Uso da glutamina tópica como coadjuvante no tratamento de úlceras bucais

Ao Editor

A glutamina é o aminoácido livre mais encontrado no corpo humano, que, quando relacionado à aplicação em lesões clínicas, pode auxiliar na recuperação dos quadros graves, mostrando diminuição das infecções e, até mesmo, do tempo de estadia hospitalar, por atuar na remissão da sintomatologia. Em pacientes com quadro sistêmico grave, este aminoácido passa a ser classificado como essencial, devido à necessidade do organismo. A glutamina pode reduzir a resposta inflamatória, antagonizando a prostaglandina e regulando também as atividades de linfócitos NK citotóxicos,⁽¹⁾ bem como de neutrófilos,⁽²⁾ sendo a redução de seu nível sérico extremamente prejudicial ao organismo.

Paciente do sexo masculino, 35 anos de idade, teve entrada no Centro de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, de Campo Grande (MS) com complicações do HIV. Após seu atendimento, foi encaminhado para o Setor de Doenças Infecciosas e Parasitárias, onde teve tratamento direcionado para tuberculose ganglionar. Por conta das manifestações clínicas, devidas ao uso do tubo orotraqueal e ao agravamento da sintomatologia do HIV, foram encontradas lesões peribucais e orais com sangramento espontâneo em todas as extremidades lesionadas (Figura 1A e B), impossibilitando o paciente de falar e deglutir, além da causar dor. Para o tratamento coadjuvante, foram utilizadas aplicações tópicas de glutamina em toda a superfície afetada, associada a suplementação com a mesma na dieta. As aplicações foram feitas durante o período matutino após a aspiração de conteúdo orofaríngeo e da higiene oral com solução de clorexidina 0,12%. A quantidade da substância era compatível com o recobrimento de toda a lesão (Figura 1C).

Figura 1
Aspecto clínico prévio e após o tratamento com glutamina. (A e B) Múltiplas lesões em lábios e comissura labial bilateralmente. (C) aplicação da glutamina nas lesões labiais e de comissura. (D) Melhora do aspecto das lesões e presença de crosta.

O tratamento continuou até completar 1 semana. No segundo dia de aplicação, foi evidenciada ausência de sangramento, com formação de crostas no lábio inferior e comissura labial bilateral, dando a impressão de diminuição do tamanho das lesões, algo que se mostrou evidente 7 dias após (Figura 1D). O ponto mais relevante foi a diminuição da sintomatologia do paciente, uma vez que as lesões com o uso do aminoácido tópico mostraram regressão das mesmas e melhora significativa nas aplicações posteriores, proporcionando maior qualidade de vida ao paciente. Após a melhora do quadro sistêmico, o paciente teve alta hospitalar e foi orientado para tratamento domiciliar.

O aparecimento de lesões oportunistas, sobretudo ulceradas, em pacientes imunossuprimidos, pode ser indicativo clínico importante da condição imunológica dos mesmos. Neste sentido, a glutamina pode atuar como coadjuvante no tratamento já que vem sendo descrito na literatura para mucosite oral em pacientes oncológicos, com resultados promissores.^(3,4)

Pacientes portadores de HIV frequentemente apresentam manifestações orais, como candidíase, gengivites, aumentos volumétricos como papilomas e ulcerações, que podem causar grande desconforto, dor, alteração de paladar e, consequentemente, perda da qualidade de vida do paciente.⁽⁵⁾ No caso apresentado, a aplicação da glutamina tópica auxiliou na proteção das áreas de ulcerações da mucosa labial, diminuindo a dor do paciente e facilitando a alimentação. Houve incremento na epitelização da região afetada até pela diminuição do acúmulo de saliva no local e pela não exposição ao meio ambiente.

Aline Bergman de Souza Herculano
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.

Ellen Cristina Gaetti-Jardim
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.

Débora Pereira de Aurélio
Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - Campo Grande (MS), Brasil.

Guilherme Soares da Silva
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.

Janayna Gomes Paiva Oliveira
Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - Campo Grande (MS), Brasil.

Gustavo Silva Pelissaro
Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - Campo Grande (MS), Brasil.

José Carlos Garcia de Mendonça
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Klimberg VS, Kornbluth J, Cao Y, Dang A, Blossom S, Schaeffer RF. Glutamine suppresses PGE2 synthesis and breast cancer growth. J Surg Res. 1996;63(1):293-7.
• ²
  Lagranha CJ, Levada-Pires AC, Sellitti DF, Procopio J, Curi R, Pithon-Curi TC. The effect of glutamine supplementation and physical exercise on neutrophil function. Amino Acids. 2008;34(3):337-46.
• ³
  Chattopadhyay S, Saha A, Azam M, Mukherjee A, Sur PK. Role of oral glutamine in alleviation and prevention of radiation-induced oral mucositis: A prospective randomized study. South Asian J Cancer. 2014;3(1):8-12.
• ⁴
  Miranda MP, Souza DS. Glutamina na prevenção e tratamento da mucosite em pacientes adultos oncológicos: uma revisão sistemática da literatura. Rev Bras Cancerol. 2015;61(3):277-85.
• ⁵
  Donoso-Hofer F. Lesiones orales asociadas con la enfermedad del virus de inmunodeficiencia humana en pacientes adultos, una perspectiva clínica. Rev Chilena Infectol. 2016;33(1):27-35.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Out 2018
• Data do Fascículo
  Jul-Sept 2018

Histórico

• Recebido
  05 Fev 2018
• Aceito
  18 Fev 2018