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Extensa úlcera bucal em paciente com lúpus eritematoso

Ao editor,

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune heterogênea, multissistêmica, caracterizada pela produção de autoanticorpos contra vários constituintes celulares.(11 Berbert AL, Mantese SA. Lúpus eritematoso cutâneo: aspectos clínicos e laboratoriais. An Bras Dermatol. 2005;80(2):119-31.) Apresenta-se com as mais variadas manifestações clínicas, e períodos de exacerbação e remissão.(22 Sato EI, Bonfá ED, Costallat LT, Silva NA, Brenol JC, Santiago MB, et al. Consenso Brasileiro para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Rev Bras Reumatol. 2002;42(6):362-70.) Pode apresentar lesões intraorais, que acometem principalmente língua, mucosa jugal, lábios e palato, e se manifestar como úlceras crônicas ou eritema, de dimensões variadas.(33 Umbelino Júnior AA, Cantisano MH, Klumb EM, Dias EP, Silva AA. Achados bucais e laboratoriais em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. J Bras Patol Med Lab. 2010;46(6):479-86.)

Paciente do sexo feminino, 38 anos, portadora de LES, relatou aumento do volume na região de parótida direita sugestivo de parotidite viral e otalgia a esquerda, associada a febre aferida (39ºC). Mencionou ter feito uso de antibiótico e analgésico (cefalexina e paracetamol) sem melhora do quadro, evoluindo com fraqueza e queda do estado geral. Após procurar uma unidade de pronto atendimento, foi encaminhada para a atenção hospitalar, sendo internada em pronto atendimento médico.

Na avaliação médica, foi solicitado ultrassom de parótida 5 dias após a internação, evidenciando pele e tecido subcutâneo de aspecto preservado, glândulas parótidas e submandibulares com dimensões, contornos e ecotextura preservadas, sem sinais de nódulos ou coleções, linfonodos periglandulares de aspecto habitual, sem alterações significativas no exame ecográfico.

Posteriormente, foi solicitada avaliação odontológica, em que ficaram constatadas, após o exame clínico a beira do leito, fratura coronária do elemento 46, fístula na região de gengiva inserida do mesmo elemento dentário e lesão ulcerada de grandes dimensões na mucosa jugal de contornos regulares, com centro esbranquiçado e bordas eritematosas elevadas, medindo aproximadamente 3cm em sua maior extensão (Figura 1A).

Figura 1
Avaliação clínica. (A) Aspecto clínico inicial. Extensa lesão em mucosa jugal à direita, de limites definidos e leito esbranquiçado, em proximidade ao primeiro molar do mesmo lado. (B) Dente 46 com fratura coronária e arestas cortantes em proximidade com a mucosa jugal direita. (C) Melhora clínica da mucosa jugal. Ausência da lesão ulcerada. (D) Aspecto clínico final após extração do dente 46.

Devido à normalidade descrita na ultrassonografia de parótida, sugeriu-se ter ocorrido um abscesso de origem odontogênica, e a úlcera em mucosa ser de origem traumática, devido à coroa dentária fraturada. Como conduta acordada entre a equipe, optou-se pelo tratamento inicial da úlcera em mucosa, com uso de dexametasona elixir 0,1mg/mL associada à clorexidina 0,12% solução para bochecho. Quatro dias após a administração dos bochechos, houve remissão completa da lesão em mucosa jugal. Em seguida, para o planejamento da exodontia, em consenso com a equipe médica, foi alterada a dose de enoxaparina 60mg a cada 12 horas subcutânea para 40mg uma vez ao dia por via subcutânea, a fim de prevenir o risco de hemorragia. Foram observados, nos exames laboratoriais: hemoglobina 9,6g/dL, creatinina 0,60mg/dL, plaquetas 305 mil/mm3, Razão Normalizada Internacional 1,00, tempo de atividade da protrombina (TAP) 11,3 segundos e tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) 25,7 segundos. Posteriormente, realizou-se exodontia do elemento 46 em ambiente hospitalar. Sete dias após a extração, houve completa remissão do quadro clínico, sem queixas sintomatológicas (Figuras 1B a 1D).

A exodontia do elemento dentário fraturado foi essencial para a completa remoção do foco traumático e infeccioso. Úlceras traumáticas agudas na mucosa oral podem apresentar sintomatologia dolorosa, dificultando a alimentação e a higienização. Seu aspecto clínico pode se apresentar como lesão coberta por exsudato amarelo esbranquiçado circundado por halo avermelhado. O cirurgião dentista deve conhecer a patologia, a fim de auxiliar no diagnóstico das lesões intraorais, podendo diferenciar de outras alterações que possam estar presentes na cavidade oral de pacientes com LES.(44 Saldanha KF, Costa DC, Silva JC, Gaetti-Jardim EC. Lúpus eritematoso sistêmico em Odontologia: relato de caso. Arch Health Invest. 2015;4(6):21-4.) É importante saber identificar a origem do trauma, que pode ser devido a aparelho ortodôntico, tubo orotraqueal, fratura coronária, prótese mal adaptada, entre outros. Ao identificar o agente traumático, ele deve ser removido, para que não haja cronificação da lesão.(55 Lima AA, Grégio AM, Tanaka O, Machado MA, França BH. Tratamento das ulcerações traumáticas bucais causadas por aparelhos ortodônticos. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(5):30-6.)

Victor Hugo Patrocínio
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.
Paulo Pereira Nascimento
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.
Renata Lanzoni de Oliveira
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.
Aline Joana Linhares Gurski Seco
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.
Rejane Cristina Leite da Fonseca
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.
Ellen Cristina Gaetti-Jardim
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Berbert AL, Mantese SA. Lúpus eritematoso cutâneo: aspectos clínicos e laboratoriais. An Bras Dermatol. 2005;80(2):119-31.
  • 2
    Sato EI, Bonfá ED, Costallat LT, Silva NA, Brenol JC, Santiago MB, et al. Consenso Brasileiro para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Rev Bras Reumatol. 2002;42(6):362-70.
  • 3
    Umbelino Júnior AA, Cantisano MH, Klumb EM, Dias EP, Silva AA. Achados bucais e laboratoriais em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. J Bras Patol Med Lab. 2010;46(6):479-86.
  • 4
    Saldanha KF, Costa DC, Silva JC, Gaetti-Jardim EC. Lúpus eritematoso sistêmico em Odontologia: relato de caso. Arch Health Invest. 2015;4(6):21-4.
  • 5
    Lima AA, Grégio AM, Tanaka O, Machado MA, França BH. Tratamento das ulcerações traumáticas bucais causadas por aparelhos ortodônticos. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(5):30-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2018
  • Aceito
    26 Jul 2018
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