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Avaliação da responsividade a volume em pacientes sob ventilação espontânea

Resumos

A avaliação da responsividade a volume no paciente em ventilação espontânea representa um desafio para o intensivista. A maior parte dos conhecimentos adquiridos sobre interação coração-pulmão e o cálculo de índices dinâmicos de responsividade a fluidos podem não ser adequados para essa avaliação. Historicamente, as variáveis mais frequentemente utilizadas para guiar a responsividade a volume têm sido as medidas estáticas de pré-carga. Mais recentemente, índices dinâmicos obtidos por dispositivos menos invasivos têm sido mais usados, apesar de sua eficácia para esse fim em pacientes em ventilação espontânea ainda não ter sido adequadamente estabelecida. O objetivo deste estudo foi revisar as principais evidências sobre a avaliação da responsividade a volume nos pacientes em ventilação espontânea. A pesquisa na literatura demonstrou escassez nas evidências para utilização de medidas estáticas da volemia como as pressões de enchimento e o volume diastólico final dos ventrículos. Medidas dinâmicas como variação da pressão de pulso e outros índices também não foram adequadamente testados durante a ventilação espontânea. Resultados favoráveis foram obtidos com a variação dinâmica da pressão venosa central e com parâmetros dinâmicos que utilizam o ecocardiograma transtorácico ou doppler esofágico associado à elevação passiva dos membros inferiores. Conclui-se que embora a variação da pressão venosa central e variáveis obtidas com o ecocardiograma transtorácico ou doppler esofágico possam ser úteis na avaliação da responsividade a volume em pacientes sob ventilação espontânea, definitivamente são necessários mais estudos neste grupo de pacientes.

Deslocamentos de fluídos; Hidratação; Determinação do volume sanguíneo; Volume sistólico; Volume de ventilação pulmonar; Hemodinâmica


To assess fluid responsiveness in patients under spontaneous breathing activity ventilation remains a challenge for intensive care physicians. Much of the knowledge on heart-lung interactions and dynamic indexes of fluid responsiveness may not be useful for these patients. Historically, the most frequently used variables to guide fluid responsiveness on this population have been the static preload indexes. However, more recently, dynamic indexes from less invasive devices are being often used, even though their usefulness on spontaneously-breathing subjects remains controversial. The purpose of this article was to review evidences on the assessment of fluid responsiveness in patients under spontaneous ventilation. A search in literature showed poor evidence for use of static variables, such as filling pressures and ventricular end-diastolic volumes. Dynamic indexes, such as pulse pressure variation and other indexes had not been appropriately tested during spontaneous ventilation. Favorable results were found with central venous pressure variation and with transthoracic echocardiography or transesophageal Doppler dynamic indexes, especially when associated to passive lower limb elevation. We conclude that although central venous pressure variation and echocardiography variables could aid bedside clinicians in assessing fluid responsiveness during spontaneous ventilation, more studies on this subject are definitely required.

Fluid shifts; Fluid therapy; Blood volume determination; Stroke volume; Tidal volume; Hemodynamic


ARTIGO DE REVISÃO

Avaliação da responsividade a volume em pacientes sob ventilação espontânea

Fernando José da Silva RamosI; Luciano Cesar Pontes de AzevedoII

IMédico Residente em Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. São Paulo (SP), Brasil.

IIPesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. São Paulo (SP), Brasil; Médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês. São Paulo (SP), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Luciano César Pontes de Azevedo Hospital Sírio Libanês Instituto de Ensino e Pesquisa Rua Cel. Nicolau dos Santos, 69 - Bela Vista CEP 01308-060 - São Paulo (SP), Brasil Fone: (11) 3155-1159 E-mail: lucianoazevedo@uol.com.br

RESUMO

A avaliação da responsividade a volume no paciente em ventilação espontânea representa um desafio para o intensivista. A maior parte dos conhecimentos adquiridos sobre interação coração-pulmão e o cálculo de índices dinâmicos de responsividade a fluidos podem não ser adequados para essa avaliação. Historicamente, as variáveis mais frequentemente utilizadas para guiar a responsividade a volume têm sido as medidas estáticas de pré-carga. Mais recentemente, índices dinâmicos obtidos por dispositivos menos invasivos têm sido mais usados, apesar de sua eficácia para esse fim em pacientes em ventilação espontânea ainda não ter sido adequadamente estabelecida. O objetivo deste estudo foi revisar as principais evidências sobre a avaliação da responsividade a volume nos pacientes em ventilação espontânea. A pesquisa na literatura demonstrou escassez nas evidências para utilização de medidas estáticas da volemia como as pressões de enchimento e o volume diastólico final dos ventrículos. Medidas dinâmicas como variação da pressão de pulso e outros índices também não foram adequadamente testados durante a ventilação espontânea. Resultados favoráveis foram obtidos com a variação dinâmica da pressão venosa central e com parâmetros dinâmicos que utilizam o ecocardiograma transtorácico ou doppler esofágico associado à elevação passiva dos membros inferiores. Conclui-se que embora a variação da pressão venosa central e variáveis obtidas com o ecocardiograma transtorácico ou doppler esofágico possam ser úteis na avaliação da responsividade a volume em pacientes sob ventilação espontânea, definitivamente são necessários mais estudos neste grupo de pacientes.

Descritores: Deslocamentos de fluídos; Hidratação/métodos; Determinação do volume sanguíneo/métodos; Volume sistólico; Volume de ventilação pulmonar; Hemodinâmica

INTRODUÇÃO

Uma das intervenções mais frequentes no ambiente de terapia intensiva é a reposição de fluidos. Estudos recentes frisam que o excesso de volume dado de forma desnecessária ao paciente pode ter efeitos deletérios, sendo a avaliação da responsividade a volume assunto de grande interesse pelos intensivistas.(1,2)

A responsividade a volume pode ser definida pelo aumento do volume sistólico (VS) e consequente aumento do débito cardíaco (DC), frente a uma infusão de determinada alíquota de volume, o que promoverá melhora de oferta de oxigênio aos tecidos. Entretanto, esta resposta à prova volêmica só ocorre quando ambos os ventrículos estão operando na fase ascendente da curva de Frank-Starling, ou seja, numa condição de dependência de pré-carga.(3)

Na última década, com o melhor conhecimento e aplicação prática da fisiologia e interação coração-pulmão,(4-6) associado às técnicas de monitorização do paciente crítico, novos métodos de avaliação da responsividade a volume foram descritos, sendo denominados métodos dinâmicos. Assim descritos estão a variação de pressão pulso (VPP),(7) a variação de pressão sistólica (VPS),(8) variação de volume sistólico (VVS),(9) além de técnicas que utilizam o ecocardiograma para avaliar a colapsibilidade de veias cavas superior e inferior.(10) Os métodos de avaliação dinâmica apresentam boa acurácia em predizer fluido responsividade com valores preditivos muito superiores às medidas estáticas.(11) Porém, uma limitação importante destes métodos é que os índices e medidas foram validados em grupos específicos de pacientes sedados, sob ventilação mecânica com volume controlado, sem esforço respiratório e sem arritmias. Outros estudos que tentaram reproduzir estes resultados em situações diferentes não obtiveram os mesmos resultados.(12-14)

No paciente em ventilação espontânea ou em ventilação mecânica com esforço respiratório, a avaliação de fluido responsividade ainda é assunto que necessita de mais estudos,(15,16) visto que a tendência atual em terapia intensiva é manter o paciente com menor grau de sedação e realizar o desmame da ventilação mecânica o mais rápido possível.(17)

Esta revisão tem o propósito de resumir as principais evidências a respeito ou acerca da avaliação do fluido responsividade no paciente em ventilação espontânea, dividindo de forma didática entre estudos com medidas estáticas e estudos com métodos dinâmicos.

MÉTODOS

Foi realizada pesquisa na base de dados Pubmed, utilizando-se os termos: fluido responsividade (fluid responsiveness), ventilação espontânea (spontaneous breathing), pré-carga (preload), ecocardiograma (echocardiography). Foram selecionados os artigos em língua inglesa, considerados de relevância para esta revisão.

VARIÁVEIS ESTÁTICAS

Neste item serão descritas as principais evidências de fluido responsividade no paciente em ventilação espontânea pela avaliação da pressão venosa central (PVC), pressão de oclusão artéria pulmonar (POAP), volume diastólico final do ventrículo direito (VDFVD) e volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDFVE).

Pressão venosa central

A PVC é a pressão aferida no átrio direito ou veia cava superior por um cateter central ou de artéria pulmonar, sendo um dos parâmetros hemodinâmicos mais avaliados na unidade de terapia intensiva (UTI).(18) A Campanha Sobrevivendo à Sepse ,(19) uma normatização de atendimento ao paciente séptico, baseada no estudo de Rivers et al.,(20) recomenda que no manejo inicial do paciente com sepse grave e choque séptico, a PVC seja utilizada como parâmetro hemodinâmico de reanimação volêmica.

Michard & Teboul(11) em revisão de fluido responsividade na UTI avaliaram cinco estudos relacionados à PVC. Embora esta análise tenha envolvido tanto pacientes em ventilação espontânea quanto sob ventilação mecânica, dos cinco estudos, somente dois apresentavam relação entre valores baixo de PVC antes da prova volêmica e fluido responsividade.(21,22)

Uma revisão sistemática recente sobre PVC selecionou vinte e quatro estudos e um total de 830 pacientes, também com população mista (ventilação espontânea e mecânica) e concluiu não haver dados satisfatórios para o uso da PVC como parâmetro de fluido responsividade.(23)

Um único estudo realizado em pacientes sadios e em ventilação espontânea(22) também não conseguiu estabelecer relação entre o valor basal de PVC e fluido responsividade. Estes autores também não conseguiram estabelecer qualquer relação entre PVC basal e índices volumétricos.

Pressão de oclusão de artéria pulmonar

A POAP é medida através do cateter de artéria pulmonar e tende a refletir a pressão atrial esquerda sendo, durante muito tempo, utilizada como marcador de volemia. Porém, estudos mais recentes demonstram que a POAP é um fraco preditor de fluido responsividade, não podendo se estabelecer relação entre valor basal e capacidade de resposta frente a uma expansão volêmica.(11,14) Novamente nestes estudos a população não era exclusiva de pacientes em ventilação espontânea, sendo grande parte em ventilação mecânica.

Kumar et al.,(24) também avaliaram o valor da POAP em pacientes sadios e em ventilação espontânea e nesse grupo também não houve relação entre POAP inicial e fluido responsividade e nem relação com VDFVE ou volume sistólico.

Volumes diastólicos finais ventriculares

Com o desenvolvimento do cateter de artéria pulmonar e a possibilidade de se aferir o volume diastólico final do ventrículo, acreditava-se que a medida do VDFVD seria útil em predizer resposta hemodinâmica após uma expansão volêmica. Porém poucos estudos conseguiram correlacionar os valores basais de VDFVD e fluido responsividade. Somente dois estudos realizados pelo mesmo grupo, conseguiram estabelecer relação entre o valor inicial e aumento considerável do DC.(25,26) Segundo estes estudos, um valor basal de VDFVD menor 90ml/m2 associou-se a maior chance de responsividade com 64% de acurácia, enquanto valores superiores a 138ml/m2 foram relacionados a 100% de falha na resposta. Críticas a estes estudos advêm do fato de que foram realizados em populações mistas e também por existir um hiato considerável entre os valores 90-138ml/m2, onde não se pode estabelecer relação de responsividade a volume.

A análise do VDFVE realizada por cateter de artéria pulmonar e cintilografia cardíaca,(21) não demonstrou relação entre valores basais e capacidade em predizer fluido responsividade. Uma recente revisão da literatura também não encontrou estudos favoráveis ao uso da VDFVE na avaliação de responsividade a volume.(15)

VARIÁVEIS DINÂMICAS

Na avaliação dinâmica da responsividade a volume no paciente em ventilação espontânea revisaremos as evidencias referentes à variação da PVC (ΔPVC), VPP e os métodos que utilizam o ecocardiograma transtorácico e doppler esofágico.

Variação de pressão venosa central

Os primeiros estudos testando a hipótese de ΔPVC em predizer resposta volêmica com pacientes em ventilação espontânea foram publicados na década de 90 por Magder et al.(27,28) O racional é que pacientes com capacidade de inspiração suficiente para causar uma redução na POAP de 2 mmHg e que apresentassem, neste ciclo respiratório, uma variação inspiratória da PVC com queda superior a 1 mmHg, estariam em estado de dependência de pré-carga e, portanto, apresentar-se-iam como responsivos a fluidos. Os autores demonstraram que uma queda da PVC superior a 1 mmHg apresenta valor preditivo positivo (VPP) de 77% e valor preditivo negativo (VPN) de 81% em identificar pacientes responsivos. Neste estudo, os pacientes encontravam-se em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca e estavam em ventilação espontânea ou eram desconectados do ventilador no momento de aferir a ΔPVC. Além disso, eram monitorizados pelo cateter de artéria pulmonar. Só eram incluídos no estudo pacientes com capacidade inspiratória suficiente para causar decréscimo na PAOP superior a 2 mmHg.

No entanto, um estudo recente tentou reproduzir os dados dos estudos supracitados, com resultados diferentes.(29) A população analisada encontrava-se em ventilação espontânea ou em ventilação mecânica com pressão de suporte e os autores avaliaram PVC, POAP, ΔPVC e VPP. Surpreendentemente, a ΔPVC teve acurácia inferior à PVC. Neste estudo observou-se grande especificidade na identificação de indivíduos responsivos a volume quando a PVC era inferior a 5 mmHg.

Podemos citar algumas questões que poderiam justificar a diferença de resultados entre os estudos:(30) 1. O último estudo não verificou a capacidade inspiratória dos pacientes; 2. Os pacientes poderiam realizar esforço expiratório o que prejudica a análise da ΔPVC; 3. A medida da PVC era realizada na linha axilar média , ao contrário do primeiro estudo no qual as mesmas foram realizadas em ponto 5 cm abaixo do esterno, o que pode gerar uma diferença de até 3mmHg no valor médio da PVC; 4. A avaliação do valor da PVC pode ter sido realizada em um ponto inadequado de sua curva.

Variação de pressão de pulso

O papel da VPP em predizer responsividade a volume em pacientes sob ventilação espontânea ainda não está completamente esclarecido. Embora os dados atuais demonstrem não ser este um bom parâmetro para guiar reposição volêmica neste grupo de pacientes, três estudos sobre este tópico merecem citação.(29,31,32)

Monnet et al.,(31) avaliou capacidade da VPP em predizer fluido responsividade em dois grupos, sendo um em ventilação mecânica controlada e outro em ventilação espontânea ou esforço respiratório. A VPP foi comparada com variação no fluxo sanguíneo aórtico e foram utilizadas a elevação passiva de pernas (EPP) e infusão de 500 ml de solução salina para confirmar os resultados de responsividade a volume. No grupo de pacientes em ventilação espontânea e ritmo sinusal, a manobra de EPP na avaliação da VPP apresentou sensibilidade de 75% e especificidade de 46%, muito abaixo dos resultados obtidos pela variação de fluxo sanguíneo aórtico.

Estudo conduzido por outro grupo avaliou o VPP em pacientes sob ventilação com pressão de suporte ou ventilação com máscara facial e demonstrou uma capacidade de predição da VPP inferior à PVC e POAP.(29)

O terceiro estudo, realizado mais recentemente, avaliou 32 pacientes em ventilação espontânea. Os resultados obtidos foram melhores que os anteriores obtendo-se uma sensibilidade de 63% e especificidade de 92% para uma VPP acima de 12%. Quando os autores testaram a VPP após um ciclo respiratório forçado o valor de corte da VPP aumentou para 33% e a acurácia do método diminuiu significantemente. Um dado interessante neste estudo é que o critério de responsividade era aumento do índice cardíaco (IC) maior que 15%, o qual foi identificado através do cálculo de variáveis obtidas pela análise do doppler aórtico com ecocardiograma transtorácico.(32)

VARIÁVEIS ECOCARDIOGRÁFICAS E DOPPLER ESOFÁGICO

O ecocardiograma costuma ser utilizado na UTI para avaliação morfológica do coração informando sobre as características das câmaras e valvas, além de função sistólica e diastólica. Recentemente, vem crescendo o interesse neste método para avaliação dinâmica da volemia e da responsividade a volume.(10) Esta avaliação pode ser realizada pelo método transesofágico com uso de doppler instalado em região esofágica e captação da velocidade de fluxo aórtico (VFA), ou pelo ecocardiograma transtorácico, com obtenção dos dados de diâmetro, área aórtica (AA) e velocidade de tempo integral de fluxo aórtico (VTi), dados que permitem o cálculo do VS através da fórmula: VS= VTi x AA.(33) O ecocardiograma pode ainda ser utilizado na avaliação de volemia pelos índices de variação do diâmetro das veias cavas superior e inferior, porém estes últimos métodos só estão validados em pacientes sob ventilação mecânica.(10)

Doppler esofágico

A rapidez diagnóstica é fundamental na UTI, sendo para esse fim o ecocardiograma uma ferramenta muito útil. Devido à sua fácil execução e sua não invasividade, o ecocardiograma transtorácico é o método mais utilizado. Porém, em até 40% dos casos, este método pode apresentar falhas em oferecer imagens e dados adequados, principalmente em situações de pacientes obesos, deformidades na parede torácica, presença de enfisema subcutâneo, drenos e feridas operatórias. O uso do doppler esofágico permite a captação com boa qualidade da velocidade de fluxo aórtico pela aorta descendente torácica e baseado em um nomograma (que leva em conta o peso, altura e idade) estima a área aórtica, o que permite o cálculo do DC. A sonda pode permanecer posicionada por alguns dias e possibilita medida instantânea do DC.(34) Dark & Singer validaram o doppler esofágico como método fidedigno de monitorização do DC em pacientes críticos.(35)

Um importante estudo que utilizou o doppler esofágico na avaliação de fluido responsividade, considerou que o aumento da VFA maior que 10% induzida por EPP seria capaz de predizer fluido responsividade com sensibilidade de 97% e especificidade 94%. Estes valores de sensibilidade e especificidade são muito superiores quando comparado a VPP neste mesmo grupo de pacientes.(31) Contudo, em pacientes sob respiração espontânea, tal metodologia é frequentemente inviável em virtude do calibre da sonda, extremamente incômodo para muitos pacientes.

Ecocardiograma transtorácico

Na avaliação de fluido responsividade utilizando-se o ecocardiograma transtorácico vale a pena citar dois estudos.(36,37) Nestes, a EPP também foi avaliada quanto à capacidade de induzir alterações hemodinâmicas suficientes nos parâmetros avaliados.

Lamia et al.(36) avaliaram 24 pacientes em ventilação espontânea, sendo 14 em ventilação com pressão de suporte. Neste estudo, os autores, além de avaliarem a capacidade do ecocardiograma transtorácico em obter variação do VS frente à EPP, também avaliaram o papel das variações de medidas como área diastólica final de ventrículo esquerdo indexada frente a uma expansão volêmica. O efeito da EPP prediz um aumento do VS indexado superior a 15% com sensibilidade de 77% e especificidade de 100%. Já a análise dos outros índices não demonstrou valores satisfatórios.

O segundo estudo que utilizou o ecocardiograma transtorácico, avaliou também o efeito da EPP em produzir alterações no VS e DC e a capacidade de tais alterações serem detectadas pelo ecocardiograma transtorácico. O trabalho recrutou 34 pacientes, todos em ventilação espontânea. Caso a EPP fosse capaz de promover variação de 12% no VS ou no DC, o paciente era considerado responsivo. Os resultados para a variação do VS foram uma sensibilidade de 69% e especificidade de 89%, enquanto para variação do DC a sensibilidade foi de 63% e a especificidade de 89%, demonstrando assim praticamente uma equivalência destas variáveis.(37)

COMENTÁRIOS

A identificação de pacientes responsivos a volume é difícil, especialmente aqueles em ventilação espontânea. Estima-se que cerca de 40-72% dos pacientes apresentem aumento do VS frente a uma expansão volêmica.(11) Por outro lado, pacientes críticos que recebem fluidos de forma excessiva, desnecessária e em fase tardia de reanimação, podem sofrer complicações clínicas potencialmente evitáveis.(38,39)

Grande parte dos estudos sobre fluido responsividade foi realizada em pacientes sob ventilação mecânica controlada e sedados, de forma que os parâmetros de avaliação dinâmica da volemia somente estão validados com grande acurácia nesta população.(7-11) Poucos estudos têm focado a avaliação da volemia em pacientes sob ventilação espontânea.

Esta revisão corrobora com outros estudos e revisões,(11,15,16) demonstrando que medidas estáticas, seja de pressões ou volumétricas, não apresentam boa capacidade em predizer fluido responsividade e não devem ser utilizadas.

Em relação aos métodos de avaliação dinâmica, a VPP apresenta acurácia muito inferior quando os resultados são comparados com os pacientes em ventilação mecânica controlada,(8,29,31,32) embora um estudo tenha obtido resultado satisfatório quando os pacientes não realizavam esforço respiratório.(32)

A ΔPVC baseada nos estudos de Magder,(27,28,30) ainda parece ser o método dinâmico com melhores resultados, embora o trabalho de Heenen(29) demonstre resultados contraditórios. Vale lembrar as diferenças técnicas entre os estudos de Magder e Heenen, e que realizando as medidas pela técnica preconizada por Magder,(27,30) este pode ser um método útil de avaliação de volemia em paciente sob ventilação espontânea. Contudo, a realização dos procedimentos descritos no primeiro estudo é frequentemente inviável à beira do leito, já que nem todos pacientes apresentam uma inspiração satisfatória para causar uma redução de 2 mmHg na PAOP e muitos pacientes, especialmente aqueles com síndrome do desconforto respiratório agudo, não podem ser desconectados do ventilador para realização da medida.

O uso do ecocardiograma como método de avaliação de fluido responsividade, parece ser promissor, principalmente quando associado ao uso da EPP. A vantagem da EPP é que possibilita uma avaliação dinâmica e evita a infusão desnecessária de fluidos. Tanto o Doppler esofágico quanto o ecocardiograma transtorácico demonstraram ser instrumentos úteis e com boa acurácia na avaliação volêmica do doente crítico, sendo a vantagem do ecocardiograma transtorácico sua não invasividade. O grande empecilho a estes métodos é a falta de equipamento disponível na grande maioria das UTI em tempo integral e necessidade de ecocardiografista treinado adequadamente para realização do exame.(40)

Desta forma, podemos concluir que a avaliação de responsividade a fluidos nos pacientes em ventilação espontânea necessita de mais estudos, e que as evidências atuais mostram que devemos evitar os parâmetros estáticos e que os melhores resultados foram obtidos com a avaliação da ΔPVC e com as variáveis dinâmicas obtidas pelo ecocardiograma ou doppler esofágico. Com base nestes dados sugerimos um algoritmo na avaliação da volemia no paciente em ventilação espontânea (Figura1). Contudo, antes de nos perguntarmos se o paciente é responsivo a fluido ou não, talvez seja mais importante perguntar-se se o paciente realmente necessita de volume, porque às vezes menos pode ser melhor.


Received do Hospital Sírio-Libanês. São Paulo (SP), Brasil.

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  • Autor para correspondência:
    Luciano César Pontes de Azevedo
    Hospital Sírio Libanês
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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