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Comparativo entre pacientes com diagnóstico de apendicite aguda atendidos em unidades de pronto atendimento e hospital de emergência

Resumos

Objetivo:

analisar, retrospectivamente, a relação tempo de atendimento aliado a possíveis complicações pós-apendicectomia com a presteza de transferência de pacientes atendidos em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) para hospital de emergência.

Métodos:

foram analisados, no período de janeiro a julho de 2012, pacientes com diagnóstico pré-operatório de apendicite aguda, submetidos à apendicectomia. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos conforme o local do primeiro atendimento. O grupo A incluiu os pacientes que receberam primeiro atendimento diretamente no setor de emergência do Hospital Municipal Lourenço Jorge (HMLJ) e o grupo B, constituiu-se de pacientes atendidos nas UPA e encaminhados para o HMLJ a fim de serem submetidos ao tratamento cirúrgico.

Resultado:

o tempo médio decorrido entre o atendimento inicial e a cirurgia, no grupo A, foi 29 horas (DP=21,95) e de 54 horas no grupo B (DP=54,5). Considerando o início dos sintomas, os pacientes do grupo A demoraram, em média, 67 horas para serem operados (DP=42,55), enquanto os do grupo B, 90 horas (DP=59,58). Após a operação, os pacientes do grupo A ficaram internados, em média, 94 horas (DP=73,53) e os do grupo B, 129 horas (DP=193,42).

Conclusão:

após análise dos resultados, concluiu-se que não houve diferença significativa no tempo decorrido entre o início dos sintomas, o atendimento inicial e o início do tratamento cirúrgico, nem no tempo decorrido entre o tratamento cirúrgico e a alta hospitalar.

Apendicite; Tempo de internação; Apendicectomia; Complicações pós-operatórias


Objective:

To retrospectively analyze the relationship of time of care, combined with possible post-appendectomy complications, with the promptness of transfer of patients seen in Emergency Care Units (UPA) to the emergency hospital.

Methods:

We analyzed patients with preoperative diagnosis of acute appendicitis undergoing appendectomy from January to July 2012. Patients were divided into two groups according to the site of the first care. Group A included patients who received initial care directly in the emergency department of the Lourenço Jorge County Hospital (HMLJ) and group B consisted of patients seen in the UPA and forwarded to HMLJ to undergo surgical treatment.

Results:

the average time between initial treatment and surgery in group A was 29 hours (SD = 21.95) and 54 hours in group B (SD = 54.5). Considering the onset of symptoms, the patients in group A were operated on average 67 hours after (SD = 42.55), while group B, 90 hours (SD = 59.58). After the operation, patients in group A were hospitalized, on average, for 94 hours (SD = 73.53) and group B, 129 hours (SD = 193.42).

Conclusion:

there was no significant difference in the time elapsed between the onset of symptoms, initial treatment and early surgical treatment, or time elapsed between surgery and discharge.

Appendicitis; Length of stay; Appendectomy; Postoperative complications


INTRODUÇÃO

A apendicite aguda é a causa mais comum dos atendimentos emergenciais em unidades hospitalares e é a doença inflamatória abdominal de tratamento cirúrgico de maior frequência em indivíduos jovens11. Nutels DBA, Andrade ACG, Rocha AC. Perfil das complicações após apendicectomia em um hospital de emergência. ABCD, arq bras cir dig. 2007;20(3):146-9. , 22. van Randen A, Laméris W, van Es HW, ten Hove W, Bouma WH, van Leeuwen MS, et al. Profiles of US and CT imaging features with a high probability of appendicitis. Eur Radiol. 2010;20(7):1657-66.. Predomina no sexo masculino numa razão de 1,4:1 e o risco de desenvolvimento dessa doença, ao longo da vida, é de 8,6% para os homens e 6,7% para as mulheres33. Addiss DG, Shaffer N, Fowler BS, Tauxe RV. The epidemiology of appendicitis and appendectomy in the United States. Am J Epidemiol. 1990;132(5):910-25..

A dor abdominal é o sintoma mais comum e precoce. Inicia-se na região mesogástrica e migra para a fossa ilíaca direita44. Humes DJ, Simpson J. Acute Appendicitis. BMJ. 2006;333(7567):530-4. tendo forte associação com o diagnóstico de apendicite aguda55. Andersson R. Meta-analysis of the clinical and laboratory diagnosis of appendicitis. Br J Surg. 2004;91(1):28-37..

Nos últimos anos, a ultrassonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC) têm sido amplamente utilizadas em pacientes com quadro clínico sugestivo de apendicite aguda para esclarecer o diagnóstico66. van Randen A, Bipat S, Zwinderman AH, Ubbink DT, Stoker J, Boermeester MA. Acute appendicitis: meta-analysis of diagnostic performance of CT and graded compression US related to prevalence of disease. Radiology. 2008;249(1):97-106.. A US apresenta a sensibilidade de 85%77. Torres OJM, Lins AAL, Nunes PMS, Corrêa FCF, Carvalho Júnior OS, Castro FC. Avaliação ultra-sonográfica da apendicite aguda. Rev Col Bras Cir. 2001;28(1):39-43., no entanto, a TC tem maior acurácia88. Weston AR, Jackson TJ, Blamey S. Diagnosis of appendicitis in adults by ultrasonography or computed tomography: a systematic review and meta-analysis. Int J Technol Assess Health Care. 2005; 21(3):368-79.. A utilização deste exame, nos pacientes com quadro clínico suspeito ou naqueles com dúvida diagnóstica, diminuiu, sobremaneira, os índices de laparotomias negativas99. Rosengren D, Brown AF, Chu K. Radiological imaging to improve the emergency department diagnosis of acute appendicitis. Emerg Med Australas. 2004;16(5-6):410-6..

A gravidade da doença está diretamente ligada ao tempo de evolução. A perfuração é a complicação mais frequente e está associada ao retardo diagnóstico. Trinta e seis horas, após o início dos sintomas, o risco de perfuração é de 16 a 36% e esse risco aumenta cerca de 5% a cada 12 horas1010. Bickell NA, Aufses AH Jr, Rojas M, Bodian C. How time affects the risk of rupture in appendicitis. J Am Coll Surg. 2006;202(3):401-6.. A morbidade e a mortalidade também estão relacionadas ao tempo de evolução e, consequentemente, à perfuração. A taxa de mortalidade, nas apendicites não perfuradas, é de 0,08% e de 0,51% nos casos onde há perfuração1111. Blomqvist PG, Andersson RE, Granath F, Lambe MP, Ekbom AR. Mortality after appendectomy in Sweden, 1987-1996. Am Surg. 2001;233(4):455-60.. Da mesma forma, as complicações são mais frequentes nos casos operados mais tardiamente11. Nutels DBA, Andrade ACG, Rocha AC. Perfil das complicações após apendicectomia em um hospital de emergência. ABCD, arq bras cir dig. 2007;20(3):146-9.. Sendo assim, devem-se concentrar esforços em realizar diagnóstico e tratamento precoces visando a uma menor morbidade e mortalidade.

Em 2003, o governo brasileiro, através do Ministério da Saúde, instituiu a Política Nacional de Urgência e Emergência com objetivo de estruturar e organizar a rede de urgência e emergência no país1212. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção às urgências / Ministério da Saúde. 3a ed ampl. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.. As Unidades de Pronto Atendimento são estruturas de complexidade intermediária que fazem parte desse programa. Após acolhimento e classificação de risco, os pacientes, com dor abdominal e suspeita clínica de apendicite aguda, atendidos nessas unidades, podem, obedecendo a um sistema de regulação, ser encaminhados para um hospital de emergência para a realização do tratamento cirúrgico.

Uma vez que a morbidade e a mortalidade da apendicite aguda estão diretamente ligadas ao tempo de evolução da doença, um retardo no tratamento, devido à necessidade de uma transferência entre unidades de saúde, poderia causar maiores complicações e mortalidade nesse grupo de pacientes. Sendo assim, resolvemos analisar, retrospectivamente, a relação tempo de atendimento, aliado às possíveis complicações pós-apendicectomias, com a presteza de transferência de pacientes atendidos em Unidades de Pronto Atendimento para um hospital de emergência.

MÉTODOS

Foram analisados retrospectivamente os pacientes submetidos à apendicectomia no Hospital Municipal Lourenço Jorge (HMLJ), no Rio de Janeiro, entre os meses de janeiro e julho de 2012. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos de acordo com o local onde receberam o primeiro atendimento. O grupo A constituiu-se de pacientes que procuraram espontaneamente o setor de emergência do HMLJ, onde foram operados. O grupo B constituiu-se de pacientes atendidos inicialmente nas UPA da cidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, encaminhados ao HMLJ para tratamento cirúrgico, após efetiva avaliação dos sinais e sintomas e confirmação do diagnóstico de apendicite aguda. Foi avaliado o tempo decorrido: entre o início dos sintomas e inicio da apendicectomia (t1), entre o atendimento inicial e inicio da apendicectomia (t2) e entre a operação e a alta hospitalar (t3). Os intervalos de tempo foram medidos em horas, procedendo-se a devida avaliação intraoperatória. Foram analisadas e comparadas as complicações em cada grupo. Foi aplicado o teste t de Student, para avaliação dos intervalos de tempo e foram considerados, estatisticamente, significativos valores de p<0,05.

RESULTADOS

Foram analisados os prontuários médicos de 24 pacientes do grupo A e 34 do grupo B. O sexo masculino prevaleceu em ambos os grupos e não houve diferença na média de idade entre os grupos (Tabela 1).

Tabela 1 -
Pacientes submetidos à apendicectomia, relacionando o sexo e a média de idade.

Todos os pacientes apresentavam dor abdominal. Não houve diferença significativa entre o número de pacientes que apresentava dor localizada ou dor difusa entre os grupos, no entanto, encontrou-se um percentual elevado de pacientes com dor abdominal difusa. Sessenta e oito por cento dos pacientes do grupo B apresentaram vômitos (Figura 1).

Figura 1 -
Comparação percentual dos sinais e sintomas observados nos pacientes atendidos na UPA e no HMLJ.

A avaliação intraoperatória demostrou que 63% dos pacientes do grupo A e 66%, do grupo B, apresentavam de apendicite supuradas com perfuração ou com necrose (Tabela 2).

Tabela 2 -
Achados intraoperatórios.

Não houve diferença significativa no intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e a apendicectomia (t1), entre o atendimento inicial e a apendicectomia (t2) e o tempo de internação pós-operatório (t3), apesar de o tempo médio, em horas, ser superior no grupo B (Tabela 3).

Tabela 3 -
Média do tempo, em horas, do dia do primeiro atendimento até a alta hospitalar, relacionando o local do primeiro atendimento.

O percentual das complicações observadas foi semelhante, independente do local do primeiro atendimento (Tabela 4).

Tabela 4 -
Percentuais das complicações observadas após apendicectomia, comparando o local do primeiro atendimento.

DISCUSSÃO

As Unidades de Pronto Atendimento, parte da Política Nacional de Urgência e Emergência, permitiram que mais unidades de saúde estivessem à disposição da população e mais perto de suas residências. Por outro lado, a inclusão de mais uma etapa, no tratamento daqueles cujos prognósticos estão ligados ao tratamento precoce, poderia piorar os resultados e aumentar a morbidade e a mortalidade.

Sabidamente, mesmo em países mais desenvolvidos, como nos Estados Unidos, os pacientes submetidos à apendicectomia por apendicite aguda em hospitais do governo, apresentam-se mais frequentemente com perfuração e têm maior tempo de internação hospitalar se comparados com aqueles tratados em hospitais privados1313. Lee SL, Yaghoubian A, Kaji A. County versus private hospitals: access of care, management and outcomes for patients with appendicitis. JSLS. 2012;16(2):283-6.. Segundo dados do National Hospital Ambulatory Medical Care Survey, nos Estados Unidos, entre 1997 e 2006, o tempo de espera pelo diagnóstico foi maior na população de menor renda1414. Wu BU, Banks PA, Conwell DL. Disparities in emergency department wait times for acute gastrointestinal illnesses: results from the National Hospital Ambulatory Medical Care Survey, 1997-2006. Am J Gastroenterol. 2009; 104(7):1668-73.. O mesmo acontece em nosso país. Coelho et al. publicaram maior tempo de internação, maior número de complicações pós-operatórias e retardo no retorno às atividades nos pacientes operados em hospital público, se comparados com aqueles operados em unidade privada1515. Coelho JC, Fernandes FM, Cortiano LG, Leme GM, Sadowski JA, Artner CL. Appendectomy. Comparative study between a public and a private hospital. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(5):522-7..

No presente trabalho, constata-se que, independente do local do primeiro atendimento, os pacientes claramente apresentaram um elevado tempo entre o início dos sintomas e o tratamento cirúrgico, bem como, um prolongado tempo médio de internação, mesmo se comparado com hospitais públicos brasileiros1616. Franzon O, Piccoli MC, Neves TT, Volpato MG. Apendicite aguda: análise institucional no manejo peri-operatório. ABCD, arq bras cir dig. 2009;22(2):72-5..

Destaca-se também o elevado número de apendicites com perfuração e necrose, compatível com a doença em fase avançada e, portanto, com pior prognóstico.

Pode-se observar, ainda, uma tendência de aumento do tempo decorrido entre o início dos sintomas e a cirurgia (t1), entre o atendimento inicial e a cirurgia (t2), bem como, aumento do tempo de internação pós-operatória (t3) nos pacientes atendidos inicialmente nas UPA, se comparados com aqueles atendidos diretamente no Hospital. No entanto, levando-se em consideração o quantum analisado, essa diferença não foi significativa. Uma amplificação do número de pacientes poderia confirmar esse achado.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2013
  • Aceito
    25 Jan 2014
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