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Infecções arbovirais: importância de maior atenção sobre sua grave ameaça à saúde materna e do concepto

As infecções arbovirais, principalmente Dengue, Chikungunya e Zika, têm constituído uma grave e crescente ameaça global à saúde das populações.11 Hotez PJ, Murray KO. Dengue, West Nile virus, chikungunya, Zika - and now Mayaro? PLOS Negl Trop Dis. 2017; 11(8): e0005462. A co-circulação dos quatro sorotipos de vírus dengue e a recente introdução dos vírus chikungunya e Zika no Brasil (2015-2016), e em outros países das Américas, tem ocasionado dramático aumento do número de casos, complicações e mortes por essas doenças na região. Recentemente, a introdução do Zika vírus no Brasil acarretou um número sem precedentes de casos de microcefalia atribuídos à infecção congênita pelo vírus, particularmente na Região Nordeste.22 Paixão ES, TeixeiraMG, RodriguesLC. Zika, chikungunya and dengue: the causes and threats of new and re-emerging arboviral diseases. BMJ Global Health. 2017; 3 (Suppl 1): e000530.

No mundo, estima-se que anualmente 90% das gestações ocorram em áreas endêmicas de arboviroses, das quais cerca de 10% são expostas à infecção.33 Charlier C, Beaudoin Marie-Claude, Couderc T, Lortholary O, Lecuit M. Arboviruses and pregnancy: maternal, fetal, and neonatal effects. Lancet Child Adolesc Health. 2017; 1 (2): 134-46. A maioria das infecções arbovirais é assintomática ou se manifesta como quadros infecciosos agudos de menor gravidade, cujos sintomas iniciais, usualmente febre, cefaleia, mialgia, artralgia e exantema máculo-papular, são inespecíficos e semelhantes entre si.44 ZannoliS, MorottiM, Denicolò A, Tassinari M, Chiesa C, Pierro A, Sambri V. Global epidemiology of Zika and Chikungunya virus human infections. Microbiologia Medica. 2017; 32 (3): 82-96.,55 Patterson J, sammon M, Garg M. Dengue, Zika e Chikungunya: emerging arboviruses in the new world. West J Emerg Med. 2016; 17 (6): 671-9. Nas gestantes, embora as manifestações sejam usualmente indistinguíveis do restante da população, o risco de evolução para formas graves da doença, como choque e síndromes hemorrágicas é maior, de acordo com estudos.33 Charlier C, Beaudoin Marie-Claude, Couderc T, Lortholary O, Lecuit M. Arboviruses and pregnancy: maternal, fetal, and neonatal effects. Lancet Child Adolesc Health. 2017; 1 (2): 134-46. Do mesmo modo, a infecção arboviral na mulher grávida aumenta o risco de surgimento de complicações gestacionais, como parto prematuro, descolamento prematuro de placenta, pré-eclâmpsia, sangramento vaginal e morte materna, podendo igualmente afetar a saúde do concepto pela transmissão do vírus por via transplacentária ou durante o parto. Entretanto, apesar do risco potencial das arboviroses à saúde da gestante e de seu concepto, chama a atenção a escassez ou a quase ausência de dados clínicos detalhados, que permitam detectar precocemente as complicações obstétricas e neonatais daí decorrentes no período gestacional. Além disso, medidas preventivas e terapêuticas dirigidas a estes agravos não estão disponíveis até o momento.

Em áreas com intensa circulação de arboviroses, como a maioria dos centros urbanos brasileiros, elevada parcela das mulheres é exposta a tais infecções durante a gestação, principalmente em períodos de pico sazonal, conforme demonstrado em estudos prévios.66 Leite RC, Souza AI, Castanha PM, Cordeiro MT, Martelli CT, Ferreira AL, Katz L, Braga C. Dengue infection in pregnancy and transplacental transfer of anti-dengue antibodies in Northeast, Brazil. J Clin Virol. 2014; 60 (1): 16-21.,77 Araujo TVB, Ximenes RAA, Miranda-Filho DB, Souza WV, Montarroyos UR, Melo APL, Valongueiro S, et al. Association between microcephaly, Zika virus infection, and other risk factors in Brazil: final report of a case-control study. Lancet Infect Dis. 2017; 18 (3): 328 - 36. Considerando a elevada frequência de infecções agudas assintomáticas, ou que apresentam sinais e sintomas incaracterísticos, e a aparente inespecificidade das complicações obstétricas associadas às infecções arbovirais, a confirmação diagnóstica destes casos se torna um desafio. Assim, torna-se plausível supor que, em áreas com intensa circulação de arbovirus, grande parte das complicações decorrentes desta causa não esteja sendo identificada nos serviços de saúde e que, consequentemente, estejam sendo inadequadamente tratadas e subnotificadas.

Atualmente, em países da América Latina, há uma série de pesquisas em andamento, nacionais e multicêntricas, para estimar o percentual de infecções sintomáticas e assintomáticas e investigar os desfechos obstétricos das arboviroses, particularmente Zika, no período gestacional; e determinar a taxa de malformações e outros desfechos adversos nos fetos infectados.88 Albuquerque MFPM, Souza WV, Araújo TVB, Braga MC, Miranda DBF, Ximenes RAA, Melo Filho DA, Brito CAA, Valongueiro S, Melo APL, Brandão-Filho SP, Martelli CMT. Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia. Cad Saúde Pública. 2018; 34 (P): e00069018. Tais estudos certamente trarão importantes aportes a um melhor conhecimento do problema. Todavia, torna-se imprescindível e urgente a condução de mais pesquisas clínicas e epidemiológicas em larga escala para a melhor caracterização clínico-laboratorial dos casos, elaboração de algoritmos diagnósticos visando o diagnóstico precoce, o manejo adequado e a prevenção de mortes. Torna-se igualmente importante o desenvolvimento de estudos que permitam conhecer a magnitude e o impacto de tais complicações maternas e neonatais nos serviços de saúde, visando a organização dos serviços para o atendimento aos casos e a capacitação dos profissionais de saúde na área.

É relevante, ao mesmo tempo, que os periódicos com escopo ligado à saúde da gestante e da criança, tais como a Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil e outros, sejam as fontes para uma ampla divulgação dos conhecimentos na área. A disseminação de tais conhecimentos desde que através de artigos científicos de qualidade, é parte certamente da luta para fazer frente a tais problemas médicos.

References

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    Hotez PJ, Murray KO. Dengue, West Nile virus, chikungunya, Zika - and now Mayaro? PLOS Negl Trop Dis. 2017; 11(8): e0005462.
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    Leite RC, Souza AI, Castanha PM, Cordeiro MT, Martelli CT, Ferreira AL, Katz L, Braga C. Dengue infection in pregnancy and transplacental transfer of anti-dengue antibodies in Northeast, Brazil. J Clin Virol. 2014; 60 (1): 16-21.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019
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