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Effects of inclustion and exposition times of sugar cane to calcium oxide on the physiologic and digestive parameters of Nellore heifers

Efeitos da inclusão e dos tempos de exposição da cana-de-açúcar ao óxido de cálcio sobre os parâmetros digestivos e fisiológicos de novilhas nelores

Abstracts

It was aimed to evaluate the effect of inclusion and times of sugar cane exposition to whitewash on intake and total and partial digestibility of nutrients and ruminal parameters and to compare titanium dioxide and chromium oxide as markers to estimate fecal dry matter excretion and dry matter abomasal flow. It was used six rumen and abomasum cannulated Nellore females, with average body weight of 250 ± 19 kg, distributed in an incomplete 6 x 6 latin square design. The experiment was set in a 3 x 2 factorial scheme with three levels of whitewash (0; 0.5 or 1.0% natural matter) and two times of sugar cane storage (0 and 3 days). There was no effect of storage times neither interaction among levels of whitewash and storage times on the intake of nutrients. However, levels of whitewash linearly increased consumption of dry matter (DM), organic matter (OM) and non-fibrous carbohidrates (NFC).Storage times reduced total apparent digestibility of dry matter, organic matter and neutral detergent fiber corrected for ash and protein (NDFap), but they did influence ruminal apparent digestibility of the nutrients. The inclusion of whitewash increased the consumption of total digestible nutrients (TDN), but it did not affect total digestibility and ruminal digestibility of the nutrients. The markers produced similar results for the estimates of total and ruminal apparent digestibility of all the evaluated nutrients. Interactions for ruminal pH were observed. However, values of amonical nitrogen were only influenced by sampling times. Addition of whitewash does not affect preservation of sugarcane, but it positively influences consumption of DM, OM, and TDN of the animals. The markers produced similar estimative to total tract and ruminal apparent digestibility of all nutrients. Titanium dioxide and chromium oxide markers produce similar estimates of digestibility.

cannulated; chromium; digestibility; markers; titanium


Objetivou-se avaliar o efeito da inclusão de cal e dos tempos de exposição da cana-de-açúcar à cal sobre o consumo e as digestibilidades total e parcial dos nutrientes e parâmetros ruminais e comparar o dióxido de titânio e o óxido crômico como indicadores para estimar a excreção de matéria seca (MS) fecal e o fluxo abomasal de MS. Utilizaram-se seis fêmeas nelores, com pesos médios de 250 ± 19 kg, fistuladas no rúmen e no abomaso, distribuídas em um quadrado latino incompleto 6 x 6. O experimento foi arranjado em esquema fatorial 3 x 2, com três níveis de cal (0; 0,5 ou 1% da matéria natural) e dois tempos de armazenamento da cana (0 e 3 dias). Não houve efeito dos tempos de armazenamento, nem interação entre os níveis de cal e os tempos de armazenamento, sobre o consumo de nutrientes. Contudo, os níveis de cal aumentaram linearmente os consumos de MS, matéria orgânica (MO) e carboidratos não-fibrosos. Os tempos de armazenamento reduziram a digestibilidade aparente total da MS, MO e fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína (FDNcp), mas não influenciaram a digestibilidade aparente ruminal dos nutrientes. A inclusão de cal aumentou o consumo de nutrientes digestíveis totais (NDT), mas não afetou a digestibilidade total e ruminal dos nutrientes. Os indicadores produziram resultados similares para as estimativas de digestibilidade aparente total e ruminal de todos os nutrientes avaliados. Foram observadas interações para o pH ruminal. Contudo, os valores de nitrogênio amoniacal foram influenciados somente pelos tempos de amostragem. A adição de cal não tem efeito sobre a preservação da cana-de-açúcar, mas influencia positivamente o consumo de MS, MO e NDT pelos animais. Os marcadores dióxido de titânio e óxido crômico produzem estimativas de digestibilidades similares.

cromo; digestibilidade; fistulados; indicadores; titânio


RUMINANTES

Efeitos da inclusão e dos tempos de exposição da cana-de-açúcar ao óxido de cálcio sobre os parâmetros digestivos e fisiológicos de novilhas nelores1 1 Pesquisa financiada pelo CNPq/FAPEMIG

Effects of inclustion and exposition times of sugar cane to calcium oxide on the physiologic and digestive parameters of Nellore heifers

Douglas dos Santos PinaI,* * Correspondências devem ser enviadas para: douglaspina@yahoo.com.br ; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; José Augusto Gomes AzevêdoIII; Analívia Martins BarbosaIV; Rilene Ferreira Diniz ValadaresIV; Edenio DetmannIII

IDZO/UFV. Bolsista do CNPq

IIDZO/UFV. Pesquisador do CNPq

IIIDZO/UFV

IVDVT/UFV. Pesquisadora do CNPq

RESUMO

Objetivou-se avaliar o efeito da inclusão de cal e dos tempos de exposição da cana-de-açúcar à cal sobre o consumo e as digestibilidades total e parcial dos nutrientes e parâmetros ruminais e comparar o dióxido de titânio e o óxido crômico como indicadores para estimar a excreção de matéria seca (MS) fecal e o fluxo abomasal de MS. Utilizaram-se seis fêmeas nelores, com pesos médios de 250 ± 19 kg, fistuladas no rúmen e no abomaso, distribuídas em um quadrado latino incompleto 6 x 6. O experimento foi arranjado em esquema fatorial 3 x 2, com três níveis de cal (0; 0,5 ou 1% da matéria natural) e dois tempos de armazenamento da cana (0 e 3 dias). Não houve efeito dos tempos de armazenamento, nem interação entre os níveis de cal e os tempos de armazenamento, sobre o consumo de nutrientes. Contudo, os níveis de cal aumentaram linearmente os consumos de MS, matéria orgânica (MO) e carboidratos não-fibrosos. Os tempos de armazenamento reduziram a digestibilidade aparente total da MS, MO e fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína (FDNcp), mas não influenciaram a digestibilidade aparente ruminal dos nutrientes. A inclusão de cal aumentou o consumo de nutrientes digestíveis totais (NDT), mas não afetou a digestibilidade total e ruminal dos nutrientes. Os indicadores produziram resultados similares para as estimativas de digestibilidade aparente total e ruminal de todos os nutrientes avaliados. Foram observadas interações para o pH ruminal. Contudo, os valores de nitrogênio amoniacal foram influenciados somente pelos tempos de amostragem. A adição de cal não tem efeito sobre a preservação da cana-de-açúcar, mas influencia positivamente o consumo de MS, MO e NDT pelos animais. Os marcadores dióxido de titânio e óxido crômico produzem estimativas de digestibilidades similares.

Palavras-chave: cromo, digestibilidade, fistulados, indicadores, titânio

ABSTRACT

It was aimed to evaluate the effect of inclusion and times of sugar cane exposition to whitewash on intake and total and partial digestibility of nutrients and ruminal parameters and to compare titanium dioxide and chromium oxide as markers to estimate fecal dry matter excretion and dry matter abomasal flow. It was used six rumen and abomasum cannulated Nellore females, with average body weight of 250 ± 19 kg, distributed in an incomplete 6 x 6 latin square design. The experiment was set in a 3 x 2 factorial scheme with three levels of whitewash (0; 0.5 or 1.0% natural matter) and two times of sugar cane storage (0 and 3 days). There was no effect of storage times neither interaction among levels of whitewash and storage times on the intake of nutrients. However, levels of whitewash linearly increased consumption of dry matter (DM), organic matter (OM) and non-fibrous carbohidrates (NFC).Storage times reduced total apparent digestibility of dry matter, organic matter and neutral detergent fiber corrected for ash and protein (NDFap), but they did influence ruminal apparent digestibility of the nutrients. The inclusion of whitewash increased the consumption of total digestible nutrients (TDN), but it did not affect total digestibility and ruminal digestibility of the nutrients. The markers produced similar results for the estimates of total and ruminal apparent digestibility of all the evaluated nutrients. Interactions for ruminal pH were observed. However, values of amonical nitrogen were only influenced by sampling times. Addition of whitewash does not affect preservation of sugarcane, but it positively influences consumption of DM, OM, and TDN of the animals. The markers produced similar estimative to total tract and ruminal apparent digestibility of all nutrients. Titanium dioxide and chromium oxide markers produce similar estimates of digestibility.

Key words: cannulated, chromium, digestibility, markers, titanium

Introdução

A baixa digestibilidade da fibra em detergente neutro (FDN) da cana-de-açúcar está relacionada à alta concentração de lignina e a sua ligação com os carboidratos estruturais (hemicelulose e celulose), que impede parcialmente a ação dos microrganismos ruminais sobre esses carboidratos. No entanto, essas ligações do tipo éster, nas gramíneas, são particularmente susceptíveis à ação hidrolítica, justificando a utilização de álcalis no tratamento da cana-de-açúcar, o que promove solubilização de parte da lignina pelo aumento de pH (Van Soest, 1994). O uso do óxido de cálcio, ou cal virgem, para tratamento hidrolítico de forragens tem por base a formação de hidróxido de cálcio Ca (OH)2, um agente alcalino com moderado poder de hidrólise da fibra (Berger et al., 1994).

Além do preparo adequado do alimento, há necessidade de conhecer a sua composição química, bem como a sua digestibilidade – que indica o grau de obtenção do valor energético das dietas e a utilização dos nutrientes pelos animais: tal conhecimento é obtido por meio de estudos de digestão. Vários autores (Berchielli et al., 2005; Dias et al., 2008; Oliveira Jr. et al., 2004) têm avaliado indicadores internos e externos em busca de estimativas mais confiáveis de produção fecal, fluxo duodenal e digestibilidades total e parcial.

O óxido crômico, apesar de apresentar alguns problemas – como recuperação às vezes incompleta e variação na recuperação fecal entre animais –, é o indicador externo mais empregado em estudos de digestão por ser de baixo custo, rapidamente incorporado à dieta e analisado com relativa facilidade (Titgemeyer, 1997). Porém, Titgemeyer et al. (2001) ressaltaram que o cromo não é aprovado pela Food and Drug Admiministration (FDA) como aditivo alimentar. Assim, o dióxido de titânio (TiO2) surge como alternativa ao cromo como indicador em estudos de digestão, podendo ser adicionado legalmente ao alimento em quantidades que não excedam a 1,0% do produto final (AAFCO, 1996).

O experimento foi conduzido com o objetivo de avaliar o efeito da inclusão de cal (0; 0,5 e 1,0% na MN da cana-de-açúcar) e dos tempos de exposição da cana-de-açúcar à cal (0 e 3 dias) sobre as digestibilidades total e parcial; os parâmetros ruminais; e o balanço de compostos nitrogenados. Também, objetivou-se comparar o dióxido de titânio e o óxido crômico como indicadores para estimar a excreção de matéria seca fecal e abomasal.

Material e Métodos

O experimento foi realizado no Laboratório de Animais e de Nutrição Animal do Departamento de Zootecnia do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Viçosa, em Viçosa, Minas Gerais. Foram utilizadas seis fêmeas nelores, com idades aproximadas de 18 meses e pesos médios de 250 ± 19 kg, fistuladas no rúmen e no abomaso e alojadas em baias individuais de 4 m2 cada, com piso de concreto, providas de comedouros e de bebedouros individuais.

Os animais foram distribuídos em um quadrado latino 6 x 6 incompleto, balanceado para efeito residual. O experimento foi conduzido em quatro períodos, cada um com duração de 12 dias, sendo 7 para adaptação às dietas e 5 para coletas. Os tratamentos foram constituídos de 80% de volumosos (cana-de-açúcar) e 20% de concentrados na base da matéria seca. Imediatamente antes do fornecimento, foi adicionado 1% da mistura uréia/SA na base da matéria natural para todos os volumosos. Os tratamentos foram arranjados em esquema fatorial 3 x 2, sendo três níveis de inclusão de cal (0; 0,5 ou 1%) na base da matéria natural e dois tempos de armazenamento da cana (0 e 3 dias). As dietas foram balanceadas de acordo com Valadares Filho et al. (2006), para conter aproximadamente 11,5% de proteína bruta (Tabela 1).

Nos quatro períodos experimentais, a alimentação foi oferecida ad libitum duas vezes ao dia, sempre às 8 e às 16 h, na forma de ração completa, permitindo-se sobras de, no máximo, 5 a 10% da matéria natural oferecida. O consumo diário foi mensurado pela diferença entre o fornecido e as sobras.

Nos períodos de coleta, amostras do alimento fornecido e das sobras foram coletadas durante todos os cinco dias e, no final dos quatro períodos, foram reunidas em uma amostra representativa por animal, armazenada em saco plástico e congelada a -20ºC, para posteriormente ser analisada. Ainda, o peso dos animais foi mensurado ao início e ao final de cada período experimental.

A produção de matéria seca fecal e os fluxos de matéria seca, nos compartimentos do trato gastrintestinal, foram estimados com a utilização do óxido crômico (Cr2O3) e do dióxido de titânio (TiO2) como indicadores externos, administrados em dose única diária de 10 g cada, via fistula ruminal, do 2º ao 12º dia de cada período experimental, sempre às 12 horas (Ítavo et al., 2002).

As coletas de fezes e digestas de abomaso foram feitas uma vez ao dia, simultaneamente, em intervalos de 22 horas, iniciando-se às 16 horas do 8º dia e terminando às 8 horas do 12º dia de cada período experimental (Cecava et al., 1990). As amostras foram armazenadas em saco de plástico a -15ºC e, posteriormente, submetidas à pré-secagem em estufa de ventilação forçada a 60ºC, por 72 horas, sendo processadas em moinhos com peneira de 1 mm (Silva & Queiroz, 2002). Foi preparada uma amostra composta de fezes e digesta de abomaso por animal em cada período experimental.

Para avaliação do pH e da concentração de N-NH3 ruminal, foram realizadas, no 12º dia do período experimental, coletas de líquido ruminal imediatamente antes do fornecimento da dieta e 2, 4 e 6 horas após o fornecimento da mesma (às 8, 10, 12 e 14 horas, respectivamente). As amostras foram tomadas na região de interface líquido/ sólido do ambiente ruminal e filtradas em uma camada tripla de gaze. Uma alíquota de 50 mL foi adicionada de 1 mL de ácido sulfúrico (1:1) e acondicionada em frasco de plástico, identificada e congelada a -15ºC para posterior quantificação da concentração de N-NH3. Os teores de N amoniacal no líquido ruminal foram avaliados pelo sistema micro-Kjeldahl, sem digestão ácida da amostra, utilizando-se como base para destilação o hidróxido de potássio (2N), após centrifugação da amostra a 1.000 x g, por 15 minutos.

As análises de matéria seca, matéria orgânica, compostos nitrogenados, extrato etéreo, fibra em detergente neutro e lignina foram realizadas conforme procedimento descrito por Silva & Queiroz (2002). As determinações de fibra em detergente neutro foram realizadas de acordo com o método de Van Soest & Robertson (1985), utilizando-se o extrator ANKON200 (Ankom Technology Corp., Fairport, NY, USA).

As amostras de fezes e de digestas abomasal foram submetidas à análise de teor de cromo em espectrofotômetro de absorção atômica, conforme o método descrito por Willians et al. (1962) e as de dióxido de titânio, conforme o método descrito por Myers et al. (2004). Os totais de nutrientes digestíveis foram determinados conforme a equação proposta pelo NRC (2001): NDT = PBd + 2,25EEd + FDNd + CNFd, em que PBd é PB digestível; EEd, o EE digestível; FDNd, a FDN digestível e CNFd, os CNF digestíveis.

O experimento foi realizado segundo delineamento em quadrado latino 6 x 6 incompleto, em esquema fatorial 3 x 2, sendo três níveis de inclusão de cal e dois tempos de armazenamento da cana-de-açúcar. O efeito de indicador foi estimado no esquema de parcela subdividida, sendo as parcelas compostas pelos níveis de cal e os tempos de armazenamento e as subparcelas compostas pelos indicadores (TiO2 ou Cr2O3), também utilizando-se o delineamento em quadrado latino 6 x 6 incompleto. As avaliações das variáveis pH e concentração ruminal de amônia foram feitas segundo o esquema de medidas repetidas no tempo (Kaps & Lamberson, 2004). Os resultados foram avaliados por intermédio do procedimento PROC MIXED SAS (SAS, 1999), adotando-se 0,05% como nível crítico de probabilidade para o erro tipo I, sendo as comparações entre médias realizadas através de contrastes ortogonais.

Resultados e Discussão

Não foi observado efeito (P>0,05) da interação entre inclusão de cal e tempo de armazenamento da cana-de-açúcar, e do tempo de armazenamento da cana-de-açúcar (P>0,05) sobre os consumos de matéria seca, matéria orgânica, proteína bruta, fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína bruta e carboidratos não-fibrosos.

Esses resultados estão de acordo com as observações de Pontes (2007), que não observou efeito dos tempos de armazenamento da cana-de-açúcar (de 0 a 24 horas) nem da interação entre tempos de armazenamento da cana-de-açúcar e níveis de inclusão de cal sobre o consumo de nutrientes por ovinos. Porém, Alvarez et al. (1977) reportaram redução de 10% no consumo voluntário de cana-de-açúcar quando houve fermentação por 24 horas, e concluíram que isso poderia ser prevenido tratando a cana-de-açúcar com hidróxido de sódio.

Dessa forma, a possibilidade de conservação desse material para fornecimento aos animais por 72 horas após o corte não influenciaria o consumo de nutrientes, como observado nesse experimento, mas permitiria uma melhor logística e, consequentemente, uma redução dos custos associados com corte, transporte e trituração. Segundo Santos et al. (2005), a única vantagem da utilização de cal para hidrólise da cana-de-açúcar é a possibilidade de armazená-la já picada. Considera-se que ocorrem perdas de matéria seca tanto na cana-de-açúcar in natura quanto na hidrolisada, e que essa perda foi menor na cana hidrolisada com 1,0 e 1,5% de cal, quando mantida por até dez dias já picada.

Os níveis de inclusão de cal aumentaram linearmente (P<0,05) os consumos de matéria seca, matéria orgânica e carboidratos não-fibrosos, porém não influenciaram (P>0,05) os consumos de proteína bruta, extrato etéreo e fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína bruta (Tabela 2). Uma possível explicação para o efeito dos níveis da cal sobre o consumo de matéria seca seria a relação positiva observada entre os níveis de cal e o teor de matéria seca das dietas. No entanto, também foi observado aumento linear (P<0,05) para o consumo de matéria orgânica em relação ao nível de inclusão de cal, o que sugere efeito direto da cal sobre os consumos de matéria seca, matéria orgânica e carboidratos não-fibrosos, já que o último não mostrou um padrão de variação homogêneo em relação ao nível de cal (Tabela 1).

Contudo, os consumos de matéria seca observados no atual experimento, com uma média de 1,25% PV e 3,12 kg, foram baixos, quando comparados aos obtidos por Pina (2008), que, trabalhando com dietas similares e animais de desempenho, observaram uma redução nos consumos de alguns nutrientes com a inclusão de cal, sendo observado um consumo médio de MS de 6,07 kg por dia. Possivelmente, o efeito examinado sobre o consumo de MS no atual experimento possa estar relacionado com aumento na ingestão de água e, por conseqüência, na taxa de passagem.

Losada et al. (1977), estudando o efeito da inclusão de quatro níveis de NaOH (0, 2, 4 e 6%) na matéria seca da cana, encontraram tendência de aumento linear no consumo de acordo com o nível de NaOH (6,82; 7,66; 7,80 e 8,12 kg de MS por dia, para os níveis de 0 a 6%, respectivamente). Ezequiel et al. (2005) consideraram significativo o efeito do tratamento alcalino da cana-de-açúcar com hidróxido de sódio (1,5 a 5,0% de NaOH) sobre a digestibilidade total e o consumo de matéria seca das dietas experimentais utilizando bovinos mestiços (Zebu x Holandês) alimentados com cana-de-açúcar in natura hidrolisada, hidrolisada fenada e hidrolisada ensilada como fontes volumosas.

O armazenamento da cana por três dias reduziu (P<0,05) a digestibilidade aparente total da matéria seca, matéria orgânica e fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína bruta, mas não afetou (P>0,05) a digestibilidade aparente total dos demais nutrientes nem a digestibilidade aparente ruminal dos nutrientes.

Os fluxos de matéria seca fecal e abomasal não foram afetados pelos níveis de inclusão de cal, pelos tempos de armazenamento da cana nem pelos indicadores. Nenhuma interação (P>0,05) entre esses fatores foi observada para as variáveis analisadas (Tabela 3).

Segundo Van Soest (1994), a baixa digestibilidade da fibra insolúvel em detergente neutro da cana-de-açúcar está relacionada à alta concentração de lignina e a sua ligação com os carboidratos estruturais (hemicelulose e celulose), que impede a ação dos microrganismos ruminais sobre esses carboidratos. No entanto, essas ligações do tipo éster, nas gramíneas, são particularmente susceptíveis à ação hidrolítica, justificando a utilização de álcalis no tratamento da cana-de-açúcar, o qual promove solubilização de parte da lignina pelo aumento de pH. Dessa forma, Oliveira et al. (2002) sugeriram que agentes alcalinizantes – como o hidróxido de sódio (NaOH), o hidróxido de cálcio (Ca(OH)2), a amônia anidra (NH3) e, usado mais recentemente, o óxido de cálcio (cal) – podem ser utilizados para melhorar os coeficientes de digestibilidade de resíduos agroindustriais, palhas e cana-de-açúcar in natura.

Contudo, nesse experimento não foi observado nenhum efeito dos níveis de inclusão de cal ou dos tempos de armazenamento da cana sobre a digestibilidade aparente total e ruminal. Segundo Schmidt et al. (2006), o objetivo principal da hidrólise da cana não é permitir que o animal aproveite melhor a fibra, mas sim fazê-lo consumir mais cana e, consequentemente, mais energia, principal nutriente dessa planta. Tal propósito está em concordância com as observações desse experimento, de que o nível de inclusão de cal aumentou linearmente (P<0,05) o consumo de NDT (kg/ dia).

Apesar de o tempo de armazenamento da cana-de-açúcar não ter afetado o consumo de nutrientes (Tabela 2), influenciou de forma negativa (P<0,05) a digestibilidade aparente total da matéria seca, da matéria orgânica e da fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína bruta, o que pode refletir em perda de qualidade em função do tempo de armazenamento independentemente (P>0,05) do nível de inclusão de cal (Tabela 3), que não alterou (P>0,05) a digestibilidade aparente total ou ruminal de nenhum dos nutrientes avaliados.

Os indicadores utilizados para estimar os fluxos de matéria seca fecal e abomasal, TiO2 e Cr2O3, produziram estimativas similares (P>0,05) para as digestibilidades da matéria seca, da matéria orgânica, da proteína bruta, do extrato etéreo, da fibra em detergente neutro corrigida para cinzas e proteína bruta e dos carboidratos não-fibrosos, e, conseqüentemente, estimativas equivalentes para o total de nutrientes digestíveis (NDT % ou kg/dia). Essa ausência de efeito dos indicadores sobre a digestibilidade aparente total e ruminal dos nutrientes sugere que ambos são adequados para avaliar os locais de digestão dos nutrientes, e que a escolha do melhor indicador deve incluir seu preço e facilidade de análise.

Pina et al. (2009), trabalhando com novilhas nelores alimentadas com diferentes níveis de concentrado (20 e 40% na MS da dieta) e diferentes níveis de PNDR (25 e 40% PB), não encontram diferença significativa (P>0,05) entre o dióxido de titânio e o óxido crômico para estimar os fluxos de matéria seca abomasal, ileal e fecal, o que corrobora as observações desse experimento.

A concentração de N-NH3 foi influenciada (P<0,001) pelo tempo de coleta das amostras, observando-se significância para os contrastes linear (L), quadrático (Q) e cúbico. Porém, nenhum efeito da inclusão de cal (P = 0,71) do tempo de armazenamento (P = 0,43) ou da interação entre os tratamentos (P>0,05) foi observado.

O comportamento das concentrações de N-NH3, em função do tempo de coleta (Figura 1), mostra que o modelo que melhor se ajustou aos dados foi o cúbico (Tabela 4).


As concentrações de N-NH3 variaram de 8,19 a 21,5 mg/dL no intervalo de 0 a 6 horas após a alimentação (Figura 1). A concentração correspondente à 2ª hora está de acordo com a faixa proposta por Mehrez et al. (1977), ou seja, a máxima atividade fermentativa ruminal é obtida quando o N amoniacal alcança valores entre 19 e 23 mg N/dL de líquido ruminal. Já nos demais tempos, os valores situaram-se acima do valor mínimo proposto por Satter & Slyter (1974), de 5 mg N-NH3/dL de fluido ruminal para promover taxas máximas de crescimento microbiano in vitro.

Os valores de pH ruminal foram influenciados (P<0,001) pelos tempos de coleta das amostras, pela inclusão de cal (P<0,01), pelo tempo de armazenamento da cana – sendo também observadas interações significativas (Tabela 4) entre a inclusão de cal e o tempo de armazenamento da cana-de-açúcar (P<0,05) – e entre os tempos de coleta das amostras e o nível de inclusão de cal (P<0,05). Comportamentos lineares (P<0,05) e quadráticos (P<0,05) foram observados para o pH devido ao efeito do nível de inclusão de cal dentro do dia zero. Contudo, o comportamento observado para o pH devido ao efeito do nível de inclusão de cal dentro do terceiro dia foi linear (P<0,05).

O comportamento do valor de pH devido ao efeito do nível de inclusão de cal dentro do tempo zero não foi linear (P = 0,95) e nem quadrático (P = 0,80). Contudo, o comportamento de pH devido ao efeito do nível de inclusão de cal dentro dos tempos 2, 4 e 6 horas foram lineares crescentes (P<0,01), confirmando o efeito alcalinizante da cal no ambiente ruminal. O valor de pH devido ao efeito do tempo de amostragem dentro dos níveis de inclusão de cal (0; 0,5 e 1,0) foi linear (P<0,001) e quadrático (P<0,001). O comportamento linear decrescente parece ser o mais adequado para explicar a variação no valor do pH em função dos tempos de amostragem e dos níveis de cal, apesar da alta significância observada para o efeito quadrático (Tabela 4).

Uma generalização é que o pH abaixo de 6 inibe a degradação da celulose. Sob condições normais, os microrganismos celulolíticos crescem naturalmente em pH igual a 6,7, e desvios substanciais para elevar ou diminuir esse valor são inibitórios. Uma variação de pH em que a atividade poderia manter-se próxima do normal seria de 0,5 unidades. Valores de pH inferiores a 6,2 inibem a taxa de digestão e aumentam o lag time para a degradação da parede celular (Van Soest, 1994). Os valores de pH ruminal obtidos nesse experimento situaram-se na faixa de 6,18 a 6,81 e foram próximos dos valores sugeridos por Van Soest (1994) e por Hoover (1986). Segundo esses autores a digestão ruminal da fibra sofre redução em valores de pH abaixo de 6, e que a faixa de 6,2 a 7,0 é a ideal.

Conclusões

A inclusão de cal na cana-de-açúcar em até 1% da matéria natural promove aumento linear no consumo de matéria seca pelos animais, mas não melhora a digestibilidade. O armazenamento da cana por até três dias, com ou sem a inclusão de cal, não afeta o consumo de nutrientes, porém reduz a qualidade do material. Os indicadores dióxido de titânio e óxido crômico permitem obter estimativas semelhantes para a digestibilidade aparente total e ruminal dos nutrientes.

Recebido em 16/7/2008 e aproado em 24/6/2009.

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    Correspondências devem ser enviadas para:
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    Pesquisa financiada pelo CNPq/FAPEMIG
  • Publication Dates

    • Publication in this collection
      31 Aug 2010
    • Date of issue
      July 2010

    History

    • Received
      16 July 2008
    • Accepted
      24 June 2009
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