanos estão presentes as características do que a literatura denomina cidades-região. Ali se concentram as grandes empresas, o mercado de trabalho mais qualificado e os circuitos de sistemas e subsistemas urbano-regional.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

Conjugar e articular políticas nacionais e regionais, conforme sugere o estudo do IPEA, potencializaria os efeitos benéficos do crescimento econômico e do bem-estar nas regiões de menor nível de desenvolvimento.

Um caminho para fortalecer a dimensão territorial, é o país reorientar a dinâmica tradicional de provedor de insumos e recursos naturais para o mercado internacional. Outra proposição é fortalecer as cidades médias de forma sistêmica a fim de fomentar a movimentação de mercadorias e pessoas, utilizando de forma mais equilibrada os ativos do território brasileiro.22 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Desenvolvimento Regional no Brasil: políticas, estratégias e perspectivas. Rio de Janeiro; 2017.

No entanto, as relações intergovernamentais continuam sendo um desafio à boa implementação de políticas públicas no país.

A constituição de regiões e redes

Por ser um processo que abrange as dimensões social, política, institucional, econômica, cultural e por ser influenciada pela complexidade dos antigos e renovados fluxos internacionais e nacionais, a regionalização cria um mosaico de largo espectro. Contudo, atualmente, a região é fragmentada e suas extensões descontínuas, exigindo uma abordagem com diferentes escalas territoriais para se apreender os fenômenos analisados em determinado espaço.

Neste contexto, a multiescalaridade é vista como importante instrumento para compreensão do território. É preciso considerar a dimensão escalar não somente como um recurso matemático que estabelece a relação entre as medidas do real e da sua representação gráfica, ou seja, de um ponto de vista estritamente cartográfico. A escala deve ser abordada segundo uma interpretação geográfica mais ampla, enquanto um “artifício analítico que dá visibilidade ao real” e que retrate as relações existentes entre espaço, sociedade e poder político.88 Castro IE. O Problema da Escala. In: Geografia: conceitos e temas. Org. Iná Elias de Castro, Paulo Cesar da Costa Gomes, Roberto Lobato Corrêa; 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.

Analisar o território a partir de diferentes recortes - e aqui, no caso, o de uma região de saúde - merece, sempre que necessário, relacionar as escalas do seu entorno. Sob o ponto de vista analítico e metodológico, o uso de diversas escalas possibilita visualizar, problematizar e confrontar diferenças e especificidades de porções mais amplas ou reduzidas de um território, locus de fenômenos mundiais, nacionais, regionais e locais que interagem, divergem e/ou competem entre si.88 Castro IE. O Problema da Escala. In: Geografia: conceitos e temas. Org. Iná Elias de Castro, Paulo Cesar da Costa Gomes, Roberto Lobato Corrêa; 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.

Diante deste panorama, a opção pela utilização da multiescalaridade possibilita um maior conhecimento da complexidade da região estudada, bem como dos agentes que nela atuam. Esta preocupação permite analisar a organização dos espaços, a estrutura a e dinâmica socioespacial e histórica dos lugares, a dinâmica populacional, a formação das redes de cidade (as relações de hierarquia e polarização), distribuição e densidade da base técnica produtiva e de infraestrutura, redes de serviço, entre outros.99 Corrêa RL. Diferenciação Sócio-Espacial, Escala e Práticas Espaciais. Cidades. 2007; 4 (6): 62-72.

A definição dos níveis escalares demanda a delimitação de um ou mais recortes, sendo esse procedimento de extrema complexidade. A escolha do recorte expresso por uma “área” requer antes de tudo a inserção de um recorte territorial em uma hierarquia de espaços mais amplos e, em seguida, a compreensão das relações existentes entre eles como um todo. A articulação que se forma entre os recortes do território permite visualizar um mosaico de desigualdades socioespaciais e as principais continuidades ou descontinuidades.

A função das redes é assegurar ligações nos seus mais diversos aspectos. As redes podem representar fluxos abstratos (redes sociais, sistemas de projeção terrestre) ou concretos (redes de transporte, comunicação, comércio e mercadorias). Além disso, podem ser visíveis (rodovias e ferrovias) ou invisíveis (redes de informação e telecomunicações), mas a rede também pode ser social e política (fluxo de pessoas, mensagens, valores).

No âmbito da política nacional de saúde, as normas caracterizam que a Rede de Atenção à Saúde (RAS) são definidas por arranjos organizativos de ações e serviços de saúde de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado, não existindo hierarquia entre os serviços.1010 Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Portaria n. 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília (DF), Seção 1, p. 89, 2010, 31 dez.,1111 Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Decreto nº. 7508, de 26 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 27 de junho de 2011.

Dentre os objetivos da RAS destacam-se a integração sistêmica de ações e serviços de saúde com provisão de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada; e a ampliação do desempenho do sistema em termos de acesso, equidade, eficácia clínica e sanitária, bem como da eficiência econômica.1212 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM 4.279 de 30 de dezembro de 2010. Estabelece as diretrizes para a organização da rede de atenção do SUS. Brasília; 2010.,1313 Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Brasília; 2011.

A pesquisa Região e Redes: Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil

A pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil - Pesquisa Região e Redes - pretende analisar e compartilhar informações sobre as nuances do processo de regionalização brasileiro, a fim de compreender o modo como as regiões são constituídas. Adota a hipótese de que a conformação de sistemas regionais de saúde pode melhorar os indicadores e o desempenho do sistema de saúde.

A razão dessa assertiva é que regular e direcionar o fluxo de serviços e pessoas dentro de um território delimitado significa introduzir melhorias no acesso aos serviços e uso mais racional dos recursos, atendendo de forma integral as necessidades de saúde.

Discutir essa questão não é uma tarefa fácil. Além do estudo das características dos pontos de atenção à saúde nos territórios e do comportamento dos fluxos de pessoas entre os serviços intra e interregiões de saúde, é necessário explicitar esses movimentos em função de outras variáveis que extrapolam os fluxos da rede urbana e a disponibilidade de serviços, ou disponibilidade de oferta no setor saúde.

Para isso, são necessários estudos de campo, com levantamento de dados primários, abarcando aspectos referentes à política, ao planejamento e à gestão em saúde. É necessário um olhar integrado para os diferentes aspectos que compõem a atividade de satisfazer necessidades em saúde.

Por outro lado, é preciso definir quais níveis da assistência à saúde são a chave para o cuidado integral: sem sobra de dúvida, atenção primária, as redes e a vigilância à saúde constituem elementos estruturantes da assistência e, dentro das redes, a rede de urgência e emergência ocupa um lugar central. Por isso definimos como foco do estudo: a Atenção Primária à Saúde (APS), a Rede de Urgência e Emergência (RUE) e a Vigilância à Saúde.

O campo da pesquisa abrangeu cinco regiões de saúde das cinco macrorregiões brasileiras - Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro, no Norte; Baixada Cuiabana, no Centro-Oeste; Petrolina e Juazeiro, no Nordeste; Norte-Barretos e Sul-Barretos, no Sudeste; e Carbonífera e Costa Doce, no Sul. Essas regiões abarcam, pela divisão Urbano Regional do IBGE, uma metrópole nacional, uma capital regional e municípios de diferentes densidades de redes urbanas e, além de áreas de fronteira estadual e internacional, regiões com diferentes composições de serviços públicos e privados e pertencentes a diferentes agrupamentos, segundo a tipologia proposta pela pesquisa.1414 Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Rev Saúde Debate. 2015; 39 (n. especial): 24-34.

As mesmas regiões contemplam populações que variam de 384.175 a 2.119.145 habitantes, com variadas densidades demográficas, taxas de crescimento da população e taxas de envelhecimento populacional, além de um desempenho do sistema de saúde regional não homogêneo, segundo o Indicador de Desempenho Regional criado pela pesquisa.1515 Uchimura LYT, Fusaro ER, Ferreira MP, Pereira APM, Rezende CEM, Mota PHS, Mello GA, Demarzo MMP, Ponnet L, Viana ALA. Indicador sintético regional: avaliação do desempenho do sistema de saúde. Novos Caminhos, N.(10). Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil (Região e Redes); 2016. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/05/Novos_Caminhos_10.pdf
http://www.resbr.net.br/wp-content/uploa...

A escolha dessas regiões para o estudo de campo deve-se justamente à variabilidade presente nos territórios, o que nos permite checar o quanto essa composição específica de características impacta o processo de regionalização e qual o peso particular desses aspectos frente a outros, como o percurso histórico da política de saúde nessas mesmas regiões.

O enfoque metodológico da pesquisa buscou, no instrumental de políticas públicas, alguns conceitos para análise do processo de regionalização, como o das relações entre atores-chave, isto é, aqueles que são estabelecidos de maneira formal ou informal entre burocracia estatal (gestores de políticas nos diferentes níveis de governo) e atores não estatais (provedores de serviços), e os que recursos que detém e mobilizam para explicar de que forma essas mesmas relações (ou sua ausência) explicam o grau de implementação da política de regionalização.

A interação entre atores públicos estatais e privados é hoje uma constante nas regiões de saúde, financiamento público e provisão privada, sob a forma de múltiplos mecanismos, com destaque para aqueles criados após a emergência do SUS, como são as Organizações Sociais de Saúde (OSS).

Outro condicionante importante envolve a capacidade instalada de serviços, as disponibilidades de recursos financeiros e humanos, enfim, a percepção dos atores-chave sobre a suficiência e forma de contratação desses recursos.

Além das dimensões Política e Estrutura, a forma de relacionamento entre serviços e profissionais também exercem grande influência no desempenho em prol da regionalização, ou seja, contribuindo para uma melhor coordenação e integração das ações de saúde.

Por isso escolhemos 3 dimensões que podem explicar, se não o todo, pelo menos parte do processo de regionalização: política, estrutura e organização.

A primeira, refere-se ao processo político e procura identificar os espaços de atuação, negociação e conflito na região, os processos e fluxos decisórios e a condução da política e as funções exercidas por cada instituição nas decisões sobre saúde na região.

Estrutura, traduz a disponibilidade e suficiência de recursos humanos físicos e financeiros, as formas de contratação de recursos humanos e serviços.

A dimensão organização, por sua vez, apresenta os critérios de conformação das Redes de Atenção à Saúde, o planejamento, a gestão, a integração sistêmica entre serviços, a regulação e o acesso da população aos pontos de atenção à saúde.

Neste artigo, o foco será a apresentação dos resultados da análise dos indicadores construídos para as cinco regiões de saúde estudadas: Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro; Baixada Cuiabana; Petrolina/Juazeiro; Norte-Barretos/Sul-Barretos; e Carbonífera e Costa Doce.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, com uso de dados primários de entrevistas realizadas com gestores, prestadores e representantes da sociedade em cinco regiões de saúde do Brasil. Foram realizadas entrevistas com 217 informantes chaves utilizando questionário estruturado. Todos os entrevistados foram selecionados de acordo com a posição administrativa no momento da coleta de dados em cada instituição de âmbito estadual, regional e municipal.

Foram utilizados questionários estruturados divididos nas dimensões Política, Estrutura e Organização do processo de regionalização. Para a dimensão Política, considerou-se o protagonismo exercido por órgãos públicos, prestadores dos serviços de saúde, sociedade e demais atores na organização do sistema de saúde regional. Observou-se também a importância da Comissão Intergestores Regional (CIR) para a tomada de decisão e a importância das diretrizes e incentivos como instrumentos fomentadores da regionalização (Tabela 1).

Tabela 1
Eixos, componentes e escores da Dimensão Política. Pesquisa Região e Redes, 2017.

A dimensão Estrutura estudou a participação das esferas municipal, estadual e federal no custeio da Atenção Primária á Saúde, o aumento do investimento da RAS nos últimos três anos e a suficiência dos recursos físicos, humanos e da cobertura da Atenção Primária à Saúde (Tabela 2).

Tabela 2
Eixos, componentes e escores da Dimensão Estrutura. Pesquisa Região e Redes, 2017.

Na dimensão Organização foram avaliados a importância de parâmetros para a configuração das redes na região, os mecanismos e instrumentos para integração da assistência e a coordenação de cuidado na região, as iniciativas para a coordenação dos cuidados da Atenção Primária à Saúde de média e alta complexidade operados por especialistas, além do papel regulação da RAS (Tabela 3).

Tabela 3
Eixos, componentes e escores da Dimensão Organização. Pesquisa Região e Redes, 2017.

Para cada uma das dimensões e seus componentes, foram operacionalizados índices sintéticos derivados dos questionários expressos na escala de Likert de cinco pontos e em questões dicotômicas e multinomiais. Para as questões expressas na escala de Likert, calculou-se o escore médio, em que o valor um [1] equivale à pior avaliação e o cinco [5] à melhor avaliação em relação à questão investigada. Para as questões dicotômicas e multinomiais, utilizou-se o percentual das respostas afirmativas e/ou positivas em relação ao item investigado. Com a padronização dessas questões em uma escala de [1] a [10] pontos, obteve-se, por meio de média aritmética, o índice de cada componente.

O Índice de Influência mede, em uma escala de [1] a [10] pontos, o grau de contribuição de três dimensões - Política, Estrutura e Organização - na implantação da regionalização do sistema de saúde. O índice da dimensão é calculado com a média aritmética dos seus componentes; o Índice de Influência corresponde à média aritmética dos índices das dimensões. Nessa escala os valores acima de seis [6] indicam as melhores situações nos componentes e dimensões consideradas.

O indicador de desempenho do sistema de saúde em âmbito regional foi construído com base na metodologia usada por Uchimura et al.1515 Uchimura LYT, Fusaro ER, Ferreira MP, Pereira APM, Rezende CEM, Mota PHS, Mello GA, Demarzo MMP, Ponnet L, Viana ALA. Indicador sintético regional: avaliação do desempenho do sistema de saúde. Novos Caminhos, N.(10). Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil (Região e Redes); 2016. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/05/Novos_Caminhos_10.pdf
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Os autores consideraram cinco dimensões para a proposição do indicador (condições de saúde da população, cobertura do sistema de saúde, financiamento, recursos humanos e produção do SUS). Para este estudo, foi realizada uma adaptação do indicador de desempenho proposto pelos autores,1515 Uchimura LYT, Fusaro ER, Ferreira MP, Pereira APM, Rezende CEM, Mota PHS, Mello GA, Demarzo MMP, Ponnet L, Viana ALA. Indicador sintético regional: avaliação do desempenho do sistema de saúde. Novos Caminhos, N.(10). Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil (Região e Redes); 2016. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/05/Novos_Caminhos_10.pdf
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com acréscimo do item percentual da produção ambulatorial de média e alta complexidade no total da produção ambulatorial, além do corte da variável, financiamento. O indicador de desempenho representa a soma dos componentes das cinco dimensões com um intervalo de [0,5], quanto maior o valor obtido, melhor o desempenho do sistema.1515 Uchimura LYT, Fusaro ER, Ferreira MP, Pereira APM, Rezende CEM, Mota PHS, Mello GA, Demarzo MMP, Ponnet L, Viana ALA. Indicador sintético regional: avaliação do desempenho do sistema de saúde. Novos Caminhos, N.(10). Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil (Região e Redes); 2016. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2016/05/Novos_Caminhos_10.pdf
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Por fim, o indicador de atributos da regionalização mensura, em uma escala de [1] a [10], três componentes específicas do processo da regionalização - coordenação, integração e regulação - extraídos dos componentes do Índice de Influência. O grau de coordenação nas regiões foi expresso pelos componentes referentes ao protagonismo dos atores envolvidos no processo da regionalização e a importância regional da CIR. O componente de integração foi expresso pelos relacionados a redes e integração e, o de regulação pelo próprio componente do Índice de Influência. Analogamente, a média aritmética dos componentes gera o índice referente aos atributos da regionalização, em que valores acima de seis [6] indicam que a região se posiciona de forma satisfatória em relação coordenação, integração e regulação do sistema de saúde na região.

Os dados foram tabulados usando o software PHP Line Survey - Open Source. Os cálculos estatísticos foram realizados usando SPSS Statistics para Windows, Versão 22.0 (Armonk, NY: IBM Corp).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com o número de processo 071/15, e de acordo com a norma do Conselho Nacional de Saúde 466/12.

Resultados

Quando olhamos as três dimensões que influenciam o processo de regionalização separadamente, é preciso assinalar que há um melhor desempenho da dimensão Política frente às demais; por outro lado, a dimensão Estrutura se mostra a mais débil, configurando um verdadeiro obstáculo para o avanço do processo de regionalização; a dimensão Organização ocupa um lugar intermediário, em todas as regiões do estudo. O melhor desempenho de Política não é capaz de neutralizar o entrave colocado pela Estrutura, em nenhuma das regiões do estudo. O índice final conforma duas regiões com resultados acima de seis, Petrolina/Juazeiro e Carbonífera/Costa Doce; duas com índices entre cinco e seis, Norte-Barretos/Sul-Barretos e Baixada Cuiabana; e uma com índice abaixo de cinco, Manaus, Entorno e Alto Rio Negro (Tabela 4). São os índices separados das três dimensões que explicam o resultado final e a conformação desses blocos. Refletem condições específicas desses territórios conformados por essas regiões, a evolução e os rumos recentes da política de saúde, nesses mesmos locais e estados federativos.

Tabela 4
Índice de Influência geral e separado entre os componentes política, estrutura e organização, 2017.

Dimensão Política

Existe grande diversidade de instituições apontadas como tendo uma influência muito alta nas decisões da política regional, mas os destaques são tanto para as instituições públicas - Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde e sua estrutura regional - quanto para os espaços de organização, como o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems).

Chama atenção o pouco destaque da CIR. Nas políticas federais uma forte característica é a participação dos entes federados na implementação, no caso específico da regionalização não houve destaque para esse fórum intergovernamental, exceto em uma única região.

Da mesma forma, as estruturas regionais das Secretarias Estaduais de Saúde também não são importantes na definição da política regional. Em Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro, por exemplo, os entrevistados apontaram como um traço forte da política de saúde a centralização das decisões nas estruturas da Secretarias Estaduais de Saúde, devido à dificuldade da criação de estruturas regionais, por questões geográficas e físicas.

A força do Ministério da Saúde (MS) na política evidencia a pouca participação ainda das esferas estaduais na definição de rumos e objetivos específicos da política, e o baixo compartilhamento dos demais entes governamentais na sua implementação, indicando uma mudança naquilo que foi o carro-chefe da saúde nos períodos anteriores - implementação de políticas com alta participação das instâncias subnacionais. Outro ponto a ser destacado é a citação dos provedores de média e alta complexidade (públicos e ou contratados) logo abaixo das instituições públicas, em quatro regiões do estudo: Petrolina/Juazeiro, Carbonífera/Costa Doce, Norte-Barretos/Sul-Barretos e Baixada Cuiabana. Em apenas uma região, Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro, entidades da sociedade são nominadas, o que se explica pelo peso das instituições de ensino e pesquisa, bem como das corporações de profissionais, com destaque para os médicos.

Outra instituição com influência é a mídia e seus vários veículos de divulgação. Porém, chamou atenção o número de páginas de divulgação online criados por cidadãos que denunciam as condições dos serviços de saúde nos municípios. E também a quantidade de “perfis” de gestores no Facebook - às vezes mais visualizadas do que os próprios sítios institucionais das secretarias municipais - que as utilizam para se comunicarem com a população.

É possível que os conselhos municipais não tenham sido apontados como importantes canais de discussão e orientação da política no plano regional pelo fato de pouco discutirem a questão regional.

Já a pouca abrangência da CIR talvez possa ser mais bem explorada quando analisarmos a visão de gestores e prestadores sobre o papel que a instituição exerce na arena decisória regional, o que faremos a seguir. Diferentes aspectos da contribuição da CIR no plano regional são observados, entre os quais a coordenação da política, o planejamento regional, o monitoramento e avaliação.

Cabe lembrar que a CIR foi apontada como responsável pela coordenação da Política. Quando perguntamos para gestores e prestadores, qual instituição e/ou espaço tem maior importância nas decisões sobre a política regional, as instituições recebem mais destaque do que o próprio fórum intergovernamental.

Tudo isso sugere que não há definição clara sobre o papel e a importância da CIR como espaço de negociação e pactuação intergovernamental.

Os recursos financeiros se sobressaem em relação às diretrizes, como instrumento de fomento da regionalização, e, dentro destes, se destaca o Ministério da Saúde em todas as cinco regiões e, em três, são seguidos pela menção aos recursos financeiros estaduais.

Como é sabido, o pouco envolvimento dos estados na política de saúde tem deixado para o Ministério da Saúde importante papel no financiamento, junto com os municípios, o que explica esse resultado.

Muitos dos incentivos para implantação das redes temáticas são ainda exclusivos da União, com pouco ou nenhum compartilhamento pelos estados. Por isso somente em duas regiões os recursos estaduais foram apontados também como importantes, caso da Baixada Cuiabana e Petrolina/Juazeiro.

As diretrizes estaduais são as mais destacadas, como instrumento do fomento ao processo de regionalização, logo após as diretrizes do Ministério da Saúde. A rigor, ambas instituições rivalizam no estabelecimento de diretrizes para o processo de regionalização, em todas regiões do estudo.

Dimensão Estrutura

Nesta dimensão toda a suficiência de recursos é baixa. Surpreendentemente, não é a insuficiência de recursos financeiros o item mais apontado por gestores e prestadores, mas sim a insuficiência de recursos físicos em três regiões, de recursos humanos em uma região, e insuficiente financiamento da RAS em outra.

Apontar o financiamento como melhor desempenho em Estrutura pode ser explicado pelo peso do financiamento municipal nas regiões, sempre superior à participação federal e estadual, a despeito de os gestores e prestadores não terem assinalado como significativo o aumento de recursos para investimento nas RAS nos três últimos anos.

É importante ressaltar também que a cobertura de Atenção Primária à Saúde foi apontada como insuficiente em quatro regiões, exceto em Carbonífera/Costa Doce, com destaque para Baixada Cuiabana.

Dimensão Organização

Em critérios para conformação das redes foram destacados dois fatores principais: distribuição territorial da população e acesso. Houve menção ao incentivo financeiro, porém, usar as informações sobre a distribuição da população no território e suas condições de acesso mapearam a conformação das redes de forma preponderante.

A integração de serviços, isto é, o componente da política de regionalização no tocante a Organização, assinalado em uma região com destaque, denota a permanência de políticas mais antigas, como é o estabelecimento dos mecanismos formais e informais de referência e contrarreferência entre serviços. É seguido por iniciativas de regulação, porém, a coordenação do cuidado e iniciativas visando sua implementação são práticas quase inexistentes.

O que é novo é a coordenação do cuidado e a relação entre Atenção Primária à Saúde e especialidades, isto é, uma melhor integração nas fases do cuidado, verdadeiro desafio para política de saúde, nacional e internacionalmente. Em todas regiões foi o mais baixo componente dessa dimensão.

Relação índice e desempenho

O cruzamento do indicador de desempenho com o índice de influência evidencia, no caso de Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro, uma aproximação entre baixo desempenho e processo incipiente de regionalização, sempre aferido pelo índice de influência. No caso de Norte-Barretos Sul-Barretos e Baixada Cuiabana, há um melhor desempenho e processo incipiente de regionalização. E, na região Carbonífera/Costa Doce e Petrolina/Juazeiro, um desempenho baixo e processo mais avançado, no tocante à regionalização.

No entanto, no cruzamento com atributos da regionalização, aparece uma maior coerência quando o baixo desempenho se combina com os atributos mais baixos, e o alto desempenho se combina com atributos mais altos. Em somente um caso, de Petrolina/Juazeiro, o baixo desempenho figura ao lado de atributo mais alto (Figura 1).

Figura 1
Indicadores de desempenho e atributos da regionalização para as cinco regiões estudadas. Pesquisa Região e Redes, 2017.

Discussão

A pouca/deficiente/insuficiente disponibilidade de recursos físicos, humanos e financeiros e a não introdução de inovações assistenciais emperram ainda o avanço da política de regionalização e a consecução de seus objetivos maiores, que são a integração dos serviços e a coordenação do cuidado, ou melhor ainda, a constituição de um sistema de saúde integrado com serviços coordenados. Esse desempenho melhor ou pior não espelha as diferenças regionais dos dois brasis - austral e setentrional - tampouco as tipologias das regiões de saúde, o que nos permite afirmar que há graus de autonomia no processo de regionalização da política de saúde.

Tendo em vista que as dimensões são influenciadas por políticas federal e estadual, é de se supor que as duas regiões que se destacam no Nordeste e no Sul foram depositárias de algum investimento e inovação institucional em anos mais remotos e/ou recentemente.

Como Petrolina/Juazeiro conformam uma região do projeto Qualisus rede,1616 QualiSUS Rede: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/jpg/2014/junho/12/mapa-regioesQualiSUS-Rede2013.jpg
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e viveram um período de bastante envolvimento das esferas estaduais e municipais na política regional de saúde, em razão da existência do projeto, isso pode ter corroborado para uma percepção mais positiva dos gestores e prestadores entrevistados.

O mesmo não pode ser dito de Carbonífera/Costa Doce. Essa trajetória talvez possa ser explicada pela longa permanência da questão regional nas políticas de saúde no Rio Grande Sul, pela atuação destacada do Cosems em um largo período na região, e por toda uma série de investimentos institucionais realizados pela Secretaria Estadual de Saúde.1616 QualiSUS Rede: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/jpg/2014/junho/12/mapa-regioesQualiSUS-Rede2013.jpg
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O baixo desempenho de Manaus, Entorno e Alto Rio Negro não surpreende dadas as dificuldades de se implementar o processo de regionalização na região Norte do país.1717 Roese A, Gerhardt TE, Miranda AS. Análise estratégica sobre a organização de rede assistencial especializada em região de saúde do Rio Grande do Sul. Saúde em Debate. 2015, 39: 935-947.

A Baixada Cuiabana é uma região que já viveu um período de grande protagonismo da questão regional. Pode ser que a memória de tempos melhores tenha contribuído para a pior avaliação do momento atual.1818 Garnelo L, Sousa ABL, Silva CO. Regionalização em Saúde no Amazonas: avanços e desafios. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (4): 1225-34.

Maior surpresa aparece no resultado da região Sudeste. Norte-Barretos/Sul-Barretos, que apesar de abrigar todo um complexo médico assistencial de grande porte, ter sido alvo de investimentos recentes federal e estadual (UPA e AMES), de abrigar em seu território uma instituição forte como a Fundação Pio XII e de possuir um amplo campus formador de recursos humanos para saúde, não se destaca no processo de regionalização.1919 Scatena JH, Kerhrig RT, Spinelli MAS. Regiões de Saúde, diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Hucitec; 2015.

O destaque do Cosems deve-se à sua estreita relação com os municípios e ao apoio que oferece através da figura dos apoiadores, de sua própria estrutura e prática de discussão regular sobre as questões que envolvem a política de saúde.2020 Região e Redes. Dossiê Barretos, 2016. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wpcontent/uploads/2016/09/Relatorio_Barretos_Completo.pdf
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A cobertura insuficiente da Atenção Primária à Saúde em quatro regiões de saúde, exceto, Carbonífera/ Costa Doce chama atenção porque, em anos recentes, houve investimentos em estrutura física (PMAQ) e maior disponibilidade de recursos humanos (Programa Mais Médicos), mas, ainda assim, há uma impressão de insuficiência por parte dos gestores e prestadores em regiões com perfis e localização geográfica tão diferentes.

O ponto nevrálgico é justamente a insuficiente capacidade física e disponibilidade de recursos humanos, o que era de se esperar dados os baixos investimentos em saúde durante a primeira década do século XXI e os grandes vazios assistenciais ainda presentes em todo território brasileiro.

Em relação aos itens da Organização, como integração e regulação, é sabido que houve incentivos da política federal para implantação de redes temáticas e integração; do mesmo modo, iniciativas estaduais em prol de uma melhor regulação de serviços e da oferta de vagas são hoje realidade em muitos estados brasileiros, porém, a integração de serviços é o que ainda carece de melhor resolutividade.

Há grandes desafios para a constituição de um sistema de saúde integral e uma real coordenação de serviços em todas as regiões estudadas, a despeito de alguns avanços em políticas específicas, no tocante à implantação das redes temáticas e ao estabelecimento de mecanismos formais e informais de integração.

Os chamados vazios assistenciais proliferam pelo país e não acompanham a expansão populacional em centros urbanos, nem tampouco as necessidades colocadas pela pirâmide populacional: processo acelerado de envelhecimento em algumas regiões e importante peso de jovens e adultos, entre outras.

Os baixos investimentos alocados em saúde pelos três níveis governamentais e a expansão da Atenção Primária à Saúde pouco resolutiva,2121 Shimizu HE, Cruz MS, Bretas Jr N, Schierholt SR, Ramalho WM, Ramos MC, Mesquita MS, Silva EN. O protagonismo dos Conselhos de Secretários Municipais no processo de governança regional. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (4): 1131-40. além do decréscimo da oferta de leitos em todas as regiões, são barreiras que cobram um preço alto na de constituição das regiões de saúde.

O ponto mais delicado aparece entre Atenção Primária à Saúde e especialidades, pois ambas são operadas por instituições diversas: a primeira com base no município e, a segunda, na região, porém, com pouca interferência de atores regionais (estruturas regionais das Secretaria Estadual de Saúde), tanto nos seus desenhos de prestação quanto no estabelecimento de iniciativas com objetivo de incrementar a integração.

Marchildon2222 Marchildon GP. Regionalization: What Have We Learned? Healthc Papers. 2016; 16 (1): 8-15. chama atenção que no Canadá a ausência de mando das instâncias regionais sobre as formas de organização e desempenho da atenção primária consta entre os fatores responsáveis pelas fragilidades do processo de regionalização. A Atenção Primária à Saúde envolve negociações entre as corporações de profissionais e os governos provinciais e há grande autonomia dos profissionais e total desvinculação da política regional.

No Brasil, a atenção primária ainda é pensada no espaço municipal e não há iniciativas de uma ação conjunta de municípios visando otimização de suas redes, economias de escala e definição dos fluxos dos pacientes entre municípios. Enfim, falta uma integração da rede dos cuidados primários e dessa com outros serviços, buscando melhor atenção e menor custo.

Problema complexo, desafiador e recorrente hoje, que dificulta a integração, é o enorme mosaico de instituições presentes nas regiões, sob a forma de contratos, convênios e contratos de gestão, operados por municípios e estados.

Isso ainda é agravado pela presença em algumas regiões de corporações de profissionais intermediando toda contratação de profissionais para operação dos serviços de saúde ambulatoriais e hospitalares (caso da região de Manaus, Entorno e Alto Rio Negro).2323 Região e Redes. Dossiê Manaus, Entorno e Alto do Rio Negro, 2017. Disponível em: http://www.resbr.net.br/wpcontent/uploads/2017/07/dossie_manaus_Dossie_Completo.pdf
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Os fóruns intergovernamentais estão em processo de esvaziamento porque as reais decisões sobre os rumos do processo de constituição e/ou fortalecimento das regiões de saúde, ou estão centralizados nas estruturas estaduais, ou nas estruturas de saúde dos municípios polos.

Os conflitos entre município polo e Secretaria Estadual de Saúde são fortes em todas as regiões visitadas pela pesquisa e de difícil compreensão, tendo em vista que os quadros técnicos se revezam entre uma e outra estrutura (caso da Baixada Cuiabana). Ou seja, o que poderia ser um facilitador para ações cooperativas e conjuntas, é agravado (quase sempre) pelas disputas políticas, partidárias e eleitorais.

A discussão da relação público-privado, entre gestores e prestadores, não tem fórum próprio. Passa por inúmeras relações formais e informais e é urgente a constituição de um espaço dentro da CIR ou a criação de um fórum específico para essa finalidade. Todos esses fatores conspiram contra o processo de regionalização e a fragilidade do espaço de negociação e pactuação intergovernamental passou a ser uma nova marca do SUS.

Outra característica forte é que o padrão de governança regional não obedece a nenhuma das trajetórias descritas na literatura internacional, que apontam para três casos, resumidos em Pires e Gomide2424 Pires RR, Gomide AD. Governança, Arranjos institucionais e capacidades estatais na implementação de políticas federais. In Menicucci T, Gontijo JG (Org.). Gestão e Políticas Públicas no cenário contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2016.: primeiro, há o esvaziamento do estado pela perda do controle sobre as políticas públicas, a partir da emergência e adensamento das interações entre atores estatais, do mercado e da sociedade civil, apontado por Mathews2525 Mathews F. Governance and state capacity. In: LEVI-FAUR, D. (ED). The Oxford Handbook of Governance. Oxford: Oxford University Press; 2012. e Zehavi2626 Zehavi A. A new governance and policy instrumentes. In: LEVI-FAUR, D. (ED). The Oxford Handbook of Governance. Oxford: Oxford University Press; 2012.; segundo, há um deslocamento do estado para outras funções, que passa a regular ao invés de produzir e prestar serviços, isto é, desloca-se a capacidade do estado da produção para a regulação - sem perda de centralidade, continuando no controle, na formulação e financiamento das políticas públicas2424 Pires RR, Gomide AD. Governança, Arranjos institucionais e capacidades estatais na implementação de políticas federais. In Menicucci T, Gontijo JG (Org.). Gestão e Políticas Públicas no cenário contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2016.; terceiro, há um aumento da colaboração e intensificação das interações entre atores estatais e não estatais na produção de políticas públicas, o que pode resultar em complementariedade e sinergias.2727 OFFE C. Governance: An "Empty signifier"? Constellations. 2009; 16 (4): 550-62.

No caso da política de saúde, no Brasil não houve esse esvaziamento porque o estado ainda controla os contratos com as instituições prestadoras. Não houve tampouco o deslocamento de função, pois a função provedora do estado continua presente em alguns tipos de atividades, em algumas regiões; e, finalmente, não há nenhum indício de colaboração, complementariedade e sinergias entre o público e o privado no espaço regional. Por isso mesmo, o processo de regionalização segue um caminho incerto e sem diretriz clara de seus objetivos, metas e instrumentos de implementação, e o planejamento regional, no caso da saúde, ainda é um exercício teórico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2017
  • Aceito
    18 Set 2017
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