Acessibilidade / Reportar erro

Quando a noite se torna um pesadelo

Macbeth(11 Shakespeare W. Macbeth,1623.) descreve o sono como “bálsamo de mentes sofridas, ingrediente essencial na festa da vida, banho reconfortante ao fim de um dia intenso e o prato principal de um banquete”. Embora os pesquisadores ainda estejam empenhados em identificar e esclarecer todas as funções do sono, décadas de estudos confirmam que ele é essencial para a saúde, especialmente para um ótimo desempenho físico e cognitivo das pessoas.

A associação entre distúrbios do sono e doenças têm se estabelecido de maneira consistente ao longo do tempo. Sabe-se que a má qualidade do sono pode ter consequências adversas importantes para pacientes hospitalizados, como ansiedade e delirium(22 Kamdar BB, King LM, Collop NA, Sakamuri S, Colantuoni E, Neufeld KJ, et al. The effect of a quality improvement intervention on perceived sleep quality and cognition in a medical ICU. Crit Care Med. 2013;41(3):800-9.), por exemplo. Além disso, vários estudos demonstraram que pacientes internados em unidade de terapia intensiva apresentam alterações significativas na arquitetura do sono, como latência prolongada, fragmentação e baixa eficiência. (33 Gabor JY, Cooper AB, Hanly PJ. Sleep disruption in the intensive care unit. Curr Opin Crit Care. 2001;7(1):21-7.)

Embora repousar seja objetivo dos pacientes quando hospitalizados, a maioria deles desenvolve um período de privação aguda do sono, devido a fatores ambientais, clínicos e do próprio paciente, tornando o repouso adequado muito difícil de ser obtido durante o período de internação. As várias causas relacionadas à privação do sono em pacientes hospitalizados incluem ruído excessivo, iluminação inadequada, despertar frequente pela equipe de saúde e fatores relacionados aos pacientes, como dor, estresse e ansiedade.(44 Beltrami FG, Nguyen XL, Pichereau C, Maury E, Fleury B, Fagondes S. Sleep in the intensive care unit. J Bras Pneumol. 2015;41(6):539-46.,55 Wesselius HM, van den Ende ES, Alsma J, Ter Maaten JC, Schuit SCE, Stassen PM, de Vries OJ, Kaasjager KHAH, Haak HR, van Doormaal FF, Hoogerwerf JJ, Terwee CB, van de Ven PM, Bosch FH, van Someren EJ, Nanayakkara PW; “Onderzoeks Consortium Acute Geneeskunde” Acute Medicine Research Consortium. Quality and quantity of sleep and factors associated with sleep disturbance in hospitalized patients. JAMA Intern Med. 2018;178(9):1201-8.)

Em geral, as intervenções para melhorar a qualidade do sono em adultos hospitalizados podem ser farmacológicas ou não, sendo que, geralmente, as intervenções não farmacológicas são consideradas como a primeira linha terapêutica. No caso de ser necessário auxílio com medicamentos, a escolha do fármaco deve ser personalizada com base no perfil de cada paciente.

Considerando ser totalmente inaceitável que pacientes não consigam dormir, permanecendo acordados até o amanhecer, ou que sejam despertados várias vezes durante a noite, a equipe de saúde deve ter o cuidado de aplicar medidas para promover um sono de boa qualidade a seus pacientes. Após serem hospitalizados em diferentes momentos e analisarem vários relatos de pessoas internadas, ambos os autores observaram que uma noite no hospital pode se tornar um pesadelo, especialmente quando não se consegue dormir bem. Por acreditarmos que uma noite de sono bem dormida no hospital possa contribuir para um desfecho melhor, criamos um projeto para otimizar a qualidade e quantidade do sono de todos os pacientes hospitalizados no nosso hospital. Especificamente, desenvolvemos um grupo de trabalho multidisciplinar, com o objetivo de promover um sono de boa qualidade aos pacientes internados. Nosso sleep team publicou uma política hospitalar que inclui um horário do silêncio entre 23h e 6h associado a treinamento para conscientização dos profissionais sobre a importância da limitação do ruído, redução da iluminação noturna e mudanças no horário de algumas rotinas hospitalares, como administração de medicamentos, coleta de testes laboratoriais e procedimentos, quando possível. Além disso, também faz parte do projeto oferecer aos pacientes tampões auriculares e máscaras para os olhos bem como evitar que serviços de limpeza e procedimentos que provoquem ruído excessivo sejam realizados durante o horário do silêncio. É importante observar que o horário de silêncio não é um horário sem cuidados. Ele simplesmente permite cuidar do paciente de forma mais silenciosa e menos perturbadora. Estudos têm demonstrado que a implementação de um horário do silêncio tem resultados positivos em relação á experiência do paciente.(66 Hedges C, Hunt C, Ball P. Quiet time improves the patient experience. J Nurs Care Qual. 2019;34(3):197-202.)

Apesar de várias publicações científicas e da maior conscientização das equipes de saúde, a importância da otimização do sono ainda é relativamente pouco valorizada na lista de prioridades dos hospitais.(77 Nilius G, Richter M, Schroeder M. Updated perspectives on the management of sleep disorders in the intensive care unit. Nat Sci Sleep. 2021;13:751-62.) As evidências sobre intervenções que poderiam ser realizadas para melhorar a quantidade e a qualidade do sono desempenham papel fundamental na saúde do paciente e devem ser incluídas em qualquer plano de tratamento.(88 Bellon F, Mora-Noya V, Pastells-Peiró R, Abad-Corpa E, Gea-Sánchez M, Moreno-Casbas T. The efficacy of nursing interventions on sleep quality in hospitalized patients: a systematic review of randomized controlled trials. Int J Nurs Stud. 2021;115:103855.) Reduzir os efeitos adversos do ruído, iluminação excessiva, roupa de cama desconfortável, ansiedade e dor, associados com a observação cuidadosa e monitorização da qualidade do sono, são medidas que ajudariam melhorar a satisfação e os desfechos clínicos do paciente.(99 Hillman DR. Sleep loss in the hospitalized patient and its influence on recovery from illness and operation. Anesth Analg. 2021;132(5):1314-20.) É também evidente que qualquer solução bem-sucedida sempre será multifatorial exigindo a participação multiprofissional, que deve incluir lideranças, arquitetos, técnicos do laboratório, enfermagem e médicos.(1010 DuBose JR, Hadi K. Improving inpatient environments to support patient sleep. Int J Qual Health Care. 2016;28(5):540-53.) Todos os membros da equipe de saúde podem contribuir na avaliação e na otimização do sono de pacientes hospitalizados. Chegou o momento de agir. Uma boa risada e uma longa noite de sono são os melhores remédios segundo o manual do médico (provérbio irlandês).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Shakespeare W. Macbeth,1623.
  • 2
    Kamdar BB, King LM, Collop NA, Sakamuri S, Colantuoni E, Neufeld KJ, et al. The effect of a quality improvement intervention on perceived sleep quality and cognition in a medical ICU. Crit Care Med. 2013;41(3):800-9.
  • 3
    Gabor JY, Cooper AB, Hanly PJ. Sleep disruption in the intensive care unit. Curr Opin Crit Care. 2001;7(1):21-7.
  • 4
    Beltrami FG, Nguyen XL, Pichereau C, Maury E, Fleury B, Fagondes S. Sleep in the intensive care unit. J Bras Pneumol. 2015;41(6):539-46.
  • 5
    Wesselius HM, van den Ende ES, Alsma J, Ter Maaten JC, Schuit SCE, Stassen PM, de Vries OJ, Kaasjager KHAH, Haak HR, van Doormaal FF, Hoogerwerf JJ, Terwee CB, van de Ven PM, Bosch FH, van Someren EJ, Nanayakkara PW; “Onderzoeks Consortium Acute Geneeskunde” Acute Medicine Research Consortium. Quality and quantity of sleep and factors associated with sleep disturbance in hospitalized patients. JAMA Intern Med. 2018;178(9):1201-8.
  • 6
    Hedges C, Hunt C, Ball P. Quiet time improves the patient experience. J Nurs Care Qual. 2019;34(3):197-202.
  • 7
    Nilius G, Richter M, Schroeder M. Updated perspectives on the management of sleep disorders in the intensive care unit. Nat Sci Sleep. 2021;13:751-62.
  • 8
    Bellon F, Mora-Noya V, Pastells-Peiró R, Abad-Corpa E, Gea-Sánchez M, Moreno-Casbas T. The efficacy of nursing interventions on sleep quality in hospitalized patients: a systematic review of randomized controlled trials. Int J Nurs Stud. 2021;115:103855.
  • 9
    Hillman DR. Sleep loss in the hospitalized patient and its influence on recovery from illness and operation. Anesth Analg. 2021;132(5):1314-20.
  • 10
    DuBose JR, Hadi K. Improving inpatient environments to support patient sleep. Int J Qual Health Care. 2016;28(5):540-53.

Editado por

Editor responsável: Viviane Cordeiro Veiga

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br