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Uma visão ética sobre novos procedimentos cirúrgicos

A etical vision about new surgery procedures

EDITORIAL

Uma visão ética sobre novos procedimentos cirúrgicos

A etical vision about new surgery procedures

TCBC Isac Jorge Filho

Doutor em Cirurgia, Conselheiro e ex-Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Coordenador da Comissão de Ética em Pesquisa do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

As origens da Medicina se perdem nas brumas dos tempos. Achados arqueológicos milenares tem mostrado manifestações ligadas à preocupação e tratamento das doenças. Os médicos dos dias de hoje são herdeiros dessa herança e devem dignificá-la. Os Juramentos e Códigos de Ética tem, exatamente, esse sentido, se bem que o Juramento de Hipócrates hoje é feito, em muitas Faculdades de Medicina, dentro de um ambiente carnavalesco e absolutamente desrespeitoso.

Os avanços da Cirurgia ocorreram a partir de pioneiros, que, com iniciativa e coragem, ousaram inovar. Essa liberalidade teve um alto preço. Ao lado de experimentos de inegável valor ocorreram ousadias técnicas realizadas em seres humanos, sem aquiescência dos mesmos ou com aquiescência a partir de desinformações, que determinaram centenas e centenas de mortes e seqüelas. Dizia-se que era "o preço do avanço", mas as vítimas, certamente, não pensavam assim. O clímax dos experimentos operatórios envolvendo seres humanos ocorreu sob o nazismo. Acabada a guerra resolveu-se dar um basta aos abusos. O Código de Nuremberg é o primeiro documento oficial a proteger a autonomia dos sujeitos de pesquisas e normatizar as pesquisas envolvendo seres humanos, com o aceno forte de que cada projeto deveria ser analisado por uma comissão externa e independente com relação ao ambiente onde a pesquisa seria realizada. Sônia Vieira e William Saad Hossne escreveram "Experimentação com seres humanos", um pequeno livro, de grande e profundo conteúdo, publicado pela Editora Moderna, de São Paulo, em 1987.

No Brasil a Resolução 196/96 que criou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) definiu normas para pesquisas eticamente corretas. Cada pesquisa a ser analisada deve incluir um protocolo que garanta o livre arbítrio dos sujeitos de pesquisa (AUTONOMIA) por meio de consentimento livre e esclarecido; que danos serão evitados (NÃO MALEFICÊNCIA) e que tenha relevância social com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis (BENEFICÊNCIA), o que garante igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (JUSTIÇA E EQÜIDADE). Por outro lado, o Código de Ética Médica, em seu artigo 124, determina que "É vedado ao Médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis consequências".

Nem sempre é fácil definir quais procedimentos necessitam pesquisa e quais podem ter aplicação direta na população. Alguns cirurgiões entendem que se você usa instrumental consagrado em outras operações isso lhes dá o direito de aplicar novos procedimentos sem passar pela fase de pesquisa. Não é simples assim. A Resolução 196/96 define que "todo procedimento, de qualquer natureza, envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem, entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica".

Atualmente está em voga a discussão sobre as Cirurgias Endoscópicas Transluminares por Orifícios Naturais (CETON ou NOTES). Seriam procedimentos experimentais ou de livre utilização?

Se considerados procedimentos experimentais devem seguir a Resolução 196/96, e restritas a grupos de pesquisa.

Se considerados procedimentos de livre utilização os Cirurgiões devem obedecer o Código de Ética Médica, principalmente os artigos adiante citados.

O Artigo 2º determina que "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional". A questão a ser analisada é: ao usar uma técnica inicial, em detrimento de outra, já consagrada, o médico está dando ao paciente o melhor de sua capacidade profissional?

O Artigo 21 diz que "É direito do Médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no País". NOTES são práticas reconhecidamente aceitas?

Já o Artigo 29 é fundamental: "É vedado praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência". Aqui cabe a seguinte questão: nos casos de complicações, diante de um procedimento ainda experimental na grande maioria dos países do mundo, como irá o cirurgião se defender, inclusive na justiça comum, da denúncia de imprudência e até mesmo imperícia?

São fundamentais e emblemáticas as recomendações da Australian Safety and Efficacy Register of New Interventional Procedures- Surgical, a partir de extenso estudo, nos seguintes termos: "NOTES ainda está em estágio precoce de desenvolvimento e tecnologias mais robustas podem ser necessárias. Estudos bem conduzidos devem ser realizados para determinar a segurança e eficiência em aplicação clínica. Os procedimentos híbridos NOTES/laparoscopia podem auxiliar na avaliação da segurança de NOTES em modelos humanos, antes de ter aplicação em grandes estudos. Procedimentos e estudos de NOTES devem ser realizados sob estritos protocolos".

Nesta linha cabem algumas recomendações aos pioneiros. Mais que direitos, eles tem deveres de responsabilidade já que, a partir de seus trabalhos, acabarão por influenciar e atrair outros profissionais, nem sempre com o mesmo preparo e experiência. Iniciar o procedimento por meio de pesquisas com protocolos bem elaborados certamente afastará aventureiros de primeira hora e trará reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional.

No entanto, mais importante que tudo isso é a segurança daquele que é o objetivo indiscutível do trabalho médico: O PACIENTE.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009
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