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O ônus da sepse: uma chamada em apoio ao Dia Mundial da Sepse 2013

ARTIGO ESPECIAL

O ônus da sepse: uma chamada em apoio ao Dia Mundial da Sepse 2013

Konrad Reinhart; Ron Daniels; Flavia Ribeiro Machado"em nome do World Sepsis Day Steering Committee e do Global Sepsis Alliance Executive Board"

Comitê Executivo da Aliança Global contra Sepse, Comitê Diretivo do Dia Mundial da Sepse

Autor correspondente Autor correspondente: Konrad Reinhart Department of Anesthesiology and Intensive Erlanger Allee 101 07747 Jena, Alemanha E-mail: konrad.reinhart@med.uni-jena.de

Em todo o mundo, a sepse é uma das mais comuns doenças fatais. Trata-se de uma das poucas condições a atingir, com igual fúria, áreas com escassez de recursos e o mundo desenvolvido. Estima-se que, em todo o mundo, de 20 a 30 milhões de pacientes sejam atingidos anualmente. Mundialmente, a cada hora, cerca de 1.000 pessoas e, a cada dia, por volta de 24 mil pessoas morrem de sepse. Apesar de ser responsável por uma perda anual de mais de 8 milhões de vidas, a sepse é uma das doenças menos conhecidas. Nos países em desenvolvimento, a sepse responde por 60 a 80% das vidas perdidas na infância, com mais de 6 milhões de neonatos e crianças afetados pela sepse a cada ano. É responsável por mais de 100 mil casos de sepse materna a cada ano e, em alguns países, atualmente, é uma ameaça maior durante a gravidez do que as hemorragias ou o tromboembolismo.(1)

Em países ricos, a sepse vem aumentando em uma alarmante taxa anual de 8 a 13%.(2) As razões para isso são variadas e incluem o envelhecimento populacional, o uso crescente de intervenções de alto risco em todas as faixas etárias e o desenvolvimento de patógenos resistentes a antibióticos e mais virulentos. Nos países em desenvolvimento, a desnutrição, a pobreza e a falta de acesso a vacinas e tratamento precoce contribuem para a morte. Um percentual considerável de casos de sepse poderia ser prevenido por meio da adoção disseminada de boa higiene geral e lavagem das mãos, partos mais limpos, e por meio de melhorias sanitárias e nutricionais (especialmente para crianças abaixo dos 5 anos de idade), fornecimento de água limpa em áreas carentes de recursos(3) e programas de vacinação para populações de pacientes em risco.(4,5)

A mortalidade pela sepse pode ser consideravelmente reduzida por meio da adoção de sistemas de reconhecimento precoce e tratamento emergencial padronizado.(6-8) No entanto, atualmente, essas intervenções são proporcionadas em tempo adequado a menos de um em cada sete pacientes.(7,9,10)

A sepse é frequentemente diagnosticada tardiamente. Pacientes e profissionais de saúde não suspeitam de sepse, e os sintomas clínicos e sinais laboratoriais atualmente utilizados para o diagnóstico, como febre, taquicardia, taquipnéia ou alterações na contagem de leucócitos, não são específicos da sepse. A baixa conscientização a respeito de sepse entre profissionais de saúde como entidade clínica distinta é derivada da falta de sistemas confiáveis para ajudar na identificação e tornar mais rápida a provisão de cuidados. Seu reconhecimento em neo­natos e crianças é ainda mais problemático porque os sinais e sintomas podem ser sutis e não específicos, mas a deterioração, geralmente, é rápida. A variação de parâmetros fisiológicos normais com a idade é mais um fator contribuinte para as dificuldades na identificação precoce da doença aguda.(11)

Apesar de pacientes com sepse terem cerca de cinco vezes mais probabilidade de morrer do que um paciente com infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, a doença ainda não é reconhecida nem obtém o mesmo senso de urgência dessas outras condições críticas. Um levantamento internacional sugere que 80 a 90% das pessoas na América do Norte e Europa não estão familiarizadas com o termo "sepse" e, entre os que estão, a maioria não a percebe como causa importante de morte.(12)

Outra dificuldade diz respeito à reabilitação. O desfecho da sepse é muito frequentemente visto como binário - o paciente morre (falha) ou sobrevive (sucesso), sendo que os estudos usam a duração da hospitalização como medida de desfecho. Pouco se sabe ou se compreende a respeito dos efeitos em longo prazo da sepse e o acesso à reabilitação para os sobreviventes é ruim, apesar de haver evidência de que pelo menos um em cada cinco sobreviventes sofrem em longo prazo de problemas de saúde nas áreas física, cognitiva ou mental.(13)

Com a finalidade de tratar dessas deficiências na compreensão e diminuir o ônus da sepse em todo o mundo, a Global Sepsis Alliance (GSA) e seus membros fundadores - a World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine (WFSICCM), a World Federation of Intensive and Critical Care Societies (WFPICCS), a World Federation of Critical Care Nurses (WFCCN), o International Sepsis Forum (ISF) e a Sepsis Alliance (SA) - tomaram a iniciativa de criar o primeiro Dia Mundial da Sepse (WSD, do inglês World Sepsis Day) como uma plataforma de lançamento para a Declaração Mundial sobre Sepse. A intenção do WSD se baseia em dois aspectos: primeiramente, aumentar a conscientização a respeito da sepse entre as pessoas influentes, inclusive os que planejam e implementam políticas públicas e, em segundo lugar, encorajar iniciativas de melhoria da qualidade para reconhecimento da sepse e seu manejo em hospitais e provedores de saúde, com a finalidade de atingir os alvos estabelecidos na Declaração Mundial sobre Sepse (www.world-sepsis-day.org).

Esses alvos são: (1) reduzir a incidência da sepse em pelo menos 20% por meio da prevenção; (2) melhorar a sobrevivência de crianças e adultos em todos os países; (3) aumentar a conscientização pública e profissional e a compreensão sobre a sepse; (4) assegurar um melhor acesso a serviços adequados de reabilitação; e (5) criar e manter bases de dados sobre incidência e desfechos da sepse.

Estamos bem conscientes de que o cumprimento desses alvos só pode ser guiado por corpos profissionais e pelos próprios elaboradores de políticas. Entretanto, para obter sucesso, é necessário o engajamento de profissionais de saúde em todos os níveis de cuidado, desde médicos até agentes comunitários de saúde, e de estreita colaboração interdisciplinar entre todos os participantes, inclusive profissionais de saúde pública, medicina comunitária, higiene, microbiologia, doenças infecciosas, medicina de emergência, medicina intensiva e reabilitação. Dessa forma, encarecemos que os profissionais de saúde facilitem a criação de coalizões interdisciplinares e multiprofissionais, tanto em nível nacional quanto local.

Em 13 de setembro de 2012 aconteceu o WSD. Seus apoiadores organizaram mais de 200 eventos em todos os continentes, em mais de 40 países, para educar o público e os profissionais de saúde e aumentar a conscientização sobre esse desastre oculto. Os principais eventos com a intenção de um "chamado às armas" contra essa doença devastadora tiveram lugar em grandes cidades (Beijing, Berlim, Bangalore, Belgrado, Délhi, Florença, Houston, Londres, Lima, Mumbai, Nova Iorque, Roma, São Paulo, Santiago do Chile e outras), em todo o mundo. Elaboradores influentes de política pública, como membros do parlamento, ministros e representantes seniores de autoridades sanitárias, foram envolvidos em eventos de imprensa e outros eventos e o WSD foi amplamente coberto pela mídia televisada e impressa. Temos conhecimento de mais de 550 artigos, com uma leitura estimada por 80 milhões de pessoas. Países como Brasil, Alemanha, Grã Bretanha e Índia tiveram um alcance de mídia entre 8 e 20% da população local. O alcance via mídias sociais (Facebook e Twitter) foi na faixa de 1,4 milhões. Com 321 matérias em rádio, 24 em TV, 10 artigos em jornais nacionais e 60 reportagens on-line, a conscientização pública atingida no Brasil foi destaque.

Até o momento 178 organizações profissionais, 1.217 hospitais e grupos de hospitais e mais de 120 médicos e trabalhadores da saúde declararam seu apoio ao WSD e à Declaração Mundial sobre Sepse, registrando-se no website do WSD. Atualmente, recebemos entre 30 e 70 novos registros por mês. Além disso, o WSD é apoiado por mais de 60 dos principais especialistas mundiais em sepse e por uma série de embaixadores, entre os quais se encontram ministros, membros do parlamento, heróis esportivos e o WHO Envoy for Patient Safety.

Mais importante, a ideia do WSD veio de representantes dos pacientes, foi implementada por nossas próprias sociedades profissionais nacionais e internacionais e encontrou amplo apoio na comunidade de profissionais de saúde. É difícil argumentar contra a mensagem do WSD - aumentar a conscientização, melhorar a confiabilidade e o acesso a cuidados, medir e melhorar os desfechos. É muito encorajador que, no momento, mais de 20 novas organizações se tornaram membros da GSA, agora, com algo próximo a 50 organizações membro. A missão da GSA e de sua liderança, que, juntamente com o Comitê Diretivo Internacional da WSD, é a espinha dorsal da organização do WSD, é a de capacitar e facilitar as atividades nacionais e locais. Isso é obtido, por meio do website do WSD, pelo fornecimento de conjuntos de ferramentas e materiais educacionais e promocionais. Claramente, a experiência com o WSD 2012 mostra que o alcance e o sucesso dependem da intensidade do comprometimento nos níveis nacional, local e individual. Estamos muito gratos pelo envolvimento e trabalho voluntário realizado por muitas pessoas, sobreviventes de sepse e profissionais de fora da comunidade médica, e pelo fato de termos recebido considerável financiamento público para dar suporte ao escritório central do WSD, por meio do Center for Sepsis Control and Care baseado em Jena, na Alemanha. Além disso, somos muito gratos aos nossos patrocinadores corporativos pelo apoio financeiro. Os princípios que guiaram a interação com a indústria estão disponíveis no website do WSD.

O WSD 2012 foi um início encorajador, que, de muitas formas, excedeu nossas expectativas. O movimento desencadeou uma série de ideias inovadoras e criativas de apoiadores mundiais, embora ainda possamos aprender, a partir de outros campos médicos, como oncologia, cardiologia e Aids/HIV, que comprovaram a importância de campanhas combinadas públicas e políticas, para que se alcancem melhorias. No caso do câncer, segundo Mukherjee, "... foram necessários tanto ícones, mascotes, imagens, slogans e estratégias publicitárias quanto ferramentas da ciência. Para que qualquer doença obtenha uma proeminência política, é necessário marketing... Uma doença precisa ser politicamente transformada antes que possa ser cientificamente transformada".(14)

Por enquanto, aprendemos a partir de exemplos no Estado de Nova Iorque, Gales, Escócia e Brasil que, por meio de campanhas incansáveis de lobby, é possível estabelecer regulações para o controle da sepse por meio de governos nacionais e regionais. O exemplo mais recente, vindo do Estado de Nova Iorque, resultou em regulamentos que exigem a adoção de práticas comprovadas para a identificação e o tratamento precoce da sepse em todos os hospitais do Estado.

O próximo WSD ocorrerá em 13 de setembro de 2013. Encorajamos enfaticamente as organizações profissionais internacionais, nacionais e regionais, assim como as organizações leigas e os médicos e profissionais de saúde individuais a se tornarem apoiadores do WSD e da Declaração Mundial sobre Sepse e a se envolverem no aumento da conscientização. Igualmente, gostaríamos de convidar o leitor a levar seu hospital ou departamento a somar-se aos mais de 1.200 hospitais que até aqui se comprometeram com os alvos do WSD. Você pode encontrar mais informações sobre o WSD no website www.world-sepsis-day.org. Fique à vontade para entrar em contato conosco. Junte-se a nós para combater a sepse e salvar vidas, e não deixe de apoiar o WSD em 13 de setembro.

Submetido em 23 de março de 2013

Aceito em 25 de março de 2013

Conflitos de interesse: Nenhum.

  • 1. Garrod D, Beale V, Rogers J, Miller A. Midwifery. BJOG. 2011;118 Suppl 1:149-57.
  • 2. Hall MJ, Williams SN, DeFrances CJ, Golosinskiy A. Inpatient care for septicemia or sepsis: a challenge for patients and hospitals. NCHS Data Brief. 2011;(62):1-8.
  • 3. Kissoon N, Carcillo JA, Espinosa V, Argent A, Devictor D, Madden M, Singhi S, van der Voort E, Latour J; Global Sepsis Initiative Vanguard Center Contributors. World Federation of Pediatric Intensive Care and Critical Care Societies: Global Sepsis Initiative. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(5):494-503.
  • 4. Mangia CM, Kissoon N, Branchini OA, Andrade MC, Kopelman BI, Carcillo J. Bacterial sepsis in Brazilian children: a trend analysis from 1992 to 2006. PLoS One. 2011;6(6):e14817.
  • 5. Public Health Agency of Canada. Canadian National Report on Immunization, 2006. CCDR. 2006;32S3:1-44. [cited 2012 June 3]. Available in http://www.phac-aspc.gc.ca/publicat/ccdr-rmtc/06pdf/32s3_e.pdf
  • 6. Ferrer R, Artigas A, Levy MM, Blanco J, González-Díaz G, Garnacho-Montero J, Ibáñez J, Palencia E, Quintana M, de la Torre-Prados MV; Edusepsis Study Group. Improvement in process of care and outcome after a multicenter severe sepsis educational program in Spain. JAMA. 2008;299(19):2294-303.
  • 7. Levy MM, Dellinger RP, Townsend SR, Linde-Zwirble WT, Marshall JC, Bion J, Schorr C, Artigas A, Ramsay G, Beale R, Parker MM, Gerlach H, Reinhart K, Silva E, Harvey M, Regan S, Angus DC; Surviving Sepsis Campaign. The Surviving Sepsis Campaign: results of an international guideline-based performance improvement program targeting severe sepsis. Crit Care Med. 2010;38(2):367-74.
  • 8. Barochia AV, Cui X, Vitberg D, Suffredini AF, O'Grady NP, Banks SM, et al. Bundled care for septic shock: an analysis of clinical trials. Crit Care Med. 2010;38(2):668-78.
  • 9. Kumar A, Roberts D, Wood KE, Light B, Parrillo JE, Sharma S, et al. Duration of hypotension before initiation of effective antimicrobial therapy is the critical determinant of survival in human septic shock. Crit Care Med. 2006;34(6):1589-96.
  • 10. Phua J, Koh Y, Du B, Tang YQ, Divatia JV, Tan CC, Gomersall CD, Faruq MO, Shrestha BR, Gia Binh N, Arabi YM, Salahuddin N, Wahyuprajitno B, Tu ML, Wahab AY, Hameed AA, Nishimura M, Procyshyn M, Chan YH; MOSAICS Study Group. Management of severe sepsis in patients admitted to Asian intensive care units: prospective cohort study. BMJ. 2011;342:d3245.
  • 11. Roland D. Paediatric early warning scores: Holy Grail and Achilles' heel. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2012;97(6):208-15.
  • 12. Rubulotta FM, Ramsay G, Parker MM, Dellinger RP, Levy MM, Poeze M; Surviving Sepsis Campaign Steering Committee; European Society of Intensive Care Medicine; Society of Critical Care Medicine. An international survey: Public awareness and perception of sepsis. Crit Care Med. 2009;37(1):167-70.
  • 13. Iwashyna TJ, Ely EW, Smith DM, Langa KM. Long-term cognitive impairment and functional disability among survivors of severe sepsis. JAMA. 2010;304(16):1787-94.
  • 14. Mukherjee S. The emperor of all maladies: a biography of cancer. New York: Simon and Schuster; 2010.
  • Autor correspondente:

    Konrad Reinhart
    Department of Anesthesiology and Intensive
    Erlanger Allee 101
    07747 Jena, Alemanha
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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