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Síndrome da angústia respiratória aguda associada à varicela em paciente adulto: exemplo de suporte respiratório extracorpóreo em doenças endêmicas brasileiras

Resumos

Descreveu-se aqui o caso de um homem de 30 anos de idade com quadro de varicela grave, hipoxemia refratária, vasculite do sistema nervoso central e insuficiência renal anúrica. Foi necessário transporte por ambulância com suporte respiratório extracorpóreo veno-venoso, sendo este utilizado até a recuperação do paciente. Discute-se o potencial uso de oxigenação por membrana extracorpórea em países em desenvolvimento para o controle de doenças comuns nestas áreas.

Oxigenação por membrana extracorpórea; Insuficiência respiratória; Respiração artificial; Varicela; Unidades de terapia intensiva; Relatos de casos


A case of a 30 year-old man presenting with severe systemic chickenpox with refractory hypoxemia, central nervous system vasculitis and anuric renal failure is described. Ambulance transportation and support using veno-venous extracorporeal membrane oxygenation were necessary until the patient recovered. Ultimately, the potential use of extracorporeal membrane oxygenation support in low-middle income countries to manage common diseases is discussed.

Extracorporeal membrane oxygenation; Respiratory failure; Respiration, artificial; Chickenpox; Intensive care units; Case reports


INTRODUÇÃO

Diversas doenças infecciosas têm mundialmente uma elevada taxa de mortalidade. Três das dez principais causas de óbito listadas pela Organização Mundial de Saúde são doenças infecciosas.(1World Health Organization. The top 10 causes of death: World Health Organization; 2014 [updated 2014-05-20 19:17:4420 Jul 2014]. [cited 2014 Oct 15]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
) Além disso, são ocasionalmente detectados novos agentes infecciosos, alguns dos quais resultam em um elevado número de fatalidades, como a influenza tipo A (H1N1), em 2009.

A varicela primária, ou catapora, é geralmente uma doença benigna da infância. Apesar do fato de que menos de 10% dos casos de varicela ocorrerem em adultos, o risco de óbito em adultos com catapora é de 23 a 29 vezes maior do que em crianças.(2Heininger U, Seward JF. Varicella. Lancet. 2006;368(9544):1365-76. Review.) Mais ainda, a pneumonite é a complicação mais séria e a causa mais comum de óbito em adultos com essa doença.(3Joseph CA, Noah ND. Epidemiology of chickenpox in England and Wales, 1967-85. Br Med J (Clin Res Ed). 1988;296(6623):673-6.) Relatamos aqui um caso de catapora em um adulto não imunocomprometido com pneumonite grave, vasculite do sistema nervoso central e insuficiência renal aguda, que necessitou de suporte com oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).

APRESENTAÇÃO DO CASO

Homem de 30 anos, até então saudável, foi admitido ao pronto-socorro com histórico de 5 dias de vesículas cutâneas, febre e dispneia. Sua filha estava em fase de convalescença de varicela. O paciente encontrava-se cianótico e com moderado desconforto respiratório. A radiografia do tórax e o aspecto da pele, na ocasião da admissão do paciente, são apresentados respectivamente nas figuras 1A e 1B.

Figura 1
Imagens torácicas e do sistema nervoso central. (A) Radiografia do tórax após canulação para oxigenação por membrana extracorpórea. (B) Aspecto cutâneo do paciente. (C) Radiografia do tórax no dia da alta da unidade de terapia intensiva. (D) Tomografia do sistema nervoso central; as setas indicam dois dos múltiplos focos de sangramento.

O diagnóstico clínico foi de catapora com manifestação pulmonar. Nessa ocasião, as funções renais e hemodinâmicas estavam normais. Foi iniciado tratamento com aciclovir, e o paciente foi admitido à unidade de terapia intensiva (UTI) para monitoramento e suporte respiratório. Durante o primeiro dia de permanência na UTI, o paciente desenvolveu desconforto respiratório grave, sendo intubado e iniciada ventilação mecânica. Suas condições hemodinâmica e renal se deterioraram. Durante a primeira semana de permanência na UTI, necessitou de doses de noradrenalina de até 0,3mcg/kg/minuto, e o balanço hídrico acumulado era positivo em aproximadamente 40L, apesar do uso de diálise peritoneal. Além das disfunções hemodinâmica e renal, sua função pulmonar também deteriorou, com o paciente desenvolvendo grave hipoxemia no oitavo dia após a admissão (Tabela 1). Essa condição não respondeu à manobra de recrutamento alveolar e uso de pressão positiva expiratória final (PEEP) de 22cmH2O (Tabela 1). Nessa ocasião, considerou-se que o paciente poderia ter pneumonia associada ao ventilador, sendo tratado com vancomicina e imipenem. A seguir, foi indicado suporte com ECMO, sendo contactado o grupo de ECMO do Hospital das Clínicas de São Paulo. O paciente foi canulado in situ utilizando técnica percutânea com cânulas 19 e 21F, respectivamente, pelas veias jugular esquerda (cânula atrial) e femoral (cânula de drenagem). O suporte veno-venoso com ECMO foi iniciado com 5L por minuto de fluxos de sangue e de gás. A ventilação mecânica foi ajustada com PEEP de 10cmH2O, pressão controlada de 10cmH2O, frequência respiratória de 10 movimentos por minuto e a fração inspirada de oxigênio (FiO2) do ventilador foi progressivamente reduzida para 0,6. A infusão de noradrenalina foi interrompida prontamente em razão de melhora hemodinâmica. O paciente tinha petéquias cutâneas e conjuntivais difusas, altamente sugestivas de vasculite; assim não foi iniciada anticoagulação com heparina, em razão do risco de sangramento no sistema nervoso central, já que não havia disponibilidade local de tomografia e a pontuação na escala de agitação sedação de Richmond (RASS) era de -5.

Tabela 1
Características respiratórias, hemodinâmicas e metabólicas do paciente

Após 4 horas de estabilização clínica, o suporte com ECMO foi ajustado para 6L/minuto de fluxo de sangue e 8L/minuto de fluxo de gás, e os ajustes ventilatórios mantidos da mesma forma. O paciente foi transportado para a região central da cidade de São Paulo, com uma ambulância - uma distância de aproximadamente 156km percorrida em cerca de 2 horas. Para o transporte, aumentou-se a FiO2 para 1,0.

Após o transporte, a FiO2 do ventilador foi novamente reduzida para 0,6, e as demais variáveis da ECMO e ventilador foram similares às utilizadas durante o período de estabilização. Foi iniciada hemofiltração venovenosa contínua com taxa de ultrafiltração progressivamente maior, até 350mL/hora. Durante o primeiro dia, a saturação periférica de oxigênio (SpO2) caiu para 65% a despeito das elevações da FiO2 do ventilador e do fluxo sanguíneo da ECMO, respectivamente para 1,0 e 6.500mL/minuto. Nesse momento, foi feito o diagnóstico de hipoxemia refratária à ECMO. Alguns autores definem hipoxemia refratária a ECMO como pressão parcial de oxigênio (PaO2) <50mmHg ou uma saturação arterial persistentemente <85%.(4Nunes LB, Mendes PV, Hirota AS, Barbosa EV, Maciel AT, Schettino GP, Costa EL, Azevedo LC, Park M; ECMO Group. Severe hypoxemia during veno-venous extracorporeal membrane oxygenation: exploring the limits of extracorporeal respiratory support. Clinics (São Paulo). 2014;69(3):173-8.) Como o tempo de uso da ECMO em nosso paciente foi <24 horas, a diferença de cor entre as cânulas atrial e de drenagem era significativa (apesar do elevado fluxo sanguíneo da ECMO) e a lesão pulmonar era grave (pulmão branco na radiografia, conforme Figura 1A, e complacência pulmonar estática de 1,2mL/cmH2O, conforme Tabela 1). Foram descartados os diagnósticos de recirculação do sangue da ECMO e de disfunção do oxigenador. A hipoxemia refratária à ECMO foi atribuída à associação entre função pulmonar nativa gravemente diminuída e baixa proporção entre o fluxo sanguíneo da ECMO e o débito cardíaco.(4Nunes LB, Mendes PV, Hirota AS, Barbosa EV, Maciel AT, Schettino GP, Costa EL, Azevedo LC, Park M; ECMO Group. Severe hypoxemia during veno-venous extracorporeal membrane oxygenation: exploring the limits of extracorporeal respiratory support. Clinics (São Paulo). 2014;69(3):173-8.)

Assim, foi realizada manobra de recrutamento alveolar progressivo utilizando PEEP de 25 a 45cmH2O, com uma pressão controlada de 15cmH2O, tempo inspiratório de 3 segundos e frequência respiratória de 10 movimentos por minuto. Após a PEEP inicial de 25cmH2O, cada fase durou 2 minutos e as PEEPs utilizadas foram sequencialmente de 30, 25, 35, 25, 40, 25, 45, 25cmH2O.(5Borges JB, Okamoto VN, Matos GF, Caramez MP, Arantes PR, Barros F, et al. Reversibility of lung collapse and hypoxemia in early acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2006;174(3):268-78.) Finalmente, realizou-se titulação da PEEP ideal utilizando um ponto de pressão 2cmH2O acima da melhor complacência respiratória dinâmica (Cdin), diminuindo a PEEP de 25cmH2O a cada 2 minutos em passos de 2cmH2O.(6Suarez-Sipmann F, Böhm SH, Tusman G, Pesch T, Thamm O, Reissmann H, et al. Use of dynamic compliance for open lung positive end-expiratory pressure titration in an experimental study. Crit Care Med. 2007;35(1):214-21.) A PEEP ideal medida foi de 25cmH2O, que foi utilizada com uma pressão controlada de 5cmH2O, tempo inspiratório de 1 segundo e uma frequência respiratória de 10 movimentos por minuto. A SpO2 30 minutos após a manobra de recrutamento alveolar e titulação da PEEP aumentou para 84%.

Durante as 12 horas seguintes, a SpO2 aumentou progressivamente para 92%. Após esse período, a FiO2 e PEEP do ventilador foram reduzidas gradualmente, mantendo a SpO2≥85%. Após 4 dias, o paciente estava confortável e sendo ventilado com PEEP de 15cmH2O, pressão de suporte de 6cmH2O e FiO2 de 0,3. Foi realizado um teste de autonomia da ECMO, estabelecendo o fluxo de gás em zero litro por minuto por 1 hora.(7Park M, Azevedo LC, Mendes PV, Carvalho CR, Amato MB, Schettino GP, et al. First-year experience of a Brazilian tertiary medical center in supporting severely ill patients using extracorporeal membrane oxygenation. Clinics (São Paulo). 2012;67(10):1157-63.) A radiografia do tórax realizada nessa ocasião é apresentada na figura 1C. Após decanulação da ECMO, foi realizada uma tomografia do sistema nervoso central, mostrando múltiplas áreas de sangramento, altamente sugestivas de vasculite (Figura 1D).

Foi retirada a sedação e, após 24 horas, encontrava-se não responsivo com movimentos oculares preservados. Foi realizada uma traqueostomia e retirada a ventilação mecânica. Após 11 dias, o paciente recebeu alta da UTI, apresentando recuperação gradual, do ponto de vista neurológico e renal, e após 33 dias recebeu alta hospitalar.

DISCUSSÃO

O suporte respiratório com ECMO tem sido utilizado em todo o mundo para sustentar a vida de pacientes com grave falência respiratória. A mortalidade associada com as doenças infecciosas foi reduzida durante a última década no Brasil. Entretanto, as doenças infecciosas ainda são a principal causa de insuficiência respiratória grave em países em desenvolvimento.(8Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011;377(9780):1877-89.) Assim, gostaríamos de discutir o uso de ECMO no suporte de pacientes com algumas doenças infecciosas endêmicas em países com renda baixa a média, como o Brasil.

Na Inglaterra, entre 1995 e 1997, registrou-se o óbito de 75 pacientes adultos em razão de varicela grave (9,07/1.000.000 óbitos), o que representa uma média de 25 óbitos por ano. Destes 75 pacientes, 60 morreram primariamente devido à varicela com grave insuficiência respiratória. A maioria dos óbitos ocorreu em homens adultos jovens (81%).(9Rawson H, Crampin A, Noah N. Deaths from chickenpox in England and Wales 1995-7: analysis of routine mortality data. BMJ. 2001;323(7321):1091-3.) Dentre os pacientes adultos e pediátricos, a pneumonia viral foi a causa de insuficiência respiratória aguda em 27% dos pacientes que necessitaram de ECMO. Mais ainda, até 18% desses pacientes suportados com ECMO eram jovens (média de idade de 33 anos) e tiveram diagnóstico de varicela grave.(1010 Lee WA, Kolla S, Schreiner RJ Jr, Hirschl RB, Bartlett RH. Prolonged extracorporeal life support (ECLS) for varicella pneumonia. Crit Care Med. 1997;25(6):977-82.) A sobrevivência geral foi de 57 a 71%,(1010 Lee WA, Kolla S, Schreiner RJ Jr, Hirschl RB, Bartlett RH. Prolonged extracorporeal life support (ECLS) for varicella pneumonia. Crit Care Med. 1997;25(6):977-82.,1111 White RW, Peek GJ, Jenkins DR, Killer HM, Firmin RK. Extracorporeal membrane oxygenation for chickenpox pneumonia: a single institution's experience. ASAIO J. 2003;49(4):378-82.) o tempo mediano sob suporte com ECMO foi de 7 dias, e a terapia de substituição renal foi necessária em 71% dos pacientes.(1111 White RW, Peek GJ, Jenkins DR, Killer HM, Firmin RK. Extracorporeal membrane oxygenation for chickenpox pneumonia: a single institution's experience. ASAIO J. 2003;49(4):378-82.) O suporte com ECMO foi considerado como uma importante terapia adjuvante na varicela grave em países com baixa renda.(1212 Roberts N, Peek GJ, Jones N, Firmin RK, Elbourne D. Deaths from Chickenpox. Extracorporeal membrane oxygenation has important role. BMJ. 2002;324(7337):610-1.) Tanto insuficiência renal grave quanto disfunção respiratória grave contribuíram para a hipoxemia de nosso paciente. Além do mais, o suporte com ECMO permitiu transportar com segurança o paciente, além de permitir tempo suficiente para que a terapia de substituição fosse eficaz. A abordagem clínica para a hipoxemia grave, durante o suporte com ECMO, é discutida em outro artigo.(4Nunes LB, Mendes PV, Hirota AS, Barbosa EV, Maciel AT, Schettino GP, Costa EL, Azevedo LC, Park M; ECMO Group. Severe hypoxemia during veno-venous extracorporeal membrane oxygenation: exploring the limits of extracorporeal respiratory support. Clinics (São Paulo). 2014;69(3):173-8.)

A epidemia de influenza H1N1, ocorrida em 2009, teve um grande impacto negativo nos hospitais terciários brasileiros,(1313 Schout D, Hajjar LA, Galas FR, Uip DE, Levin AS, Caiaffa Filho HH, et al. Epidemiology of human infection with the novel virus influenza A (H1N1) in the Hospital das Clinicas, São Paulo, Brazil-June-September 2009. Clinics (São Paulo). 2009;64(10):1025-30.) resultando em respostas organizacionais sem precedentes.(1414 Hajjar LA, Schout D, Galas FR, Uip DE, Levin AS, Caiaffa Filho HH, et al. Guidelines on management of human infection with the novel virus influenza A (H1N1)-a report from the Hospital das Clínicas of the University of São Paulo. Clinics (São Paulo). 2009;64(10):1015-24.) Contudo, apesar de medidas emergenciais locais e governamentais, a fatalidade foi mais elevada do que em outros países, principalmente devido à insuficiência respiratória grave.(1313 Schout D, Hajjar LA, Galas FR, Uip DE, Levin AS, Caiaffa Filho HH, et al. Epidemiology of human infection with the novel virus influenza A (H1N1) in the Hospital das Clinicas, São Paulo, Brazil-June-September 2009. Clinics (São Paulo). 2009;64(10):1025-30.) Em países com renda elevada, a pandemia de H1N1 levou à extrema mobilização de recursos avançados, para oferecer, concomitantemente, suporte de ECMO a um número elevado de pacientes. Na Austrália foram suspensas cirurgias eletivas, especialmente as cardíacas, para abrir leitos de UTI e para realocar dispositivos de perfusão para suporte com ECMO na UTI.(1515 Forrest P, Ratchford J, Burns B, Herkes R, Jackson A, Plunkett B, et al. Retrieval of critically ill adults using extracorporeal membrane oxygenation: an Australian experience. Intensive Care Med. 2011;37(5):824-30.,1616 Nair P, Davies AR, Beca J, Bellomo R, Ellwood D, Forrest P, et al. Extracorporeal membrane oxygenation for severe ARDS in pregnant and postpartum women during the 2009 H1N1 pandemic. Intensive Care Med. 2011;37(4):648-54.) Tal política resultou em um número elevado de pacientes recebendo suporte com ECMO e em taxas elevadas de sobrevivência (78%).(1717 Australia and New Zealand Extracorporeal Membrane Oxygenation (ANZ ECMO) Influenza Investigators, Davies A, Jones D, Bailey M, Beca J, Bellomo R, Blackwell N, et al. Extracorporeal Membrane Oxygenation for 2009 Influenza A(H1N1) Acute Respiratory Distress Syndrome. JAMA. 2009;302(17):1888-95.) Na Inglaterra foram construídos, durante a epidemia, três novos centros de ECMO, com uma elevada taxa de sobrevivência (76%).(1818 Noah MA, Peek GJ, Finney SJ, Griffiths MJ, Harrison DA, Grieve R, et al. Referral to an extracorporeal membrane oxygenation center and mortality among patients with severe 2009 influenza A(H1N1). JAMA. 2011;306(15):1659-68.) Outros países também precisaram melhorar suas instalações de suporte com ECMO durante a crise de H1N1, resultando em desfechos encorajadores.(1919 Pham T, Combes A, Rozé H, Chevret S, Mercat A, Roch A, Mourvillier B, Ara-Somohano C, Bastien O, Zogheib E, Clavel M, Constan A, Marie Richard JC, Brun-Buisson C, Brochard L; REVA Research Network. Extracorporeal membrane oxygenation for pandemic influenza A(H1N1)-induced acute respiratory distress syndrome: a cohort study and propensity-matched analysis. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187(3):276-85.,2020 Cianchi G, Bonizzoli M, Pasquini A, Bonacchi M, Zagli G, Ciapetti M, et al. Ventilatory and ECMO treatment of H1N1-induced severe respiratory failure: results of an Italian referral ECMO center. BMC Pulm Med. 2011;11:2.)

A malária é outra doença comum em países com renda baixa/média que pode resultar em insuficiência respiratória com necessidade de suporte com ECMO. Tanto o Plasmodium vivax quanto o Plasmodium falciparum são etiologias da insuficiência respiratória em pacientes com necessidade de suporte com ECMO. É interessante observar que o suporte com ECMO descrito na literatura foi realizado em pacientes que imigraram de regiões de baixa renda para regiões de alta renda, provavelmente refletindo a incapacidade cultural e econômica dos países com renda baixa a média para controlar a doença ou oferecer suporte adequado às vítimas de malária grave.(2121 Alves C, Chen JT, Patel N, Abrams D, Figueiredo P, Santos L, et al. Extracorporeal membrane oxygenation for refractory acute respiratory distress syndrome in severe malaria. Malar J. 2013;12:306.,2222 Losert H, Schmid K, Wilfing A, Winkler S, Staudinger T, Kletzmayr J, et al. Experiences with severe P. falciparum malaria in the intensive care unit. Intensive Care Med. 2000;26(2):195-201.)

O quadro de síndrome respiratória do hantavírus, com hipoxemia grave e insuficiência cardiovascular refratária, associa-se com mortalidade de 100%.(2323 Crowley MR, Katz RW, Kessler R, Simpson SQ, Levy H, Hallin GW, et al. Successful treatment of adults with severe Hantavirus pulmonary syndrome with extracorporeal membrane oxygenation. Crit Care Med. 1998;26(2):409-14.) No entanto, o suporte com ECMO veno-arterial foi descrito para o suporte (do ponto de vista cardiovascular e respiratório) desses pacientes com elevada probabilidade de óbito, resultando em taxas de sobrevivência de 61%.(2424 Dietl CA, Wernly JA, Pett SB, Yassin SF, Sterling JP, Dragan R, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with severe Hantavirus cardiopulmonary syndrome. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;135(3):579-84.,2525 Wernly JA, Dietl CA, Tabe CE, Pett SB, Crandall C, Milligan K, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome refractory to medical treatment. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(6):1334-40.)

A leptospirose é uma doença febril tropical frequente, que pode apresentar hipoxemia grave e hemorragia alveolar.(2626 Carvalho CR, Bethlem EP. Pulmonary complications of leptospirosis. Clin Chest Med. 2002;23(2):469-78. Review.) Insuficiências cardiovascular e respiratória graves podem ser refratárias ao melhor tratamento na UTI;(2626 Carvalho CR, Bethlem EP. Pulmonary complications of leptospirosis. Clin Chest Med. 2002;23(2):469-78. Review.) assim, nessas condições, o suporte cardiovascular e respiratório com ECMO tem sido utilizado com sucesso.(2727 Kahn JM, Müller HM, Kulier A, Keusch-Preininger A, Tscheliessnigg KH. Veno-arterial extracorporeal membrane oxygenation in acute respiratory distress syndrome caused by leptospire sepsis. Anesth Analg. 2006;102(5):1597-8.) Gostaríamos de enfatizar que a doença pulmonar hemorrágica não impede o sucesso do suporte com ECMO.(2828 Arokianathan D, Trower K, Pooboni S, Sosnowski A, Moss P, Thaker H. Leptospirosis: a case report of a patient with pulmonary haemorrhage successfully managed with extra corporeal membrane oxygenation. J Infect. 2005;50(2):158-62.)

A tuberculose é uma doença prevalente em países com renda baixa e média, e é uma grande questão sanitária. Contudo, não são comuns casos graves de insuficiências respiratória e cardiovascular. Esses pacientes mais graves têm recebido suporte com ECMO veno-arterial e/ou veno-venosa.(2929 Petrillo TM, Heard ML, Fortenberry JD, Stockwell JA, Leonard MK Jr. Respiratory failure caused by tuberculous pneumonia requiring extracorporeal membrane oxygenation. Perfusion. 2001;16(6):525-9.,3030 Homan W, Harman E, Braun NM, Felton CP, King TK, Smith JP. Miliary tuberculosis presenting as acute respiratory failure: treatment by membrane oxygenator and ventricle pump. Chest. 1975;67(3):366-9.) Tais descrições de pacientes tuberculosos, com suporte de ECMO, também ocorrem em países com renda elevada.

Nos últimos 50 anos a incidência de dengue aumentou 30 vezes em todo o mundo. Em 2014, diversos Estados brasileiros observaram aumentos significantes dos casos, com mais de 200 óbitos relatados.(3131 Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Dengue: monitoramento até a Semana Epidemiológica (SE) 27 de 2014. Bol Epidemiol. 2014;45(16):1-6.) Embora a hemorragia pulmonar não seja frequente na dengue grave, a presença de edema pulmonar, derrame pleural e síndrome da angústia respiratória aguda se associa com elevada mortalidade.(3232 Lee IK, Liu JW, Yang KD. Fatal dengue hemorrhagic fever in adults: emphasizing the evolutionary pre-fatal clinical and laboratory manifestations. PLoS Negl Trop Dis. 2012;6(2):e1532.,3333 Ong A, Sandar M, Chen MI, Sin LY. Fatal dengue hemorrhagic fever in adults during a dengue epidemic in Singapore. Int J Infect Dis. 2007;11(3):263-7.) A ECMO pode ser uma alternativa viável para dar suporte a pacientes nessas condições.

CONCLUSÃO

Há muitas doenças prevalentes em países com renda baixa a média (como o Brasil) que afetam a população jovem e economicamente ativa, e que potencialmente causam graves insuficiência respiratória e insuficiência cardiovascular. A principal política das autoridades sanitárias deve focar-se no controle da doença. Secundariamente, alguns centros terciários devem ter a capacidade de proporcionar suporte avançado respiratório e cardiovascular com ECMO, para permitir um transporte seguro e cuidado adequado aos pacientes gravemente enfermos.

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2014
  • Aceito
    10 Out 2014
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