Acessibilidade / Reportar erro

Proteção pulmonar: intervenção para reduzir o volume corrente em uma unidade de terapia intensiva de ensino

RESUMO

Objetivo:

Determinar o efeito do fornecimento de comentários e educação, com relação ao uso do peso corpóreo previsto para ajuste do volume corrente em uma estratégia de ventilação de proteção pulmonar.

Métodos:

O estudo foi realizado entre outubro de 2014 e novembro de 2015 (12 meses) em uma única unidade de terapia intensiva polivalente universitária. Desenvolvemos uma intervenção combinada (educação e comentários), dando particular atenção à importância do ajuste dos volumes correntes para o peso corpóreo previsto ao pé do leito. Paralelamente, o peso corpóreo previsto foi estimado com base na estatura calculada a partir da altura dos joelhos e incluído nas fichas clínicas.

Resultados:

Foram incluídos 151 pacientes. O peso corpóreo previsto avaliado pela altura dos joelhos, em vez de avaliação visual, revelou que o volume corrente fornecido era significantemente mais elevado do que o previsto. Após a inclusão do peso corpóreo previsto, observamos redução sustentada do volume corrente fornecido, de uma média (erro padrão) de 8,97 ± 0,32 para 7,49 ± 0,19mL/kg (p < 0,002). Mais ainda, a adesão ao protocolo foi subsequentemente mantida durante os 12 meses seguintes (volume corrente fornecido de 7,49 ± 0,54 em comparação a 7,62 ± 0,20mL/kg; p = 0,103).

Conclusão:

A falta de um método confiável para estimar o peso corpóreo previsto é um problema importante para a aplicação de um padrão mundial de cuidados durante a ventilação mecânica. Uma intervenção combinada, que se baseou em educação e fornecimento continuado de comentários, promoveu uma redução sustentada do volume corrente durante o período do estudo (12 meses).

Descritores:
Respiração artificial; Peso corporal; Lesão pulmonar; Treinamento; Educação em saúde

ABSTRACT

Objective:

To determine the effect of feedback and education regarding the use of predicted body weight to adjust tidal volume in a lung-protective mechanical ventilation strategy.

Methods:

The study was performed from October 2014 to November 2015 (12 months) in a single university polyvalent intensive care unit. We developed a combined intervention (education and feedback), placing particular attention on the importance of adjusting tidal volumes to predicted body weight bedside. In parallel, predicted body weight was estimated from knee height and included in clinical charts.

Results:

One hundred fifty-nine patients were included. Predicted body weight assessed by knee height instead of visual evaluation revealed that the delivered tidal volume was significantly higher than predicted. After the inclusion of predicted body weight, we observed a sustained reduction in delivered tidal volume from a mean (standard error) of 8.97 ± 0.32 to 7.49 ± 0.19mL/kg (p < 0.002). Furthermore, the protocol adherence was subsequently sustained for 12 months (delivered tidal volume 7.49 ± 0.54 versus 7.62 ± 0.20mL/kg; p = 0.103).

Conclusion:

The lack of a reliable method to estimate the predicted body weight is a significant impairment for the application of a worldwide standard of care during mechanical ventilation. A combined intervention based on education and repeated feedbacks promoted sustained tidal volume education during the study period (12 months).

Keywords:
Respiration, artificial; Body weight; Lung injury; Training; Health education

INTRODUÇÃO

Os médicos atuantes em hospitais de ensino são frequentemente os primeiros a aderir aos novos avanços médicos. Entretanto, diversos estudos reconhecem que, enquanto o conhecimento médico continua a melhorar, a prática médica permanece um passo atrás.(11 Bates DW, Kuperman GJ, Wang S, Gandhi T, Kittler A, Volk L, et al. Ten commandments for effective clinical decision support: making the practice of evidence-based medicine a reality. J Am Med Inform Assoc. 2003;10(6):523-30.,22 Lomas J, Sisk JE, Stocking B. From evidence to practice in the United States, the United Kingdom, and Canada. Milbank Q. 1993;71(3):405-10.) O uso de estratégias de ventilação mecânica (VM) para pacientes graves não é uma exceção. Na verdade, a falha na implementação de novas evidências na prática clínica é um importante desafio na terapia intensiva.(33 Mikkelsen ME, Dedhiya PM, Kalhan R, Gallop RJ, Lanken PN, Fuchs BD. Potential reasons why physicians underuse lung-protective ventilation: a retrospective cohort study using physician documentation. Respir Care. 2008;53(4):455-61.)

Em um relato inicial, Wolthuis et al. demonstraram como uma combinação de estratégias educacionais e fornecimento de comentários à equipe da unidade de terapia intensiva (UTI) pode melhorar a qualidade dos cuidados prestados com relação à VM.(44 Wolthuis EK, Korevaar JC, Spronk P, Kuiper MA, Dzoljic M, Vroom MB, et al. Feedback and education improve physician compliance in use of lung-protective mechanical ventilation. Intensive Care Med. 2005;31(4):540-6.) Embora a equipe de nossa UTI esteja ciente das recomendações internacionais para VM, detectamos dois problemas principais a solucionar: reforçar a importância de ajustes cuidadosos do volume corrente (VC) segundo o peso corpóreo previsto (PCP) e a ausência de determinação precisa do próprio PCP.

A síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) é uma condição com risco à vida que demanda admissão à UTI e suporte por meio de VM. Além de sua gravidade, os pacientes com SARA podem sofrer lesão por conta do VC em um "segundo golpe", denominado "lesão pulmonar induzida pelo ventilador".(55 Webb HH, Tierney DF. Experimental pulmonary edema due to intermittent positive pressure ventilation with high inflation pressures. Protection by positive end-expiratory pressure. Am Rev Respir Dis. 1974;110(5):556-65.)

Em 2000, um estudo clínico multicêntrico (ARDSNet) concluiu que o fornecimento baixo de 6mL/kg de peso corpóreo ideal se associou com uma diminuição de 8,8% na mortalidade, quando comparado a 12mL/kg.(66 Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med. 2000;342(18):1301-8.)

Apesar de algumas controvérsias quanto à melhor estratégia terapêutica para a SARA,(77 Briva A, Lecuona E, Sznajder JI. [Permissive and non-permissive hypercapnia: mechanisms of action and consequences of high carbon dioxide levels]. Arch Bronconeumol. 2010;46(7):378-82. Spanish.) evidências recentes apoiam o uso extensivo de VC baixo, mesmo em pacientes sem lesão pulmonar.(88 Sutherasan Y, Vargas M, Pelosi P. Protective mechanical ventilation in the non-injured lung: review and meta-analysis. Crit Care. 2014;18(2):211.)

Paralelamente a esta recomendação, cada vez mais os dados sugerem que os médicos com frequência deixam de tratar os pacientes com SARA com uma estratégia de baixo VC.(99 Needham DM, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Dinglas VD, Sevransky JE, Dennison Himmelfarb CR, et al. Lung protective mechanical ventilation and two year survival in patients with acute lung injury: prospective cohort study. BMJ. 2012;344:e2124.) A falta de um método bem determinado para avaliar o PCP parece ser uma barreira importante para a seleção de um VC adequado. Na verdade, mesmo quando os médicos acreditam utilizar uma estratégia de baixo VC, eles podem não o estar fazendo, o que consiste em uma falha na aplicação do protocolo.(33 Mikkelsen ME, Dedhiya PM, Kalhan R, Gallop RJ, Lanken PN, Fuchs BD. Potential reasons why physicians underuse lung-protective ventilation: a retrospective cohort study using physician documentation. Respir Care. 2008;53(4):455-61.) As mensurações da estatura são um componente essencial para determinar o PCP, por sua incorporação no índice de massa corporal, e não são fáceis de obter nas condições de terapia intensiva.(1010 Venkataraman R, Ranganathan L, Nirmal V, Kameshwaran J, Sheela CV, Renuka MV, et al. Height measurement in the critically ill patient: A tall order in the critical care unit. Indian J Crit Care Med. 2015;19(11):665-8.)

Diversos estudos demonstraram que estimativas visuais da estatura são frequentemente imprecisas; assim, foram propostas alternativas diferentes.(1010 Venkataraman R, Ranganathan L, Nirmal V, Kameshwaran J, Sheela CV, Renuka MV, et al. Height measurement in the critically ill patient: A tall order in the critical care unit. Indian J Crit Care Med. 2015;19(11):665-8.

11 Beghetto MG, Fink J, Luft VC, de Mello ED. Estimates of body height in adult inpatients. Clin Nutr. 2006;25(3):438-43.

12 Leary TS, Milner QJ, Niblett DJ. The accuracy of the estimation of body weight and height in the intensive care unit. Eur J Anaesthesiol. 2000;17(11):698-703.
-1313 Bloomfield R, Steel E, MacLennan G, Noble DW. Accuracy of weight and height estimation in an intensive care unit: Implications for clinical practice and research. Crit Care Med. 2006;34(8):2153-7.)

Neste sentido, há quase 30 anos(1414 Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):116-20.) foi proposta a mensuração da estatura com base na altura dos joelhos em populações geriátricas. Ao mesmo tempo, a estatura com base na altura dos joelhos é um método razoavelmente preciso para determinação da estatura do paciente na UTI.(1515 Berger MM, Cayeux MC, Schaller MD, Soguel L, Piazza G, Chioléro RL. Stature estimation using the knee height determination in critically ill patients. E Spen Eur E J Clin Nutr Metab. 2008;3(2):e84-e88.) Este método foi descrito por Chumlea et al. e é rápido e fácil de aplicar em pacientes graves,(1414 Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):116-20.) demonstrando precisão razoável em relação à real estatura do paciente (desvio de menos de 5 cm conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde). Conforme este raciocínio, incluímos o PCP nas fichas clínicas, conforme calculado pela equação de Chumlea, para avaliação da estatura a partir da altura dos joelhos.

O objetivo deste estudo foi determinar o efeito do fornecimento de comentários e educação quanto ao uso do peso corpóreo previsto para ajustar o volume corrente em uma estratégia de ventilação mecânica protetora.

MÉTODOS

Este estudo foi realizado entre outubro de 2014 e novembro de 2015 (12 meses) em uma única UTI do Hospital de Clínicas, em Montevidéu, Uruguai, que é uma unidade fechada polivalente com dez leitos. As decisões clínicas, inclusive regulagens do ventilador, eram realizadas pela equipe médica, que incluía membros permanentes (professores seniores e juniores) e mais 15 especialistas em terapia intensiva em turnos rotativos diários (assistentes e residentes).

O estudo foi dividido em duas fases, conforme descrito na figura 1. A primeira fase envolveu a intervenção educacional. Nove pacientes que receberam VM invasiva foram avaliados por 11 membros da UTI. A estatura do paciente foi estimada por avaliação visual, sem qualquer referência antropométrica. Simultaneamente, a estatura real foi determinada por meio de avaliação da estatura a partir da altura dos joelhos e pelo uso da equação de Chumlea. A comparação entre a estatura estimada e a medida, e a subsequente diferença em termos de VC (fornecido em comparação ao previsto) foram quantificadas e comunicadas à equipe da UTI. Estes comentários incluíam também a justificativa para a VM protetora e a importância do ajuste do VC segundo o PCP.

Figura 1
Delineamento metodológico e tamanho da amostra. As caixas brancas descrevem as intervenções e as cinzas acrescentam os detalhes específicos.

UTI - unidade de terapia intensiva; PCP - peso corpóreo previsto; IMC - índice de massa corporal; VC - volume corrente.


Na segunda fase, avaliamos se a inclusão do cálculo do PCP na ficha clínica teria um impacto nos volumes correntes fornecidos para pacientes com VM. Esta avaliação foi realizada aos 2, 4, 6, 9 e 12 meses após implantação do PCP. Um novo fornecimento de comentários com foco nos resultados obtidos e na importância do ajuste do VC foi enviado por e-mail para a equipe da UTI para cada avaliação.

A estatura calculada a partir da altura dos joelhos foi medida com um estadiômetro deslizante, conforme recomendado pelo Centers for Disease Control (http://www.cdc.gov/nchs/data/nhanes/nhanes3/cdrom/nchs/manuals/anthro.pdf) adaptado para pacientes graves.(1111 Beghetto MG, Fink J, Luft VC, de Mello ED. Estimates of body height in adult inpatients. Clin Nutr. 2006;25(3):438-43.) Foi possível a realização da mensuração por um único profissional com o paciente em posição supina. Joelho e tornozelo do paciente foram mantidos a um ângulo de 90º (Figura 2). A lâmina fixa do estadiômetro deve ser colocada sob o calcanhar imediatamente abaixo do maléolo lateral da fíbula. Além disto, a lâmina móvel do estadiômetro deve ser posicionada na face anterior da coxa, logo acima dos côndilos femorais. A altura do joelho obtida (em cm) é utilizada na equação de Chumlea:

Homens = 64,19 - (0,04 x idade) + (2,02 x altura do joelho) Mulheres = 84,88 - (0,24 x idade) + (1,83 x altura do joelho)

Figura 2
Vista esquemática do estadiômetro deslizante e da mensuração da altura do joelho.

Todos os pacientes em uso de VM foram incluídos e avaliados nas primeiras 48 horas após sua admissão à UTI. Independentemente do modo do ventilador, registramos o VC durante 3 minutos e utilizamos o valor médio para o registro final. Excluímos os pacientes sem ventilação e aqueles que faleceram ou foram extubados dentro das primeiras 48 horas.

Foram realizadas visitas diárias para inscrever os pacientes dentro das primeiras 48 horas de VM. Foi desenvolvida uma planilha eletrônica de dados que incluía PCP, VC ideal, e uma coluna de "exceções intencionais". O Comitê de Ética da instituição aprovou o protocolo do estudo e o termo de consentimento foi dispensado.

Análise estatística

Os dados foram agrupados como as médias e medianas. Calcularam-se o erro padrão, e os valores máximo e mínimo. Aplicamos o teste t de Student e Análise de Variância (ANOVA), considerando como significante valor de p < 0,05. Para avaliação de viés do VC previsto, realizamos análise de Bland & Altman antes e após a avaliação do PCP.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 159 pacientes (9 na fase 1 e 150 na fase 2). As características principais dos pacientes são apresentadas na tabela 1. A idade não foi significantemente diferente entre os grupos, com exceção do grupo avaliado aos 9 meses (p = 0,02). Os escores APACHE II não foram significantemente diferentes entre os grupos. A diferença de proporção de pacientes com SARA não foi estatisticamente significante entre os grupos (p = 0,776). Entretanto, a faixa de valores entre observadores variou de 9 a 15cm (Figura 3A).

Tabela 1
Características dos pacientes nos grupos analisados

Figura 3
Determinação da estatura por avaliação visual. Avaliação de 9 pacientes por 11 observadores. As barras representam a distribuição das estimativas de estatura por avaliação visual, e os pontos brancos representam a determinação da estatura a partir da altura do joelho (A). O gráfico de barras indica a variação entre as determinações máxima e mínima para cada paciente (B).

Independentemente do treinamento do observador e da anatomia do paciente, a avaliação visual revelou um desvio não previsível da estatura real (Figura 3B).

Antes do ajuste do PCP, o VC fornecido foi significantemente mais alto do que o previsto (524 ± 22,1mL versus 486,6 ± 16,8mL, p = 0,002) (Figura 3 e Tabela 2).

Tabela 2
Valores absolutos dos volumes correntes fornecido e previsto por 12 meses

Foram relatadas, durante o período de 1 ano do estudo, 150 observações, e o VC fornecido foi coerentemente menor do que 8mL/kg de PCP (Tabela 2, Figura 4A). No meio do período de levantamento, identificou-se aumento não significante do VC. Entretanto, quando se excluíram os pacientes com elevada pressão intracraniana, esta tendência foi corrigida, e os valores foram até mais baixos do que os inicialmente observados (Figura 4B).

Figura 4
Ajuste do volume corrente. O volume corrente fornecido inicialmente foi significantemente mais elevado do que o previsto, e os volumes subsequentes não foram significantemente diferentes durante o período do estudo. Observa-se um padrão similar em pacientes com (A) e sem (B) pressão intracraniana elevada. (Os valores representam a média e erro padrão, * = p < 0,05). A análise de Bland & Altman revela um viés de redução na comparação entre antes (C) e após (D) calcular o peso corpóreo previsto. As linhas pontilhadas representam o viés e os limites de concordância de 95%.

VC - volume corrente.


Com base em análises de Bland & Altman dos VC previstos e fornecidos, observou-se um viés de redução quando se compararam os momentos antes e após o cálculo do PCP (55,4 -115/+110mL versus 10,41 -47/+68mL) (Figuras 4C e 4D).

DISCUSSÃO

Após uma intervenção combinada (educação e comentários), observamos que a avaliação visual da estatura é imprecisa, e que o VC fornecido era significantemente mais alto do que o previsto. Entretanto, utilizando-se a estimativa do PCP com base na altura do joelho, observamos um viés significante de redução em comparação ao VC previsto e fornecido.

A tradução do conhecimento baseado em evidência para a prática clínica revela problemas em diferentes níveis: conhecimento, motivação, rotinas de trabalho, interações da equipe e funcionamento do hospital. Um dos achados mais coerentes na pesquisa comportamental é a lacuna entre a evidência e a prática.

Dentre as diversas intervenções desenvolvidas na terapia intensiva para redução dessa lacuna, há mais evidências no que se refere à combinação entre intervenções dirigidas ao profissional (educação, lembretes e comentários) do que nas referentes à organização ou ao paciente.(1616 Grol R. Successes and failures in the implementation of evidence-based guidelines for clinical practice. Med Care. 2001;39(8 Suppl 2):II46-II54.)

A VM pode produzir um importante dano pulmonar. Relatos de estudos experimentais(1717 Briva A, Santos C, Malacrida L, Rocchiccioli F, Soto J, Angulo M, et al. Adenosine triphosphate-dependent calcium signaling during ventilator-induced lung injury is amplified by hypercapnia. Exp Lung Res. 2011;37(8):471-81.) e clínicos(66 Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med. 2000;342(18):1301-8.) demonstram a importância da redução do VC para entre 6 e 8mL/kg de PCP como a mais importante melhoria na prática de VM desde 2000. Contudo, a aplicação de VC reduzidos em pacientes em VM é uma importante questão em todo o mundo.(44 Wolthuis EK, Korevaar JC, Spronk P, Kuiper MA, Dzoljic M, Vroom MB, et al. Feedback and education improve physician compliance in use of lung-protective mechanical ventilation. Intensive Care Med. 2005;31(4):540-6.,1616 Grol R. Successes and failures in the implementation of evidence-based guidelines for clinical practice. Med Care. 2001;39(8 Suppl 2):II46-II54.) O estudo LUNG-SAFE (Large observational study to UNderstand the Global impact of Severe Acute respiratory FailurE) relatou que menos de dois terços dos pacientes com SARA receberam VC de 8mL/kg de PCP ou menos.(1818 Bellani G, Laffey JG, Pham T, Fan E, Brochard L, Esteban A, Gattinoni L, van Haren F, Larsson A, McAuley DF, Ranieri M, Rubenfeld G, Thompson BT, Wrigge H, Slutsky AS, Pesenti A; LUNG SAFE Investigators; ESICM Trials Group. Epidemiology, patterns of care, and mortality for patients with acute respiratory distress syndrome in intensive care units in 50 countries. JAMA. 2016;315(8):788-800.)

Nosso estudo demonstra como uma intervenção combinada (educação e comentários) pode ajustar o VC fornecido para pacientes sob VM. Confirmamos que a avaliação visual da estatura não é precisa(1313 Bloomfield R, Steel E, MacLennan G, Noble DW. Accuracy of weight and height estimation in an intensive care unit: Implications for clinical practice and research. Crit Care Med. 2006;34(8):2153-7.) e promove uma subutilização das estratégias de proteção pulmonar. Por outro lado, obtivemos uma redução significante nos valores absolutos de VC após implantação da avaliação do PCP, com um viés de redução do VC entre os volumes previstos e fornecidos (Figura 4).

Em nosso caso, a falta de uma estimativa confiável do PCP foi uma barreira importante para a aplicação de um padrão mundial de cuidados na VM. Um relato recentemente publicado propõe que o acréscimo das métricas em tempo real a uma ficha clínica eletrônica reduziu o VC fornecido em pacientes de UTI sob VM.(1919 Bourdeaux CP, Birnie K, Trickey A, Thomas MJ, Sterne J, Donovan JL, et al. Evaluation of an intervention to reduce tidal volumes in ventilated ICU patients. Br J Anaesth. 2015;115(2):244-51.) Entretanto, o delineamento de nosso estudo não nos permite determinar se a manutenção de uma estratégia pulmonar protetora após os 12 meses é consequência da intervenção educacional, dos comentários repetidos ou simplesmente da inclusão dos dados de PCP na ficha clínica.

Uma UTI de ensino em um país sul-americano em desenvolvimento está longe de intervenções tecnológicas. Entretanto, obtivemos resultados similares com a aplicação do mesmo conceito de artigos clássicos e fornecimento de comentários programados, em vez de utilizar um registro clínico eletrônico.

Por outro lado, confirmamos que a estimativa da estatura do paciente por meio de avaliação visual é muito imprecisa. Este método deve ser fortemente desencorajado para o cálculo do PCP.

Em termos gerais, a medicina baseada em evidência e as diretrizes clínicas melhoram a qualidade dos cuidados médicos. Mais ainda, desvios das diretrizes aumentam a mortalidade de pacientes graves.(2020 Rice TW, Morris S, Tortella BJ, Wheeler AP, Christensen MC. Deviations from evidence-based clinical management guidelines increase mortality in critically injured trauma patients. Crit Care Med. 2012;40(3):778-86.)

Em relatos recentes, um aumento relativo da mortalidade se associa com violações do VC em estratégias de proteção pulmonar para pacientes com SARA(99 Needham DM, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Dinglas VD, Sevransky JE, Dennison Himmelfarb CR, et al. Lung protective mechanical ventilation and two year survival in patients with acute lung injury: prospective cohort study. BMJ. 2012;344:e2124.,2121 Lellouche F, Dionne S, Simard S, Bussières J, Dagenais F. High tidal volumes in mechanically ventilated patients increase organ dysfunction after cardiac surgery. Anesthesiology. 2012;116(5):1072-82.) e sem lesão pulmonar.(2222 Serpa Neto A, Cardoso SO, Manetta JA, Pereira VG, Espósito DC, Pasqualucci Mde O, et al. Association between use of lung-protective ventilation with lower tidal volumes and clinical outcomes among patients without acute respiratory distress syndrome: a meta-analysis. JAMA. 2012;308(16):1651-9.) O uso de baixo VC reduz o desenvolvimento de SARA, a mortalidade, as infecções pulmonares e a duração da permanência na UTI.(2323 Weinert CR, Gross CR, Marinelli WA. Impact of randomized trial results on acute lung injury ventilator therapy in teaching hospitals. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(10):1304-9.) Embora nosso estudo não tenha sido delineado para avaliar o impacto da redução do VC nos desfechos clínicos, o VC alvo foi maior do que 6mL/kg, o que deve ser considerado na análise como um ponto fraco. Em geral, 6mL/kg constituem o alvo proposto em diversos estudos, permitindo uma variação entre 6 a 8mL/kg com base na estabilidade do paciente e em critérios de conforto.(2020 Rice TW, Morris S, Tortella BJ, Wheeler AP, Christensen MC. Deviations from evidence-based clinical management guidelines increase mortality in critically injured trauma patients. Crit Care Med. 2012;40(3):778-86.) Neste sentido, 8mL/kg foi coerentemente proposto como um "limite superior" para a faixa de ventilação com baixo VC, o que não é perfeito. No entanto, consideramos este critério uma importante melhora na qualidade do cuidado.(1818 Bellani G, Laffey JG, Pham T, Fan E, Brochard L, Esteban A, Gattinoni L, van Haren F, Larsson A, McAuley DF, Ranieri M, Rubenfeld G, Thompson BT, Wrigge H, Slutsky AS, Pesenti A; LUNG SAFE Investigators; ESICM Trials Group. Epidemiology, patterns of care, and mortality for patients with acute respiratory distress syndrome in intensive care units in 50 countries. JAMA. 2016;315(8):788-800.)

Independentemente do comentário prévio, cremos que nossa intervenção teve sucesso, por incluir três preceitos essenciais na tomada de decisão:(11 Bates DW, Kuperman GJ, Wang S, Gandhi T, Kittler A, Volk L, et al. Ten commandments for effective clinical decision support: making the practice of evidence-based medicine a reality. J Am Med Inform Assoc. 2003;10(6):523-30.) (1) as informações devem estar prontas no momento em que são necessárias; (2) após o evento educacional, os ajustes devem ser feitos segundo o fluxo de trabalho do usuário; e (3) uma intervenção simples funciona melhor do que uma intervenção complexa.

Com base em nossa experiência, encorajamos a aplicação de intervenções educacionais segundo estes preceitos, independentemente do acesso a tecnologia, para melhorar a qualidade do cuidado e o trabalho de equipe em favor dos pacientes graves.

CONCLUSÃO

A falta de um método confiável para estimar o peso corpóreo previsto é uma dificuldade importante para a aplicação de um padrão mundial de cuidado durante a ventilação mecânica. Uma intervenção combinada, com base em educação e fornecimento repetido de comentários, promoveu uma redução sustentada do volume corrente durante o período do estudo (12 meses).

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

AGRADECIMENTOS

Fonte de financiamento: Agencia Nacional de Investigación e Innovación - Fundo María Viñas (ANII - FMV 2201117089), Uruguai.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Bates DW, Kuperman GJ, Wang S, Gandhi T, Kittler A, Volk L, et al. Ten commandments for effective clinical decision support: making the practice of evidence-based medicine a reality. J Am Med Inform Assoc. 2003;10(6):523-30.
  • 2
    Lomas J, Sisk JE, Stocking B. From evidence to practice in the United States, the United Kingdom, and Canada. Milbank Q. 1993;71(3):405-10.
  • 3
    Mikkelsen ME, Dedhiya PM, Kalhan R, Gallop RJ, Lanken PN, Fuchs BD. Potential reasons why physicians underuse lung-protective ventilation: a retrospective cohort study using physician documentation. Respir Care. 2008;53(4):455-61.
  • 4
    Wolthuis EK, Korevaar JC, Spronk P, Kuiper MA, Dzoljic M, Vroom MB, et al. Feedback and education improve physician compliance in use of lung-protective mechanical ventilation. Intensive Care Med. 2005;31(4):540-6.
  • 5
    Webb HH, Tierney DF. Experimental pulmonary edema due to intermittent positive pressure ventilation with high inflation pressures. Protection by positive end-expiratory pressure. Am Rev Respir Dis. 1974;110(5):556-65.
  • 6
    Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med. 2000;342(18):1301-8.
  • 7
    Briva A, Lecuona E, Sznajder JI. [Permissive and non-permissive hypercapnia: mechanisms of action and consequences of high carbon dioxide levels]. Arch Bronconeumol. 2010;46(7):378-82. Spanish.
  • 8
    Sutherasan Y, Vargas M, Pelosi P. Protective mechanical ventilation in the non-injured lung: review and meta-analysis. Crit Care. 2014;18(2):211.
  • 9
    Needham DM, Colantuoni E, Mendez-Tellez PA, Dinglas VD, Sevransky JE, Dennison Himmelfarb CR, et al. Lung protective mechanical ventilation and two year survival in patients with acute lung injury: prospective cohort study. BMJ. 2012;344:e2124.
  • 10
    Venkataraman R, Ranganathan L, Nirmal V, Kameshwaran J, Sheela CV, Renuka MV, et al. Height measurement in the critically ill patient: A tall order in the critical care unit. Indian J Crit Care Med. 2015;19(11):665-8.
  • 11
    Beghetto MG, Fink J, Luft VC, de Mello ED. Estimates of body height in adult inpatients. Clin Nutr. 2006;25(3):438-43.
  • 12
    Leary TS, Milner QJ, Niblett DJ. The accuracy of the estimation of body weight and height in the intensive care unit. Eur J Anaesthesiol. 2000;17(11):698-703.
  • 13
    Bloomfield R, Steel E, MacLennan G, Noble DW. Accuracy of weight and height estimation in an intensive care unit: Implications for clinical practice and research. Crit Care Med. 2006;34(8):2153-7.
  • 14
    Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr Soc. 1985;33(2):116-20.
  • 15
    Berger MM, Cayeux MC, Schaller MD, Soguel L, Piazza G, Chioléro RL. Stature estimation using the knee height determination in critically ill patients. E Spen Eur E J Clin Nutr Metab. 2008;3(2):e84-e88.
  • 16
    Grol R. Successes and failures in the implementation of evidence-based guidelines for clinical practice. Med Care. 2001;39(8 Suppl 2):II46-II54.
  • 17
    Briva A, Santos C, Malacrida L, Rocchiccioli F, Soto J, Angulo M, et al. Adenosine triphosphate-dependent calcium signaling during ventilator-induced lung injury is amplified by hypercapnia. Exp Lung Res. 2011;37(8):471-81.
  • 18
    Bellani G, Laffey JG, Pham T, Fan E, Brochard L, Esteban A, Gattinoni L, van Haren F, Larsson A, McAuley DF, Ranieri M, Rubenfeld G, Thompson BT, Wrigge H, Slutsky AS, Pesenti A; LUNG SAFE Investigators; ESICM Trials Group. Epidemiology, patterns of care, and mortality for patients with acute respiratory distress syndrome in intensive care units in 50 countries. JAMA. 2016;315(8):788-800.
  • 19
    Bourdeaux CP, Birnie K, Trickey A, Thomas MJ, Sterne J, Donovan JL, et al. Evaluation of an intervention to reduce tidal volumes in ventilated ICU patients. Br J Anaesth. 2015;115(2):244-51.
  • 20
    Rice TW, Morris S, Tortella BJ, Wheeler AP, Christensen MC. Deviations from evidence-based clinical management guidelines increase mortality in critically injured trauma patients. Crit Care Med. 2012;40(3):778-86.
  • 21
    Lellouche F, Dionne S, Simard S, Bussières J, Dagenais F. High tidal volumes in mechanically ventilated patients increase organ dysfunction after cardiac surgery. Anesthesiology. 2012;116(5):1072-82.
  • 22
    Serpa Neto A, Cardoso SO, Manetta JA, Pereira VG, Espósito DC, Pasqualucci Mde O, et al. Association between use of lung-protective ventilation with lower tidal volumes and clinical outcomes among patients without acute respiratory distress syndrome: a meta-analysis. JAMA. 2012;308(16):1651-9.
  • 23
    Weinert CR, Gross CR, Marinelli WA. Impact of randomized trial results on acute lung injury ventilator therapy in teaching hospitals. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(10):1304-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2015
  • Aceito
    16 Ago 2016
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br