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COVID-19 em crianças no Estado do Espírito Santo – Brasil

Resumo

Objetivos:

Caracterizar o perfil de crianças, adolescentes e jovens em idade escolar e associações com o resultado positivo do teste COVID-19.

Métodos:

estudo observacional e descritivo de dados secundários do Painel COVID-19, no Estado do Espírito Santo no período de fevereiro a agosto de 2020. Foram incluídas pessoas suspeitas de COVID-19, em faixas etárias de 0 a 19 anos, a fim de avaliar os dados clínicos e fatores demográficos e epidemiológicos associados ao agravo.

Resultados:

no período de estudo, foram considerados 27.351 registros de notificação da COVID-19 em crianças, adolescentes e jovens. As maiores chances de confirmação dos casos foram encontradas na faixa etária de 5 a 14 anos, em pessoas de raça/cor branca para COVID-19. Observouse que cefaleia foi o sintoma que apresentou maior chance de confirmação de teste. Já a infecção em pessoas deficientes foram mais frequentes nos casos confirmados. A confirmação dos casos se deu em aproximadamente 80% dos registros de notificação e do total confirmados 0,3% vieram a óbito.

Conclusão:

as crianças com diagnóstico confirmado para COVID-19 apresentam menor taxa de mortalidade, mesmo que muitas fossem assintomáticas. Para o controle da cadeia de transmissão e redução nas taxas de morbimortalidade, torna-se necessária a realização de pesquisas mais abrangentes e promoção da testagem ampla na população.

Palavras-chave:
Infecções por coronavirus; Doenças transmissíveis; Saúde da criança; Epidemiologia; Saúde do adolescente

Abstract

Objectives:

to characterize school-aged children, adolescents, and young people’s profile and their associations with positive COVID-19 test results.

Methods:

an observational and descriptive study of secondary data from the COVID-19 Panel in Espírito Santo State in February to August 2020. People suspected of COVID-19, in the 0–19-years old age group, were included in order to assess clinical data and demographic and epidemiological factors associated with the disease.

Results:

in the study period, 27,351 COVID-19 notification were registered in children, adolescents, and young people. The highest COVID-19 test confirmation was found in Caucasians and were 5-14 years age group. It was also observed that headache was the symptom with the highest test confirmation. Infection in people with disabilities was more frequent in the confirmed cases. The confirmation of cases occurred in approximately 80% of the notified registrations and 0.3% of the confirmed cases, died.

Conclusion:

children with confirmed diagnosis for COVID-19 have lower mortality rates, even though many were asymptomatic. To control the chain of transmission and reduce morbidity and mortality rates, it was necessaryto conduct more comprehensive research and promote extensive testing in the population.

Key words:
Coronavirus infections; Transmitted diseases; Child’s health; Epidemiology; Adolescent’s health

Introdução

A COVID-19 é uma doença infectocontagiosa sistêmica causada pelo vírus SARS-CoV-2.11 Safadi MA. The intriguing features of COVID-19 in children and its impact on the pandemic. J Pediatr (Rio J). 2020 May/Jun; 96 (3): 265-8. Esse agravo surgiu na China e se tornou uma Pandemia, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. Trata-se de um problema de Saúde Pública devido à sua rápida transmissão, às elevadas taxas de hospitalizações e de mortalidade.

Elevadas são as taxas de infecção pelo Coronavírus, sendo que, até o início de dezembro de 2020, ocorreram aproximadamente 66.540.034 casos de infecção pela COVID-19 e um total de 1.528.868 de óbitos em todo o mundo. De acordo com o boletim epidemiológico da COVID-19, publicado em 11 de dezembro de 2020, o Brasil foi considerado o terceiro país com maior número de casos de COVID-19, aproximadamente 30.943 casos para cada 1 milhão de habitantes, e o segundo país com maiores taxas de óbito no mundo, com 841 óbitos para cada 1 milhão de habitantes e o percentual de pessoas recuperadas foi de 13,5%.22 Ministry of Health (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. Doença pelo coronavírus - COVID-19. Semana Epidemiológica 49. Brasília (DF): Ministry of Health; 2020.

De forma geral, os principais sintomas relacionados à COVID-19 vão desde sintomas inespecíficos como adinamia, mialgias e febre, em cerca de 80% dos infectados, até a fase pulmonar, com proliferação do vírus para os pulmões, causando pneumonia com vasodilatação, aumento da permeabilidade do endotélio, recrutamento de leucócitos e lesão pulmonar com hipóxia. Na fase inflamatória, também denominada tempestade de citocinas, atua como protagonista a interleucina-6 (IL-6), que eleva as taxas da ferritina, da proteína-C-reativa e interleucinas, afetando outros órgãos, inclusive comprometimento cardíaco e hepático.33 Sousa DS, Brota JB, Araujo RMS, Costa ACSM. Respiratory functional profile of children with COVID-19 during the hospitalization phase. Res Soc Dev. 2021; 10 (10): e573101018946.,44 Zare-Zardini H, Soltaninejad H, Ferdosian F, Hamidieh AA, Memarpoor-Yazdi M. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) in children: prevalence, diagnosis, clinical symptoms, and treatment. Int J Gen Med. 2020; 13: 477-82.,55 Cavalcante ANM, Tavares LVS, Bastos MLA, Almeida RLF. Perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes com COVID-19 no Ceará. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021; 21 (Suppl 2): S437-S43.

Todas essas manifestações têm acometido em maior proporção os adultos quando comparados com as crianças, em especial idosos e adultos com comorbidades, sendo a justificativa ainda desconhecida. A maioria das crianças são assintomáticas, e menos de 5% apresentam formas graves da doença.11 Safadi MA. The intriguing features of COVID-19 in children and its impact on the pandemic. J Pediatr (Rio J). 2020 May/Jun; 96 (3): 265-8.

Estudos de revisão evidenciaram que a infecção por COVID-19 em crianças é desproporcional quando comparada com adultos, porém a escassez de dados sobre a COVID-19 em crianças torna a doença imprecisa em detalhes. Para tal situação, tornam-se necessários estudos epidemiológicos que são capazes de esclarecer as incertezas relacionadas aos aspectos clínicos-epidemiológicos da COVID-19 em crianças, proporcionando maior aporte de informações sobre as complicações associadas e a gravidade da doença nas crianças em longo prazo.33 Sousa DS, Brota JB, Araujo RMS, Costa ACSM. Respiratory functional profile of children with COVID-19 during the hospitalization phase. Res Soc Dev. 2021; 10 (10): e573101018946.,44 Zare-Zardini H, Soltaninejad H, Ferdosian F, Hamidieh AA, Memarpoor-Yazdi M. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) in children: prevalence, diagnosis, clinical symptoms, and treatment. Int J Gen Med. 2020; 13: 477-82.,55 Cavalcante ANM, Tavares LVS, Bastos MLA, Almeida RLF. Perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes com COVID-19 no Ceará. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021; 21 (Suppl 2): S437-S43.,66 Zhou MY, Xie X, Peng YG, Wu MJ, Deng XZ, Wu Y, et al. From SARS to COVID-19: what we have learned about children infected with COVID-19. Int J Infect Dis. 2020 Jul; 96: 710-4.,77 Ho CLT, Oligbu P, Ojubolamo O, Pervaiz M, Oligbu G. Clinical characteristics of children with COVID-19. AIMS Public Health. 2020; 7 (2): 258-73.

Sendo assim, este estudo teve por objetivo traçar o perfil de crianças, adolescentes e jovens em idade escolar e as associações com o resultado positivo do teste COVID-19.

Métodos

Foi realizado um estudo comparativo entre casos sintomáticos confirmados e descartados para o diagnóstico de COVID-19, na base de dados do Painel COVID, disponibilizado no sítio eletrônico: https://coronavirus.es.gov.br/painel-covid-19-es, da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA).

Foram avaliados todos os dados de pessoas suspeitas de COVID-19 do painel, com idades de 0 a 19 anos, totalizando 27.351 registros no período de 17 de fevereiro até 20 de agosto de 2020. Destes, a população incluída no estudo se ateve aos indivíduos com diagnóstico confirmado ou descartado para COVID-19, totalizando 15.289 indivíduos.

As variáveis analisadas foram agrupadas conforme a classificação (confirmados e descartados), evolução (cura ou óbito por COVID-19) e critério de confirmação (clínico, clínico epidemiológico e laboratorial); também foram analisadas variáveis epidemiológicas, como: município, faixa etária, sexo (masculino, feminino), raça/ cor (amarela, branca, indígena, parda, preta e ignorado), escolaridade (analfabeto, 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental, 4ª série completa do ensino fundamental, 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo, educação superior incompleta, educação superior completa, não se aplica e ignorado); e as variáveis de sintomas (com respostas sim ou não), como: febre, dificuldade respiratória, tosse, coriza, dor de garganta, diarreia e cefaleia; além das variáveis de comorbidades (com respostas sim ou não): comorbidade de pulmão, cardiovascular, renal, diabetes, obesidade; dentre outras variáveis, como: internação, viagem (se realizou alguma viagem no Brasil ou internacional) e algum tipo de deficiência (conforme definido na lei 13.146/2015, que considerada toda e qualquer pessoa que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que possa inviabilizar a participação efetiva na sociedade em igualdade com demais pessoas).

Todas as variáveis analisadas, foram correlacionadas com os resultados do teste de detecção da COVID-19 (confirmados versus descartados), sendo estes, testes de reação em cadeia de polimerase (PCR) em tempo real, métodos imunológicos ou pesquisa de antígenos.

Como resultado das análises, foi possível elaborar tabelas de frequência, além da aferição da associação entre as variáveis por meio da razão de chances (OR, sigla em inglês para odds ratio) bruto e ajustado, com os respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% (o OR ajustado foi obtido da Regressão Logística). Todas as análises foram realizadas pelo software IBM SPSS Statistics for Windows – SPSS, versão 25.

Este estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP/CCS/UFES) e aprovado sob o parecer nº 3.908.434 de 20/05/2020.

Resultados

Foram considerados 27.351 registros de crianças, adolescentes e jovens de 0 a 19 anos no Espírito Santo. Encontrou-se 7.153 (26,2%) na faixa etária de 0 a 4 anos, 4.298 (15,7%) na faixa etária de 5 a 9 anos, 4.697 (17,2%) na faixa etária de 10 a 14 anos 11.203 (41,0%) na faixa de 15 a 19 anos.

A Figura 1 apresenta os percentuais para a variável faixa etária, classificação (no banco existiam as categorias confirmados, descartados e suspeitos), bem como a variável evolução (curados, óbitos e ignorado). Da população inicial de suspeitos, 1.212 (16,9%) foram confirmados na faixa etária de 0 a 4 anos, 879 (20,5%) na faixa de 5 a 9 anos, 1.219 (26,0%) na faixa etária de 10 a 14 anos e 2.789 (24,9%) na faixa de 15 a 19 anos.

Figura 1
Fluxograma dos registros do painel COVID-19 para as faixas etárias, segundo a classificação e evolução no Espírito Santo, no período de fevereiro a agosto de 2020.

Neste estudo, foram excluídos os registros de casos suspeitos de COVID-19 que não foram testados para confirmação da doença, sendo que, de um total de 15.289 registros analisados, 6.099 (39,9%) casos foram confirmados e 9.190 (60,1%) casos foram descartados para COVID-19.

A Tabela 1 apresenta o perfil sociodemográfico dos casos analisados de forma geral, e a comparação ao resultado do teste (confirmados versus descartados); e observou que crianças entre 5 a 9 anos (OR=1,39; IC95%= 1,25-1,54) e entre 10 a 14 anos (OR=1,32; IC95%= 1,18-1,48) tiveram maior chance de confirmação dos casos, quando comparados com crianças de 0 a 4 anos; quanto a raça-cor, observa-se que crianças declarada raça/ cor amarela (OR=0,79; IC95%= 0,66-0.94) e indígena (OR=0,71; IC95%= 0,57-0,88) apresentam menor chance de confirmação do teste, quando comparadas com raça/ cor branca; assim como morar no interior (OR=1,18; IC95%= 1,09-1,28) tem maior chance de apresentar confirmação de casos e, por fim, possuir deficiência aumenta em 1,32 (OR=1,32; IC95%= 1,10-1,59) vezes maior chance de confirmação do teste.

Tabela 1
Análise das variáveis do perfil sociodemográfico para a amostra total, segundo o resultado do teste para COVID-19 (confirmados versus descartados) no Espírito Santo, Brasil, no período de fevereiro a agosto de 2020.

A Figura 2 apresenta os sintomas nos grupos confirmados e descartados. Foram testadas evidências de associações pelo teste qui-quadrado. Verificou-se diferença entre os sintomas. Maior número de sintomas foi observado no grupo descartado, como tosse, coriza, dor de garganta, dificuldade respiratória e diarreia. Somente o sintoma “cefaleia”, foi verificado como maior frequência no grupo confirmados. Para o sintoma “febre” não há evidências de diferenças entre os dois grupos.

Figura 2
Apresentação do percentual de presença dos sintomas de COVID-19 nos grupos descartados e confirmados, com os respectivos odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95%, no Espírito Santo, Brasil, período de fevereiro a agosto de 2020.

* p<0,05;** p=0,001.


A Tabela 2 apresenta as prevalências calculadas por faixas etárias com os respectivos intervalos de confiança de 95% para a região da Grande Vitória e interior do estado do Espírito Santo. Observam-se prevalências maiores nas quatro faixas etárias para as populações do interior do estado.

Tabela 2
Percentual de positivos para COVID-19 por faixa etária para a Grande Vitória e Interior do Estado do Espírito Santo, Brasil no período de fevereiro a agosto de 2020.

A confirmação dos diagnósticos se deu por exames laboratoriais em 80,6% dos casos confirmados e em 85,7% dos casos descartados. O restante foi por confirmação clínica e clínica-epidemiológica. Do total de confirmados 17 (0,3%) vieram a óbito por COVID-19, enquanto no grupo dos descartados ocorreram 40 óbitos por outras causas (0,4% da amostra).

A Tabela 3 apresenta o perfil dos pacientes que vieram a óbito por COVID-19 no grupo dos confirmados.

Tabela 3
Perfil clínico epidemiológico dos óbitos que tiveram diagnóstico confirmado para COVID-19 no Espírito Santo, Brasil, período de fevereiro a agosto de 2020.

Discussão

Apesar da importância epidemiológica, a maioria dos casos era de assintomáticos, o que gerou baixo quantitativo de crianças diagnosticadas, dificultando o entendimento sobre o comportamento da doença, as manifestações clínicas e outras associações que ainda não foram esclarecidas.33 Sousa DS, Brota JB, Araujo RMS, Costa ACSM. Respiratory functional profile of children with COVID-19 during the hospitalization phase. Res Soc Dev. 2021; 10 (10): e573101018946.,55 Cavalcante ANM, Tavares LVS, Bastos MLA, Almeida RLF. Perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes com COVID-19 no Ceará. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021; 21 (Suppl 2): S437-S43.,88 Mehta NS, Mytton OT, Mullins EWS, Fowler TA, Falconer CL, Murphy OB, et al. SARS-CoV-2 (COVID-19): what do we know about children? A systematic review. Clin Infect Dis. 2020 Dec; 71 (9): 2469-79.,99 Albuquerque LJV, Feitoza AC, Gonçalves ALN, Falcão ACAM, Rocha MAW, Lyra PT, et al. Perfil clínicoepidemiológico de crianças e adolescentes internadas com suspeita de Covid-19 com sintomas respiratórios em hospital de referência em Recife/PE. Braz J Infect Dis. 2021; 25 (Suppl 1): 101078. Foi possível conduzir uma análise sobre o perfil sociodemográfico e os fatores associados ao resultado positivo do teste COVID-19 no estado do Espírito Santo, sudeste do Brasil; que mostrou maior chance de confirmação do teste entre crianças de 5 a 14 anos, que residem no interior e apresentam algum tipo de deficiência. Por sua vez, crianças declaradas amarelas e indígenas tiveram menor chance de confirmação do teste. Além disso, houve maior chance de confirmação do teste em pessoas com cefaleia.

As limitações encontradas neste estudo referem-se ao uso de dados secundários e ao fato de que nem todos os pacientes assintomáticos podem ter sido identificados devido à política de testagem no Brasil, o que, dada a possibilidade de subnotificação, pode subestimar a real situação epidemiológica da COVID-19 entre os mais jovens. Apesar dessas limitações, o tamanho da população estudada foi grande e, pelo que se sabe, este é o primeiro grande estudo observacional sobre as características epidemiológicas da COVID-19 infantil no estado do Espírito Santo, Brasil.22 Ministry of Health (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. Doença pelo coronavírus - COVID-19. Semana Epidemiológica 49. Brasília (DF): Ministry of Health; 2020.,77 Ho CLT, Oligbu P, Ojubolamo O, Pervaiz M, Oligbu G. Clinical characteristics of children with COVID-19. AIMS Public Health. 2020; 7 (2): 258-73.

Este estudo mostrou que as crianças de todas as idades foram afetadas pelo COVID-19, o que é consistente com outros estudos.66 Zhou MY, Xie X, Peng YG, Wu MJ, Deng XZ, Wu Y, et al. From SARS to COVID-19: what we have learned about children infected with COVID-19. Int J Infect Dis. 2020 Jul; 96: 710-4.,88 Mehta NS, Mytton OT, Mullins EWS, Fowler TA, Falconer CL, Murphy OB, et al. SARS-CoV-2 (COVID-19): what do we know about children? A systematic review. Clin Infect Dis. 2020 Dec; 71 (9): 2469-79. No entanto, observa-se maior proporção de testes confirmados entre a faixa etária de 5 a 14 anos.

Um estudo da Coreia do Sul analisou dados de 59.073 contatos de 5.706 pacientes com COVID-19. De 10.592 contatos domiciliares, 11,8% tinham COVID-19 e a transmissão domiciliar de SARS-CoV-2 era mais alta em indivíduos que tivesse de 10 a 19 anos de idade (18,6% [IC95%=14,0-24,0]) do que contatos de crianças de 0-9 anos (5,3% [IC95%=1,3-13,7]) no momento em que as escolas estavam fechadas.88 Mehta NS, Mytton OT, Mullins EWS, Fowler TA, Falconer CL, Murphy OB, et al. SARS-CoV-2 (COVID-19): what do we know about children? A systematic review. Clin Infect Dis. 2020 Dec; 71 (9): 2469-79.,1010 Park YJ, Choe YJ, Park O, Park SY, Kim Y, Kim J, et al. Contact tracing during coronavirus disease outbreak, South Korea, 2020. Emerg Infect Dis. 2020 Oct; 26 (10): 2465-8. Esse resultado da Coreia do Sul ressalta o importante papel da transmissão domiciliar de SARS-CoV-2 por crianças, principalmente aquelas com idade escolar de 7 a 17 anos. Além disso, somados aos nossos resultados, o estado do Espírito Santo, Brasil, reforçamos a importância das medidas de saúde pública e estratégias de intervenção não farmacêutica contra COVID-19, incluindo aconselhamento sobre distanciamento social, como o fechamento das escolas.

Um estudo que analisou os dados de pesquisa de contato para Wuhan e Xangai antes e durante o surto, e com informações de rastreamento de contato da província de Hunan, construiu um modelo de transmissão para estudar o impacto do distanciamento social e do fechamento de escolas na transmissão; mostrando que o fechamento de escolas pode reduzir o pico de incidência em de 40% a 60%, e que o distanciamento social por si só é capaz de controlar o COVID-19.1111 Zhang J, Litvinova M, Liang Y, Wang Y, Wang W, Zhao S, et al. Changes in contact patterns shape the dynamics of the COVID-19 outbreak in China. Science. 2020 Apr; 368 (6498): 1481-6.

É plausível que em decorrência do isolamento social e do fechamento das escolas ocorra uma minimização da incidência e da mortalidade por COVID-19. No entanto, é possível que os achados estejam associados a outras intervenções não farmacológicas que não foram relacionadas.1212 Auger KA, Shah SS, Richardson T, Hartley D, Hall M, et al. Association between statewide school closure and COVID-19, incidence and mortality in the US. JAMA. 2020 Sep; 324 (9): 859-70. Diante do fechamento de escolas, existe o aumento do risco no desenvolvimento infantil e das complicações sociais relacionadas à fobia social e aos transtornos psicossociais.1212 Auger KA, Shah SS, Richardson T, Hartley D, Hall M, et al. Association between statewide school closure and COVID-19, incidence and mortality in the US. JAMA. 2020 Sep; 324 (9): 859-70.,1313 Morrissette M. School closures and social anxiety during the COVID-19 pandemic. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2021 Jan; 60 (1): 6-7.,1414 Lima EJF, Costa-Oliveira MBM. Volta às aulas no contexto de pandemia: um desafio e várias vertentes. Resid Pediatr. 2021; 11 (1): 1-5.

Um estudo de revisão sistemática e meta-análise com 90 artigos científicos mostrou que a infecção de crianças em ambientes escolares é menor quando comparada com os adultos, tornando o ambiente escolar imparcial na transmissão do vírus.1515 Irfan O, Li J, Tang K, Wang Z, Bhutta ZA. Risk of infection and transmission of SARS-CoV-2 among children and adolescents in households, communities and educational settings: a systematic review and metaanalysis. J Glob Health. 2021 Jul; 11: 05013.

Ser branca e ter idade entre 5 a 14 anos apresentou maior chance de confirmação de testes positivos para a COVID-19 do que as crianças menores de 4 anos, além de menor chance de confirmação do teste em crianças declaradas amarelas e indígenas. Por outro lado, a mortalidade entre os pretos/pardos foi maior do que entre brancos. Essa disparidade de fatalidade racial devido à COVID-19 foi relatada em estudos brasileiros e internacionais entre adultos.44 Zare-Zardini H, Soltaninejad H, Ferdosian F, Hamidieh AA, Memarpoor-Yazdi M. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) in children: prevalence, diagnosis, clinical symptoms, and treatment. Int J Gen Med. 2020; 13: 477-82.,1616 She J, Liu L, Liu L. COVID-19 epidemic: disease characteristics in children. J Med Virol. 2020 Jul; 92 (7): 747-54.,1717 Sankar J, Dhochak N, Kabra SK, Lodha R. COVID-19 in children: clinical approach and management. Indian J Pediatr. 2020 Jun; 87 (6): 433-42.

Um estudo de coorte prospectivo realizado no Reino Unido associou a raça/cor negra significativamente associada à admissão para cuidados intensivos; assim como, um estudo de corte realizado nos Estados Unidos, com 12.306 crianças associou um aumento de internação por COVID-19 com raça/cor negra.1818 Parcha V, Booker KS, Kalra R, Kuranz S, Berra L, Arora G, et al. A retrospective cohort study of 12,306 pediatric COVID-19 patients in the United States. Sci Rep. 2021 May; 11: 10231.,1919 Swann OV, Holden KA, Turtle L, Pollock L, Fairfield CJ, Drake TM. Clinical characteristics of children and young people admitted to hospital with covid-19 in United Kingdom: prospective multicentre observational cohort study. BMJ. 2020 Aug; 370: m3249. Esses estudos corroboram as informações encontradas no estudo sobre a disparidade das complicações em negros, quando comparado com brancos.1818 Parcha V, Booker KS, Kalra R, Kuranz S, Berra L, Arora G, et al. A retrospective cohort study of 12,306 pediatric COVID-19 patients in the United States. Sci Rep. 2021 May; 11: 10231.,1919 Swann OV, Holden KA, Turtle L, Pollock L, Fairfield CJ, Drake TM. Clinical characteristics of children and young people admitted to hospital with covid-19 in United Kingdom: prospective multicentre observational cohort study. BMJ. 2020 Aug; 370: m3249.

Embora as razões para a maioria das crianças negras terem morrido por causa do COVID-19, essa mortalidade pode estar relacionada ao convívio em famílias cujos adultos são trabalhadores essenciais e expostos ao vírus no trabalho, como também, potencialmente, pode ser atribuída às iniquidades sociais e de saúde como função de exposição dos determinantes sociais da saúde.55 Cavalcante ANM, Tavares LVS, Bastos MLA, Almeida RLF. Perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes com COVID-19 no Ceará. Rev Bras Saude Mater Infant. 2021; 21 (Suppl 2): S437-S43. ,2020 Holmes Junior L, Enwere M, Williams J, Ogundele B, Chavan P, Piccoli T, et al. Black-white risk differentials in COVID-19 (SARS-COV2) transmission, mortality and case fatality in the United States: translational epidemiologic perspective and challenges. Int J Environ Res Public Health. 2020 Jun; 17 (12): 4322.,2121 Araújo EM, Caldwell KL, Santos MPA, Souza IMP, Rosa PLFS, Santos ABS, et al. Covid-19 - morbimortalidade pela COVID-19 segundo raça/cor/etnia: a experiência do Brasil e dos Estados Unidos. Saúde Debate. 2020; 44 (spe 4): 191-205.,2222 Toubiana J, Poirault C, Corsia A, Bajolle F, Fourgeaud J, Angoulvant F, et al. Kawasaki-like multisystem inflammatory syndrome in children during the covid-19 pandemic in Paris, France: prospective observational study. BMJ. 2020; 369: m2094.

Da mesma forma, as pessoas com deficiência apresentaram níveis piores de resposta ao tratamento contra a COVID-19. De forma geral, as pessoas com deficiência pertencem a uma população com maior prevalência de múltiplas condições crônicas, situação econômica mais baixa e disparidades nos cuidados de saúde.2323 Turk MA, McDermott S. The COVID-19 pandemic and people with disability. Disabil Health J. 2020 Jul; 13 (3): 100944.

O estudo mostrou maior chance de confirmação do teste em municípios no interior do estado quando comparada com a região metropolitana. Esse achado pode estar atrelado a um efeito de subnotificação maior em cidades com menos recursos e dificuldade de acesso aos testes, conforme estudos realizados no Brasil e na Índia.2424 Maciel JAC, Castro-Silva II, Farias MR. Análise inicial da correlação espacial entre a incidência de COVID-19 e o desenvolvimento humano nos municípios do estado do Ceará no Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2020; 23: e200057.,2525 Biswas RK, Afiaz A, Huq S. Underreporting COVID-19: the curious case of the Indian subcontinent. Epidemiol Infect. 2020; 148: e207.

Por fim, a proporção de mortes por COVID-19 foi de 0,3% entre os mais jovens. Essa proporção é semelhante a outros estudos.44 Zare-Zardini H, Soltaninejad H, Ferdosian F, Hamidieh AA, Memarpoor-Yazdi M. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) in children: prevalence, diagnosis, clinical symptoms, and treatment. Int J Gen Med. 2020; 13: 477-82.,1616 She J, Liu L, Liu L. COVID-19 epidemic: disease characteristics in children. J Med Virol. 2020 Jul; 92 (7): 747-54.,1717 Sankar J, Dhochak N, Kabra SK, Lodha R. COVID-19 in children: clinical approach and management. Indian J Pediatr. 2020 Jun; 87 (6): 433-42. Os sintomas leves em crianças podem estar relacionados à diminuição da desregulação imunológica em crianças, com contagem de linfócitos normais, bem como a menor alteração da proteína C reativa, dímero D e provavelmente devido à associação de baixa expressão ou imaturidade da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2) nas crianças, dificultando a entrada do vírus no citoplasma celular.33 Sousa DS, Brota JB, Araujo RMS, Costa ACSM. Respiratory functional profile of children with COVID-19 during the hospitalization phase. Res Soc Dev. 2021; 10 (10): e573101018946.,2424 Maciel JAC, Castro-Silva II, Farias MR. Análise inicial da correlação espacial entre a incidência de COVID-19 e o desenvolvimento humano nos municípios do estado do Ceará no Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2020; 23: e200057.,2525 Biswas RK, Afiaz A, Huq S. Underreporting COVID-19: the curious case of the Indian subcontinent. Epidemiol Infect. 2020; 148: e207.,2626 Qiu H, Wu J, Hong L, Luo Y, Song Q, Chen D. Clinical and epidemiological features of 36 children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) in Zhejiang, China: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020 Jun; 20 (6): 689-96.,2727 Dhochak N, Singhal T, Kabra SK, Lodha R. Pathophysiology of COVID-19: why children fare better than adults? Indian J Pediatr. 2020 Jul; 87 (7): 537-46.

A fim de garantir maior abrangência das ações da vigilância epidemiológica, torna-se imprescindível promover a testagem em massa da população, inclusive em crianças, a fim de obter maior quantitativo de dados para basear e planejar ações de controle desse agravo e promover estudos científicos a fim de ampliar a vacinação em crianças.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2021
  • Revisado
    30 Nov 2021
  • Aceito
    16 Mar 2022
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