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Aspectos médico-legais da cirurgia para hérnia inguinal

Medical and legal aspects of inguinal hernias repair

Resumo

Professional responsibility is an inherent factor to the medical activity. Therefore, the adoption of a healthy conduct based on good relationship between the physician and the patient, as well as the understanding of this professional of the several aspects involved in the inguinal hernia repairs, are considered the better means to protect himself against possible litigations with its patients. This issue provides a complete evaluation of medical and legal problems related to the inguinal hernia surgery, and discusses the care that surgeon must exercise during preoperative, intraoperative and postoperative periods. That authors also comment about medical error and its conception from the point of the new Civil Code.

Hernia; Hernia; Surgery; Liability; legal


Hernia; Hernia; Surgery; Liability; legal

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Aspectos médico-legais da cirurgia para hérnia inguinal

Medical and legal aspects of inguinal hernias repair

José Guilherme Minossi, TCBC-SPI; Alcino Lázaro da Silva, TCBC-MGII

IProfessor Assistente Doutor do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; Titular do CBCD e SOBRACIL; Perito Judicial

IIProfessor Titular de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; Titular do CBCD

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Guilherme Minossi Praça Irmãos Ferreira, 171 - Cerqueira César 18760-000 – São Paulo – SP E-mail: jminossi@fmb.unesp.br

ABSTRACT

Professional responsibility is an inherent factor to the medical activity. Therefore, the adoption of a healthy conduct based on good relationship between the physician and the patient, as well as the understanding of this professional of the several aspects involved in the inguinal hernia repairs, are considered the better means to protect himself against possible litigations with its patients. This issue provides a complete evaluation of medical and legal problems related to the inguinal hernia surgery, and discusses the care that surgeon must exercise during preoperative, intraoperative and postoperative periods. That authors also comment about medical error and its conception from the point of the new Civil Code.

Key words: Hernia, inguinal/surgery; Surgery/legislation & jurisprudence; Liability, legal.

INTRODUÇÃO

Os aspectos médico-legais da cirurgia para hérnia não diferem, de um modo geral, dos aspectos médico-legais aplicáveis ao exercício da Medicina, como um todo. Estes aspectos vêm à tona quando um paciente, não contente com o resultado do procedimento cirúrgico, ou por apresentar uma complicação, leva o médico ao tribunal por suposto erro médico.

O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma de conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano sofrido pelo paciente que pode ser caracterizado como imperícia, negligência ou imprudência do médico, no exercício de suas atividades profissionais.

O termo erro médico nos parece inadequado para expressar esta conduta profissional atípica. O termo infortunística talvez seja mais apropriado. Na Infortunística está previsto o risco. Não havendo, no ato operatório, um dolo (má-fé, fraude) ou crime de charlatanismo, pensamos que o termo "erro" deveria ser retirado da linguagem médica. Se admitirmos ou falarmos em erro, confirmamos a sua existência e o subscrevemos na nossa prática cirúrgica. Uma lesão, pois, decorrendo de imperícia, imprudência ou negligência poderia ser chamada de Infortúnio, sem o risco de incorreção semântica.

Imprudente é o médico que age sem a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação ou insensatez. A imprudência tem sempre caráter comissivo.

A negligência caracteriza-se pela inação, indolência, inércia ou passividade. É a falta de observância aos deveres que a circunstância exige. É um ato omissivo.

A imperícia médica seria a falta de observação das normas, por despreparo prático e por insuficiência de conhecimento.

O erro médico pode ser argüido sob a responsabilidade legal, em que o médico responde criminal e civilmente pelos seus atos, e sob a responsabilidade moral, que é de competência dos Conselhos de Medicina, através de processos ético-disciplinares. O médico responde penalmente quando produz dano ao seu paciente, a não ser que prove a inexistência de culpa.

Na doutrina penal tem prevalecido a teoria subjetiva da culpa, em que o agente não quer o resultado e nem assume o risco de produzí-lo. Como esta previsão é eminentemente subjetiva, torna-se difícil atribuir ao médico uma responsabilidade criminal, a não ser que o caso seja de flagrante culpa.

A responsabilidade civil gira em torno de duas teorias: a subjetiva e a objetiva. A teoria subjetiva tem na culpa seu fundamento basilar. Esta teoria começa a ser atualmente contestada por várias razões: a imprecisão do conceito de culpa, o sacrifício do coletivo em função de um egoísmo individual, sem imputabilidade nos tempos atuais, e a socialização do direito moderno.

O conceito de culpa vai se materializando, surgindo a teoria objetiva da responsabilidade, que tem no risco sua viga mestra. O responsável pelo dano indenizará, simplesmente, por existir um prejuízo, não cogitando a existência de culpa, bastando a causalidade entre o ato e o dano para obrigar a reparação.

Os que contrariam este conceito admitem a teoria objetiva como materializadora, vingativa, baseada na justiça do "olho por olho", e preocupada com o aspecto patrimonial. Aqueles que defendem esta teoria vêem na solidariedade e eqüidade os fundamentos da nova conceituação da responsabilidade civil.

Com as alterações do nosso Código Civil, a partir de janeiro de 2003, há uma tendência em caracterizar o dano sofrido pelo paciente, na teoria objetiva. Desta forma, o causador do dano só está isento de indenizar o paciente, se for excluído o nexo de causalidade. Mesmo que nossa tradição seja firmada na responsabilidade subjetiva, firmada na imprudência, na imperícia ou na negligência, a legislação atual dá lugar ao conceito da responsabilidade objetiva com base na teoria do risco, isto é, aqueles casos em que o autor do dano pratica atividade que, por sua própria natureza, põe em risco o direito alheio, sua responsabilidade será objetiva, ou seja, independente da culpa1.

A maioria dos processos legais, movidos após a realização das herniorrafias inguinais, ocorre em decorrência de uma neuralgia persistente, tumefação testicular ou hipotrofia testicular. As queixas associadas incluem, quase sempre, alguma referência à disfunção sexual. Outras causas de ação judicial estão relacionadas com corpos estranhos deixados no paciente durante a cirurgia, tais como: instrumentos, gases ou compressas, e também por operar o lado contrário ou o paciente trocado.

CONTROLE DOS RISCOS PESSOAIS

A exposição do cirurgião a uma ação de erro médico pode ter origem nas fases pré-operatória, intra-operatória ou pós-operatória. Nestas fases o cirurgião deverá utilizar todas as habilidades profissionais e humanitárias com a finalidade de evitar ou minimizar qualquer confrontação.

É indiscutível que uma formação cirúrgica sólida, com conhecimentos da Anatomia, Fisiologia, Técnica Operatória e uma visão ampla da literatura médica, aliada à realização de Cursos de Pós-Graduação, profissionalizantes ou de atualização, pode conferir uma boa segurança e uma certa imunidade ao cirurgião.

O caráter humanístico em que se baseia o exercício profissional da medicina é outro aspecto fundamental. Deve o cirurgião, assim como sua equipe, se relacionar adequadamente com o paciente e seus familiares. Os pacientes e as famílias esperam que os médicos cumpram a sua palavra acerca dos encontros marcados e que se atenham ao horário da operação e da alta médica. É conveniente que o doente operado seja visitado pelo seu médico, pelo menos uma vez ao dia e, talvez, mais vezes, no caso em que se prevê alguma complicação pós-operatória.

Muitas vezes a confrontação pode ser criada por alguém diferente do cirurgião, como uma secretária, alguém do corpo de enfermagem ou um assistente. Os pacientes descontentes, com freqüência interpretam os encontros desagradáveis com este pessoal, como o sentimento e a responsabilidade de seu cirurgião. Em geral, o paciente cirúrgico percebe seu médico como sendo plenamente responsável por todo o tratamento que ele recebe, devendo, portanto, monitorizar a qualidade dos serviços proporcionados por seus auxiliares2.

FASE PRÉ-OPERATÓRIA

O cirurgião que planeja operar um paciente portador de hérnia deve examiná-lo, evitando confiar somente na história clínica. Se o paciente foi encaminhado por outro médico, o cirurgião deve confirmar o diagnóstico pessoalmente. Se houver dúvidas, é mais sensato protelar a cirurgia até que se possa confirmar a presença de hérnia.

Os cirurgiões que examinam o paciente, somente na sala de operação, são muito vulneráveis a problemas futuros, caso o mesmo sofra complicações no pós-operatório e mova um processo. Por esta razão, a avaliação pré-operatória jamais deve ser deficiente.

Realizar uma operação, apenas, por causa da dor inguinal, pode ser uma armadilha onerosa. Tipicamente, estes pacientes terão os seus sintomas exacerbados após a cirurgia.

Pacientes portadores de dores na região inguinal, em que não se percebe uma hérnia, deverão sofrer uma investigação para excluir problemas nos tratos genitourinário e gastrintestinal, no retroperitônio e, principalmente, desordens psíquicas que podem ser responsáveis pela dor. Da mesma maneira, naqueles portadores de hérnia típica e que apresentam queixas importantes de dores, convém fazer uma pesquisa semelhante para excluir outras causas responsáveis por esta dor. Se a avaliação for negativa, continua sendo imprudente para o cirurgião prometer que o reparo da hérnia será capaz de eliminar a dor. Esta segurança poderá ser interpretada como uma garantia, o que viola o consentimento informado. É uma atitude profissional quando o cirurgião compromete-se a reparar a hérnia, mas é ridículo para o cirurgião prometer que a operação irá eliminar a dor.

A avaliação pré-operatória deve incluir o conhecimento dos problemas médicos existentes, as medicações que estão sendo usadas e as alergias. Os pacientes que fazem uso de anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários devem interromper estes medicamentos por um período suficiente para permitir a correção do seu sistema de coagulação. Pacientes portadores de hipertensão arterial, diabetes, obesidade, doença pulmonar crônica, dentre outras, podem requerer cuidados especiais no pré-operatório.

Além dos dados obtidos na anamnese, um exame físico completo faz-se necessário. Cuidado especial deve ser dado ao abdome, onde a avaliação de outras hérnias é conveniente. A genitália deve ser examinada e quaisquer anormalidades dos testículos ou dos cordões espermáticos devem ser reconhecidas e comunicadas. Dependendo da história, sexo e idade, deve se realizar um exame retal. Todos os detalhes, especialmente as anormalidades, devem ser anotados no prontuário do paciente. Isto é particularmente importante em relação às cicatrizes relacionadas com tentativas prévias de herniorrafia ou vasectomia. É recomendável observar também se há hipotrofia testicular, após procedimento cirúrgico prévio na região inguinal.

É essencial, do ponto de vista legal, obter o consentimento informado, e que o mesmo fique anexado ao prontuário médico do paciente. É necessário explicar a técnica anestésica que se pretende utilizar e alguns aspectos da técnica operatória, incluindo o uso de material sintético, com os seus riscos de extrusão e infecção, assim como a possibilidade de lesões nervosas, vasculares e de hipotrofia testicular3-4.

Para os pacientes com hérnia recidivante, ou que foram submetidos a uma vasectomia, deve ser enfatizado o risco adicional imprevisível, porém reconhecido, dos problemas testiculares, como hipotrofia e dores crônicas. Alguns centros especializados em hérnias exigem que todos os pacientes que vão ser submetidos ao reparo da hérnia recidivante assinem uma permissão para uma possível orquiectomia.

Devem ser também relatadas algumas reações pósoperatórias esperadas, como equimose ao redor da ferida, na base do pênis e no escroto, tumefação dos tecidos ao redor da ferida e algumas áreas de parestesia, próximas à incisão. Se o paciente apresenta problemas conjugais, ou alguma disfunção sexual, deve-se anotar no prontuário que o reparo da hérnia não ajudará e nem dificultará o interesse ou o desempenho sexual.

Quando um paciente apresenta-se com uma hérnia inguinal unilateral sintomática e no transcorrer do exame identifica-se uma hérnia contralateral assintomática, que ainda não havia sido reconhecida, deve-se comunicar este achado ao paciente e discutir com o mesmo a validade do reparo simultâneo, porém sem insistência. Muitos processos judiciais foram movidos após um reparo bilateral, em virtude de queixas pósoperatórias incômodas, relacionadas à hérnia previamente assintomática e que não havia sido reconhecida pelo paciente.

Se a opção do tratamento for pela via laparoscópica, necessário é informar a necessidade de anestesia geral, o uso sistemático de prótese sintética, maior custo, desconhecimento das taxas de recidiva no acompanhamento a longo prazo e principalmente as complicações próprias do procedimento laparoscópico.

Quanto à realização de exames no pré-operatório, há cirurgiões que solicitam hemograma, perfil bioquímico, provas de coagulação, exame de urina, RX de tórax e eletrocardiograma a todos os pacientes, achando que em uma ação legal a ausência destes exames poderia ser interpretada como uma atitude negligente. Esta conduta gera um razoável investimento em Medicina Defensiva, nome e atitude que não deveriam ser admitidos pelo médico. Somos favoráveis ao uso criterioso de exames pré-operatórios, com base somente nos dados da história clínica e exame físico, nos quais há hoje razoável respaldo na literatura médica, o que protege o cirurgião no caso de ação penal. É provável que a maioria dos pacientes abaixo de quarenta anos não requeira nenhum exame subsidiário pré-operatório.

FASE INTRA-OPERATÓRIA

Uma vez na sala de operação, o cirurgião assume o comando. Apesar de todos na equipe operatória compartilharem de uma responsabilidade profissional individual (como contagem de compressas, anestesia, etc.), é o cirurgião que determina e mantém o tom e o ritmo na sala.

Embora as técnicas operatórias tenham diferido de um caso para outro, certas etapas técnicas podem exercer alguma influência sobre a responsabilidade potencial. O tamanho e a localização da incisão devem ser apropriados. É conveniente identificar e preservar os nervos ilioinguinal e genitocrural. Se o ducto deferente for seccionado inadvertidamente em um paciente jovem, deve ser prontamente reparado. Se o paciente for idoso, a ligadura de ambas as extremidades do canal deferente é uma conduta razoável. Se houver lipoma, em geral é excisado, porém é imprudente dissecar a gordura intersticial do cordão, pois este procedimento acarreta sangramento e muitas vezes trombose dos vasos espermáticos ou do plexo pampiniforme, resultando em complicações testiculares. Se os vasos espermáticos forem seccionados inadvertidamente, a artéria do ducto deferente pode manter a viabilidade testicular, não devendo o testículo, nessa circunstância, ser muito manipulado.

Durante a operação, a região inguinal deve ser bem explorada em busca de outro defeito herniário, inclusive a hérnia femoral. Quando se faz necessário abrir a fáscia transversal, é preciso ter cautela com o intestino e a bexiga, que se encontram próximos. Se houver lesão dos vasos epigástricos profundos, estes podem ser ligados e seccionados.

Nas hérnias indiretas inguinoescrotais, é preferível retirar a porção proximal do saco, abandonando a distal, para não correr risco de lesão dos vasos, na tentativa de remover todo o saco. Isto evita as grandes tumefações pós-operatórias e hipotrofia testicular.

Com relação à utilização de prótese sintética não existe ainda um consenso a respeito, existindo cirurgiões que as indicam rotineiramente e aqueles que a utilizam de maneira mais seletiva. Não há dúvidas de que nas hérnias indiretas grandes, nas hérnias diretas e recidivantes, as próteses sintéticas se constituem em boa opção. Acreditamos que as hérnias indiretas pequenas (tipo 1 e 2 de Gilbert) devam ser ainda tratadas por operações convencionais, sem o uso rotineiro de próteses, pois a recidiva é nula ou muito baixa.

A descrição da cirurgia deve ser sempre realizada e de preferência por quem operou e num período muito próximo da cirurgia. Alguns detalhes do procedimento, cujo registro é benéfico, incluem a identificação do nervo ilioinguinal e do genitofemoral, as manobras técnicas utilizadas para não desvascularizar o cordão, a identificação e a manipulação cuidadosa do ducto deferente e dos vasos do cordão, a inspeção para a possível presença de múltiplas hérnias, a decisão de utilizar material sintético e sua posição, o tipo de reforço utilizado, a revisão de hemostasia, a cautela com o nervo ilioinguinal e com o cordão espermático durante o fechamento da aponeurose do oblíquo externo, e o esforço destinado a deixar a cicatriz esteticamente desejável.

FASE PÓS-OPERATÓRIA

A fase pós-operatória inicia-se quando o paciente deixa a sala de operações. O cirurgião, sempre que possível deve se dirigir aos familiares e relatar como foi a intervenção. Antes da alta, o paciente deve receber por escrito ou verbalmente uma série de instruções sobre dieta, atividades, cuidados com a incisão e analgesia. Se ocorrerem complicações pós-operatórias, o paciente deve ser visto com a freqüência que se fizer necessária para o tratamento da intercorrência. Na maioria das vezes, os pacientes aceitarão as complicações pósoperatórias se o cirurgião e o pessoal de sua equipe cuidarem do problema e demonstrarem sua preocupação e interesse.

Um certo desconforto e dor no nível da incisão cirúrgica pode persistir por meses ou anos e pode ocorrer em parcela significativa dos operados, que ultrapassam a casa dos vinte por cento. A possibilidade desta ocorrência deve ser mencionada durante as discussões e constar no consentimento informado. Alguns pacientes, no entanto, têm uma neuralgia pós-operatória mais intensa e persistente e que, muitas vezes, atinge regiões maiores como a face interna e externa da coxa, podendo ser bilateral. Estes casos devem ser avaliados por eletroneuromiografia para excluir complicações das raquianestesias, como radiculites ou confirmar lesões nervosas no nível da região inguinal, particularmente o nervo cutâneo femoral lateral, cuja lesão determina uma área extensa de parestesia no nível da coxa.

A maioria das ações movidas por pacientes alegando dor pós-operatória incapacitante tem origem em pacientes que estão insatisfeitos em seus trabalhos, e tentam adquirir alguma forma de benefício previdenciário, sendo muito mais raras as situações relacionadas à responsabilidade civil propriamente dita. Em casos de litígios, envolvendo o paciente queixoso, é conveniente estabelecer a atitude do mesmo em relação à sua satisfação no trabalho e em seu meio, haja vista que muitas vezes o operado encontra-se fora do trabalho e pode alegar a dor pós-operatória persistente como uma dificuldade de reinserção neste mercado5.

Quanto à alegação de impotência pós-herniorrafia ou de incapacidade em manter uma ereção firme, simplesmente não existe qualquer explicação lógica para isto. Esta é, no entanto, uma queixa usada em virtude do impacto emocional que ela determina frente ao julgador.

Com relação às recidivas, obviamente elas existem em uma porcentagem razoável de casos, que varia de cirurgião para cirurgião, e de serviço para serviço.Embora a recidiva possa se constituir em causa de ação penal contra o cirurgião, é pouco provável uma sentença favorável ao queixoso, pois a recidiva deve ser considerada uma realidade tal qual é a própria hérnia. Recidivas muito precoces e freqüentes com o mesmo cirurgião, poderão eventualmente indicar uma inaptidão para realizar o procedimento e, portanto, passível de questionamento.

A feitura do prontuário médico é o aspecto mais importante na defesa do profissional. O prontuário deve ser realizado no consultório, onde todos os dados e orientações do pré-operatório são anotados. Por ocasião da internação, um novo prontuário deve ser utilizado, caso ela ocorra num local diverso da consulta inicial. Ele deve conter, além do motivo da internação, o relatório da operação e toda a evolução diária do paciente. Todas as visitas e seus horários devem ser registrados, assim como intercorrências e condutas adotadas. As anotações da enfermagem devem ser avaliadas pelo cirurgião, pois freqüentemente contêm termos inapropriados, que não refletem a realidade e podem comprometer futuramente a equipe médica. Quando uma cópia do prontuário é exigida pelo juiz, deve ser preparada e remetida como solicitado. É insensato fazer entradas subseqüentes ou alterações do registro médico para esclarecer a informação. Como regra geral, qualquer alteração no registro médico gera suspeita em relação ao acusado. Até mesmo quando estas entradas são pósdatadas, poderão ser usadas pelo advogado sagaz, para enfraquecer a defesa. Se ocorrer uma ação judicial, existirão todas as oportunidades para o acusado esclarecer todos os pontos controversos e explicar as razões para a realização ou não de um tratamento específico.

No caso de ocorrência de processo judicial contra o médico, será nomeado pelo juiz um perito médico de sua confiança para elaborar um laudo. Perito é aquele que tem grande conhecimento ou muita experiência em determinada coisa ou em algum campo do conhecimento. É um conselheiro, cujo parecer fundamentará resoluções, abrirá precedentes e criará situações por vezes irreversíveis. Acontece que o perito judicial realiza perícias em diversas áreas da Medicina e, muitas vezes, não detém conhecimento específico de uma matéria. Torna-se necessário e importante, portanto, que o médico acusado contrate um assessor de confiança e que, de preferência, o mesmo tenha conhecimentos específicos sobre a matéria, para funcionar como assistente técnico que irá acompanhar o perito e fiscalizá-lo, podendo elaborar um parecer que também será apreciado pelo magistrado6.

Concluindo, se o médico retomar o seu caminho de origem em que adotava o cuidado como meta principal, certamente, desaparecerão os termos "erro" e "medicina defensiva". A prevenção de um julgamento desconfortável e perigoso é adotar, realizar e cultivar uma Relação Médico-Paciente estreita. Aqui, o cuidado impera e todos os infortúnios, porventura existentes, serão explicados ou justificados e o respeito pelo médico jamais deixará ocorrer uma acusação. O que o paciente quer é atenção, carinho, cuidado e tratamento eficaz.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Paulo Antônio Coradi, Juiz de Direito, pela revisão de parte jurídica do texto.

Recebido em 26/04/2005

Aceito para publicação em 29/07/2005

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.

  • 1. França GV. Direito médico. São Paulo: Fundo Editorial BYK; 2003.
  • 2. Gilbert AI. Aspectos médico-legais da cirurgia para hérnia; controle de riscos pessoais. Clín Cir Am Norte. 1993; 3:623-35.
  • 3. Minossi JG. Hérnias Inguinais. In: Cataneo AJM, Kobayasi S, editores. Clínica cirúrgica. 1a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p. 376-80.
  • 4. Minossi JG, Kemp R, Picanço HC, et al Avaliação pós-operatória tardia de pacientes submetidos a herniorrafia Inguinocrural por via anterior, utilizando a técnica convencional ou a colocação de prótese sintética. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2004;17(4):163-9.
  • 5. Silva AL, Meyer TN, Santos AR. Hérnia e trabalho. In: Silva AL. Hérnias. 1Ş ed. São Paulo: Roca; 1992. p.1181.
  • 6. Rosa MVF. Perícia judicial: teoria e prática. Porto Alegre;1999.
  • Endereço para correspondência

    José Guilherme Minossi
    Praça Irmãos Ferreira, 171 - Cerqueira César
    18760-000 – São Paulo – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Recebido
      26 Abr 2005
    • Aceito
      29 Jul 2005
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