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A importância da qualidade da Metodologia na Pesquisa

O presente número da Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (RBSMI), ao publicar vários artigos sobre Métodos de Pesquisa, cumpre um dos seus mais importantes objetivos, qual seja, não só apresentar a seus leitores e à comunidade científica em geral, diferentes abordagens e pontos de vista no tocante à metodologiana área médica e epidemiológica, como também oferecer aos seus articulistas uma oportunidade de expor suas ideias sobre o tema.

Atemática ora abordada trata de métodos estatísticos, epidemiológicos e análise qualitativa envolvidos na avaliação de crianças, adolescentes e gestantes, conforme os títulos abaixo:

  1. Child and adolescent mental health service in Brazil: structure, use and challenges

  2. Mortalidade infantil nos municípios brasileiros: uma proposta de método de estimação

  3. Comparação de métodos de regressão multivariada no estudo de determinantes da cárie dentária em crianças

  4. Metodologia das Pesquisas Populacionais de Saúde MaternoInfantil: uma série transversal realizada no Estado do Ceará de 1987 a 2007

  5. O "manejo de narrativas" em pesquisas qualitativas: estudo em um órgão regional de saúde

  6. Número de replicações de inquéritos dietéticos para estimativa da ingestão de nutrientes em gestantes brasileiras

Esta participação de todos é por demais importante visto que o cuidado com o rigor dos métodos de investigação científica e a divulgação de novas propostas ou revisões sobre o assunto são aspectos sempre necessários para o avanço do conhecimento. Mas neste momento uma análise conjuntural do tema é oportuna. De fato, considerando panoramicamente a literatura relativa ao adequado emprego de métodos de pesquisa na área da saúde vamos encontrar um semnúmero de questionamentos que nos fazem refletir sobre a relevância da qualidade metodológica na execução e análise de cada pesquisa, elementos fundamentais para sua consistência e, posteriormente, sua clara divulgação. E aqui os problemas não são poucos!

Basta mencionar, aqui, a publicação do artigo Who's Afraid of Peer Review ? pelo biólogo John Bohannon1Bohannon J. Who’s afraid of peer review? Science. 2013;342(6154):60-5. na Science em 4 de outubro de 2013 que identificou – causando grande comoção na comunidade científica mais de uma centena de revistas que publicaram artigos sem o menor critério de qualidade, inclusive metodológica ou ética (embora o próprio artigo de Bohannon tenha recebido críticas porque deixou de avaliar Revistas open access de boa qualidade).2Aventurier P. Sobre o artigo "que tem medo do peer review?" publicado na Revista Science. [Out 2013] [Internet]. [acesso em 7 nov 2014]. Disponível em: http://publicient.hypotheses.org/675
http://publicient.hypotheses.org/675...
Não deixa de ser um grave sintoma da doença "Publicar para não perecer" o fato de que o periódico não científico The Economist também publicou uma reportagem intitulada "Trouble at the lab",3The Economist. Trouble at the lab. October 19th 2013. p. 26-30. com a chamada de capa "How Science goes wrong". Nessa matéria são comentados além daqueles já mostrados por Bohannon, inúmeros outros problemas na investigação científica verificados por outros pesquisadores como John Ionnides,4Ioannides JPA. Why most published Research Findings are false. PloS Med. 2005;2(8):696-701 epidemiologista de Stanford, Prinz et al.5Prinz F, Schlange T, Asadullah K. Believe it or not: how much can we rely on published data on potential drug targets? Nat Rev Drug Discov. 2011;10(9):712. em artigo na Nature Review of Drug Discovery e Callaham e McCulloch6Callaham M, McCulloch C. Longitudinal trends in the performance of scientific peer reviewers. Annals of Emergency Medicine. 2011;57(2):141-8. da Universidade da Califórnia. Dentre os problemas, constatamos, pela leitura dos artigos, alguns fundamentais como pobre desenho de pesquisa, cálculo inadequado do tamanho e poder amostral e insuficiente cuidado de alguns periódicos na seleção dos artigos publicados. Tudo isso levaria à baixa replicabilidade dos achados.

Entretanto, apesar dos grandes erros e limitações metodológicos ali apontados (principalmente estatísticos, responsáveis pela não reprodutibilidade de muitas pesquisas já publicadas), é digno de nota lembrar aqui que para prevenir muitos dos problemas apresentados,Altman et al.7Altman DG, Gore SM, Gardner MJ, Pocock Pocock. Statistical guidelines for contributes to medical journal. Brit Med J. 1983;286(6376):1489-93. já em 1983 publicava uma série de Guidelines cujo conhecimento era (e é) condição "sine qua non" para a obtenção da boa confiabilidade nos métodos (e evidentemente, nos Resultados) empregados na pesquisa nas ciências da saúde e correlatas, para estudos observacionais , ensaios clínicos etc. Certamente que o tema tem sido objeto de maior interesse. Por isso mesmo é de estranhar a ocorrência ainda 30 anos depois de erros metodológicos na investigação científica pelo menos nas áreas de biologia, sociologia, psicologia e médica apontados por vários autores como o próprio Ioannides4 em 2005 e Bousfield8Bousfield D. Identifying reasons for failure in biomedical research and publishing. Braz J Med Biol Res. 2009;42(7):589-92. em 2009, o que também tem levado inclusive a altas taxas de não publicação.

Por isso, embora no presente número não tratemos especificamente da identificação de erros metodológicos, mas ao contrário, de novas propostas de métodos ou reavaliações de métodos, cabenos recomendar também a parcimônia e a crítica no uso que deles forem feitos.

Acreditamos na sua contribuição para a análise investigativa, compreensão e busca de soluções na área da saúde humana, especialmente da mulher e da criança, escopo da nossa Revista.

Evidentemente na proposta de novas ou diferentes abordagens de um método reside o risco de erros na compreensão ou aplicação inadequada com todas as consequências que isso poderá acarretar, mas esse é um risco inerente à inovação (quando há). Assim cabe ao autor a responsabilidade da proposta em pauta, sendo portanto vital a sua autocrítica.

Mas, como conclui o próprio Ioannides4 no seu artigo: "Amaioria das questões de pesquisa são conduzidas por muitos grupos e é enganador enfatizar os achados estatisticamente significantes de um único grupo". Por isso mesmo não basta apenas um único Resultado mesmo chamativo ou promissor para uma pesquisa ser considerada a palavra final sobre um tema. A exposição, a crítica da comunidade, a avaliação e responsabilidade de uma pesquisa é o que necessita ser levado em conta. Isso fundamentalmente para as conclusões subsidiarem os meios para usufruto adequado e confiante pela sociedade.

Finalmente cabe aqui observação. Referese às consequências éticas de uma pesquisa mal planejada. É de fundamental importância a apreciação dessas consequências éticas na aplicação dos resultados de uma investigação, especialmente quando aplicados a seres humanos. O aspecto ético é intrinsecamente relevante por que o uso apropriado de conclusões consistentes depende da qualidade e correção dos métodos analíticos, da coletados dados e do delineamento das pesquisas naquela área. Do contrário, consequências indesejáveis, prejudiciais e mesmo funestas podem advir.Assim, somente para dar um exemplo, um cálculo amostral sem o respaldo bem fundamentado dos princípios estatísticos que o embasam pode trazer riscos desnecessários, quando o tamanho da amostra for subdimensionado, (ou não observado o rigor do poder amostral) por não alcançar resultado confiável. Do mesmo modo uma amostra superdimensionada por usar um número de indivíduos desnecessariamente acima do exigido tecnicamente.

Daí a importância do bom uso dos métodos na pesquisa.

Referências

  • 1
    Bohannon J. Who’s afraid of peer review? Science. 2013;342(6154):60-5.
  • 2
    Aventurier P. Sobre o artigo "que tem medo do peer review?" publicado na Revista Science. [Out 2013] [Internet]. [acesso em 7 nov 2014]. Disponível em: http://publicient.hypotheses.org/675
    » http://publicient.hypotheses.org/675
  • 3
    The Economist. Trouble at the lab. October 19th 2013. p. 26-30.
  • 4
    Ioannides JPA. Why most published Research Findings are false. PloS Med. 2005;2(8):696-701
  • 5
    Prinz F, Schlange T, Asadullah K. Believe it or not: how much can we rely on published data on potential drug targets? Nat Rev Drug Discov. 2011;10(9):712.
  • 6
    Callaham M, McCulloch C. Longitudinal trends in the performance of scientific peer reviewers. Annals of Emergency Medicine. 2011;57(2):141-8.
  • 7
    Altman DG, Gore SM, Gardner MJ, Pocock Pocock. Statistical guidelines for contributes to medical journal. Brit Med J. 1983;286(6376):1489-93.
  • 8
    Bousfield D. Identifying reasons for failure in biomedical research and publishing. Braz J Med Biol Res. 2009;42(7):589-92.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014
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