Recomendações para assistência perinatal no contexto da pandemia de COVID-19

Resumo

Objetivos:

apresentar as recomendações científicas para a atenção perinatal no contexto da pandemia de COVID-19.

Métodos:

revisão narrativa realizada entre março a setembro de 2020, nas bases de dados da BIREME, Scientific Electronic Libary Online e Biblioteca Virtual em Saúde, a partir dos descritores: “Assistência Perinatal”, “Coronavírus”, “Infecção por Coronavírus”, “Obstetrícia” e “Recém-Nascido”. As informações foram agrupadas em quatro categorias: assistência pré-natal, assistência ao trabalho de parto e nascimento, assistência à puérpera e assistência ao recém-nascido.

Resultados:

foram encontradas 14 publicações, 9 artigos científicos e 5 normas técnicas do Ministério da Saúde do Brasil. Em linhas gerais, na primeira categoria, recomenda-se a permanência da realização das consultas pré-natais, se necessário por meio de telemedicina; internamento de gestantes positivas em caso de sintomatologia grave e consideração aos aspectos clínicos e emocionais das gestantes. Na segunda, triagem e testagem dos casos suspeitos, desencorajamento do contato pele a pele e amamentação na primeira hora de vida. Na terceira, mudança na disposição de leitos no alojamento conjunto e alta precoce. Na quarta categoria, clampeamento tardio do cordão umbilical, divergências quanto a testagem laboratorial dos neonatos assintomáticos.

Conclusões:

evidências científicas baseadas em estudos com desenhos metodológicos e análises mais robustas são necessárias para nortear a assistência perinatal livre de danos no contexto da pandemia por COVID-19.

Palavras-chave:
Assistência perinatal; Cuidado pré-natal; Coronavírus; Infecção por coro-navírus; Obstetrícia; Recém-nascido

Abstract

Objectives:

to present scientific recommendations for perinatal care in the context of the COVID-19 pandemic.

Methods:

a narrative review was carried out between March and September in 2020 from BIREME, the Scientific Electronic Library Online and the Virtual Health Library databases, based on the descriptors: “Perinatal Care''; “Coronavirus”; “Coronavirus Infection''; “Obstetrics”and “Newborns”. The information was grouped into four categories, namely, prenatal care; labor and birthcare; care for puerperal women and the newborn.

Results:

14 publications were found, 9 scientific articles and 5 technical standards pursuant to the Ministry of Health in Brazil. In the first category, generally, it is recom-mended that prenatal consultations should be continued, if necessary, by means of telemedi-cine; hospitalization of positive pregnant women in case symptoms are severe and consid-ering pregnant women’s clinical and emotional aspects. In the second, screening and testing on suspected cases, discouraging skin-to-skin contact and breastfeeding in the first hour of life. In the third, change the arrangement of beds in shared accommodations and have early discharge. In the fourth category, it is also recommended late clamping of the umbilical cord and observe differences in laboratorial testing of asymptomatic neonates.

Conclusions:

scientific evidence based on studies with methodological designs and more robust analyzes are necessary to guide perinatal care in the context of the harm-free COVID-19 pandemic.

Key words:
Perinatal care; Prenatal care; Coronavirus; Coronavirus infection; Obstetrics; Newborn

Introdução

A COVID-19 é uma doença causada pelo SARS-CoV-2, pertencente à família do coronavírus, que desencadeia infecções respiratórias e mais raramente intestinais. Descoberto no ano de 2019 na província de Wuhan, na China, e com poder de rápida trans-missibilidade, em poucos meses o novo vírus foi capaz de instalar um estado de pandemia, declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020. No princípio foi considerado grupo de risco, pessoas idosas, acima de 59 anos e portadoras de comorbidades relacionadas ao sistema imunológico, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, doenças do aparelho respiratório, patologias associadas ao déficit imunológico, entre outras. ¹

A transmissão acontece pelo contato de pessoa a pessoa ou com superfícies contaminadas, por meio de gotículas ou secreções. O período de incubação pode variar de 0 a 14 dias, com média estimada entre 5 e 6 dias para o início dos sintomas. Os indivíduos apresentam quadros assintomáticos, leves ou graves, onde os sintomas mais comuns são: tosse, febre de início súbito (>37,8° C), astenia, mal-estar, mialgia, coriza ou dispneia (StO2<95%). Sintomas gastrointestinais como diarreia, náuseas e vômito podem também estar presentes. Para o diagnóstico laboratorial considera-se o RT-PCR como padrão ouro, associado a exames de imagem, como a tomografia computadorizada, radiografia torácica ou ultrassono-grafia pulmonar. ¹. ²

No Brasil, em abril de 2020, o Ministério da Saúde (MS) incluiu as gestantes em qualquer idade gestacional e mulheres no período puerperal, que sofreram perdas fetais ou abortamento, até quinze dias, como pertencentes ao grupo de risco. ¹ A presença da gravidez não eleva o risco de quadro s clínicos graves da doença.^1,3 Segundo o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, gestantes negras, com sobrepeso (IMC >25 kg/m ²), que possuam comorbidades pré-existentes e com idade acima de 35 anos, têm maiores chances de desenvolverem quadros graves, quando acometidas pelo coronavirus. ³

Quanto à sintomatologia, alguns estudos mostram que são semelhantes aos sintomas apresentados em pessoas não gestantes.^2,3 De acordo com estudo publicado no American College of Obstetricians and Gynecologists que comparou um grupo de gestantes com não gestantes, concluiu que as grávidas tiveram maiores chances de desenvolver quadros graves da doença, assim como necessitaram de maior suporte ventilatório; a mesma associação não foi observada em relação à mortalidade. ⁴

Há limitações de entendimento referente à relação da gestação e COVID-19, pois estudos publicados até o momento contemplam mulheres no período compreendido entre o segundo e terceiro trimestre gestacional. Porém, sabe-se que não houve um aumento do número de abortamentos ou malformações identificadas via ultrassonografia, durante o acompanhamento pré-natal. ⁵

Tendo em vista a essencialidade dos serviços de atenção obstétrica e neonatal em meio ao cenário de pandemia assim como a necessidade de atualização dos profissionais envolvidos na realização do prénatal e assistência perinatal, o presente estudo objetivou apresentar as recomendações científicas para a atenção perinatal no contexto da pandemia de COVID-19.

Métodos

Trata-se de revisão narrativa que analisou artigos científicos, diretrizes, protocolos e documentos oficiais do MS.

Os artigos referentes à temática abordada foram pesquisados no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) nas bases de dados Centro LatinoAmericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), na Scientific Electronic Libary Online (SciELO), na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e sites relacionados, no período de março a setembro de 2020. Utilizaram-se os descritores: “assistência perinatal”, “coronavírus”, “infecção por coronavírus”, “obstetrícia” e “recém-nascido”.

Após a etapa da busca, procedeu-se a aplicação do filtro para delimitação temporal de dezembro de 2019 a agosto de 2020. Em seguida, foi feita a leitura dos títulos e resumos dos artigos identificados, aplicando-se os critérios de texto completo disponível e artigos que falassem sobre as recomendações científicas para a atenção perinatal no contexto da pandemia de COVID-19. Não foi aplicado limite para o idioma durante as buscas. Excluiu-se artigos que não respondessem à questão norteadora.

Restaram 9 artigos e as Notas Técnicas de n° 6, 7, 9, 10 e 14,^6-10 documentos referenciais do MS no contexto da pandemia de COVID-19 conside-rados essenciais para o entendimento do fenômeno investigado, totalizando uma amostra de 14 publicações que constituem o corpus analítico deste estudo.

Na análise, utilizou-se o método de redução de dados que envolveu leitura minuciosa e técnicas de classificação em subgrupos das fontes primárias, conforme abordagem e aspectos metodológicos. ¹¹ Este processo permitiu organizar os dados em uma estrutura lógica, simplificar, sumarizar, abstrair e comparar sistematicamente os resultados provenientes de estudos primários e documentos sobre o objeto em estudo, ¹¹ facilitando a análise interpretativa e a apresentação da revisão.

Foram elaboradas tabelas com síntese descritiva dos documentos selecionados para tornar as recomendações objetivas e facilitar o acesso às informações. Optou-se, ainda, por apresentá-los e discuti-los em categorias conceituais: assistência pré-natal, a assistência ao trabalho de parto e nascimento, assistência à puérpera e assistência ao recém-nascido.

Resultados

Os artigos analisados foram publicados por pesquisadores dos Estados Unidos (n=2) e Brasil (n=2), seguidos por estudos publicados na China (n=1), França (n=1), Canadá (n=1), Inglaterra (n=1) e Espanha (n=1). Todos foram publicados em 2020, na língua inglesa, em periódicos na área de Obstetrícia e Ginecologia e patologia/virologia/ fisiopatologia. Os delineamentos metodológicos empregados foram: estudo de casos (n=1), cortes transversais (n=2), coortes (n=3), revisões bibliográficas (n=2) e revisão sistemática com meta-análise (n=1).

Apresenta-se a síntese das principais recomendações publicadas nas Normas Técnicas do MS no contexto da pandemia de COVID-19 (Tabela 1).

Tabela 1
Síntese das principais recomendações publicadas nas Normas Técnicas do Ministério da Saúde no contexto da pandemia de COVID-19.

Norma técnica	Data de Publicação	Assunto	Principais Recomendações
Nº 6/2020- COSMU/CGCIVI/DA PES/SAPS/MS	23/03/2020	Atenção às Gestantes no Contexto da Infecção SARSCoV- 2.	Protocolo de diagnóstico de COVID-19 para gestantes deverá ser o mesmo que o da população adulta geral; permanência das consultas pré-natais presenciais de gestantes assintomáticas; ainda não há confirmação cientifica que ocorra a transmissão vertical; não há evidência de teratogênese; realização de ultrassonografia morfológica no segundo trimestre.
Nº 7/2020- COSMU/CGCIVI/DA PES/SAPS/MS	08/04/2020	Atenção às gestantes no contexto da infecção COVID- 19 causada pelo Coronavirus (SARS-CoV-2).	Apresenta as mesmas recomendações descritas na Nota Técnica de Nº 6. Entretanto, exclui-se o texto "Ainda não há confirmação cientifica que ocorra a transmissão vertical do SARS-CoV-2. Entre os casos relatados até o momento não se sabe se a transmissão para o feto/recém-nascido (RN) ocorreu antes ou após o nascimento.15,16 Os demais casos reportados de gestantes positivas para SARS-CoV-2 apresentaram neonatos livres do virus, incluindo em sangue de cordão e placenta.3
Nº 9/2020- COSMU/CGCIVI/DA PES/SAPS/MS	10/04/2020	Recomendações para o trabalho de parto, parto e puerpério durante a pandemia da COVID-19.	Admissão de gestantes e acompanhantes suspeitos ou positivos para COVID-19; equipe multiprofissional; local de ocorrência do parto; recomendações para o pós-parto.
Nº 10/2020- COCAM/CGCIVI/DA PES/SAPS/MS	23/03/2020	Atenção á saúde do RN no contexto da infeccao pelo novo coronavirus (SARS-CoV- 2).	Sem evidência consolidada da transmissão vertical; orientações de condutas em sala de parto; orientações para o alojamento conjunto; orientações para unidade neonatal; recomendações relacionadas à alta hospitalar.
Nº 14/2020- COCAM/CGCIVI/DA PES/SAPS/MS	05/08/2020	Atenção à saúde do RN no contexto da infecção pelo novo coronavirus (SARS-. CoV-2).2	Distância minima entre o leito da mãe e o berço do recém-nascido de 1 metro e preferencialmente de 2 metros; para a proteção do recém-nascido no alojamento conjunto podem ser consideradas a utilização de incubadoras, em vez de berços.

• Data limite de buscas: 31/08/2020. COSMU = Coordenação de Saúde das Mulheres; CGCIVI = Coordenação Geral de Ciclos da Vida; DAPES =Departamento de Ações Programáticas Estratégicas; SAPS = Secretaria de Atenção Primária à Saúde; MS = Ministério da Saúde; COCAM = Coordenação de Saúde da Criança e Aleitamento Materno.

As pesquisas descrevem algumas das alterações necessárias durante a rotina de cuidado prestado ao binômio mãe-bebê, desde as consultas pré-natais, a admissão no serviço hospitalar, ao puerpério e aos cuidados com o recém-nascido. As recomendações tendem a modificar o padrão assistencial do serviço conforme o quadro clínico apresentado pela gestante/puérpera e neonato, se assintomática, suspeita ou confirmada (Tabela 2).

Tabela 2
Síntese das principais recomendações sobre a assistência perinatal no contexto da pandemia de COVID-19.

Período gestacional	Trabalho de parto e parto	Período puerperal	Período neonatal
Permanência da consulta pré-natal presencial.6,7,12 Os profissionais devem empregar teleconferência e videoconferência sempre que possível e considerar quais consultas podem ser conduzidas remotamente.3,12	Toda parturiente e seu acompanhante devem ser triados para casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 antes da sua admissão no serviço hospitalar.9,12 Gestantes admitidas com suspeita de COVID-19 ou que desenvolva sintomas durante a admissão devem ser priorizadas nos testes.19	Puérperas assintomáticas ou sintomáticas leves, devem permanecer no alojamento conjunto.2,9,10	Clampeamento do cordão umbilical deve ser realizado em tempo oportuno, entre 1 e 3 minutos.2-4,9,10,12,20
Solicitação de exames laboratoriais e de imagem, quando necessário.3,6,7,12	Equipe devidamente paramentada com todos os EPI's preconizados. 3,4,9,12, 19	Leito com distanciamento mínimo de dois metros do berço do RN.3,4,9,10,19	Não está indicada a triagem laboratorial para investigação de SARS-CoV-2 em RN assintomático, cuja mãe tenha diagnóstico suspeito ou confirmado de COVID- 19.9,10
Adiamento da consulta pré-natal para gestantes com síndrome gripal.6,7	Ofertar métodos não farmacológicos para alívio da dor.2,9	Estimular aleitamento materno exclusivo, mesmo para mães positivas para COVID-19, seguindo protocolo de biossegurança.9,10,20	Realizar RT-PCR em todos os recém-nascidos com mães suspeitas ou confirmadas para COVID-19, independentemente de haver sinais de infecção no RN.2
Internamento de gestantes positivas em caso de sintomatologia grave.17,18	Desencorajar parto em domicílio, CPN em casos de gestantes suspeitas ou positivas para SARSCoV- 2.8,12	Desencorajar visitas externas à mãe e ao RN.9,10	O transporte do recém-nascido para qualquer lugar do hospital deve ser realizado em incubadora de transporte próprio.21
Atenção especial às medidas de altura de fundo uterina e parâmetros fetais.2,3,4,12	Desencorajar contato pele a pele e amamentação durante a hora de ouro em pacientes sintomáticas ou contactante de pessoas com síndrome gripal ou com infecção por SARS-CoV-2.3,4,9,10,20	Puérperas em boas condições deverão ter alta em 24 horas.8,18 Alta precoce do hospital, 24 horas para o parto vaginal e 48 horas para o parto cesáreo.2,12 As pacientes com COVID-19 podem receber alta da unidade de saúde sempre que houver indicação clínica.19	Realizar cuidados imediatos ao recém-nascido em uma sala separada da mãe, caso não seja possível, manter distanciamento de pelo menos 2 metros entre a mãe e a mesa de reanimação.21
Atenção especial para aspectos psicológicos da gestante.22,23	Indicação de Parto cesáreo em caso de gravidade clínica materna ou fetal.2,3,4	Após alta hospitalar é sugerido que a manutenção das consultas de seguimento eletivas pela equipe de Atenção Básica, sejam ponderadas a oportunidade terapêutica por vacinação de rotina, vigilância do crescimento e desenvolvi­mento e orientações a família.9,10	Alta precoce do hospital, em 24 horas se parto vaginal e 48 horas se parto cesáreo.2,12 RN em boas condições, alta com 24 horas.8

• Data limite de buscas: 31/08/2020. EPI's = Equipamentos de Proteção Individual; RN = Recém-nascido; CPN= Centro de Parto Normal.

Discussão

A assistência perinatal envolve o cuidado integral à díade mãe-bebê, que compreende todo o ciclo gesta-cional, o trabalho de parto, nascimento, puerpério e os cuidados ao recém-nascido. É importante que envolva uma equipe multidisciplinar, promovendo uma assistência satisfatória e de qualidade. ⁸ As principais orientações e recomendações dentro do contexto da COVID-19 foram elencadas e estão discutidas nas categorias que se seguem.

Assistência pré-natal

O pré-natal tem por objetivo garantir o bem-estar e a segurança materno-fetal, por meio de consultas periódicas, com escuta qualificada, exame físico, solicitações e avaliações de exames complementares, a fim de amenizar ou diagnosticar precocemente riscos à saúde. O MS recomenda a permanência das consultas presenciais, desde que a gestante não apresente sintoma relacionado à COVID-19.^6,7 Em caso de síndrome gripal, o profissional deve adiar a consulta por 14 dias, realizando, a teleconsulta e reagendar os procedimentos presenciais em tempo oportuno e com hora marcada, evitando aglomerações ou maiores tempos de espera no serviço.^6,7,12 Recomenda-se que os exames de rotina sejam solicitados e avaliados, e que a realização destes coincida com as consultas presenciais e a aplicação das doses de vacinação, de forma a amenizar a circulação extradomiciliar da paciente.^3,6,7,12 Ressalta-se que a autonomia e protagonismo da mulher no cuidado são essenciais, de modo que ela seja orientada a identificar sinais de alerta na gestação, e dirigir-se em tempo hábil à atenção hospitalar de referência obstétrica e neonatal.^4,6,7

Às gestantes positivas para SARS-CoV-2, a vigilância fetal necessita ser redobrada, visto que, outras doenças endêmicas causadas pelo coronavírus - síndrome respiratória aguda grave (SARS) e síndrome respiratória do oriente médio (MERS) -demonstraram causar, em fetos de mães positivas, crescimento intrauterino restrito (CIUR). Ainda não há estudos que comprovem a mesma característica advinda do agente etiológico da COVID-19.^3,6,7 Entretanto, tem sido crescente o número de partos pré-termo em gestantes infectadas, o que justifica a recomendação de administrar corticoides entre 24 e 34 semanas de gestação em casos de mães com quadro clínico de potencial agravo.^2,5

Quanto à transmissão vertical, estudos descrevem ser possível, visto que após realização de exames para identificação de SARS-CoV-2 em amostra biológica neonatal, obteve-se resultado positivo.^3,13 Um estudo de relato de caso realizado na França, descreveu presença de SARS-CoV-2 em todas as amostras laboratoriais, provenientes do líquido amniótico (LA), coletado antes da ruptura das membranas, sangue placentário e sangue do recém-nascido, coletado nas primeiras 12 horas de vida pós parto cesáreo de mãe positiva para COVID-19. Observaram-se sinais inflamatórios na placenta característicos da infecção e células inflamatórias no líquido cefalorraquidiano do neonato. ¹⁴ Nos casos de SARS e MERS não foi identificado transmissão vertical.^5-7

Segundo o MS, para gestantes com sintomatologia grave faz-se necessário internação hospitalar no setor de isolamento, em serviço de referência, para rigoroso monitoramento materno (pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de O₂), e fetal (movimentos fetais, batimentos cardíacos, ultrassonografia e realização de cardiotocografia). ⁸ Após recuperação, recomenda-se realizar ultrassonografia obstétrica entre 2 a 4 semanas pós-cura, com objetivo de avaliar o crescimento fetal e níveis de LA. ⁵

Na assistência à gestante com COVID-19 não se orienta a interrupção da gravidez em caso positivo, exceto aqueles em que há risco materno ou sofrimento fetal, com real indicação para realização da cesariana. ⁸» ¹²

Estudo realizado na China com 4124 gestantes, no terceiro trimestre, analisou a saúde mental dessas mulheres. Foram comparados os sintomas apresentados no período pré e pós anúncio da pandemia por COVID-19, o grupo avaliado após o início da pandemia foi mais propenso a desenvolver sintomas depressivos e pensamentos de automutilação quando comparado ao outro grupo. ²³ Pesquisa realizada no Canadá, com amostra de 1754 gestantes entre 4 e 41 semanas de gestação, o grupo analisado após o início da pandemia demonstrou níveis clinicamente significativos de sintomas depressivos e de aumento da ansiedade. ²²

Assistência ao trabalho de parto e nascimento

O Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) norte-americano orienta que, as unidades prestadoras de serviço à gestante e ao recém-nascido, devem adaptar sua estrutura física, de modo que a transmissão do vírus seja impedida. Setores como recepção, triagem e enfermarias de isolamento, destinadas a pacientes com suspeita, ou confirmadas para COVID-19, devem estar identificadas e separadas das demais alas. ¹⁹ Os profissionais devem estar paramentados com equipamentos de proteção individual (EPI), fornecida pela instituição. ³> ⁴> ⁸> ¹⁹

Segundo alguns protocolos institucionais é importante que os critérios de internação sejam bem definidos e que todas as gestantes admitidas no serviço, sejam testadas para COVID-19, mesmo que não apresentem sintomas característicos da doença, considerando que há casos assintomáticos. ¹⁷. ¹⁸ Entretanto, é aconselhado que a realização de testes em grávidas assintomáticas fique a critério médico e institucional. ²² Em gestantes que não apresentam sinais de TP ativo, recomenda-se, internamento em caso de SARS ou síndrome gripal associada a comorbidades descompensadas, indicações obstétricas de internamento ou que apresentem vulnerabilidade social, ou dificuldade de acesso à instituição. ¹⁷> ¹⁸

Durante a assistência ao trabalho de parto e parto orienta-se que permaneçam o mínimo de pessoas possível, bem como que a presença do acompanhante de escolha da mulher seja garantido, desde que responda a critérios pré-estabelecidos como: não ser caso suspeito ou confirmado e não ter tido contato direto com algum caso confirmado nos últimos 15 dias da admissão; não ser portador de condição crônica; ter idade entre 18 e 59 anos; e ter disponibilidade para permanência em todo tempo necessário de internação, seguindo as normas do serviço, como uso integral de máscara, e lavagem das mãos periodicamente. ²> ⁸> ¹⁹

Em pacientes suspeitas ou com diagnóstico confirmado, é recomendado que a vigilância dos sinais vitais materno-fetais sejam mais regulares, com o objetivo de identificar precocemente sinais de descompensação materna e/ou fetal, visto que estudos vêm demonstrando maiores taxas de sofrimento fetal e prematuridade em mães portadoras de SARS-CoV-2. ³> ⁴> ⁸> ¹²> ¹⁷ Em concordância a esses achados, um estudo britânico apresentou em seus resultados os desfechos do internamento de pacientes positivas para COVID-19, sendo 27% de partos prematuros, dentre os quais 47% iatrogênicos por comprometimento materno e 15% relacionados a sofrimento fetal. Dos RN a termo, 10% necessitaram de unidade de terapia intensiva neonatal, sendo 2,5% diagnosticados com o vírus nas primeiras 12 horas de vida. ²⁴

Com relação aos métodos não farmacológicos para alívio da dor, permanece a indicação de serem ofertados às parturientes, desde que de forma indi-vidual. ²> ³> ⁸ Parturientes suspeitas ou portadoras de SARS-CoV-2 não devem ser assistidas em centros de parto normal (CPN) ou em domicílio, sendo recomendado que ocorram em serviço de referência, em virtude da possibilidade de eventuais compli-cações.^2-4> ⁸> ¹² É contraindicado o parto na água, visto que já foi observado haver presença do vírus em fezes de pacientes contaminadas. ³> ⁴> ⁸

A decisão de interromper a gestação deve ser tomada com base em três aspectos: estado geral da paciente, idade gestacional e vitalidade fetal. ⁵ A via de parto deve ser indicada de acordo com cada caso, considerando o melhor para o binômio mãe-bebê. ³> ⁴> ⁵ Entretanto, o parto vaginal permanece como a melhor via para o nascimento, mesmo com as evidências iniciais de transmissão vertical via placentária. ³ Esta informação corrobora com os resultados de pesquisa espanhola que avaliou os resultados maternos e neonatais associados ao tipo de parto em mulheres positivas para SARS-CoV-2 e demonstrou que nenhuma das que realizaram o parto vaginal apresentou gravidade, enquanto 5 (13,5%) das que foram submetidas à cesariana necessitaram de admissão em unidade de terapia intensiva. ²⁵

As intervenções intraparto como a episiotomia ou o parto vaginal operatorio com objetivo de diminuir o tempo do feto no canal vaginal estão contraindicadas, só devendo ser realizadas com real indicação. ³» ⁴» ¹⁷ Todos os protocolos e diretrizes são unânimes quanto à orientação em realizar o clampea-mento oportuno do cordão, em partos normais e operatórios, nos seguintes casos: de 1 a 3 minutos em nascimentos de RN com IG >34 semanas, de 30 a 60 segundos, em RN com IG <34 semanas, desde que, ativo e apresentando bom tônus e choro. Já em casos em que a placenta não está intacta ou em que o neonato não apresenta choro e/ou tônus, recomendase o clampeamento imediato, para continuidade da assistência.^2-4» ⁶» ⁷» ¹⁷» ²¹

Quanto a “hora de ouro”, algumas evidências apontam que não deve haver o contato pele a pele com a mãe, na primeira hora de vida, nem amamentação em partos de mães suspeitas ou positivas para SARS-Cov-2, pois a assistência nesse período está voltada à prevenção da infecção do RN pós nascimento, principalmente.^3,21 Para o Colégio Americano, a decisão de colocar o neonato em contato com a mãe após o nascimento, deve ser tomada conforme cada caso, juntamente com a paciente, desde que a mesma seja previamente informada dos possíveis riscos. ⁴

Assistência à puérpera

A assistência para mães estáveis clinicamente, deve permanecer conforme rotina do serviço. Para puérperas com suspeita clínica ou confirmadas para COVID-19, orienta-se que exista um espaço privativo no alojamento conjunto para sua acomodação junto ao RN, se estável.^9,10 Para isso, deve-se manter um distanciamento mínimo entre o leito da mãe e o berço do recém-nascido de um metro ou preferencialmente de dois metros, ficando o contato de ambos restrito somente ao momento da amamentação. A mãe em todo o momento de lactação deve fazer uso de máscara cirúrgica fornecida pelo serviço, higienizar as mãos antes e após as mamadas ^2-4,9,10,20

A melhor nutrição para o RN permanece sendo o leite materno, que deve ser estimulado por profissionais, não havendo evidências de que mães com COVID-19 possam transmitir o vírus via leite. O ato de amamentar é uma escolha exclusiva da mulher em acordo com a rede de apoio familiar e os profissionais que a assistem.^4,26

Em caso de puérperas internadas em UTI e que desejam amamentar, deve-se extrair o leite e ofertar ao lactente. Nos casos de gravidade materna, a equipe tem que atentar para que não haja ingurgita-mento mamário, podendo ordenhar as mamas, se necessário. ² A Sociedade Brasileira de Pediatria deixa explicita a contraindicação de doação de leite, pelas mães acometidas com SARS-CoV-2. ²⁰

Segundo recomendações do MS, é importante que se suspendam visitas hospitalares, e reduza-se o número de pessoas circulantes no serviço. Orienta-se também que em casos de puérperas e RN estáveis clinicamente, o acompanhante seja dispensado, exceto para nutrizes menores de idade ou em caso de real necessidade.^8-10 Faz-se necessário que a alta hospitalar ocorra da forma mais breve possível, considerando o bem-estar materno e neonatal, realizando-se orientações acerca dos cuidados domiciliares, e ressaltando a necessidade da rede de apoio familiar.^2,4,9,10,12

Para as mulheres que sofreram abortos ou perdas fetais, o profissional deve analisar cada caso. É importante que se amenizem os riscos durante o tempo de assistência e, em caso de mulheres assin-tomáticas com aborto retido, a conduta expectante é aconselhável, assim como a realização da alta precoce. ² Segundo protocolo hospitalar, para as perdas de embrião/feto de mulheres positivas para COVID-19, deve-se realizar sempre que possível testes RT-PCR. A medida é válida para todos os conceptos pesando menos de 500 gramas. ¹⁸

Assistência ao recém-nascido

Os cuidados prestados ao neonato buscam a não infecção pós-nascimento.^9,10,21 Ainda são limitados os estudos voltados a esse grupo populacional, até o momento: é que menores de um ano podem ter maiores riscos de doença grave por COVID-19 ao comparar a crianças com outras faixas etárias. ²⁷ Outra possibilidade é que o RN se exponha ao vírus ao nascer por via vaginal, considerando a possibilidade da presença de SARS-CoV-2 na urina e fezes de pacientes contaminadas. ²¹

É imprescindível que haja comunicação prévia à toda a equipe da presença de pacientes com suspeita ou positiva, para que seja feita uma anamnese minuciosa, com foco na identificação de provável necessidade de auxiliar o RN na respiração ao nascer ou realizar manobras de reanimação neonatal. Em caso de estabilidade clínica, o neonato deve ser secado ainda com cordão ligado à placenta materna, recebendo os primeiros cuidados em uma sala separada da mãe ou mantendo distanciamento de dois metros. ³» ²¹

Conforme recomenda o MS não se deve investigar SARS-CoV-2 em RN assintomático, mesmo que a mãe seja um caso suspeito ou confirmado. ⁹» ¹⁰ Em discordância, o CDC orienta que todas as crianças nascidas, independentemente de demonstrarem sinais de infecção, devem ser consideradas suspeitas e, portanto, realizarem o RT-PCR com até 24 horas após o nascimento, a partir da coleta de amostras de nasofaringe, orofaringe ou swab nasal, considerando que a mãe tenha diagnóstico confirmado ou seja suspeita para COVID-19. Além disso, orienta que em caso de resultado negativo ou teste indisponível, deve-se realizar um novo exame com 48 horas pós nascimento. ²⁷ A Sociedade Brasileira de Pediatria não comenta sobre o rastreamento de SARS-CoV-2 em recém-nascidos.^20,21

Após os cuidados imediatos, o neonato estável deve seguir da sala de parto ou bloco cirúrgico para o alojamento conjunto, o transporte do RN deve acontecer dentro de uma incubadora, independentemente de a mãe ter diagnóstico para COVID-1 9 ou não. Os cuidados no setor devem seguir os preconizados nos serviços, atentando para que o contato do lactente com a mãe seja exclusivamente no momento da amamentação, devendo seguir assim na rotina em domicílio. ²⁰

As mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal e os RNs são mais vulneráveis a ter complicações na presença do novo coronavírus, considerando-se oportuna toda a produção de conhecimentos que tratem sobre as recomendações para assistência perinatal no contexto da pandemia de COVID-19. Estudar a temática na perspectiva de grupos específicos, torna-se mais relevante, já que o Brasil concentra cerca de 77% das mortes mundiais de gestantes e puérperas por COVID-19. ²⁸

Este estudo brasileiro sobre mortalidade materna com base no banco de dados do Sistema Brasileiro de Vigilância da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), advindos da notificação de 978 gestantes e puérperas acometidas por SARS-CoV-2, evidenciou 24 óbitos maternos, com uma taxa de letalidade de 12,7%, onde 48,4% apresentavam pelo menos uma comorbidade, 58,9% internadas em UTI, 53,2% em ventilação invasiva e 29,0% sem suporte ventilatório. ²⁸ Os fatores de risco descritos foram: obesidade, diabetes e doença cardiovascular. O estudo evidenciou, ainda, que a chance de uma mulher negra vir a óbito é duas vezes maior que de uma mulher branca. ²⁸

Entende-se como limitações desta revisão o fato de que o tempo decorrido desde o início da pandemia seja insuficiente e o intenso fluxo de informações sobre a temática dificultam recomendações estáveis. A presença majoritária de estudos retrospectivos e de artigos de opinião aumenta os riscos de viés de informação.

Considerações finais

Gestantes representam um grupo da população com particularidades, devido às alterações fisiológicas e imunológicas próprias do período, o que requer uma atenção especial, sobretudo diante do cenário epidemiológico brasileiro.

Análise das diretrizes, protocolos e estudos publicados demonstrou que a maioria das informações foi oriunda de observações de gestantes no segundo e terceiro trimestres e de relatos de caso ou séries de casos. Não há uniformidade entre as recomendações.

É necessária a continuidade pré-natal, incluindo a modalidade de teleconsultas. Recomenda-se internação em casos específicos para rigoroso monitoramento, devendo-se interromper a gestação em quadro de gravidade materna ou fetal, por via cesariana. A amamentação deve ser estimulada, desde que cuidados maternos sejam tomados. A alta precoce com orientação a continuidade do cuidado em domicilio deve ser considerada.

Espera-se que novas evidências científicas baseadas em estudos com desenhos metodológicos e análises mais robustos sejam publicadas, de maneira que a assistência perinatal no contexto da pandemia por COVID-19 aconteça de forma segura e livre de complicações e desfechos desfavoráveis à mulher no ciclo gravídico puerperal e ao recém-nascido.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Fev 2021
• Data do Fascículo
  Fev 2021

Histórico

• Recebido
  28 Set 2020
• Aceito
  07 Dez 2020